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A privacidade e a liberação do acesso a dados bancários de contribuintes pelo STF .

Agenda 30/03/2016 às 14:08

No que diz respeito à permissão para a Receita obter dados bancários de contribuintes diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial, A maioria do STF entendeu que não se trata de quebra de sigilo bancário, mas de “transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal” ambas protegidas contra o acesso de terceiros.

Em 24 de fevereiro de 2016, por 9 votos a 2, o STF julgou processos que tramitavam em conjunto e que tratavam de dispositivos da Lei Complementar 105/2001, que permitiria à Receita obter dados bancários de contribuintes diretamente pelos bancos, sem prévia autorização judicial. Lembrando que a decisão é atinente à Receita Federal e não às Fazendas Estaduais.

Contra a decisão que declara a constitucionalidade ou inconstitucionalidade em Ação Direita de Inconstitucionalidade não cabe recurso, apenas embargos de declaração. A decisão tem eficácia genérica, válida contra todos e obrigatória. Gera-se também o efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e Administração Pública em geral, que não podem contrariar a decisão.

A maioria do STF entendeu que não se trata de quebra de sigilo bancário, mas de “transferência de sigilo da órbita bancária para a fiscal” ambas protegidas contra o acesso de terceiros. Transferência de sigilo é uma invenção jurídica considerando que privacidade não envolve apenas proteger dados mas controlar quem tem acesso a estes dados protegidos. Certamente o julgamento do STF ganharia outros contornos se o Anteprojeto de proteção de dados pessoais em andamento no Brasil já fosse Lei.

Diversos casos levados à apreciação recursal diante de auto de infração e imposição de multa eram anulados, tendo em vista o acesso direto do fisco a dados bancários, sem a instauração de processo administrativo ou ciência do sujeito passivo.

Ao contrário do que muitos pensam, o julgamento do STF não permite que os agentes fiscais acessem a qualquer momento as referidas movimentações, mas permanece a regra para que os Estados e Municípios regulamentem a obtenção dos dados dos contribuintes, que deverá ter certificado de segurança e registro de acesso do agente público, de modo a evitar a manipulação indevida de dados e desvio de finalidade. A União regulamentou pelo Decreto Federal 3.724/2001.

O contribuinte não será avisado? É garantia ao contribuinte o prévia informação sobre procedimento administrativo instaurado e seu acesso aos autos, podendo obter cópia das peças. Os bancos passam a ser provedores e devem registrar os acessos realizados, sendo possível inclusive um pedido de registro dos acessos a seus dados bancários, feito pelo contribuinte.

No julgamento, em voto divergente, o Ministro Celso de Mello consignou que o sigilo bancário não está sujeito a intervenções estatais e a intrusões do poder público destituídas de base jurídica idônea, destacando que a Quebra de sigilo só pode se dar por autorização judicial, que é terceiro desinteressado. Ora, se a maioria do STF entendeu que é necessário coibir o narcotráfico, lavagem de dinheiro e terrorismo, porque não tratar especificamente sobre tais temas por meio do Poder Legislativo?

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Que tipos de dados chegarão até o fisco? Por lei, os dados restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados. Importante mencionar que a quebra de sigilo bancário, consoante jurisprudência majoritária, deve ser restrita ao período investigado, não podendo ocorrer pedidos genéricos e lapsos temporais desproporcionais e excessivos, embora alguns regulamentos estaduais nitidamente violem tais dispositivos.

A Requisição de Movimentação Financeira (RMF) também será precedida de informação ao sujeito passivo para apresentação de informações financeiras. Assim, este pode fornecer os dados, o que pode afastar a quebra.

A Constituição é clara em seu art. 5o., XII que é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. A mesma Carta Magna protege a vida privada.

Importante destacar que as administradoras de Bitcoins (moedas virtuais) não são consideradas autoridades financeiras pois ainda não estão regulamentadas pelo Conselho Monetário Nacional. Segundo a Lei Complementar 105, a quebra de sigilo fora das hipóteses da Lei constitui crime com pena de reclusão de um a quatro anos, sendo que o servidor poderá responder pessoalmente. Não se pode esquecer que a quebra de sigilo, nos termos da Lei se dá para os casos de suspeita de ilícitos.

De se destacar por fim que o STJ e STF (RE 730.462) já entenderam que o julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade não altera automaticamente a coisa julgada, sendo necessário o ajuizamento da ação rescisória para os casos anteriores já sentenciados. Mesmos para aqueles que considerou inconstitucional a quebra de sigilo sem ordem judicial.

Diante das relações informatizadas envolvendo transações bancárias, caberá cada vez mais aos contribuintes ampararem-se de provas técnicas e periciais, visando comprovar equívocos, erros procedimentais, excessos e abusos no acesso a seus dados, buscando eventual anulação de procedimentos e responsabilização dos infratores.

Sobre o autor
José Milagre

Advogado especialista em Direito Digital e Startups. E-mail: jose.milagre@legaltech.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MILAGRE, José. A privacidade e a liberação do acesso a dados bancários de contribuintes pelo STF .. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4655, 30 mar. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/47758. Acesso em: 7 nov. 2024.

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