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Rolezinhos do Bolsonaro

Agenda 14/06/2016 às 09:13

Discurso do ódio é a maneira ardilosa, possivelmente virulenta, de um segmento da sociedade se posicionar contra outro segmento. Trata-se de uma postura discriminatória, cuja ocorrência tem por base um preconceito movido por grupo social contra outro.

Episódios de celebração ao Deputado Bolsonaro vêm se banalizando no país. Nada grave, se suas ideias, em fase de questionamento de decoro no Conselho de Ética da Câmara e no STF, não ofendessem aos princípios estruturantes do Estado brasileiro e à dignidade de inúmeros segmentos sociais. Compreensível, se tais atos não misturassem o culto a uma pessoa, com o festejo de sua ode doentia anti-homoafetiva, sua histeria pandemônica contra ideias progressistas, veneração abjeta de personagens consideradas ultrajantes pelo país, como o ex-chefe do DOI-CODI/SP, torturador Carlos Alberto Ustra, em apologia indiscutível ao regime de exceção instaurado em 1964, o qual surrupiou a democracia nacional, fazendo letra morta não só de garantias de proteção individuais, como de prerrogativas políticas dos cidadãos. Nada a opor-se, portanto, se esses “rolezinhos” de mau gosto não se prestassem a propagar o fascismo, livre e abertamente, Brasil adentro.

Diante de assombrosa circunstância, é válido resgatar a lição extrema demonstrada no documentário “Hitler on Trial: The Truth Behind the Story", que retrata a saga do advogado Hans Litten, o qual, em 1931, requereu a intimação de Hitler para testemunhar, em julgamento de membros da S.A (força paramilitar antecessora da S.S) acusados de agredirem e exterminarem comunistas. Além de fazer justiça no caso concreto, o causídico nunca escondeu que era seu objetivo mostrar que o incipiente Partido Nazi, à época encantando a classe média germânica com hinos conservadores, ancorava-se nos direitos de liberdade de pensamento e expressão para estimular o ódio, estando por trás de uma onda de violência que, se tolerada e ungida ao poder, poderia pôr em risco o Estado democrático alemão. Dito e feito! O tribunal claudicou, a testemunha dois anos depois chegou ao poder e o resultado todo mundo conhece: a democracia de Weimar foi implodida, com a humanidade chegando ao extremo do aniquilamento moral na II Grande Guerra. 

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Diz-se discurso do ódio a maneira ardilosa, possivelmente virulenta, de um segmento da sociedade se posicionar contra outro segmento. Trata-se de uma postura discriminatória, cuja ocorrência tem por base um preconceito movido por grupo social contra outro, devido a circunstâncias fundamentadas em diferenças de cor, gênero, procedência, orientação sexual, prática religiosa, etc, etc, inclusive, ideário político.

O constitucionalismo moderno inadmite a existência de direitos fundamentais individualmente absolutos, pois entende que absoluto é tão-somente o conjunto integrado e interdependente de garantias essenciais reconhecidas pelo Estado. Assim, em tese, os direitos de manifestação e de expressão devem ser sempre admitidos, desde que não irrompam contra garantias semelhantemente consideradas fundamentais para o próximo, tomando-se como ponto de partida os standards sociais coletivos de fraternidade e igualdade. No caso concreto da ação e do discurso, havendo possíveis colisões entre alternativas jurídicas, no afã de modular o caráter ético da liberdade insculpida no art. 5º, IV, “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato", a Constituição impõe um necessário contraste entre a potencialidade da ofensa e as consequências da possível vulneração dos direitos fundamentais dos terceiros correspondentes. Tal ponderação não pode deixar de considerar, por exemplo, a existência de garantias relevantes para o conjunto, como as seguintes petrificadas na própria Constituição: a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como fundamentos a cidadania (art.1º, inciso II), a dignidade da pessoa humana (art.1º, inciso III) e o pluralismo político (art.1º, inciso V); constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, inciso I), a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, inciso IV); a República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelo princípio da prevalência dos direitos humanos (art. 4º, inciso II); todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput).

Portanto, uma vez verificada a ofensa (ou mesmo a possível ofensa) a quaisquer das garantias coletivas e alheias supramencionadas, devem a manifestação e o discurso, efetiva ou iminentemente agressivos, ser repelidos pelo sistema jurídico, com a imputação ao agressor (ou potencialmente agressor) de todas as consequências que a espada da Justiça puder dispensar à situação, a fim de que permanentemente se recorde que a democracia brasileira tolera tudo, menos a intolerância, havendo cada indivíduo de suportar as consequências jurídicas que a lei prescrever ante o prejuízo da dignidade do próximo. Se, por um lado, as instituições jurídicas não podem ignorar a igualdade de dignidade entre as pessoas; por outro lado, o sistema nacional de justiça não deve, sob hipótese alguma, subestimar o potencial lesivo do fascismo. A história já mostrou que fascistas só respeitam liberdades de manifestação e de expressão quando lhes são convenientes. Numa democracia verdadeira, discurso do ódio e fascistas não passam.

Sobre o autor
Marcelo Uchôa

Advogado. Professor Doutor de Direito da Universidade de Fortaleza (UNIFOR). Ex Secretário Especial de Políticas sobre Drogas do Ceará (Adjunto e Titular interino). Ex Coordenador Especial de Direitos Humanos do Governo do Ceará.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

UCHÔA, Marcelo. Rolezinhos do Bolsonaro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4731, 14 jun. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/49717. Acesso em: 22 nov. 2024.

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