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Os autos de resistência em Alagoas e a Resolução Conjunta 02/2015:

(in)eficácia para a redução dos homicídios decorridos da intervenção policial?

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Agenda 05/08/2016 às 11:23

2. A FUNÇÃO DA POLÍCIA JUDICIÁRIANO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E O PAPEL DO JUIZ NOS INQUÉRITOS POLICIAIS

Como já visto, a segurança pública tem como conceito ou finalidade buscar a manutenção da ordem pública e preservar a vida e o patrimônio daqueles que integram a sociedade – este é o conceito exposto na Constituição Federal de 1988.

Fiel a esse ditame, o art. 144, §4º da Constituição Federal, expõe que às policias civis incumbem “as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. Além disso, algumas características encontram-se inseridas no âmbito de competência da polícia judiciária, dentre elas, a sua atuação discricionária na abertura de procedimento policial e sua autonomia na condução das investigações criminais.

2.1. Investigação preliminar e Polícia Judiciária: autonomia e discricionariedade

Investigar significa buscar a verdade real sobre determinado fato. A investigação preliminar tem como função investigar supostos fatos antes mesmo da abertura do apropriado procedimento, a fim de se evitar e induzir em erro o próprio Judiciário[1]. Em outras palavras, essa investigação tem como “função de filtro processual contra acusações infundadas.”[2]

A autonomia da polícia judiciária é exercida pelo delegado de polícia e significa agir e enxergar, dentro do seu critério de subjetividade, a melhor forma de conduzir os seus procedimentos administrativos policiais.

Aliada à autonomia, o delegado de polícia tem ao seu favor o princípio da discricionariedade, ou seja, compete a ele a melhor instrução do procedimento para que, ao final, se busque a autoria e a materialidade do delito. Numa visão doutrinária clássica do direito penal temos que a discricionariedade é “a prática de atos administrativos com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo.”[3]

Essa autonomia e discricionariedade no âmbito da polícia é perigosa. Segundo Monet (2001, p. 27) há uma questão sociológica aplicada ao caso que é:

Até que ponto as formas de organização policial facilitam, ou ao contrário conseguem limitar, a inevitável propensão dos corpos policiais - e de todos os corpos de profissionais incumbidos de uma função social importante - a se autonomizar, a tentar se libertar de todos os controles que tentam enquadrá-los, para escapar à dupla pressão, a do poder político e a das expectativas sociais, que tende a instrumentalizá-los?

Fica perceptível o poder que o delegado de polícia possui no âmbito de suas atribuições na segurança pública, o qual se inclui, na classe dita dominante, sua hierarquia perante os dominados que passam por sua tutela. A polícia federal atualmente encontra-se neste ápice de discricionariedade e autonomia face às investigações da “Operação Lava Jato”[4] e sua repercussão na mídia. Aos leigos do sistema criminal, tudo parece estar sendo conduzido para o bem e de forma concernente à busca da moralidade no país.

Esse poder constituído e concedido ao delegado de polícia pelo Estado acaba por influenciar e fazer acreditar que a polícia (no contexto geral) vem atuando de forma legal, quando na realidade fática e social o que ocorre são arbitrariedades, como é o caso que se irá discutir sobre os “autos de resistência”. O poder de discricionariedade e autonomia do delegado de polícia resulta na faculdade de não instaurar o inquérito policial, pois lhe é aparentemente garantida essa possibilidade.

Esse poder invisível é exercido pela força da violência simbólica que acaba por validar, através dos discursos da mídia, do próprio estado etc., transformando ou resultando a visão de mundo em novas formas de fazer ver e fazer crer.

O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação, de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o transformar a visão do mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado como arbitrário. [...] O poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada, das outras formas de poder [...][5]

Neste contexto podemos dizer que para Bourdieu o poder simbólico é um elemento fundamental dentro de nossa sociedade, no que diz respeito aos elementos de dominação e conservação do status quo vigente.

As reiteradas medidas e decisões – algumas arbitrárias e sem fundamentação lógica e jurídica – aplicadas por policiais, juízes e promotores e publicadas na mídia acabam por incentivar a população a acreditar que tudo está sendo contido de forma legal. O que vem acontecendo é que o “aumento da complexidade do Estado e o surgimento de novos atores no jogo dos interesses jurídicos vão desencadear a perda de legitimidade das instituições tradicionais e a articulação de novos canais de consenso social”[6]. Essa movimentação constante e a inserção de novos atores acabam por exigir dos juízes decisões voltadas ao clamor social. Esse assunto já vem sendo dialogado pelo professor e jurista Campilongo desde 1994 quando publicou artigo sobre “O Judiciário e a democracia no Brasil”.

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A lei transforma-se em instrumento relativamente impotente no momento em que a crise dos mecanismos de articulação do consenso – do Legislativo ao Judiciário, passando também pelo Executivo – coloca em discussão todos os valores sociais. [...] O poder nunca foi tão exposto ao crivo da mídia e da população em geral como nos tempos atuais. É natural que a magistratura, antes tão ensimesmada, sinta o embaraçoso choque do novo. A expectativa é de que, na ânsia de fazer o Judiciário um bastião não da forma da lei, mas sim do conteúdo do direito, os magistrados não se arvorem na condição de novos demiurgos das aspirações nacionais. Ampliar os poderes do juiz (o que parece ser uma tendência mundial) não significa transformá-lo numa figura arbitrária.[7] (grifei)

Não se pretende questionar a atuação do Juiz que em suas decisões utiliza fundamentações sociológicas e filosóficas, mas sim da preocupação das decisões arbitrárias em razão da interferência da mídia e da população. Por isso já se ponderava que:

[...] o cidadão depositou no Judiciário a confiança que perdeu nos outros poderes. E os magistrados dão guarida às pretensões dos que buscam os tribunais. Esse jogo que garante momentos de recíproca legitimação aos envolvidos possui limites evidentes. Respostas positivas a demandas cada vez mais exigentes acabariam constrangendo os demandados à impossibilidade de cumprimento das sentenças, o que ofende a racionalidade do direito.[8]

Essa interferência midiática aportou na polícia há tempos. Os inquéritos policiais são instaurados com base na subjetividade da autoridade policial, e, em alguns casos, só ocorre por imposição midiática e do Ministério Público que, pressionado, se vê obrigado a requisitar a sua instauração. A polícia judiciária do Estado de Alagoas, por exemplo, até 2014, instaurou poucos inquéritos policiais nos casos de homicídios praticados por policiais, utilizando-se arbitrariamente tanto dos princípios da discricionariedade e autonomia, como do critério de subjetividade e avaliação do caso concreto, decidindo (atribuição que não compete ao delegado de polícia, mas sim do Estado/Juiz) pela não abertura por se tratar de suposta excludente de ilicitude.

2.2. A participação do Ministério Público durante as investigações policiais e o grau de atuação do Poder Judiciário

O Ministério Público do Estado de Alagoas, precisamente o controle externo da atividade policial, muitas vezes, quase em sua totalidade, não exercia sua função de controle nas polícias em casos de homicídios praticados por agentes da segurança pública, salvo para determinar ou recomendar melhorias físicas, hidráulicas e cartorárias nas delegacias e nas unidades militares, exigindo um melhor atendimento aos alagoanos quando do registro de boletins de ocorrência e de comunicação de determinado fato criminoso.

Atualmente, o Ministério Público vem atuando de forma mais incisiva e acompanhando de perto os casos de confrontos entre polícias e criminosos que acabam em morte. Recentemente 09 (nove) promotores de justiça expediram a Recomendação conjunta n° 01/15, com a finalidade de que os órgãos que compõem a estrutura da segurança pública em Alagoas possam informar dados com uma periodicidade estabelecida.[9] A Recomendação repercutiu positivamente no âmbito da polícia judiciária, tendo em vista que foi confeccionada e publicada no Diário Oficial de Alagoas a Portaria n° 114/GD/PCAL[10] determinando que os delegados de Polícia Civil que integram a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), presidam os inquéritos de homicídios decorrentes de confronto policial. De acordo com a publicação, havendo a suposição de que a morte do indivíduo foi derivada de oposição à intervenção da polícia, o coordenador da Delegacia de Homicídios da Capital, vai  orientar e determinar aos delegados que alternem a presidência do inquérito policial, a fim de se evitar julgamentos maliciosos de terceiros na condução do procedimento.

O que causa estranheza na aludida portaria é essa “alternância” ou “revezamento” na condução dos inquéritos de homicídio cometidos por policiais, que pode ser interpretado como um possível medo ou temor das autoridades policiais (que presidem o inquérito) de sofrerem eventuais perseguições dos policiais que figuram como autores, ou seja, uma possível investida contra a vida daqueles que estão investigando. Por outro lado, pode ser visualizado como uma forma de se evitar julgamentos como “àquele delegado não está agindo com imparcialidade” e “ele não gosta de polícia”.

No final, acredita-se que a participação do Ministério Público vem a contribuir com as instaurações de inquéritos policiais dessa natureza, bem como para conduzir estes processos, por meio de diligências, de forma mais célere e eficaz, a fim de se buscar a verdade do ocorrido não deixando impune o policial que atuou de forma contrária aos ditames da ordem legal e da própria moralidade.

Todavia, não basta apenas a participação efetiva do Ministério Público, mas, sobretudo, a sua escorreita condução, pois no Estado do Rio de Janeiro a Promotoria de Justiça de Controle Externo da Atividade Policial (entre 2001-2011), ainda que atuante, na maioria dos casos de “autos de resistência,” pediu o arquivamento ou concedeu seguidas extensões de prazo, sem solicitar diligências além daquelas já constantes no IP, o que resulta ou resultaria na prescrição do crime ou no simples aceite (de arquivamento) do Juiz Criminal.[11]

O papel do Ministério Público de Alagoas deve ir muito além de tudo isso. O trabalho de acompanhar os inquéritos policiais e de perceber o rumo que tomam as investigações é importante, até para se evitar cooperativismo e pré-julgamentos da vítima no procedimento policial.

E o Poder Judiciário pode requisitar a abertura do Inquérito Policial? Sim. É o que se vislumbra na leitura do art. 5º do Código de Processo Penal. Nos crimes de ação pública (como é o caso de homicídio) o inquérito policial será iniciado de ofício ou mediante requisição da autoridade judiciária ou do Ministério Público, ou a requerimento do ofendido ou de quem tiver qualidade para representá-lo.

Contudo, essa situação é pouco vivenciada no mundo jurídico e nunca vista na sociedade. Ao visualizarmos os diferentes atores do sistema criminal é possível perceber que as ferramentas estão dispostas, mas não são utilizadas, seja pelo próprio receio e medo de represália (como foi o caso da morte da Juíza Patrícia Acioli[12]) ou pelo próprio cooperativismo.

Sabendo que o ESTADO/JUIZ é competente para requisitar de ofício a abertura de procedimento administrativo, in casu, o Inquérito Policial é necessário indagarmos a sua inércia nos casos de homicídio praticados por policiais.

Ademais, assistimos com frequência às decisões judiciais em que os Juízes atuam apenas com sua livre consciência e muitas vezes, ao externar sua decisão, não se atém as provas existentes nos autos, buscando princípios diversos afrontando diversos princípios constitucionais. Essa busca constante do Juiz em fazer “justiça” acaba por atuar no campo da parcialidade e, consequentemente, atuar contra a constituição pátria é o que a doutrina chama de politização da justiça e do ativismo judicial exacerbado.

Nesse ínterim:

Por isso não se pode confundir ou tentar buscar similitudes entre os princípios constitucionais e as referidas cláusulas gerais (abertas). São coisas absolutamente distintas. Aliás, seria incompatível com a democracia que uma Constituição estabelecesse, por exemplo, “princípios” (sic) que autorizassem o juiz a buscar, em outros “espaços” ou fora dele, as fontes para complementar a lei. É como se a Constituição permitisse que ela mesma fosse “complementada” por qualquer aplicador, à revelia do processo legislativo regulamentar (portanto, à revelia do princípio democrático). Isso seria uma “autorização” para ativismos, que, ao fim e ao cabo, deságuam em decisionismos. Ou seja, qualquer tribunal ou a própria doutrina poderiam “construir” princípios que substituíssem ou derrogassem até mesmo dispositivos constitucionais, o que, convenhamos, é um passo atrás em relação ao grau de autonomia que o direito dever ter no Estado Democrático de Direito.[13] (grifei)

O que se pretende e o que se busca no sistema criminal contemporâneo é um Juiz mais atuante e independente, uma autoridade disposta a atuar dentro da sua seara de competência e com imparcialidade, respeitando as normas constitucionais.

Sobre o autor
Hebert Henrique de Oliveira Melanias

Possui graduação em Direito pela Faculdade Raimundo Marinho - Unidade Maceió (2011) e Pós-graduação em Ciências Penais pela Universidade Anhanguera (2014). Realizou estágios no âmbito jurídico no 1º Cartório de Registro Civil de Casamentos e Notas de Maceió nov/2006 a junho/2008; no Órgão de Proteção e Defesa do Consumidor do Estado de Alagoas (PROCON/AL) Jan/2009 à Março/2011; no Escritório Jurídico Dr. Virgílio Andrade março de 2011 a agosto de 2011. Assumiu o cargo de Assessor Técnico/Jurídico no Conselho Estadual de Segurança Pública em Alagoas - (CONSEG/AL) - Set/2009 à Fev/2014. Atualmente é Escrivão da Polícia Judiciária - Delegacia Geral da Polícia Civil do Estado de Alagoas, com atuação na Assessoria Jurídica do Gabinete do Delegado Geral. Cursou a disciplina de Mestrado em Sociologia "Conflitos e disputas no campo jurídico: uma sociologia dos tribunais e seus juízes". Detêm de experiência na área de Direito, com ênfase em Direito do Consumidor, Direito Penal e Direito Penal Ambiental.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELANIAS, Hebert Henrique Oliveira. Os autos de resistência em Alagoas e a Resolução Conjunta 02/2015:: (in)eficácia para a redução dos homicídios decorridos da intervenção policial?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4783, 5 ago. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/51097. Acesso em: 22 nov. 2024.

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