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Depoimento com redução de danos.

Uma forma de minimizar a revitimização de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual em Araguaína-TO

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Agenda 02/11/2015 às 10:11

5. DEPOIMENTO COM REDUÇÃO DE DANOS EM ARAGUAÍNA.

Araguaína possui delegacia, promotoria e uma vara especializada na investigação e apuração dos crimes em que são vítimas crianças e adolescentes. Contudo, nenhuma daquelas instituições possui sala especial destinada a colher o depoimento de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

A titular da Delegacia da Infância e Juventude, Dra. Balma Martins de Araújo, em conversa que ocorreu no dia 20.10.2014, no complexo de delegacias de Araguaína, às 09h30min, informou que conhece o projeto e o acha bastante interessante. Contudo, acha uma utopia que a iniciativa seja implantada na delegacia da infância e juventude, por cuja titularidade responde, pois “a estrutura para se trabalhar hoje é bastante precária, chegando inclusive a faltar papel e toner para as atividades do cotidiano”. Falou ainda ter dificuldade em inquirir crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, haja vista não ter nenhum curso específico que a qualifique para tal ato.

Nem a promotoria nem o juizado da infância e juventude também possuem sala especial. No juizado há apenas uma brinquedoteca. Segundo Iana Lira, escrevente judicial, em conversa que ocorreu no dia 20.10.2014, por volta da 10h30min, “uma empresa de segurança foi contratada para ver a possibilidade de transformar a brinquedoteca numa sala especial destinado a inquirir crianças e adolescentes vítimas de violência sexual”. O prédio é alugado, o que torna difícil um investimento por parte do estado numa estrutura provisória.

No juizado, as crianças são ouvidas diretamente pela magistrada. O órgão já conta com uma equipe multidisciplinar composta por psicólogos e assistentes sociais cedidos pelo Governo do Estado. Mas esta equipe apenas acompanha a oitiva, não intervindo no ato. A melhor notícia, entretanto, foi a de que o novo Fórum de Araguaína, em construção na Avenida Filadélfia, contará com sala especial devidamente equipada. Assim, portanto, emerge a esperança de que, em nossa cidade, as crianças e adolescentes não mais sofram, durante a busca da verdade real, a chamada violência institucional. Esta pode ser tão ou mais traumatizante que a violência em si mesma.


CONCLUSÃO

O processo penal tradicional já demonstrou não ser suficiente para tutelar e efetivar os direitos das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, não cumprindo, assim, seu papel de assegurar proteção aos direitos humanos. A chamada cultura inquisitiva, ou busca da verdade a qualquer preço, não pode ter lugar num estado dito democrático de direito como o Brasil, onde a dignidade da pessoa humana é um de seus fundamentos.

O depoimento com redução de danos busca justamente destacar o superior interesse da criança. Infere-se, assim, que seu objetivo precípuo não é simplesmente estabelecer mais uma técnica processual de oitiva da vítima ou testemunha, mas criar parâmetros que assegurem a ela valor à sua fala, facilitando a aplicação da lei e, concomitantemente, protegendo seus interesses.

Nesse aspecto, o depoimento com redução de danos não deve ser encarado como uma panaceia, pois, de maneira nenhuma, tem o condão de extirpar o sofrimento causado pela violência e por suas consequências. Deve ser encarado, sim, como uma maneira de se evitar danos ainda maiores às crianças, sendo, na atual sistemática, procedimento importante para assegurar proteção à sua condição especial de pessoa em desenvolvimento.

Em Araguaína, apesar dos atores responsáveis pela persecução criminal e penal conhecerem a sistemática do depoimento com redução de danos, pode-se afirmar que ainda não há, efetivamente, uma preocupação com a política criminal de redução de danos em favor das acrianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Há boa vontade, é fato, mas que esbarra na falta de estrutura nas delegacias, promotorias e juizado da infância e juventude. As oitivas, atualmente, são realizadas em ambientes inadequados. A equipe multidisciplinar, presente apenas no juizado, apenas acompanha o depoimento, não fazendo nenhuma intervenção.

A esperança está na construção do novo Fórum que, conforme mencionado alhures, contará com sala especialmente projetada para a inquirição de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Diante da falta de estrutura, delegados, promotores e juízes devem trabalhar de maneira coordenada para que, dentro do ordenamento jurídico vigente, a criança seja ouvida o mínimo possível, reduzindo, assim, o tempo em que é exposta ao relatar a violência sofrida.

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Sugere-se que seja realizado um trabalho interdisciplinar, profissional e integrado, investindo na capacitação de peritos, psicólogos, assistentes sociais, de modo a torná-los especialistas em crianças e adolescentes. Isso porque o moderno processo penal deve se preocupar também com a proteção à saúde e a redução dos danos psíquicos às crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.

Portanto, é hora do sistema de justiça compreender a importância do seu papel na doutrina da proteção integral. Para isso, é preciso repensar procedimentos, técnicas, revisar condutas. A mudança é morosa, mas o passo mais importante já foi dado: o desejo que todos do sistema de justiça de Araguaína demonstraram em promover mudanças, numa busca coletiva pela efetivação dos direitos das crianças e adolescente vítimas de abuso sexual.


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Sobre o autor
José Roberto Carneiro Alves

Sou Especialista em Direitos Humanos e Cidadania e especializando em Direito Penal e Processo Penal. Graduado em Direito, graduado em Administração de Empresas e graduado em Segurança Pública. Sou professor do curso de direitos da Universidade do Tocantins, campus de Augustinópolis, das disciplinas Direitos Humanos e Novos Direitos, Processo Penal II e Direito Penal II.<br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES, José Roberto Carneiro. Depoimento com redução de danos.: Uma forma de minimizar a revitimização de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual em Araguaína-TO. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4506, 2 nov. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/43807. Acesso em: 18 mai. 2024.

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