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Direito fundamental social subjetivo:

conceito, características e eficácia da norma constitucional

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Agenda 07/03/2016 às 14:24

5. Caráter normativo.

Muito se afirma ainda, como anota Mello, que “embora sejam direitos positivados na ordem jurídica, os direitos sociais não imporiam ao Estado um dever jurídico de adotar as condutas necessárias para a satisfação dos direitos.”[34] Tem-se compreendido que o estágio da positivação de direitos sociais ainda não seja suficiente para o reconhecimento da normatividade desses direitos, entendida como a potencialidade com que se dota certo enunciado normativo de vincular pessoas, permitindo, obrigando ou proibindo condutas[35], uma vez que a distribuição desses bens sempre estaria a depender da capacidade das receitas públicas disponíveis e do jogo notadamente político das prioridades de atendimento de cada uma delas.

Sabe-se que “só de fatos jurídicos provém eficácia jurídica”. A regra jurídica, portanto, antecede a categorização do direito, já ou ainda não subjetivado, a depender da incidência da norma, pois que o antecessor lógico de um direito subjetivo não é propriamente o direito objetivo, a lei, mas o fato jurídico, como produto da ocorrência do fenômeno da incidência. Direito subjetivo “já é efeito dos fatos jurídicos”, é “eficácia do fato jurídico; portanto, posterius”[36].

A norma que preveja certo direito social não escapa a essa equação lógica, mas os seus elementos integrativos nem sempre estarão delineados claramente num só fragmento normativo, ou encerrado em determinado subsistema ou seara do direito objetivo, como seria desejável e como ainda ocorre majoritariamente no estabelecimento de direito doutra natureza.

Ocorre que o direito regula as relações sociais entre pessoas jurídicas naturais ou fictícias, sejam estas orientadas por normas prestantes ao disciplinamento das relações de natureza privatística ou públicas, e, por óbvio, quanto mais se complexam e se especificam essas relações, quanto mais se sofisticam os bens e direitos, já agora não mais limitados ao espectro individual, mas acentuadamente coletivos e difusos, presentes em face das grandes corporações privadas ou em face do Estado, mais também se exige da noção de ordenamento e de sistema jurídicos, porquanto dificilmente será possível apreender todo o fenômeno num único seguimento normativo.

Quer-se com isso chamar à atenção para a circunstância de que a normatividade dos direitos sociais ainda é também uma questão de previsão do suporte fático sobre o qual a norma invariavelmente incidirá e sobre cuja elaboração muito mais exigirá do intérprete do Direito uma visão sistemática deste a fim de, ante as circunstâncias concretas de cada caso, prover (não no sentido criador senão de aplicador) de normatividade e, portanto, de justiciabilidade, a diversidade e peculiaridade dos diversos direitos sociais, fazendo com que a análise da suficiente configuração ou não do suporte fático daqueles inclua a “limitação de recursos econômicos do Estado” e, se, também, não representa, mesmo dentro de uma concepção eminentemente funcionalista, indevida invasão “à competência funcional dos órgãos políticos do Estado” por implicar desrespeito à independência e à harmonia das variantes funcionais do poder político.

Isso, como observa Arango, sem significar rejeição “à exigibilidade judicial prima facie dos direitos sociais. Ou seja, primeiramente, é possível reconhecer a exigibilidade judicial dos direitos sociais a partir da análise do seu suporte fático hipotético, independentemente da existência de uma norma positiva que prescreva a aplicabilidade direta; no segundo passo, é possível desenvolver as condições formais e materiais dos direitos sociais sem transformar o seu suporte fático hipotético em uma estrutura normativa impermeável às restrições econômicas e às objeções políticas que lhe são razoavelmente opostas”[37].

O que é induvidoso, quando se trata de direitos fundamentais sociais, é que, por ter conteúdo prestacional, por vezes ainda indefinido prima facie, seu suporte fático, assim como os efeitos do fato jurídico, “não resulta formulado ‘a priori’. Depende essencialmente do contexto em que esses direitos resultam concretizados, dos meios disponíveis, da riqueza acumulada, enfim, do estado da economia”[38].

O atual estágio eficacial em que se encontram imersos os direitos fundamentais sociais bem evidencia a necessidade de se perseguir, dogmaticamente, um ‘conteúdo jurídico-constitucional determinado’, do ponto de vista dos pressupostos fáticos e dos efeitos jurídicos, a fim de superar os entraves intelectivos no que concerne à plenitude da sua eficácia jurídica[39].

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Por isso se diz que “o fato de que nem todos os direitos sociais sejam judicialmente exigíveis diretamente do Estado (o direito ao trabalho, por exemplo), ou que alguns não o sejam individualmente exigíveis (o direito à moradia, por exemplo), e que uma argumentação especial deva ser desenvolvida para que o Poder Judiciário possa impor ao Estado a sua satisfação em cada caso concreto, significa apenas que os direitos sociais são direitos subjetivos prima facie e não que não são direitos subjetivos tout court”[40].

Enfim, os postulados do positivismo jurídico não são incompatíveis com a salvaguarda de direitos fundamentais sociais, tampouco são estranhos ou imiscíveis a sua justificativa jusfilosófica, “desde que a própria regra de reconhecimento deste sistema tenha incorporado, como critério de validade jurídica, princípios e direitos fundamentais sem renunciar às suas teses fundamentais”[41].


6. Mínimo existencial digno.

Na Constituição de 1988, como se sabe, em suas tábuas inaugurais, insculpiu-se elenco de direitos fundamentais, solenizando o Estado brasileiro, em seu mais elevado estatuto juspolítico, o compromisso com a promoção da dignidade humana e do bem estar social. A sede para a proclamação desses direitos não poderia ser outra senão a Lei Suprema, que paira e conforma a atuação e as relações do poder político.

Entretanto, afirma-se que isso foi um erro do Constituinte e esse erro originar-se-ia justamente do pendor analítico que se lhe emprestou a ponto de albergar extenso rol de direitos tidos por vezes de difícil e improvável consumação real. A esse suposto irrealismo material da Constituição atribui-se o baixo nível de eficacização jurídica de boa parte dos seus preceitos fundamentais. Preferia-se, então, vê-los transferidos à manipulação infraconstitucional sem o amparo da própria Constituição. E isso como forma de se resguardar a efetividade constitucional! Os direitos fundamentais sociais certamente continuariam sendo desatendidos, em sua maioria e em importante extensão, mas a crise não teria estatura constitucional, vale dizer, teme-se a repercutibilidade advinda da dignidade do estatuto fundamental, que por si só expõe, notabiliza e potencializa o déficit finalístico estatal, do que muito mais representa a vontade política de se mobilizar em favor da Constituição e dos valores e fins por ela contemplados.

Como se vê, a noção de supremacia da Constituição e o sentimento de respeito e submissão às suas prescrições são, ainda, em boa medida, simbólicos[42]: propõe-se reduzi-la até onde resolvam mover-se os atores políticos, e, com isso, assegurar muito menos a autoridade constitucional e muito mais a autoridade da pena a partir da qual se vertem muitas plataformas político-governamentais. Antes de se voltar em favor, volta-se contra a Constituição: esse pergaminho que insiste e renite em evidenciar e denunciar o desdém para com a vontade livre e as reais e mais elementares necessidades do Povo. Resta exposto que a crise que nos acomete não é uma crise do Estado, não é uma crise da Constituição, não é uma crise do Direito, é uma crise de estadistas[43]/[44].

Os direitos estão proclamados e nada têm que os faça absurdamente inatingíveis. Eles já estão disponíveis com incomensuráveis sobras para uma pequena parcela da população, no caso brasileiro, que concentra grande parte do produto das riquezas nacionais. O desafio que se põe modernamente deixou de ser a enunciação de direitos, mas a densificação substancial dos direitos já proclamados[45].

A esse desiderato impõe-se ter-se sempre presente, em toda manifestação do Estado, por qualquer das funções do poder público, seja na regulamentação do comportamento social relevante, seja na execução propriamente dita dos fins estatais primários ou, ainda, na aplicação jurisdicional do arcabouço legislativo, que a dignidade da pessoa humana é “uma proposição autônoma do mais subido teor axiológico, irremissivelmente presa à concretização constitucional dos direitos fundamentais”[46] ou, ainda, que “toda a problemática do poder, toda a porfia de legitimação da autoridade e do Estado no caminho da redenção social há de passar, de necessidade, pelo exame do papel normativo do princípio da dignidade da pessoa humana. Sua densidade jurídica no sistema constitucional há de ser portanto máxima e se houver reconhecidamente um princípio supremo no trono da hierarquia das normas, esse princípio não deve ser outro senão aquele em que todos os ângulos éticos da personalidade se acham consubstanciados.”[47]

A República Federativa do Brasil, cujo povo é a fonte única da qual promana todo o poder, compõe-se da união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

Afirmar que algo é seu fundamento significa dizer que é por esse algo que se legitima, é reconhecer que é sobre esse algo em que se assenta, se sustenta, se inspira, que é a sua razão de ser e existir, que é desse algo que se parte sem jamais dele apartar-se, que é ele causa e (deve ser) conseqüência primeira, medial e derradeira, é dizer que sem ele não se é mais. Assim, se o povo de certo Estado, ou fração dele, vive no desamparo da indignidade humana, deslegitima-se o Estado, insignificativa-se a República, dessubstancia-se a Democracia e desnutre-se o Direito, ao menos para aquele imenso contingente que padece das vicissitudes mais elementares.

Daí que a fundamentalidade da dignidade da pessoa humana não é mais uma norma, mais uma norma de índole principiológica. Há de se reconhecer naquele preceito constitucional o mais subido valor e fim a ser protegido e promovido por todo o arcabouço jurídico, pois que “a pessoa humana, que é o bem mais valioso da humanidade, estará sempre acima de qualquer outro valor”[48].

Mesmo do ponto de vista normativo, da juridicidade, tem-se que se aperceber de que o postulado da dignidade da pessoa humana, “para além de seu enquadramento na condição de princípio (e valor) fundamental, é também fundamento de posições jurídico-subjetivas, isto é, norma definidora de direitos e garantias, mas também de deveres fundamentais.[49]

Assim, a sua patente função de viga mestra de sustentação do Estado Democrático de Direito converte-o em “fonte ética para os direitos, as liberdades e as garantias pessoais e os direitos econômicos, sociais e culturais.”[50]/[51]

Tem-se, então, que o reconhecimento de direitos fundamentais traduz o preenchimento do significado substancial da dignidade da pessoa humana, pois que aqueles assumem o papel de enunciadores da sua integridade, ou que, pragmaticamente, da sua observância decorre a manutenção do estado natural e original da dignidade humana, mesmo porque todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, como preconiza o artigo primeiro da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU, desde 1948[52].

Dessarte, os direitos são tidos por fundamentais por que refletem necessidades essenciais, de modo que a renitente improvisão destas, a um ponto tal que instila o degradamento, implica a redução do ser humano, que involui instintualmente. A fundamentalidade dos direitos decerto consiste, portanto, em que “sem eles a pessoa humana não consegue existir ou não é capaz de se desenvolver e de participar plenamente da vida”[53]. A concepção de Direitos humanos necessariamente há de levar em conta as condições e as possibilidades que promovem a generalidade das características imanentes ao gênero humano, sem descurar da especial e natural condição de cada pessoa individualmente considerada e, ainda, conjugando os recursos efetivamente disponibilizados a partir da organização social[54].

Fruto do desenvolvimento dessa compreensão é que surge a teoria do mínimo existencial digno, “não como um conjunto de prestações suficientes apenas para assegurar a existência (a garantia da vida) humana (aqui seria o caso de um mínimo vital), mas, mais do que isso, uma vida com dignidade, no sentido de uma vida saudável”.[55]

À parte a advertência de Krell[56], ao discorrer sobre a teoria do “mínimo existencial”, quando anota que a Corte Constitucional Alemã “deixou claro que esse ‘padrão mínimo indispensável’ não poderia ser desenvolvido pelo Judiciário como ‘sistema acabado de solução’, mas através de uma ‘casuística gradual e cautelosa’”, é factível visualizar, mesmo aprioristicamente, uma zona claramente delineada, um núcleo intangível pelo qual se identifica com alguma consistência realística e conseqüencial o espectro do que se convencionou intitular de mínimo essencial à persistência incólume da dignidade humana, em tempos atuais, tendo-se em mira a própria enunciação exposta na Constituição, que se traduz pelo respeito e preservação da vida, pelo reconhecimento como pessoa, sujeito de direitos, por meio da cidadania, da liberdade de fato, da igualdade de direitos e de oportunidades, da obtenção de moradia, de terra, de trabalho em condições justas, de formação educacional emancipadora e de saúde, assim como, exemplificativamente, afirma Sarlet que “a falta de uma moradia decente ou mesmo de um espaço físico adequado para o exercício da atividade profissional evidentemente acaba, em muitos casos, comprometendo gravemente – senão definitivamente – os pressupostos básicos para uma vida com dignidade”[57].

Por isso Robert Alexy fala da liberdade fática para o indivíduo, pois que “para el individuo tienen importância existencial el no tener que vivir bajo el nivel de uma existência mínima, el no estar condenado a um permanente no hacer nada y el no quedar excluído de la vida cultural de la época”[58]. Dessa compreensão compartilha Fernando Facury Scaff quando faz afirmação no sentido de que “para assegurar o ‘mínimo existencial’ no âmbito positivo (status positivus libertatis), é imperioso garantir o status de direito fundamental aos direitos sociais. Sem isso, os direitos fundamentais serão letra morta, pois se configurarão em liberdades jurídicas, sem possibilidade fática de exercício por grande parte da sociedade. Grande parte da população será parcialmente excluída da comunidade jurídica, pois não poderá exercer seus direitos, mas será compelida a cumprir seus deveres para com o Estado e as demais parcelas da sociedade,”[59] pois que “um regime genuinamente democrático pressupõe uma certa independência e segurança para cada pessoa.”[60]

Sobre o autor
Adriano Luís de Almeida Silva

Especialista e mestre em direito. Assessor Jurídico e Professor.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Adriano Luís Almeida. Direito fundamental social subjetivo:: conceito, características e eficácia da norma constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4632, 7 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/46981. Acesso em: 22 nov. 2024.

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