É fato que as relações obrigacionais onerosas envolvem prestações e contraprestações. O desenvolvimento ordinário da relação prevê que cada parte cumpra a obrigação assumida. Todavia, em alguns casos o encerramento da obrigação não decorre do que seria natural. Nesses casos, é imperioso garantir ao credor meios para receber o seu crédito, mesmo que, por vezes, tenha-se que recorrer a métodos coercitivos.
A possibilidade de penhora sobre bens do devedor pela via judicial é um meio de garantir ao credor de obrigação resultante do vínculo jurídico estabelecido entre as partes, seja ele judicial ou extrajudicial, sua satisfação. Cândido Rangel Dinamarco define penhora como "o ato pelo qual se especifica o bem que irá responder pela execução"[1]. Segundo o ilustre doutrinador, a penhora afeta determinado bem, comprometendo-o à execução para a satisfação do débito[2]. Dessa maneira, a penhorabilidade é a possibilidade jurídica de penhorar um bem, oferecendo uma garantia de que o débito será saldado de alguma forma. É uma questão de segurança jurídica e social.
Porém, da mesma forma que o Direito oferece garantias ao credor, certos direitos do devedor devem ser observados. Limites impostos pela Constituição se fazem presentes no intuito de prover a defesa jurídica do mínimo essencial para manutenção da dignidade da pessoa humana do executado/devedor.
"Quando se diz que um bem é impenhorável, a idéia que nessa afirmação se expressa é de que o bem não pode ser retirado do patrimônio do devedor, o que significa dizer que ele não só é excluído da possibilidade de ser penhorado mas, acima de tudo, de ser expropriado"[3]. Dessa forma, a lei elenca certos tipos de bens que, por sua natureza ou função social, estão protegidos contra investidas expropriatórias do credor na busca da satisfação de seu crédito. Como exemplo de normas que disciplinam a matéria, podemos citar o artigo 649 do diploma processual civil, bem como a Lei Federal nº 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.
Em especial, a penhora de salário é tema polêmico que ainda divide a posição de juristas e Tribunais acerca de seu cabimento. Em princípio, conforme disposição literal do artigo 649, IV, do CPC, salários, soldos e subsídios, pela sua natureza alimentar, seriam absolutamente impenhoráveis, ou seja, em nenhuma hipótese seria possível sua penhora, à exceção do pagamento de pensão alimentícia, vez tratar-se de verba igualmente de natureza alimentar.
No projeto da reforma da lei processual de 2006 existia a previsão de penhora de salário em fração que não comprometesse o mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana. Essa proposta foi vetada pelo presidente, que considerou o salário e outras verbas de caráter alimentar como absolutamente impenhoráveis[4].
O veto foi criticado pela doutrina, pois haveria uma subversão do instituto da dignidade da pessoa humana quando se fala em verbas de natureza alimentar que ultrapassam um teto determinado em lei. Que afronta ao mínimo existencial existiria na penhora do valor de salário que ultrapassar o teto constituído?
Portanto, há de se considerar um equilíbrio entre a garantia do mínimo existencial, que protege os devedores em sua subsistência, e a efetividade processual, que se dá por meio da entrega do bem da vida pelo Poder Judiciário. Contudo, é possível considerar que a impenhorabilidade absoluta não seja a melhor maneira de tratar o assunto, visto que pode não se adequar à atual realidade social, cabendo uma análise mais aprofundada quanto a possibilidade da penhora recair sobre o salário do executado, sem afetar a dignidade da pessoa humana e a sua sobrevivência.
NOTAS
[1] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 597.
[2] DINAMARCO, Cândido Rangel. op. cit. loc. cit.
[3] DINAMARCO, Cândido Rangel. ob. cit., p. 380.
[4] DIDIER JR.; Fredie. Subsídios para um teoria das impenhorabilidades. In: Sérgio Shimura; Gilberto Gomes Bruschi (Org.). Execução civil e cumprimento de sentença. v.3. São Paulo: Método, 2013.