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A indeterminação temporal da medida de segurança à luz da Constituição Federal e sua aplicabilidade no Município de Rio Branco-Acre

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3 O CARÁTER INDETERMINADO DA MEDIDA DE SEGURANÇA E O CRITÉRIO DE VERIFICAÇÃO DA CESSAÇÃO DA PERICULOSIDADE

O objetivo deste capítulo será abordar a polêmica que reside em torno do aspecto temporal da medida de segurança, através da apresentação inicial das principais posições doutrinárias, posteriormente, dando enfoque aos princípios da vedação de pena de caráter perpétuo e da dignidade da pessoa humana, ressaltando a importância dos mesmos para o indivíduo dentro de um contexto social no Estado Democrático de Direito. Em seguida, serão analisados os recentes entendimentos dos Tribunais Superiores e a divergência em relação ao lapso temporal máximo que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça defendem, e, por fim, será exposta a situação da imposição e execução da medida de segurança em Rio Branco-Acre, por meio das informações obtidas.

3.1 Ponderações Doutrinárias

Neste momento, serão expostas as principais concepções de alguns doutrinadores a respeito do tema medida de segurança e sua natureza jurídica enfatizando se persiste ou não a inconstitucionalidade da indeterminação do seu prazo máximo.

O renomado autor Rogério Greco (2009, p. 681) faz a seguinte ponderação:

A medida de segurança, como providência judicial curativa, não tem prazo certo de duração, persistindo enquanto houver necessidade do tratamento destinado à cura ou à manutenção da saúde mental do inimputável. Ela terá duração enquanto não for constatada, por meio de perícia médica, a chamada cessação da periculosidade do agente, podendo, não raras às vezes, ser mantida até o falecimento do paciente. Esse raciocínio levou parte da doutrina a afirmar que o prazo de duração das medidas de segurança não pode ser completamente indeterminado, sob pena de ofender o princípio constitucional que veda a prisão perpétua, principalmente tratando-se de medida de segurança detentiva, ou seja, aquela cumprida em regime de internação.

Rogério Greco (2009, p. 682) ressalta ainda que:

Cientes de que o Estado não fornece o melhor tratamento para seus doentes, devemos deixar de lado o raciocínio teórico e ao mesmo tempo utópico de que a medida de segurança vai, efetivamente, ajudar o paciente na sua cura. Muitas vezes o regime de internação piora a condição do doente, o que justifica a edição do novo diploma legal que proíbe a criação de novos manicômios públicos. Contudo, a situação não é tão simples assim. Casos existem em que o inimputável, mesmo após longos anos de tratamento, não demonstra qualquer aptidão ao retorno ao convívio em sociedade, podendo-se afirmar, até que a presença dele no seio da sociedade trará riscos para sua própria vida

Portanto, Rogério Greco (2009, p. 683) conclui:

Assim, da mesma forma que aquele que pratica um fato definido como crime de homicídio pode retornar ao convívio em sociedade com apenas, por exemplo, dois anos depois de ter sido internado em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, depois de ter sido verificada a cessação de sua periculosidade, aquele que após vinte anos de internação, se não estiver apto a deixar o tratamento a que vem sendo submetido, pois que ainda não restou cessada a sua periculosidade, deverá nele permanecer.

Apesar da deficiência do nosso sistema, devemos tratar a medida de segurança como remédio, e não como pena. Se a internação não está resolvendo o problema mental do paciente ali internado sob regime de medida de segurança, a solução será a desinternação, passando-se para o tratamento ambulatorial. Mas não podemos liberar completamente o paciente se este ainda demonstra que, se não for corretamente submetido a um tratamento médico, voltará a trazer perigo para si próprio, bem como para sociedade que com ele convive.

Depreende-se das palavras do referido autor que o mesmo reconhece a deficiência do Estado em fornecer um tratamento a esses inimputáveis, e que o fato do prazo de cumprimento da medida ser indeterminado, fere o princípio que veda a pena perpétua. Na mesma linha, salienta ainda que há casos em que o retorno do inimputável sem que tenha sua doença mental sanada, pode ocasionar riscos a si mesmo e à sociedade.

Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini (2009, p. 351) asseveram:

A medida de segurança é executada, em princípio, por tempo indeterminado, fixado apenas o prazo mínimo, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade (art.97,§1º). Hoje, porém, com fundamento nos princípios da legalidade, da proporcionalidade, da igualdade, da intervenção mínima e de humanidade, tem-se pregado a limitação máxima de duração da medida de segurança. Porque a indeterminação do prazo da medida de segurança pode ensejar violação à garantia constitucional que proíbe penas de caráter perpétuo (art.5º, XLVII, da CF), a ela deve ser estendido o limite fixado no art.75 do CP, que fixa em 30 anos o tempo máximo de cumprimento da pena privativa de liberdade.

O doutrinador Adeildo Nunes (2009, p. 163-164) manifesta-se a respeito do assunto:

Com efeito, a medida de segurança, embora fixada pelo juiz sentenciante por até três anos, na realidade tem duração indeterminada, em fase de execução, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade do agente (art.97, §1º, do CP). Assim, seja a medida de segurança ou de tratamento ambulatorial, ela só pode ser revogada quando houver a cessação da periculosidade do paciente – aliás, através de laudo psiquiátrico com esta definição. É correto afirmar que pairam divergências sobre a natureza jurídica da medida de segurança, embora o ordenamento jurídico brasileiro estabeleça que ela tem caráter punitivo ,porque é um tratamento psiquiátrico. A 5ª turma do STJ, no HC 134.895, julgado em 20.10.2009, relatado pelo Min. Arnaldo Esteves de Lima, assim decidiu: “A medida de segurança se insere no gênero sanção penal. O tempo de cumprimento da medida de segurança não poderá superar à data de reconhecimento do fim da periculosidade do agente, bem como, independentemente da cessação da periculosidade do agente, não poderá ultrapassar o máximo da pena abstratamente cominada ao crime praticado, nem poderá ser superior a 30 anos- Ordem concedida para declarar o término do cumprimento da medida de segurança imposta ao paciente. (Grifo nosso)

Nesse sentido, Adeildo Nunes (2009, p. 223) chega à seguinte posição:

Continuamos achando que a medida de segurança não é e não pode ser uma sanção penal, mas sim a imposição de um tratamento psiquiátrico, que até pode ser estipulada como tratamento ambulatorial; ademais, a sentença que fixa é absoluta, e não condenatória, motivo pelo qual sua natureza jurídica não pode ser confundida com a da pena, como já aconteceu no passado.

Cezar Roberto Bitencourt (2009, p.745) pronuncia-se:

Não resta a menor dúvida quanto à submissão das medidas de segurança ao princípio da reserva legal, insculpido nos arts. 5º, inc. XXXIX, da Constituição Federal e 1º do Código Penal, referentes ao crime e à pena. Todo cidadão tem o direito de saber antecipadamente a natureza e duração das sanções penais – penas e medida de segurança- a que estará sujeito se violar a ordem jurídico – penal, ou, em outros termos, vige também o princípio da anterioridade legal, nas medidas de segurança.

A medida de segurança e a pena privativa de liberdade constituem duas formas semelhantes de controle social e, substancialmente, não apresentam diferenças dignas de nota. Consubstanciam formas de invasão da liberdade do indivíduo pelo Estado, e, por isso, todos princípios fundamentais e constitucionais aplicáveis à pena, examinados em capítulo próprio, regem também as medidas de segurança.

Hans Welzel (2003, p. 363) aduz:

O internamento permanece somente pelo tempo que exija o cumprimento de seu objetivo (§ 42, f), pois, como ele não tem por pretexto uma retribuição pelo injusto cometido, mas a proteção da comunidade frente a uma frente a uma pessoa perigosa, deve tardar tanto tempo (mas não mais) como exija essa necessidade de proteção. Por isso, não se deve estabelecer nenhum limite de tempo na sentença.

Afirma Luiz Régis Prado (2010, p. 632):

Acerca da natureza jurídica das medidas de segurança, discute-se se teriam caráter jurídico – penal ou meramente administrativo. Embora se insista em negar as medidas de segurança o caráter de sanção penal- sob o argumento de que tais medidas apresentam uma função administrativa de polícia, não pertencendo, pois, ao direito penal, mas sim ao administrativo-é assente seu caráter especificamente penal.

De conseguinte, insere-se a medida de segurança no gênero sanção penal, no qual figura como espécie, ao lado pena.

Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 519-524) dispõe acerca do instituto:

Trata-se de uma espécie de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado.

Não nos parece assim, pois, além de a medida de segurança não ser pena, deve-se fazer uma interpretação restritiva do art.75 do Código Penal, muitas vezes fontes de injustiças. Como já exposto em capítulo anterior, muitos condenados a vários anos de cadeia estão sendo interditados civilmente, para que não deixem a prisão, por serem perigosos, padecendo de enfermidades mentais, justamente porque atingiram o teto fixado pela lei (30 anos). Ademais, apesar de seu caráter de sanção penal, a medida de segurança não deixa de ter só propósito curativo e terapêutico. Ora, enquanto não for devidamente curado, deve o sujeito submetido à internação permanecer em tratamento, sob custódia do Estado. Seria demasiado apego à forma transferi-lo de um hospital de custódia e tratamento criminal para outro, onde estão abrigados insanos interditados civilmente, somente porque foi atingido o teto máximo de 30 anos, previsto no art.75, como sugerem outros.

Consoante Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2004, p. 732):

De acordo com as regras legais expressas, as medidas de segurança não teriam limite máximo, ou seja, poderiam, por hipótese, perdurar durante toda a vida da pessoa a elas submetidas, sempre que não advenham uma perícia indicativa da cessação da periculosidade do submetido.Esta consequência deve chamar atenção dos intérpretes de qualquer lei penal, por menos que reflexionem sobre uma medida de segurança significar limitações da liberdade e restrições de direitos, talvez mais graves do que os dotados de conteúdo autenticamente punitivo. Se a Constituição Federal dispõe que não há penas perpétuas (art.5º, XLXII, b), muito menos se pode aceitar a existência de perdas perpétuas de direitos formalmente penais.

A periculosidade de uma pessoa que tenha cometido um injusto ou causado um resultado lesivo a bens jurídicos pode não ser maior nem menor do que a de outra que o tenha causado, se a mesma depende de um padecimento penal. Não existe razão aparente para estabelecer que um azar leve a submissão de uma delas a um controle penal perpétuo, ou, possivelmente perpétuo, enquanto outra fique entregue às disposições do direito ou legislação psiquiátrica civil.

Recordemos, ainda, que esta solução não seria só aplicável a pessoas não culpáveis por incapacidade psíquica, pois, em face do art.98, seriam estendidas a autores de delito, ou seja, se tornariam privações ilimitadas de direitos, estabelecidas também para pessoas dotadas de culpabilidade diminuída e condenados por delitos, para as quais se projeta numa diminuição de um a dois terços da pena.

Não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como coerção penal. Se a lei não estabelece o limite máximo, é o intérprete quem tem a obrigação de fazê-lo.

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Infere-se dos posicionamentos doutrinários que a discussão reside na definição da natureza do referido instituto, o que implica na constitucionalidade ou não do critério de cessação da periculosidade para que a medida de segurança seja extinta.

Os que defendem que a medida de segurança é uma espécie do gênero sanção penal, alegam que ela tem um caráter preventivo, sob o argumento de que a mesma deve ser vista como imposição coercitiva do Estado decorrente da prática de um injusto penal por um agente inimputável, de modo que o indivíduo não retorne a incidir nos mesmos tipos penais e ofereça risco à sociedade.

Já outros autores atentam para a natureza administrativa da medida de segurança, entendendo que por ser uma forma de tratamento, não deve se vincular a período mínimo de cumprimento. Em qualquer tempo, se cessada a enfermidade mental, deverá ser revogada, de acordo com o disposto na lei de execução penal.

Percebe-se, evidentemente, que a medida tem uma função preventiva e assistencial e pode ser considerada uma forma de tratamento que faz com que os portadores de distúrbios mentais tidos como “perigosos” não causem danos à sociedade, e a si próprios. 

No entanto, a solução não parece ser tão simples assim, cada vez essa situação se torna mais complexa, pois o portador de uma doença mental, apesar da periculosidade aferida, o mesmo é retirado do convívio social, em afronta direta ao preceito constitucional da presunção de inocência e o da vedação da pena perpétua, em relação ao critério da temporalidade indefinida.

3.2 Da vedação da Pena de Caráter Perpétuo e o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana Previstos na Constituição Federal

O cerne deste trabalho está na discussão se o fato de a legislação penal não prever a determinação de um limite de prazo para o cumprimento de medida de segurança afronta o princípio da vedação de pena de caráter perpétuo previsto na Constituição Federal, considerando que a revogação da medida está sujeita à cessação da periculosidade do agente criminoso.

Nessa seara dispõe o artigo 5º, inciso XLVII, alínea “b”, da Constituição Federal que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Não haverá pena de caráter perpétuo.

Portanto, no caso do inimputável que for submetido a esse regime, enquanto for detectado no exame de verificação de periculosidade, que o mesmo apresenta riscos à sociedade, será mantido internado, mesmo que já tenha cumprido a pena cominada pelo crime praticado.

O princípio citado relaciona-se diretamente com o princípio da humanidade, ou seja, com a adoção da dignidade da pessoa humana como fundamento axiológico de nosso ordenamento jurídico, de modo que não se deve a aplicar uma sanção penal, seja pena ou medida de segurança, de forma, a violar direitos básicos inerentes a todos os seres humanos.

No mais, é imperioso o estabelecer um limite temporal máximo para as medidas de segurança, de modo a respeitar também o princípio da proporcionalidade e razoabilidade, tendo em vista que não se pode manter sob custódia um detento por um período tão extenso e até acima do prazo legal permitido, caracterizando assim uma prisão eterna e que viola o princípio da dignidade previsto no art.1º, III, da Constituição Federal.

Considera-se, ainda, que o Estado não oferece um tratamento adequado, com uma infraestrutura básica orientada para estes casos, mesmo que prevalecesse o entendimento de que a medida de segurança deveria ser encarada como uma forma de tratamento e seria necessário que  ela perdurasse até a cura do paciente.

No mais, merecem destaque as exposições de Antonio Párdua Serafim, Daniel Martins de Barros, Sergio Paulo Rigonatti (2006, p. 213- 242):

Ao iniciar o cumprimento da medida de segurança de tratamento ou de segurança detentiva em um dos locais referidos anteriormente, o indivíduo deverá ser submetido anualmente a um parecer de verificação da cessação de periculosidade, no qual será constatado se ainda apresenta periculosidade, se está nivelada ao de um doente mental comum ou se ela está cessada. Esse parecer será enviado à Vara de Execuções Criminais para liberações da Promotoria, Procuradoria do Estado e do Juiz de Direito.

As dificuldades verificadas no atendimento em saúde mental em âmbito institucional, no que se referem ao excessivo número de pacientes em tratamento e em fila de espera, e ainda, a pouco ou nenhuma colaboração dos familiares, fazem-nos lembrar de um tempo em que os cuidados à saúde de qualquer enfermo de uma família ou comunidade eram oferecidos, também, por outros integrantes que não só os parentes mais próximos.

Dentro do terreno onde habitam esses aspectos sociais anteriormente referenciados, destacamos o preconceito, o inimigo da reclusão, cuja presença podemos perceber por meio da tardia procura por ajuda dos portadores de doenças mentais e emocionais e do silêncio, por parte dos envolvidos, acerca tais transtornos.

Desta forma, mesmo mantendo-se ileso o instituto da medida de segurança, como uma espécie de sanção penal, é importante levar em conta que a mesma serve como um recurso de proteção social e sua execução deve basear-se nos dispositivos constitucionais de negativa de prisão perpétua, e acima de tudo, na valoração do principio da dignidade da pessoa humana, considerando a questão de tratar-se de pessoa diferenciada que sofre transtornos que não poderia ter os seus direitos e garantias fundamentais violados.

Nesse diapasão, conforme previsto na legislação brasileira, deveria o réu ser submetido a tratamento psiquiátrico obrigatório, situação que não ocorre na prática, pois é fornecido aos inimputáveis um tratamento semelhante aos condenados, onde muitas vezes, dividem o mesmo espaço com delinquentes sentenciados por crimes de penas elevadíssimas em sistemas penitenciários lotados e em condições desumanas.

Portanto, nota-se a ineficácia da aplicação da medida de segurança, pois ela destina-se a promover a cura ou pelo menos a melhora da saúde do doente. Entretanto, com a situação caótica do sistema penitenciário brasileiro, essa finalidade não é cumprida. Nesse contexto, o autor Ivan de Carvalho Junqueira (2005, p. 62) faz a seguinte observação:

Portanto, num sistema presidial em que superlotação, ociosidade, ausência de cuidados médicos-sanitários adequados, alimentação de má-qualidade e tantos outros entraves tornam-se cada vez mais rotineiros e comuns, impassíveis mesmo de despertar o mínimo sentimento de justiça e indignação diante daqueles que livres se encontram, vez que incapazes de enxergar o grau de arbitrariedades cometidas dentro da prisão, cujas celas mais parecem jaulas como as que abrigam bichos em zoológicos, sem dúvidas, desprezado fora o princípio da dignidade da pessoa humana.

A Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001, é de grande valia no que concerne à este assunto, já que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.

Convém destacar alguns artigos da mencionada lei de modo a demonstrar que na teoria os direitos dos inimputáveis devem ser resguardados, o que não acontece no cotidiano das penitenciárias dos estados brasileiros.

No tocante aos direitos da pessoa portadora de transtorno mental, tem respaldo o artigo 2º da lei ao determinar que nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:

I - ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas necessidades;

II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na comunidade;

III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;

IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;

V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua hospitalização involuntária;

VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;

VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento;

VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;

IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental. (BRASIL, 2001e)

A partir da leitura da lei, nota-se uma nova visão sobre o sofrimento psíquico através de dispositivos que remetem para uma atuação voltada para os processos de inclusão social do inimputável, onde o Estado é responsável pelo desenvolvimento e execução das políticas públicas de saúde e a família exerce um papel fundamental no tratamento do paciente, nos termos do artigo 3º e 4º da referida norma:

Art. 3º. É responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família, a qual será prestada em estabelecimento de saúde mental, assim entendidas as instituições ou unidades que ofereçam assistência em saúde aos portadores de transtornos mentais.

Art. 4º A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.

§ 1º O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.

§ 2º O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.

§ 3º É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2º. (BRASIL, 2001e)

Portanto, vê-se que o objetivo é manter o convívio familiar do portador de doença mental, e que a internação é vista como a última alternativa, só utilizada em casos extremos. Porém, deve-se atentar que na maioria dos casos a família não está preparada para cuidar de uma pessoa com essas peculiaridades, o que torna mais complicada a situação do paciente.

A portaria nº 2391/GM, de 26 de dezembro de 2002, elabora pelo Ministério da Saúde também reforça o entendimento de que a internação só ocorre em casos graves, segundo o artigo 2º:

Art. 2º. Definir que a internação psiquiátrica somente deverá ocorrer após todas as tentativas de utilização das demais possibilidades terapêuticas e esgotados todos os recursos extra-hospitalares disponíveis na rede assistencial, com a menor duração temporal possível. (BRASIL, 2002f).

Ademais, a Resolução nº 113, de 20 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça que trata do procedimento relativo à execução de pena privativa de liberdade e de medida de segurança, e dá outras providências, também prevê em seu artigo 17 a conduta do Poder Judiciário no sentido de cumprir os preceitos legais da lei nº 10.216/2001:

Art. 17. O juiz competente para a execução da medida de segurança, sempre que possível buscará implementar políticas antimanicomiais, conforme sistemática da Lei nº 10.216, de 06 de abril de 2001.(CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2010)

Contudo, todas essas normas têm fundamento constitucional que igualmente assegura o direito à saúde, conforme o disposto no artigo 196 da CF/88:

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 2013c)

 Desta forma, possui relevância a situação dos inimputáveis que estão em regime de segurança e que não devem estar juntos com os presos comuns, já que a prática do crime se deu em razão da ausência de discernimento necessário no momento da realização do ato. Sendo assim, o doutrinador Augusto Thompson (2002, p. 21-22) ressalta a seguinte questão:

O uso generalizado da privação da liberdade humana como forma precípua de sanção criminal deu lugar ao estabelecimento de grande número de comunidades, nas quais convivem de dezenas a milhares de pessoas. Essa coexistência grupal, como é óbvio, teria de dar origem a um sistema social. Não se subordinaria este, porém, à ordem decretada pelas autoridades criadoras, mas, como é comum, desenvolveria um regime interno próprio, informal, resultante da interação concreta dos homens, diante dos problemas postos pelo ambiente particular em que se visam envolvidos.

A característica mais marcante da penitenciária, olhada como um sistema social, é que ela representa uma tentativa para criação e manutenção de um grupamento humano submetido a um regime de controle total ou quase total.

Então, o direito fundamental à saúde mental está diretamente ligado ao tratamento das pessoas portadoras de transtornos mentais, e sofreu alterações ao longo da história e passou a ter maior atenção nos últimos tempos com as inovações legislativas citadas, principalmente no que se refere à internação destas pessoas em instituições, onde se busca oferecer maiores cuidados àqueles que sempre foram excluídos socialmente e vistos como perturbadores da ordem social.

Assim, o movimento de reforma psiquiátrica brasileiro foi de grande relevância na construção do Estado Democrático de Direito brasileiro, pois a partir da promulgação da Constituição Brasileira de 1988 que estabeleceu os direitos e garantias fundamentais, é que se pode inserir nesse contexto a luta por melhores condições aos inimputáveis e a inclusão dos mesmos na sociedade, de modo, que eles pudessem ser vistos como sujeitos de direitos.

Destarte, a Reforma Psiquiátrica tornou-se o instrumento de efetivação da democracia, através da promulgação de uma legislação de saúde mental que institui a formas de proteção das pessoas acometidas de transtorno mental, configurando-se uma verdadeira garantia legal de direitos.

Nesse aspecto, para que haja a reabilitação psicossocial das pessoas portadoras de transtornos mentais é necessária a participação ativa dos familiares e responsáveis no tratamento com vistas à reinserção social do paciente em seu meio.

Dessa maneira, o transtorno mental não se limita somente à área da saúde, ele também envolve questões sociais, políticas e culturais, o que se verifica nos artigos da legislação mencionada. Sendo assim, é preciso que sejam realizados serviços planejados, estruturados e supervisionados para a execução de ações de saúde que auxiliem na recuperação dos internos, de forma, que eles sejam respeitados enquanto seres humanos.

A respeito do sistema de reinserção social, as palavras de Alvino Augusto de Sá (2011, p. 229) merecem atenção:

Em qualquer hipótese, para qualquer tipo ou quantum de punição, a meta de inclusão social deve ser prioritária, ainda que se atente para uma necessidade especial de contensão. O indivíduo punido deverá ser tratado como pessoa, uma pessoa que teve em seu passado um comportamento problemático, perante uma situação que se apresentou para ele como particularmente problemática, sendo que esse comportamento foi, a seu ver, a resposta mais eficaz que ele poderia ter dado naquele momento e naquele contexto. Essa situação problemática deve ser compreendida em toda sua complexidade na história do indivíduo, incluída ai a responsabilidade dos mais diversos protagonistas, a começar pelas instâncias de controle, em sua definição legal seletiva de crime e de punição, e pela agenda social, em sua reação seletiva e estigmatizante diante da conduta criminosa.

Logo, é notório que a internação só deve ser aplicada quando não houver outro recurso disponível, pois sabe-se da deficiência do sistema penal destinado a presos comuns, pior ainda a situação quando se trata dos inimputáveis, o que torna mais difícil concretizar o objetivo de inclusão social.

Frisa-se ,assim, a importância dos direitos humanos em relação ao tema medida de segurança, pois não se deve punir eternamente um indivíduo portador de doença mental, mesmo que tenha cometido um ato criminoso, em um local onde não se tenha o atendimento de suas necessidades básicas e tendo sua dignidade humana violada.

3.3 Análise Jurisprudencial Acerca da Matéria

Não obstante a legislação penal brasileira não definir o lapso temporal máximo de cumprimento da medida de segurança, os últimos julgados dos Tribunais Superiores coadunam com entendimento de que o prazo indeterminado da medida afronta os direitos e garantias previstas na Constituição Federal de 1988.

Portanto, como as penas privativas de liberdade, que, segundo o artigo 75 do Código Penal, não podem exceder o limite máximo de 30 (trinta) anos, sendo utilizado como fundamento para as posições jurisprudenciais sobre o tema.

Nesse diapasão, o Supremo Tribunal Federal tem frisado o seguinte entendimento:

AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO MÁXIMO DE INTERNAÇÃO. TRINTA ANOS. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ARTIGO 75 DO CÓDIGO PENAL. ATENÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ISONOMIA, PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. 1. Em atenção aos princípios da isonomia, proporcionalidade e razoabilidade, aplica-se, por analogia, o art. 75 do Diploma Repressor às medidas de segurança, estabelecendo-se como limite para sua duração o máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, não se podendo conferir tratamento mais severo e desigual ao inimputável, uma vez que ao imputável, a legislação estabelece expressamente o respectivo limite de atuação do Estado. 2. Agravo regimental improvido. (BRASIL. STF, 2013g, p.01-13)

O caso em concreto trata-se de um paciente que foi denunciado pela prática do delito de homicídio qualificado, perpetrado contra seu genitor. Após instaurado incidente de insanidade mental, contatou-se que o paciente sofria, ao tempo da ação, de esquizofrenia paranóide e transtorno de personalidade paranóide, sendo inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito de sua conduta.

 Então o Tribunal do Júri da Comarca de Porto Alegre/RS, reconhecendo a inimputabilidade do paciente, o absolveu das acusações e o Juiz aplicou a necessária medida de segurança cabível.

O paciente foi internado no Instituto Psiquiátrico Forense pelo prazo mínimo de dois anos, ao término do qual não lhe foi concedida alta, recomendando-se, contudo a alta progressiva, tendo em vista assistido apresentou evolução no tratamento, permanecendo, entretanto, internado há mais de 24 anos.

Ademais, o Juízo de Execuções de Penas e Medidas Alternativas da Comarca de Porto Alegre-RS decretou a prescrição da medida de segurança imposta, o que ensejou no ajuizamento de agravo em execução pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, provido para cassar a decisão que decretara a prescrição.

Diante disso, a defesa impetrou o habeas corpus no STJ, que denegou a ordem, mantendo o entendimento da Corte gaúcha e contra essa decisão se insurge a impetrante.

Argumentou-se que a medida imposta ao paciente converteu-se em privação perpétua, em vidente violação ao princípio da dignidade da pessoa humana e da vedação de penas de caráter perpétuo.

No mais, alegaram que deveria permitir ao assistido que se submeta a tratamento digno e adequado para sua patologia, uma vez que a doença que o acomete pode ser perfeitamente controlada por acompanhamento ambulatorial e uso de medicamentos.

  Requereram, por fim, o deferimento da liminar para que fosse determinada a suspensão dos efeitos do acórdão proferido pelo STJ e ,como pedido principal, a concessão da ordem com o objetivo de restabelecer a decisão que decretou a prescrição da medida de segurança, encaminhando-se o paciente para tratamento adequado.

No entanto, o voto da turma consistiu em denegar a ordem no que concerne ao reconhecimento da prescrição da medida assentado no fato de ainda não ter alcançado o tempo de 30 anos e concedendo, porém, a ordem em parte para determinar a transferência do paciente para hospital psiquiátrico que disponha de estrutura adequada ao seu tratamento, nos termos da Lei nº 10.261/2001, sob a supervisão do Ministério Público e do órgão judicial competente.

Outro julgado em que o STF segue a mesma lógica:

PENAL. EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. RÉU INIMPUTÁVEL. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DA MEDIDA, TODAVIA, NOS TERMOS DO ART. 75 DO CP. PERICULOSIDADE DO PACIENTE SUBSISTENTE. TRANSFERÊNCIA PARA HOSPITAL PSIQUIÁTRICO, NOS TERMOS DA LEI 10.261/01. WRIT CONCEDIDO EM PARTE. I - Não há falar em extinção da punibilidade pela prescrição da medida de segurança uma vez que a internação do paciente interrompeu o curso do prazo prescricional (art. 117, V, do Código Penal). II - Esta Corte, todavia, já firmou entendimento no sentido de que o prazo máximo de duração da medida de segurança é o previsto no art. 75 do CP, ou seja, trinta anos. Precedente. III - Laudo psicológico que, no entanto, reconheceu a permanência da periculosidade do paciente, embora atenuada, o que torna cabível, no caso, a imposição de medida terapêutica em hospital psiquiátrico próprio. IV - Ordem concedida em parte para extinguir a medida de segurança, determinando-se a transferência do paciente para hospital psiquiátrico que disponha de estrutura adequada ao seu tratamento, nos termos da Lei 10.261/01, sob a supervisão do Ministério Público e do órgão judicial competente. (BRASIL. STF, 2011g, p.46-50)

Nessa situação, o paciente estava internado há mais de quinze anos por um crime cuja pena máxima é de apenas seis meses e que, considerando que seu tratamento iniciou-se em 1977, foi interrompido em 1991 e retomando em 1992, sua internação já ultrapassava os trinta anos.

Desta forma, o voto concedeu em parte a ordem, para extinguir a medida de segurança, determinando-se a transferência do paciente para o Hospital Psiquiátrico que disponha de estrutura adequada, nos termos da lei nº 10.261, sob a supervisão do Ministério Público e do órgão judicial competente.

A jurisprudência do STJ vem corroborando com o seguinte entendimento:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. EXECUÇÃO PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO INDETERMINADO. VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL DE PENAS PERPÉTUAS. LIMITE DE DURAÇÃO. PENA MÁXIMA COMINADA IN ABSTRATO AO DELITO COMETIDO. PRINCÍPIOS DA ISONOMIA E DA PROPORCIONALIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. A Constituição Federal veda, em seu art. 5º, inciso XLII, alínea b, penas de caráter perpétuo e, sendo a medida de segurança espécie do gênero sanção penal, deve-se fixar um limite para a sua duração. 2. O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, à luz dos princípios da isonomia e da proporcionalidade. 3. Ordem concedida para declarar extinta a medida de segurança aplicada em desfavor do paciente, em razão do seu integral cumprimento. (BRASIL. STJ, 2009h, p.562)

Trata-se de um paciente que sofreu a imposição de medida de segurança por ter ofendido a integridade física de seu pai, causando-lhe lesões corporais de natureza graves, sendo que o mesmo estava internado há mais de dezesseis anos.

Na visão da turma, no presente caso não estaria configurada a em prescrição, mas sim o limite máximo de duração da medida de segurança. Isto porque o paciente encontra-se cumprindo a medida de segurança imposta e a prescrição refere-se à pretensão estatal de punir (quando se levará em consideração a pena in abstrato) ou de executar pena ou medida imposta por sentença judicial transitada em julgado (considerando-se a pena in concreto).

A discussão desse remédio desenvolveu-se em torno da questão da duração máxima da medida de segurança, no sentido de se fixar uma restrição à intervenção estatal em relação ao inimputável na esfera penal.

O voto concedeu a ordem e chegando à conclusão de que ao término do prazo da medida de segurança, correspondente ao tempo máximo abstratamente cominado ao delito cometido, ainda que não cessada a periculosidade do agente, deveria então cessar a intervenção do Estado na esfera penal.

Diante dos exemplos citados, é notório que a jurisprudência dos Tribunais segue a tendência de considerar a medida de segurança espécie do gênero sanção penal e deve sujeitar-se a um período máximo de duração.

Todavia, a divergência entre seus julgados reside em relação ao limite máximo, pois enquanto o STJ se baseia pelos princípios da isonomia e da proporcionalidade, alegando que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, pelo entendimento do STF o indivíduo teria que se sujeitar ao cumprimento de um período de 30 anos de medida de segurança, mesmo que o crime cometido tenha pena máxima inferior a esse prazo.

3.4 Situação Atual dos Estabelecimentos de Custódia no Município de Rio Branco

É inegável o avanço que a política de saúde mental no Brasil obteve com o advento da Lei nº 10.216/01, sendo de suma importância, no paradigma atual buscar formas de efetivar os preceitos dispostos nas normas a fim de prestar a assistência a esses indivíduos acometidos por patologias mentais.

Deste modo, foi realizada uma coleta de informações nos principais órgãos relacionados com a execução da medida de segurança no Município de Rio Branco a fim de aprimorar a pesquisa realizada acerca do tema em discussão, através de uma análise como é aplicada e executada essa espécie sancionatória aos portadores de transtornos mentais, autores de delito no Município de Rio Branco-AC, demonstrando a situação do sistema atual de execução da medida de segurança de internação na Capital do Estado do Acre sob o enfoque do princípio da dignidade da pessoa humana.

Cumpre informar que no Estado do Acre nunca foi construído manicômio judiciário, nem hospital de custódia para tratamento de pessoas portadoras de transtornos mentais autoras de crimes. O que já caracteriza uma ausência de desenvolvimento de políticas públicas ligadas tratamento do portador de transtorno mental.

Nesse contexto, o escopo é verificar as incoerências da medida de segurança como resposta penal do Estado ao indivíduo infrator acometido de transtorno mental sob o ponto de vista social e humanista do direito.

Assim, a partir da visita à Vara de Execuções Penais, Instituto Penitenciário do Acre e Hospital de Saúde Mental do Acre, é possível constatar a ineficácia desse sistema na recuperação dessas pessoas.

Foram realizadas entrevistas, objetivando o levantamento de informação junto a servidores e diretores responsáveis pelo desempenho dos serviços relacionados à prática cotidiana de aplicação da medida e saúde mental na cidade de Rio Branco.

Frisa-se que a escolha da avaliação quantitativa, através da coleta de dados foi a estratégia de análise utilizada para aferir o número de detentos que estão cumprindo a pena acima do limite previsto, de modo a mensurar a realidade da aplicação da medida de segurança em na localidade.

Iniciou-se pela Vara de Execução Penal, que é responsável pelo acompanhamento da execução das sentenças proferidas pelos demais juízes criminais da Comarca.

Ao dialogar com um servidor do setor foi confirmado que no Acre não há Hospital de Custódia e Tratamento para internação e que há 08 detentos em regime de internação distribuídos nas diversas unidades prisionais, sendo apenas 01(um) do sexo feminino.

Tendo em vista que não há o Hospital, os pacientes estão cumprindo a medida de segurança de internação nas penitenciárias. Porém, há três detentos em regime de prisão domiciliar.

Os crimes mais comuns cometidos por estes incapazes são furto, roubo, homicídio e estupro, sendo que enquanto responde ao processo o réu fica internado na unidade prisional.

No tocante à determinação dos prazos de cumprimento da medida há fixação do tempo mínimo e máximo nas sentenças de acordo com o crime, sendo o prazo mínimo (1 ano) mas não fixa o máximo, enquanto não há cessação, fica-se realizando perícia a cada 06 meses.

Não há prazo estimado de duração de um processo dessa natureza e a produção de laudos e a verificação da cessação da periculosidade ocorre através de perícia médica a cada seis meses.

Em relação à reincidência, o servidor recorda-se de 01 (um) preso que foi libertado e retornou.

Mencionou-se ainda, que a maioria dos detentos atualmente permanece internada cumprindo medida de segurança acima do limite previsto para o crime cometido, tendo como exemplo um detento que está cumprindo a medida há 07(sete) anos para um crime que tem a pena de 02 (dois) anos.

Já no IAPEN, foi entrevistado o Coordenador de Reintegração Social que forneceu os seguintes esclarecimentos.

O acompanhamento do preso com deficiência mental ou com desenvolvimento mental incompleto ou retardado ao sistema prisional se dá em parceria com a rede externa de saúde, no caso, o HOSMAC, juntamente com psicólogos e assistentes sociais do quadro do IAPEN.

A separação dos presos que cumprem medida de segurança e presos comuns é realizada por celas e não por pavilhões (alas).

O tratamento especializado direcionado ao detento que está cumprindo medida de segurança de internação é o medicamentoso e não o terapêutico, pois não há no quadro do IAPEN terapeuta ocupacional, somente psicólogo, assistente social e pedagogo.

Informou ainda, que não há previsão de se construir um hospital de custódia e tratamento, tendo em vista a vedação da criação de mais hospitais de custódia e tratamento prevista na lei nº 10.216/2001.

Ademais, o preso só é encaminhado para o HOSMAC, quando o caso é extremamente complexo, já que eles oferecem o melhor tratamento. No entanto, há “certa” resistência por parte do hospital em receber presos em medida de segurança.

Por fim, ressalta que o laudo ou perícia é realizado de 6 em 6 meses ou de ano em ano e consiste numa entrevista simples.

Ao indagar a direção do Hospital de Saúde Mental do Acre,  foi informado, de forma bem objetiva, que no hospital não há uma estrutura adequada para atender pessoas que por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto não conseguem compreender o caráter ilícito do crime.

E ainda, que nos casos de cumprimento de medida de segurança o paciente é internado sem estrutura física e ou recursos humanos para tal fim.

Não ocorre a devida separação entre os pacientes que cumprem medida de segurança e os pacientes comuns e tratamento psiquiátrico se dá conforme a patologia e sendo que não há muitos casos de recuperação daqueles pacientes que cumprem medida de segurança.

Diante dos esclarecimentos prestados pelos órgãos supracitados, percebe-se que a realidade local não é diferente de outras cidades do país que também não cumprem as regras estabelecidas, ficando apenas na teoria, onde a lei existe e não é seguida, isto é, não se implantam políticas para a melhoria da área de saúde mental.

Não se deve olvidar que os portadores de patologias mentais, ainda que tenham cometido algum ilícito penal, e mesmo que apresentem certo perigo para a sociedade, continuam sendo sujeitos de direitos e protegidos pelas leis e não podem sofrer essa segregação que ocorre em local inapropriado e sem prazo determinado.

Merece atenção também o fato de que HOSMAC não solicitar a realização do tratamento desses pacientes a fim de buscar a implantação de um local mais adequado para abrigá-los.

Por fim, através das informações mencionadas pode-se confirmar que o sistema penal da capital acreana no que se refere à medida de segurança é ineficaz, pois o poder judiciário não atua no aspecto jurídico ao não fixar prazo de cumprimento e no aspecto político não se propicia condições mínimas de tratamento adequado e efetivação do princípio da dignidade humana.

Sobre as autoras
Ana Carolina Couto Matheus

Doutoranda em Ciência Jurídica pela UNIVALI - SC. Mestre em Direito Processual e Cidadania pela UNIPAR-PR. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Tributário pela UNP-RN. Pós-Graduada em Direito Constitucional (Temas Avançados do Direito Contemporâneo) pela UVB-SP. Graduada em Direito pela Toledo-SP. Advogada. Consultora Jurídica. Professora efetiva do Curso de Direito da UFAC. Lecionou em diversos módulos do Curso de Pós-Graduação lato sensu em Direito da UNINORTE – AC e em vários Cursos Preparatórios para Concursos Públicos. Membro do Conselho Consultivo da Revista Nobel Iuris. Autora do livro Direito Ambiental e Cidadania. Autora de diversos capítulos de livro e artigos publicados em revistas jurídicas especializadas. Conferencista. Orientadora Jurídica. Pesquisadora.

Natasha Cristina Henrique de Aguiar

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Acre.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Ana Carolina Couto Matheus; AGUIAR, Natasha Cristina Henrique. A indeterminação temporal da medida de segurança à luz da Constituição Federal e sua aplicabilidade no Município de Rio Branco-Acre. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4213, 13 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/35457. Acesso em: 25 nov. 2024.

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