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Orçamento público e proteção ambiental.

Custos do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado

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Agenda 08/07/2014 às 14:18

3. ORÇAMENTO, RESERVA DO POSSÍVEL E O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS

3.1 A reserva do possível

Nos casos citados no capítulo anterior nota-se a inexorável problemática da compatibilização, num sistema homogêneo de normas jurídicas, entre o direito fundamental a um mínimo existencial ecológico e a chamada reserva do possível. É de se salientar que o cerne da questão é o mesmo que o da questão da pobreza, inexistindo, tanto para pobreza, riqueza quanto para mínimo existencial uma definição apriorística[87].

Isso implica em assumir que

[...] em matéria de controle de políticas públicas ambientais não é suficiente o esforço argumentativo e retórico no plano abstrato da norma, o que é, aliás, muito mais incumbência do legislador infraconstitucional. A justificação retórica, generalista e abstrata não demanda maiores esforços argumentativos. Ninguém questiona e nem duvida que seja um dever do Estado promover a defesa e a proteção do meio ambiente e que esse bem supremo garante, em última análise, a própria vida e assegura, por consequência, a dignidade da pessoa humana. O que é realmente imprescindível para a legitimidade [...], em matéria ambiental, é a compreensão e a justificação adequada da norma contexto, ou seja, da norma fundamental a ser construída para o caso concreto. Essa construção deve considerar o contexto fático da demanda, a riqueza e a credibilidade dos dados do caso concreto, a realidade atualizada dos programas estatais e o status de desenvolvimento econômico e social dos entes federativos envolvidos diretamente na política pública analisada[88].

Seguindo essa linha de pensamento, entendemos que, ao contrário do que pensa Sarlet[89], a escassez faz parte da delimitação do conteúdo de todos os direitos, inclusive do direito à vida. Trata-se da internalização dos custos econômicos dos direitos, haja vista que se for impossível a concreção de um direito não há como reconhecer sua existência. Dizer o contrário é esbarrar em uma contradição lógica. Afinal:

Mesmo o mais belo dos direitos, forjado na mais célebre teoria jurídica, pode sucumbir diante da realidade. A mais brilhante e consistente construção dogmática dos direitos humanos pode não se realizar se alguma minúcia – como por exemplo as despesas a serem geradas na tentativa de efetivação de um direito – não forem tomadas na devida consideração[90].

Daí que não se pode conceber a escassez como um defeito, senão como uma característica intrínseca aos recursos. Devemos, portanto, introjetar essa característica nas análises e ponderações respectivas às escolhas trágicas que se necessite fazer.

Do exposto acima parece ser possível extrair que, no campo da saúde, a escassez, em maior ou menor grau, não é um acidente ou um defeito, mas uma característica implacável. Também por isto nos permitimos ousar divergir de Sarlet (2007, p. 35) para entender que ante o caráter expansionista do chamado ‘direito à vida’, a escassez faz parte da definição, da delimitação em concreto do próprio direito, ou, como preferimos, da densificação e decisão quanto ao atendimento da pretensão (cf. Amaral, 2001, cap. 4), pelo que a chamada ‘reserva do possível’ é elemento integrante[91].

Com efeito, reserva do possível é “aquilo que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade” [92]. Nesse sentido, encontramos uma tríplice dimensão da reserva do possível:

(a) efetiva existência de recursos para efetivação dos direitos fundamentais; (b) disponibilidade jurídica de dispor desses recursos, em função da distribuição de receitas e competências, federativas, orçamentárias, tributárias, administrativas e legislativas; (c) razoabilidade daquilo que está sendo pedido[93].

Isto porque o interesse financeiro do Estado não é um interesse secundário, sob pena de serem cometidas graves injustiças para com os demais cidadãos-contribuintes-titulares também de direitos subjetivos fundamentais.

Não cabe, pois, negar mais a importância dos orçamentos públicos na efetivação desses direitos constitucionalmente fundados, pois, com relação a esses direitos, ‘O problema certamente está na formulação, implementação e manutenção das respectivas políticas públicas e na composição dos gastos nos orçamentos da União, dos estados e dos municípios’[94].

Há que se lembrar, ademais, que não fosse o planejamento financeiro, do qual o orçamento é o instrumento, independentemente de uma postura ativa do judiciário, a efetividade dos direitos fundamentais estaria fadada ao fracasso, seja pela mesma impossibilidade financeira de que se trata quando falamos de reserva do possível, seja pela injustiça da desigual distribuição de bens e ônus aos sujeitos. Como afirma José Reinaldo de Lima Lopes:

Engana-se quem acha que o Judiciário deve dar a um cidadão aquilo que que este não conseguiu da Administração porque ela não teria como dar a mesma coisa a todos. Se o Judiciário concedesse a um em particular, estaria certamente violando o direito de todos os outros pois atenderia com recursos públicos apenas os que conseguissem chegar a ele. Com o tempo transferir-se-ia para os tribunais a fila de atendimento. E ao fim do dia ele seria, da mesma forma que a Administração, obrigado a fechar as portas [...][95].

Com efeito, “O instrumento jurídico por excelência para ‘assegurar a continuidade de ações e investimentos de longo prazo’ e coordenar a ação entre atores relevantes é o orçamento, não apenas o anual, mas a disciplina jurídica do orçamento”[96].

Apesar disso, não pode o orçamento transformar-se em barreira completa à efetivação de direitos fundamentais, haja visto que sua função distributiva não se completa com a simples formulação, mas, principalmente com sua execução. Se é certo que uma imposição judicial no sentido de obrigar o Estado a uma prestação não contemplada no orçamento, segundo os fundamentos desta análise, é contramajoritária, também é certo inúmeras decisões políticas majoritárias, com o devido aporte orçamentário também não são concretizadas

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[...] Isso decorre de um sistema orçamentário que aceita como fato normal a inexecução ampla e imotivada do orçamento, embora a sua elaboração envolva os três Poderes – com destaque para o Executivo e o Legislativo – em complexo processo decisório. [...] os cortes são corriqueiros e atingem áreas em que a atuação do Estado é manifestamente deficiente, como saneamento, segurança pública – incluindo o sistema prisional degradado – educação e cultura[97].

Aqui também estão presentes as relações de poder referidas por Sunfeld[98] entre os grupos destinatários das prestações.

A visão que se deve ter, portanto, é sistemática e integrada, valendo a adoção da ponderação de que não basta a simples alegação de impossibilidade financeira, sem a respectiva demonstração, convertendo-se em

[...] razão de Estado econômica, num “AI-5” econômico que opera, na verdade, como uma anti-Constituição, contra tudo o que a Carta consagrou em matéria de direitos sócio-ambientais.

Há que se questionar se é possível falar em falta de recurso para a materialização de direitos fundamentais por intermédio de políticas públicas no âmbito de um orçamento no qual existem recursos destinados a áreas não prioritárias, como, por exemplo, recursos para a área de propaganda institucional do governo?

Nessa linha de priorização dos direitos fundamentais, Freire Junior sustenta que antes de os finitos recursos do Estado se esgotarem para os direitos fundamentais (meio ambiente), faz-se necessário esgotar os recursos financeiros alocados em áreas não prioritárias do ponto de vista constitucional e não do detentor do poder.[99]

Nesse sentido, para a efetividade dos direitos fundamentais tão importante como a busca individualizada da dignidade da pessoa humana é a da dignidade do orçamento.

Esta dignidade do orçamento torna, a nosso ver, descabido tratá-lo como ‘questão menor’. Até porque, como ‘levar o direito a sério é também levar a escassez a sério’ e como ‘justificar a decisão particular envolve a enunciação de alguma deliberação ‘universal’ pertinente à questão particular’ (Maccormick, 2007, p. 128), afirmar que alguém tem direito de receber dada prestação do Estado, sem limites nas possibilidades, demanda que se admita, ao menos implicitamente, um custeio ilimitado, a despeito das garantias constitucionais ligadas à tributação, ao respeito da propriedade e dos contratos, que protege não apenas os que contratam com o poder público, mas também o direito dos servidores aos seus vencimentos[100].

Concomitantemente às disposições orçamentárias, importa também para o tema da reserva do possível a temática da tributação.

3.2 Tributação e reserva do possível

O direito tributário, assim como o direito financeiro e orçamentário, é um importante mecanismo de compatibilização da reserva do possível com a efetivação dos direitos fundamentais, financiando estas prestações. Destarte, “O melhor mecanismo de justiça social é a tributação” [101].

Há que se destacar, inicialmente, decisões do Tribunal Constitucional alemão

[...] que abordaram a problemática da justiça tributária, reconheceu-se ao indivíduo e à sua família a garantia de que a tributação não poderia incidir sobre os valores mínimos indispensáveis a uma existência digna, o que, conforme refere o autor, não caracteriza propriamente um direito a prestações, mas sim de limitar a ingerência estatal na esfera existencial individual, ressaltando também uma dimensão defensiva do direito fundamental ao mínimo para uma existência digna. O princípio da dignidade da pessoa humana, nesses casos, é tomado como limite material ao poder de tributar[102].

Sob outro aspecto, porém, a tributação, enquanto meio mais democrático de atribuição de justiça socioambiental, cria tributos como modelo de financiamento e possibilita a expansão da reserva do possível.

No caso da tributação ambiental ganha destaque a extrafiscalidade, característica dos chamados “tributos ambientais” com o fim de condicionar a liberdade de escolha do agente econômico, por meio da graduação da tributária, com base em critérios ambientais[103].

Pode também a tributação expandir esse ângulo através das vinculações constitucionais de receitas de tributos, como já ocorre para a saúde e educação; através da instituição de contribuições de intervenção no domínio econômico, contribuições sociais e incentivos fiscais; do mesmo modo, o uso da seletividade do em impostos como IPI e ICMS[104].

Por outro lado, a tributação pode diminuir a reserva do possível, tal como ocorre quando o orçamento não adequadamente operado. “[...] esta situação ocorre quando parte da arrecadação da tributação é desviada para financiar outros elementos diversos dos direitos fundamentais ou se perde no custeio de uma máquina pública” [105].

Com isso, algumas situações que levam à diminuição da reserva do possível são a Desvinculação de Receitas da União, que fere a repartição federada de receitas tributárias; a desvinculação de receitas de contribuições sociais; a não aplicação das receitas de contribuições sociais e das CIDES nas destinações constitucionalmente previstas; a guerra fiscal entre estados-membros e municípios; a complexidade do sistema tributário nacional e; “a realidade da edição sistemática de normas jurídicas inconstitucionais no sistema nacional, que ferem os direitos fundamentais do contribuinte e os princípios basilares do Estado de Direito, da segurança jurídica e da justiça fiscal”[106].


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ante o exposto, verifica-se que o sistema do direito posto é homogêneo e autopoiético, relacionado diretamente com a ação. Seu papel é eminentemente prescritivo, não se conformando com uma meramente descritiva ou de protocolo de intenções.

Por isso, prescreve condutas e estipula comportamentos através das normas jurídicas, unidades mínimas de significação do sistema. Para se fazer concreto, portanto, o direito não pode restar alheio a questões básicas como a da escassez e do financiamento dos direitos, particularmente no que respeita aos direitos subjetivos fundamentais.

Considerando que todos os direitos subjetivos fundamentais, numa concepção operacional e pragmática, são positivos, tem custos, exigem dispêndio financeiro, ainda que indiretamente, tais variáveis devem ser incorporadas ao próprio núcleo desses direitos. Um direito de realização impossível não pode ser considerado direito subjetivo, prestação justiciável, por mais importante que seja.

Com isso, ao lado da dignidade da pessoa humana, importa promover a dignidade do orçamento público. Este sim, instrumento de promoção de direitos fundamentais ao lado da tributação.

No caso dos direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é salutar a sua dimensão coletiva e o fato de vivermos na chamada “sociedade de risco”. O custo da omissão na promoção do direito em questão pode ultrapassar em muito o custo da ação. E, mais que isso, pode não haver sobre o que agir no futuro.

Todos esses fatores devem estar presentes desde a formação da política pública e elaboração do orçamento até o momento da tributação e execução do orçamento.


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Sobre a autora
Fernanda Karoline Oliveira Calixto

Mestra em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL, Pós-graduada em Direito Administrativo pela Faculdade Wenceslaw-Brás, Advogada do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Estácio de Alagoas, Professora no Centro Universitáro CESMAC e na Faculdade Raimundo Marinho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CALIXTO, Fernanda Karoline Oliveira. Orçamento público e proteção ambiental.: Custos do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4024, 8 jul. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28674. Acesso em: 23 dez. 2024.

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