Resumo: Após muita divergência doutrinária e jurisprudencial, o Colendo Superior Tribunal de Justiça consagrou o entendimento de que apenas será possível a acumulação entre auxílio-acidente e qualquer modalidade de aposentadoria quando tanto a lesão incapacitante do auxílio-acidente quanto a aposentadoria concedida ao segurado forem anteriores à edição da Lei n.º 9.528/1997. Essa posição restou firmada na sistemática de julgamento de recursos repetitivos, precisamente no RESP n.º 1.296.673-MG e, no ano de 2014, foi consolidada pela edição da Súmula n.º 507 do Tribunal da Cidadania. No âmbito da Advocacia Geral da União (AGU), a orientação também deverá ser seguida, haja vista a recente edição da Súmula n.º 75, de teor obrigatório para os membros da instituição.
Palavras-chave: cumulação. aposentadoria. auxílio-acidente. vedação. STJ.
Sumário: Introdução. 1. A vedação da percepção conjunta dos benefícios de aposentadoria e auxílio-acidente. 2. Da análise específica – quando a lesão incapacitante e a aposentadoria são anteriores à Lei n.º 9.528/1997. Estudo do recente entendimento do STJ – REsp 1.296.673-MG. Conclusão. Referências.
Introdução
O estudo em comento pretende analisar o tema da cumulação dos benefícios pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a título de auxílio-acidente e de aposentadoria segundo a mais recente orientação do Colendo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Após muitos anos de discussão, a Corte da Cidadania firmou o entendimento de que somente será possível a acumulação entre auxílio-acidente e qualquer modalidade de aposentadoria quando tanto a lesão incapacitante do auxílio-acidente quanto a aposentadoria concedida ao segurado forem anteriores à edição da Lei n.º 9.528/1997.
Do exposto nos itens acima, depreende-se que a posição do STJ está de acordo com os ditames da Lei n.º 8.213/1991 e da Constituição Federal, além de, é claro, refletir o ideal constitucional dos princípios da legalidade, contrapartida, eficiência, moralidade, indisponibilidade do patrimônio público, da legalidade administrativa, contributividade e do mandamento de reposição ao erário.
Note-se, ainda, que esse posicionamento está consagrado na edição do enunciado sumular n.º 507 do STJ, por sua Primeira Seção, em 31 de março de 2014, e em Súmula da AGU, de n.º 75, instituição esta que está incumbida da defesa do INSS.
1. A vedação da percepção conjunta dos benefícios de aposentadoria e auxílio-acidente:
Os benefícios acidentários classificam-se em aposentadoria, pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-acidente e auxílio-suplementar e são pagos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), no Regime Geral de Previdência Social (RGPS).
O benefício acidentário é devido ao segurado acidentado, ou ao(s) seu(s) dependente(s), quando o acidente ocorre no exercício do trabalho a serviço da empresa, equiparando-se a este a doença profissional ou do trabalho ou, ainda, quando sofrido no percurso entre a residência e o local de trabalho, do qual resulte lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a redução da capacidade para o trabalho.
Particularmente no tocante ao auxílio-acidente, trata-se de prestação devida ao segurado acidentado que, após consolidação das lesões decorrentes do acidente do trabalho, apresenta sequela que implique a redução de sua capacidade laborativa. A concessão do benefício independe de qualquer remuneração auferida pelo acidentado, mesmo quando esta se refere a outro benefício, exceto a de qualquer aposentadoria.
A Lei n.º 8.213, de 24 de julho de 1991, dispõe sobre o Plano de Benefícios da Previdência Social, e, particularmente acerca do auxílio-acidente, traz as seguintes disposições:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 4º (Revogado pela Lei nº 9.032, de 1995)
§ 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Restabelecido com nova redação pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 5º .(Revogado pela Lei nº 9.032, de 1995). (sem destaques no original)
Da redação do dispositivo supratranscrito se nota que, com a edição da Medida Provisória (MP) n.º 1596-14, de 10 de novembro de 1997, convertida na Lei n.º 9.528, de 10 de dezembro de 1997, está legalmente vedada a cumulação de auxílio acidente com a aposentadoria. Essa vedação é expressa nos precitados § 1º, § 2º e § 3º do artigo 86 da Lei n.º 8.213/1991. Frise-se, ainda, que a referida Lei convalidou os atos praticados com base na aludida medida provisória.
Além disso, o artigo 18, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, também alterado pela mencionada MP, dispõe que “O aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social – RGPS que permanecer em atividade sujeita a este Regime, ou a ele retornar, não fará jus a prestação alguma da Previdência Social em decorrência do exercício dessa atividade, exceto ao salário-família e à reabilitação profissional, quando empregado” (sem negrito no original).
Em face desses dispositivos, conclui-se que, por ocasião da concessão da aposentadoria, o segurado que antes percebia o benefício de auxílio-acidente não mais poderá gozar desse benefício também.
Essa mudança legislativa alterou muito o cenário então vigente. Isso porque, até a alteração advinda no ano de 1997, o benefício podia ser recebido em conjunto com qualquer outro (exceto outro auxílio-acidente), ou com auxílio-doença por acidente de qualquer natureza concedido pela mesma causa. Com a novel redação, tornou-se vedada a cumulação do auxílio-acidente com qualquer espécie de aposentadoria (por invalidez, por tempo de serviço/contribuição, por idade e especial).
A propósito, registre-se que a redação da Lei de Benefícios é cristalina ao prescrever a ilegalidade da cumulação do benefício acidentário e aposentadoria, qualquer que seja ela.
Ocorre que, não obstante a expressa proibição legal, essa ilação também é lógica, dentro do espírito da Lei n.º 8.213/91.
Isso porque o auxílio-acidente tem como pressuposto para sua concessão a redução da capacidade laborativa. O obreiro, em virtude do sinistro, teria uma redução em sua capacidade de trabalho, o que redundaria em uma potencial redução salarial. Diante desse fato, o benefício acidentário teria por escopo compensar pecuniariamente uma eventual redução salarial enquanto este estiver em atividade. Em suma, o pressuposto do benefício acidentário é a atividade.
A aposentadoria, seja ela por idade, tempo de serviço, especial ou invalidez, tem por finalidade a manutenção do segurado quando este se encontra em inatividade. Logo, o pressuposto para a concessão da aposentadoria é a inatividade.
Dessa forma, o segurado é considerado ativo, a perceber o auxílio-acidente, ou é inativo, a receber a aposentadoria. O que não pode é haver segurado com um status dúplice para a Previdência Social, isto é, não pode ser considerado ativo e inativo ao mesmo tempo.
Ademais, a Constituição Federal de 1988 (CF) resguarda a constitucionalidade do artigo 86 e parágrafos da Lei n.º 8.213/1991, precisamente quando assim prevê, em seus artigos 7°, inciso XXVII, e 201, inciso I, verbis:
Art. 7° - São direitos de todos os trabalhadores, urbanos e rurais, além de outros que visem a melhoria de sua condição social:
(...)
XXVIII – Seguro contra acidente do trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa:
(...)
Art. 201 – A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e filiação obrigatória, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei:
I – A cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; (...)”
Nessa linha, registre-se que a Constituição estabelece os princípios e direitos de seu povo, porém fica a cargo do legislador infraconstitucional regulamentá-los, de modo a lhes dar contornos e determinar sua extensão. Em outras palavras, os artigos 7°, XXVII, e 201, I, da Constituição da República não são auto-aplicáveis e, daí decorre que necessitam que o legislador infraconstitucional disponha acerca dos mesmos. Nesse contexto, com o advento da Lei n.º 9.528/97, o legislador apenas acresceu mais uma restrição ao rol de hipóteses de concessão do auxílio-acidente.
A respeito, é oportuno salientar que a Constituição assegura a existência do auxílio-acidentário, porém seu custeio, percentual, hipóteses de concessão e demais pormenores devem ser previstos pelo legislador infraconstitucional, o qual dispõe do poder de ampliar ou restringir suas hipóteses, desde que não o extinga. A extinção do direito ao benefício pelo legislador ordinário, o que não é o caso, seria verdadeira inconstitucionalidade, além de ser proibida, face à natureza de cláusula pétrea consagrada pelo texto constitucional e à vedação do regresso na proteção dos direitos fundamentais.
Sobremais, a constitucionalidade do dispositivo da Lei de Benefícios está de acordo com os princípios da seletividade, consagrado no artigo 194, III, da Carta de 1988, e da preexistência do custeio em relação aos benefícios, previsto no artigo de 195, § 5º, da CF, já que implicaria, na prática, em criação/majoração de prestação social sem a previsão da receita necessária; bem como, por consequência, o princípio do equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência Social (artigo 201 da CF).
Também a corroborar a vedação em estudo, cumpre ressaltar que os valores recebidos a título de auxílio-acidente integram o período de base de cálculo (PBC) do salário-de-benefício da aposentadoria, consoante estatui o artigo 31 da Lei n.º 8.213/91, com a redação conferida pela Lei n.º 9.528/97. Por conseguinte, é evidente a incompatibilidade do recebimento conjunto de ambos. Essa é a redação do artigo em questão:
Art. 31. O valor mensal do auxílio-acidente integra o salário-de-contribuição, para fins de cálculo do salário-de-benefício de qualquer aposentadoria, observado, no que couber, o disposto no art. 29 e no art. 86, § 5º. (Restabelecido com nova redação pela Lei nº 9.528, de 1997)
2. Da análise específica – quando a lesão incapacitante e a aposentadoria são anteriores à Lei n.º 9.528/1997. Estudo do recente entendimento do STJ – REsp 1.296.673-MG:
Outro ponto relevante a apreciar são os limites e os contornos da inacumulabilidade do benefício de auxílio-acidente com a aposentadoria.
A abordagem se faz necessária porque, a despeito da aparente vedação em quaisquer situações, faz-se oportuno verificar casos em que os benefícios já eram pagos nessa condição antes da vigência da norma proibitiva e mais, quando a lesão incapacitante e a aposentadoria tiverem sido, ambas, anteriores à vigência da Lei n.º 9.528/1997.
Há basicamente duas posições sobre o assunto.
Para a primeira, defende-se que se deveria observar a data em que ocorreu a lesão ou que foi concedido o auxílio-acidente, segundo o princípio tempus regit actum. Já para a vertente oposta, a lei aplicável é aquela vigente na época do requerimento da aposentadoria.
Entretanto, recentemente, no julgamento do Recurso Especial n.º 1296673/MG, no dia 22 de agosto de 2012, a 1ª Seção do C. STJ padronizou a questão, ao decidir que, na interpretação do artigo 86, § 3º, da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n.º 9.528/1997, excetua-se a inacumulabilidade entre auxílio-acidente e qualquer modalidade de aposentadoria apenas nos casos em que tanto a lesão incapacitante do auxílio-acidente, quanto a aposentadoria concedida ao segurado fossem anteriores à edição da Lei n.º 9.528/1997.
E, posteriormente, essa inclinação do C. STJ se tornou na sua jurisprudência dominante na 1ª Seção da Corte acerca da interpretação que deve ser conferida ao artigo 86, § 3º, da Lei n.º 8.213/1991, com a redação dada pela Lei n.º 9.528/1997.
Nesse sentido, veja-se a ementa do v. acórdão proferido pelo C. STJ, no âmbito da sistemática de recursos repetitivos, que, embora não seja vinculante, certamente limitará o uso de recurso especial:
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. MATÉRIA REPETITIVA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ 8/2008. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CUMULAÇÃO DE BENEFÍCIOS. AUXÍLIO-ACIDENTE E APOSENTADORIA. ART. 86, §§ 2º E 3º, DA LEI 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA MEDIDA PROVISÓRIA 1.596-14/1997, POSTERIORMENTE CONVERTIDA NA LEI 9.528/1997. CRITÉRIO PARA RECEBIMENTO CONJUNTO. LESÃO INCAPACITANTE E APOSENTADORIA ANTERIORES À PUBLICAÇÃO DA CITADA MP (11.11.1997). DOENÇA PROFISSIONAL OU DO TRABALHO. DEFINIÇÃO DO MOMENTO DA LESÃO INCAPACITANTE. ART. 23 DA LEI 8.213/1991. CASO CONCRETO. INCAPACIDADE POSTERIOR AO MARCO LEGAL. CONCESSÃO DO AUXÍLIO-ACIDENTE. INVIABILIDADE.
1. Trata-se de Recurso Especial interposto pela autarquia previdenciária com intuito de indeferir a concessão do benefício de auxílio-acidente, pois a manifestação da lesão incapacitante ocorreu depois da alteração imposta pela Lei 9.528/1997 ao art. 86 da Lei de Benefícios, que vedou o recebimento conjunto do mencionado benefício com aposentadoria.
2. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
3. A acumulação do auxílio-acidente com proventos de aposentadoria pressupõe que a eclosão da lesão incapacitante, ensejadora do direito ao auxílio-acidente, e o início da aposentadoria sejam anteriores à alteração do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei 8.213/1991 ("§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria ; § 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria , observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente."), promovida em 11.11.1997 pela Medida Provisória 1.596-14/1997, que posteriormente foi convertida na Lei 9.528/1997. No mesmo sentido: Resp 1.244.257/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 19.3.2012; AgRg no AREsp 163.986/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 27.6.2012; AgRg no AREsp 154.978/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 4.6.2012; AgRg no REsp 1.316.746/MG, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 28.6.2012; AgRg no AREsp 69.465/RS, Rel. Ministro Cesar Asfor Rocha, Segunda Turma, DJe 6.6.2012; EREsp 487.925/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Terceira Seção, DJe 12.2.2010; AgRg no AgRg no Ag 1375680/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, Dje 19.10.2011; AREsp 188.784/SP, Rel. Ministro Humberto Martins (decisão monocrática), Segunda Turma, DJ 29.6.2012; AREsp 177.192/MG, Rel. Ministro Castro Meira (decisão monocrática), Segunda Turma, DJ 20.6.2012; EDcl no Ag 1.423.953/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 26.6.2012; AREsp 124.087/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 21.6.2012; AgRg no Ag 1.326.279/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 5.4.2011; AREsp 188.887/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 26.6.2012; AREsp 179.233/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão (decisão monocrática), Primeira Turma, DJ 13.8.2012 .
4. Para fins de fixação do momento em que ocorre a lesão incapacitante em casos de doença profissional ou do trabalho, deve ser observada a definição do art. 23 da Lei 8.213/1991, segundo a qual "considera-se como dia do acidente, no caso de doença profissional ou do trabalho, a data do início da incapacidade laborativa para o exercício da atividade habitual, ou o dia da segregação compulsória, ou o dia em que for realizado o diagnóstico, valendo para este efeito o que ocorrer primeiro". Nesse sentido: REsp 537.105/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 17/5/2004, p. 299; AgRg no Resp 1.076.520/SP, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 9/12/2008;
AgRg no Resp 686.483/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJ 6/2/2006; (AR 3.535/SP, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJe 26/8/2008).
5. No caso concreto, a lesão incapacitante eclodiu após o marco legal fixado (11.11.1997), conforme assentado no acórdão recorrido (fl. 339/STJ), não sendo possível a concessão do auxílio-acidente por ser inacumulável com a aposentadoria concedida e mantida desde 1994.
6. Recurso Especial provido. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução 8/2008 do STJ. (sem destaques no original)
RESP 1.296.673-MG. Rel. Min. Herman Benjamin. 1ª Seção. J. 22/08/2012. Disponível em <www.stj.jus.br> Acesso em 07/11/2012.
Com o propósito de demonstrar essa determinação do C. STJ, torna-se essencial transcrever a ratio decidendi do v. acórdão que fixou o referido precedente, nos termos do voto-vista vencedor do Ministro Relator Herman Benjamin, a saber:
(...)
2. Concessão de auxílio-acidente. Cumulação com aposentadoria. Exame da matéria sob o rito do art. 543-C do CPC.
Conforme a decisão de fls. 401-402/STJ, o presente Recurso Especial foi submetido ao procedimento dos recursos repetitivos, de forma que passo a fixar a orientação acerca da matéria jurídica controvertida.
De acordo com o já relatado, o INSS pretende a reforma da decisão de origem para que seja indeferida a concessão de auxílio-acidente. Aduz que, no momento da lesão incapacitante – data em que a moléstia inabilitou o recorrido para o trabalho –, estava em vigor a atual redação do art. 86 da Lei de Benefícios, estipulada pela Lei 9.528/1997. Tal preceito impediria a concessão e a manutenção conjunta de auxílio-acidente e aposentadoria.
A celeuma já foi fartamente debatida nesta Corte Superior e possui entendimento sedimentado.
A premissa básica para a resolução da questão é a fixação dos critérios para cumulação dos benefícios em discussão.
Inafastável a narrativa da evolução legislativa sobre o tema, a começar pela redação original do art. 86 da Lei 8.213/1991, que permitia a cumulação, ou seja, o auxílio-acidente e a aposentadoria eram benefícios previdenciários passíveis de recebimento conjunto. Transcrevo o citado dispositivo:
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes do acidente do trabalho, resultar seqüela que implique:
I - redução da capacidade laborativa que exija maior esforço ou necessidade de adaptação para exercer a mesma atividade, independentemente de reabilitação profissional;
II - redução da capacidade laborativa que impeça, por si só, o desempenho da atividade que exercia à época do acidente, porém, não o de outra, do mesmo nível de complexidade, após reabilitação profissional; ou
III - redução da capacidade laborativa que impeça, por si só, o desempenho da atividade que exercia à época do acidente, porém não o de outra, de nível inferior de complexidade, após reabilitação profissional.
§ 1º O auxílio-acidente, mensal e vitalício, corresponderá, respectivamente às situações previstas nos incisos I, II e III deste artigo, a 30% (trinta por cento), 40% (quarenta por cento) ou 60% (sessenta por cento) do salário-de-contribuição do segurado vigente no dia do acidente, não podendo ser inferior a esse percentual do seu salário-de-benefício.
A mudança – e aqui se origina a controvérsia – ocorreu com a edição da Medida Provisória 1.596-14/1997 (DOU de 11.11.1997), que alterou a redação do citado art. 86 (grifei):
Art. 86. O auxílio-acidente será concedido, como indenização, ao segurado quando, após consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem seqüelas que impliquem redução da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia. (Redação dada pela Lei nº 9.528, de 1997)
§ 1º O auxílio-acidente mensal corresponderá a cinqüenta por cento do salário-de-benefício e será devido, observado o disposto no § 5º, até a véspera do início de qualquer aposentadoria ou até a data do óbito do segurado.
§ 2º O auxílio-acidente será devido a partir do dia seguinte ao da cessação do auxílio-doença, independentemente de qualquer remuneração ou rendimento auferido pelo acidentado, vedada sua acumulação com qualquer aposentadoria.
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente.
§ 4º A perda da audição, em qualquer grau, somente proporcionará a concessão do auxílio-acidente, quando, além do reconhecimento de causalidade entre o trabalho e a doença, resultar, comprovadamente, na redução ou perda da capacidade para o trabalho que habitualmente exercia.
A mencionada Medida Provisória foi convertida na Lei 9.528/1997 (DOU de 11.12.1997), que convalidou os atos daquele preceito normativo. O marco temporal da alteração legal é, portanto, 11.11.1997, quando adveio a vedação da acumulação do recebimento dos benefícios de auxílio-acidente e aposentadoria.
Ressalto que, independentemente da conclusão a que se chegue sobre o tema, não há prejuízo, em tese, ao segurado. Isso porque, a partir da alteração legal acima, ficou estabelecido que o auxílio-acidente será computado no cálculo da aposentadoria. É o que impõe o art. 31 da Lei 8.213/1991, com a redação dada pelas normas modificadoras acima mencionadas:
Art. 31. O valor mensal do auxílio-acidente integra o salário-de-contribuição, para fins de cálculo do salário-de-benefício de qualquer aposentadoria, observado, no que couber, o disposto no art. 29 e no art. 86, § 5º.
Com efeito, a alteração do regime previdenciário caracterizou dois sistemas:
a) até 10.11.1997 o auxílio-acidente e a aposentadoria coexistiam sem qualquer regra de exclusão ou cômputo recíprocos.
b) após 11.11.1997, inclusive, a superveniência de aposentadoria extingue o auxílio-acidente, que, por outro lado, passa a ser computado nos salários de contribuição daquele benefício.
Embora evidente, ressalte-se a total impossibilidade de aplicação híbrida dos dois regimes, seja para possibilitar o recebimento conjunto e o cômputo do auxílio-acidente na aposentadoria, seja, em sentido totalmente oposto, para vedar a cumulação e a inclusão do benefício acidentário no cálculo da renda mensal inicial do jubilamento.
Feitas tais considerações, sobressai a necessidade de estabelecer os critérios que vão definir qual dos regimes se aplica a cada casa concreto.
Nesse ponto, o que determina a lei aplicável às situações de cumulação de direitos é exatamente o momento em que ocorre tal sobreposição. A jurisprudência remansosa do Superior Tribunal de Justiça EVOLUIU no sentido de que somente é possível a cumulação de auxílio-acidente com aposentadoria se a lesão incapacitante, geradora do auxílio-acidente, e a concessão do jubilamento forem anteriores às alterações legislativas antes referidas.
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO ACIDENTE. APOSENTADORIA. CUMULAÇÃO. INVIABILIDADE. CONCESSÃO DA APOSENTADORIA POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N. 9.528/97. SÚMULA 83/STJ. 1. A redação original do art. 86 da Lei n. 8.213/91 previa que o auxílio-acidente era um benefício vitalício, sendo permitida a cumulação do referido auxílio pelo segurado com qualquer remuneração ou benefício não relacionados com o mesmo acidente.
2. O referido normativo sofreu alteração significativa com o advento da MP 1.596-14/97, convertida na Lei n. 9.528/97, que afastou a vitaliciedade do auxílio-acidente e passou expressamente a proibir a acumulação do benefício acidentário com qualquer espécie de aposentadoria do regime geral, passando a integrar o salário de contribuição para fins de cálculo da aposentadoria previdenciária.
3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que a possibilidade de acumulação do auxílio-acidente com proventos de aposentadoria requer que a lesão incapacitante e a concessão da aposentadoria sejam anteriores às alterações promovidas pela Lei n. 9.528/97. Súmula 83/STJ.
Recurso especial não conhecido. (REsp 1244257/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, 2 ª Turma, DJe 19/3/2012).
(...) (AgRg no AREsp 163.986/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 27/6/2012). (...) (AgRg no AREsp 154.978/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, DJe 4/6/2012). (...) (EREsp 487.925/SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, 3ª Seção, DJe 12/2/2010). (...) (AgRg no Ag 1326279/MG, Rel. Ministro Napoleão Nunes Mais Filho, 5ª Turma, DJe 5/4/2011). (...) (AgRg no AgRg no Ag 1375680/MS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, 6ª Turma, Dje 19/10/2011).
No mesmo sentido são as seguintes decisões monocráticas: AREsp 188.784/SP, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJ 29.6.2012; AREsp 187.102/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 20.6.2012; AREsp 177.192/MG, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 20.6.2012; EDcl no Ag 1.423.953/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 26.6.2012; AREsp 124.087/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJ 21.6.2012; AREsp 188.887/SP, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJ 26.6.2012; AREsp 179.233/SP, Rel. Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ 13.8.2012.
Assim, A ACUMULAÇÃO DO AUXÍLIO-ACIDENTE COM PROVENTOS DE APOSENTADORIA PRESSUPÕE QUE A ECLOSÃO DA LESÃO INCAPACITANTE, APTA A GERAR O DIREITO AO AUXÍLIO-ACIDENTE, E A CONCESSÃO DA APOSENTADORIA SEJAM ANTERIORES À ALTERAÇÃO DO ART. 86, §§ 2º e 3º, DA LEI 8.213/1991, PROMOVIDA EM 11.11.1997 pela Medida Provisória 1.596-14/1997, posteriormente convertida na Lei 9.528/1997.” (sem destaques no original)
Acerca das controvérsias sobre direito adquirido e ilegalidade na norma posterior de 1997, o jurista Oscar Valente Cardoso [1] tece interessantes considerações, senão vejamos:
Acrescenta-se que não há ilegalidade na norma posterior que passa a proibir a cumulação de determinados benefícios previdenciários, nem direito adquirido ao segurado que já recebia o auxílio-acidente a mantê-lo com a concessão de aposentadoria após a modificação legal. O fato de o primeiro ser inicialmente vitalício não impede que norma posterior determine a impossibilidade de seu recebimento com outro benefício, não ferindo um direito (alegadamente adquirido) que não chegou a se constituir, a menos que o segurado já estivesse recebendo ambos.
Ademais, os valores recebidos a título de auxílio-acidente integram o PBC do salário-de-benefício da aposentadoria (art. 31 da Lei nº 8.213/91, com a redação conferida pela Lei nº 9.528/97), o que seria incompatível com o recebimento conjunto de ambos.
A aplicação adequada do tempus regit actum importa na observância da norma vigente na data em que o segurado alcançou o direito ao segundo benefício (a aposentadoria), caso contrário, haveria a aplicação de dispositivo legal (art. 86, § 3º, da Lei nº 8.213/91) após o término de sua vigência.
Essa orientação restou consolidada no C. STJ com a recente edição da Súmula n.º 507, que assim preconiza “a acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/97, observado o critério do artigo 23 da lei 8.213/91 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho.”
Sobre o assunto, o estudioso Oscar Valente Cardoso[2] também traz alguns apontamentos, a seguir reproduzidos:
No dia 31 de março de 2014, foi publicado o Enunciado nº 507 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, sobre as regras de direito intertemporal para a acumulação – ou não – do benefício previdenciário de auxílio-acidente com uma das espécies de aposentadoria: "A acumulação de auxílio-acidente com aposentadoria pressupõe que a lesão incapacitante e a aposentadoria sejam anteriores a 11/11/97, observado o critério do artigo 23 da Lei 8.213/91 para definição do momento da lesão nos casos de doença profissional ou do trabalho".
Entre os precedentes que levaram à sua edição está o Recurso Especial 1296673, decidido pela 1ª Seção do STJ:
(...)
A recente Súmula nº 507 uniformiza a jurisprudência do STJ de acordo com a segunda corrente, ao concluir que não há ilegalidade na norma posterior que passa a proibir a cumulação de determinados benefícios previdenciários, nem direito adquirido ao segurado que já recebia o auxílio-acidente a mantê-lo com a concessão de aposentadoria após a modificação legal. O fato de o primeiro ser inicialmente vitalício não impede que norma posterior determine a impossibilidade de seu recebimento com outro benefício, não ferindo um direito (alegadamente adquirido) que não chegou a se constituir, a menos que o segurado já estivesse recebendo ambos.
Assim, o STJ aplicou de forma adequada a regra do tempus regit actum, ao observar a norma vigente na data em que o segurado alcançou o direito ao segundo benefício (a aposentadoria); caso contrário, haveria a aplicação de dispositivo legal (art. 86, § 3º, da Lei nº 8.213/91) após o término de sua vigência. Acrescenta-se que os valores recebidos a título de auxílio-acidente integram o PBC do salário-de-benefício da aposentadoria (art. 31 da Lei nº 8.213/91, com a redação conferida pela Lei nº 9.528/97), o que seria incompatível com o recebimento conjunto de ambos.
Essa mudança de norte interpretativo do C. STJ gerou, inclusive, a recente edição da Súmula n.º 75 da Advocacia-Geral da União (AGU), cujo inteiro teor abaixo se reproduz:
“SÚMULA AGU Nº 75, DE 02 DE ABRIL DE 2014 - DOU DE 03/04/2014
O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições que lhe confere o art. 4º, inciso XII, e com base no disposto nos arts. 28, inciso II, e 43, caput e § 1º, da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, no art. 38, § 1º, inciso II, da Medida Provisória nº 2.229-43, de 6 de setembro de 2001, no art. 17-A, inciso II, da Lei nº 9.650, de 27 de maio de 1998, nos arts. 2º e 3º do Decreto nº 2.346, de 10 de outubro de 1997, bem como no Ato Regimental/AGU nº 1, de 02 de julho de 2008, e
Tendo em vista o contido nos Processos Administrativos Nºs 00407.000954/2013-72 e 00407.009023/2012-59, resolve alterar a Súmula nº 65, da Advocacia-Geral da União, que passa a vigorar com a seguinte redação:"Para a acumulação do auxílio-acidente com proventos de aposentadoria, a consolidação das lesões decorrentes de acidentes de qualquer natureza, que resulte sequelas definitivas, nos termos do art. 86 da Lei nº 8.213/91, e a concessão da aposentadoria devem ser anteriores às alterações inseridas no art. 86, § 2º da Lei nº 8.213/91, pela Medida Provisória nº 1.596-14, convertida na Lei nº 9.528/97".
Legislação:
CF/88, Art. 5º, XXXVI; Lei nº 8.213/91, Art. 86, § 2º; alterado pela MP nº 1.596-14/97, convertida na Lei nº 9.528/97, e Decreto nº 3.048/99, art. 167.
JURISPRUDÊNCIA:
Supremo Tribunal Federal:
AI 490365-AgR/RS, Rel.Min. Sepúlveda Pertence, AI 439136-AgR/SP, Rel. Min. Cezar Peluso (Primeira Turma); RE 440818-AgR/SP, Rel. Min. Eros Grau, AI 471265-AgR/SP, Rel. Min. Ellen Gracie (Segunda Turma);
Superior Tribunal de Justiça:
EREsp. 431249/SP, Rel. Min. Jane Silva (Desemb. Convocada do TJ/MG), EREsp. 481921/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, EREsp. 406969/SP, Rel. Min. Gilson Dipp, EREsp. 578378, Rel. Min. Laurita Vaz (Terceira Seção); REsp 1244257, Rel. Min. Humberto Martins (Segunda Turma); AgRREsp. 753119/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, AgR-REsp. 599396/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima,
AgRg no REsp nº 979.667/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho (Quinta Turma); e EDcl-REsp. 590428/SP, Rel. Min. Paulo Gallotti, (Sexta Turma).
LUÍS INÁCIO LUCENA ADAMS”
Destarte, o entendimento acima exposto, qual seja, de ser possível a cumulação de auxílio-acidente com qualquer modalidade de aposentadoria quando tanto a lesão incapacitante do auxílio-acidente quanto a aposentadoria concedida ao segurado forem anteriores à edição da Lei n.º 9.528/1997, restou pacificado pelo Tribunal da Cidadania e sumulado pela Advocacia-Geral da União, circunstância que gerará maior segurança jurídica e diminuição da litigiosidade extrajudicial e certamente judicial[3].