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A reforma trabalhista e a justiça gratuita: soluções interpretativas para garantir o acesso à jurisdição laboral após a Lei 13.467/2017

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Agenda 10/01/2018 às 13:00

4. CONCLUSÕES

Diante de tudo que foi dito, podemos concluir:

I) Em relação aos critérios de deferimento da justiça gratuita após a Lei 13.467/2017 (art. 790, §§3º e 4º, da CLT), que:

I.1) Aparentemente, a reforma teve como escopo limitar a justiça gratuita na seara laboral apenas a quem recebe até 40% do teto do RGPS e, ainda, impor a prova de hipossuficiência mesmo nesses casos, haja vista ter excluído a menção à possibilidade de declaração de insuficiência de condições econômicas. Nesse sentido, esclarecedor foi o parecer do Deputado Federal Rogério Marinho prolatado durante a tramitação da Lei 13.467/2017.

I.2) Entretanto, como as normas jurídicas estão inseridas dentro de um sistema normativo cujas disposições, tanto quanto possível, não se excluem, mas sim se complementam, constata-se que a declaração de hipossuficiência, consoante o art. 1º, caput, da Lei 7.115/1983, e o art. 99, §3º, do Código de Processo Civil, é suficiente para atendimento da exigência de prova consagrada no novel §4º do art. 790 da CLT.

I.3) Além disso, é importante fixar que a gratuidade da justiça deve ser conferida a todos que, independentemente da renda, não tiverem condições de arcar com as despesas processuais. Trata-se, assim, de uma verificação que deve ser feita em concreto, sob pena de malferimento da promessa constitucional de assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, CF) e violação ao Acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF). Não é possível, assim, limitar abstratamente os benefícios da justiça gratuita apenas a quem recebe até 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social.

I.4) Vale pontuar, ademais, que o trabalho, além de possuir um valor social que o eleva a fundamento da República, ainda ostenta centralidade na ordem econômica e social estipula pela Constituição Brasileira (artigos 1º, IV, 170, caput, e 193, da Constituição Federal). Assim, não se pode, ainda que com as melhores das intenções, estabelecer, no que diz respeito ao Acesso à Justiça, um regramento mais restritivo para a Justiça do Trabalho do que aquele previsto para o litigante ordinário. Ao contrário, a especialidade das discussões veiculadas na Especializada Trabalhista, por envolver normalmente debates em torno de verbas de natureza alimentar e privilegiada (art. 100, §1º, CF), exige uma acessibilidade judicial mais ampla do que a convencional, a fim de evitar que ônus ou riscos desequilibrados terminem por obrigar a aceitação, pelo trabalhador, da sonegação/supressão de seus direitos laborais ou de um “acordo” extrajudicial prejudicial.

I.5) Deve-se, portanto, compreender que a Reforma Trabalhista não estipulou uma renda máxima para o deferimento da justiça gratuita, mas sim visou, em harmonia com a Constituição Federal e com o sistema que rege a matéria, aprimorar e facilitar o Acesso à Jurisdição Trabalhista, do seguinte modo: a)Demonstrada a percepção, pela pessoa natural, de “salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”, deve ser deferida a justiça gratuita, tendo-se uma hipótese de presunção absoluta de hipossuficiência para a qual não cabe prova em sentido contrário; b)Não comprovada a percepção de “salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social”, deve ser deferida a justiça gratuita para a pessoa natural que se autodeclarar hipossuficiente economicamente sob as penas da lei (art. 1º, caput, da Lei 7.115/1983, e o art. 99, §3º, do Código de Processo Civil), cabendo, nesta hipótese, a produção de prova, pela parte adversa, em sentido contrário à insuficiência financeira sustentada pela requerente.

II) Em relação ao alcance da justiça gratuita em relação aos honorários periciais após a Lei 13.467/2017 (art. 790-B, §4º, da CLT), que:

II.1) Aparentemente, a reforma teve como escopo impor à parte reclamante, mesmo que beneficiária da justiça gratuita, o ônus de suportar os honorários periciais decorrentes da sucumbência na pretensão objeto de perícia. Tal encargo somente seria respondido pela União no caso de a parte obreira não ter obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar os honorários periciais. O objetivo seria reduzir a quantidade de processo ou pedidos formulados em juízo.

II.2) Supondo a validade deste dispositivo e o acerto da interpretação preliminarmente apresentada, de plano se apresentam profundas controvérsias em torno das expressões “obtido” (créditos), “créditos capazes de suportar a despesa” e “ainda que em outro processo”.

II.3) No entanto, o artigo sob exame precisa passar pelo “filtro constitucional”. Consoante já mencionado no tópico anterior, a gratuidade da justiça deve ser conferida a todos que, independentemente da renda, não tiverem condições de arcar com as despesas processuais. Assim, a análise da matéria deve ser feita em concreto, sob pena de malferimento da promessa constitucional de assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, CF) e violação ao Acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF). Ou seja, a simples percepção de créditos judiciais não altera, automaticamente, a hipossuficiência econômica até então vigente e reconhecida para a parte beneficiária da justiça gratuita.

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II.4) Assim, deve ser reputada inconstitucional qualquer interpretação do art. 790, caput, da CLT, que entenda que a responsabilidade do beneficiário da justiça gratuita pelos honorários periciais é exigível enquanto perdurar a situação de hipossuficiência econômica da parte, haja vista que não se pode executar uma despesa processual de alguém que, reconhecidamente, não ostenta condições de arcar com os custos decorrentes do processo, sob pena de se negar o caráter “integral” da assistência judiciária assegurada constitucionalmente (art. 5º, LXXIV, CF) e se restringir, por meio do temor da sucumbência, o Acesso à Justiça dos hipossuficientes em relação aos pleitos que exijam perícia técnica (art. 5º, XXXV, CF).

II.5) Por outro lado, a fim de tentar “salvar” o §4º do art. 790, o melhor a se entender é que a menção à obtenção de créditos em juízo, ainda que em outros processos, “capazes de suportar a despesa” com honorários periciais traz implícito que a percepção de dinheiro por meio de processo(s) judicial(is) transmudou a condição econômica da parte ao ponto de esta ter deixado de ostentar a insuficiência de recursos necessária para a manutenção da condição de beneficiário da gratuidade da justiça. Em outras palavras, o legislador reformista, ainda que de forma atécnica e um pouco “atrapalhada”, tentou importar para a seara laboral a lógica do regramento delineado nos artigos 95, §§3º e 4º1, e 98, §§2º e 3º, do Código de Processo Civil.

II.6) Nesse sentido, tentando sintetizar, em harmonia com a Constituição Federal e com o sistema que rege a matéria, a melhor compreensão para o novo texto do artigo 790, §4º, da CLT, conclui-se que: a)A União continua responsável pelo pagamento dos honorários periciais devidos pelo beneficiário da justiça gratuita sucumbente no objeto da perícia (art. 95, §3º, II, CPC; art. 790, §4º, CLT), havendo exigibilidade imediata de tal responsabilidade; b)O beneficiário da justiça gratuita sucumbente na pretensão objeto da perícia será também responsabilizado pelo pagamento dos honorários ao perito ou, se for o caso, pela restituição à União do montante já pago ao expert, porém tal responsabilidade ficará com a exigibilidade suspensa, somente se tornando exigível se, dentro do prazo de até cinco anos após o trânsito em julgado da constituição do crédito pericial, for comprovado pela parte interessada “que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade” da justiça (art. 98, §3º, CPC); c)A efetiva realização e percepção de créditos, pela parte beneficiária da justiça gratuita sucumbente na pretensão objeto da perícia, no processo judicial em que originado o crédito pericial ou em qualquer outro processo judicial, é uma circunstância que, mediante avaliação no caso concreto, poderá ser suficiente para demonstrar o desaparecimento da condição de hipossuficiência econômica e autorizar a exigibilidade da responsabilidade da parte no pagamento dos honorários periciais, desde que observado o já referido prazo de até cinco anos após o trânsito em julgado da constituição do crédito do perito (art. 98, §3º, do CPC).

III) Em relação ao alcance da justiça gratuita em relação aos honorários advocatícios após a Lei 13.467/2017 (art. 791-A, §4º, da CLT), que:

III.1) Aparentemente, a reforma teve como escopo impor à parte reclamante, mesmo que beneficiária da justiça gratuita, o ônus de suportar os honorários advocatícios sucumbenciais, desde que tenha “tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa” ou desde que, no prazo de até dois anos após o trânsito em julgado da decisão que constituiu o crédito advocatício, “o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade”. O objetivo seria reduzir a quantidade de processo ou pedidos formulados em juízo.

III.2) Supondo a validade deste dispositivo e o acerto da interpretação preliminarmente apresentada, de plano se apresentam profundas controvérsias em torno das expressões “obtido” (créditos), “créditos capazes de suportar a despesa” e “ainda que em outro processo”.

III.3) No entanto, como não poderia ser diferente, o artigo sob exame também precisa passar pelo “filtro constitucional”. Consoante já mencionado outras vezes neste artigo, a gratuidade da justiça deve ser conferida a todos que, independentemente da renda, não tiverem condições de arcar com as despesas processuais. Assim, a análise da matéria deve ser feita em concreto, sob pena de malferimento da promessa constitucional de assistência jurídica integral e gratuita (art. 5º, LXXIV, CF) e violação ao Acesso à Justiça (art. 5º, XXXV, CF). Ou seja, a simples percepção de créditos judiciais não altera, automaticamente, a hipossuficiência econômica até então vigente e reconhecida para a parte beneficiária da justiça gratuita.

III.4) A fim de tentar “salvar” o §4º do art. 791-A da expurgação do ordenamento jurídico por inconstitucionalidade ainda que parcial, o melhor a se entender é que a menção à obtenção de créditos em juízo, ainda que em outros processos, “capazes de suportar a despesa” com honorários advocatícios traz implícito que a percepção de dinheiro por meio de processo(s) judicial(is) transmudou a condição econômica da parte ao ponto de esta ter deixado de ostentar a insuficiência de recursos necessária para a manutenção da condição de beneficiário da gratuidade da justiça.

III.5) Nesse sentido, tentando sintetizar, em harmonia com a Constituição Federal e com o sistema que rege a matéria, a melhor compreensão para o novo texto do artigo 791-A, §4º, da CLT, conclui-se que: a)O beneficiário da justiça gratuita sucumbente será responsabilizado pelo pagamento dos honorários advocatícios, porém tal responsabilidade ficará com a exigibilidade suspensa, somente se tornando exigível se, dentro do prazo de até dois anos após o trânsito em julgado da constituição do crédito advocatício, for comprovado pela parte interessada “que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade” da justiça; b)A efetiva realização e percepção de créditos, pela parte beneficiária da justiça gratuita sucumbente, no processo judicial em que originado o crédito advocatício ou em qualquer outro processo judicial, é uma circunstância que, mediante avaliação no caso concreto, poderá ser suficiente para demonstrar o desaparecimento da condição de hipossuficiência econômica e autorizar a exigibilidade da responsabilidade da parte no pagamento dos honorários advocatícios, desde que observado o já referido prazo de até dois anos após o trânsito em julgado da constituição do crédito advocatício.

IV) Em relação ao alcance da justiça gratuita em relação à ausência injustificada à audiência trabalhista após a Lei 13.467/2017 (art. 844, §§2º e 3º, da CLT), que:

IV.1) Neste ponto, a reforma, a contrario sensu, garantiu a isenção de custas para o processo judicial extinto sem resolução de mérito em caso de ausência justificada da parte reclamante à audiência inaugural ou, a depender da cominação estabelecida pelo juízo, à de instrução, possibilidade que antes não era cogitada por conta do art. 789, II, da CLT.

IV.2) Por outro lado, a fim de reprimir as ausências injustificadas das partes reclamantes – fato que efetivamente configura uma movimentação inútil da máquina judiciária e implica em possíveis prejuízos financeiros com assessoria jurídica e deslocamento pela parte reclamada -, criou-se uma solução aparentemente razoável: condenar em custas a parte reclamante ausente (o que já ocorria mesmo antes da reforma trabalhista) e vincular a admissibilidade de nova demanda ao recolhimento das custas impostas no processo em que ocorreu a ausência injustificada obreira. Na noção de “nova demanda”, aparentemente, o legislador reformista quis incluir todo e qualquer novo feito na Justiça Trabalhista e não apenas eventual nova lide que seja total ou parcialmente idêntica ao feito em que ocorreu a ausência injustificada, até mesmo com o desiderato de dar maior efetividade à tentativa de evitar ausências injustificadas.

IV.3) O problema da nova disposição está no ponto em que versa sobre o beneficiário da justiça gratuita. Nesse particular, deve ser reputada inconstitucional qualquer interpretação do art. 844, §§2º e 3º, da CLT, que entenda exigível, enquanto perdurar a situação de hipossuficiência econômica da parte, a responsabilidade do reclamante beneficiário da justiça gratuita pelas custas processuais impostas no processo em que se ausentou injustificadamente à audiência trabalhista, haja vista que não se pode executar uma despesa processual ou vincular a propositura de nova demanda ao recolhimento desta de alguém que, reconhecidamente, não ostenta condições de arcar com os custos decorrentes do processo, sob pena de se negar o caráter “integral” da assistência judiciária assegurada constitucionalmente (art. 5º, LXXIV, CF) e se restringir, por meio da impossibilidade econômica de pagar as custas processuais do processo anterior, o Acesso à Justiça dos hipossuficientes (art. 5º, XXXV, CF).

IV.4) No caso, consoante já desenvolvido nos tópicos precedentes, aceita-se que a parte beneficiária da gratuidade da justiça, quando ausente injustificadamente à audiência trabalhista sujeita ao art. 844 da CLT, seja responsabilizada pelas custas processuais decorrentes de sua sucumbência (art. 98, §2º, do CPC), tendo essa sido a intenção do art. 844, §2º, da CLT. Porém tal responsabilidade fica “sob condição suspensiva de exigibilidade”, de modo que as custas processuais “somente poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade”, extinguindo-se, passado esse prazo, a responsabilidade parte reclamante pelas custas processuais (art. 98, §3º, da CLT). Nesse contexto, naturalmente, a condição de admissibilidade de nova demanda estipulada pelo art. 844, §3º, da CLT, não se aplica aos beneficiários da justiça gratuita que estiverem em situação de hipossuficiência econômica quando do ajuizamento da nova demanda, tendo a reforma trabalhista visado exigir tal recolhimento apenas, obviamente, das partes que possuam condições financeiras de arcar com tal dispêndio.

IV.5) Vale esclarecer que as custas processuais, segundo a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, ostentam natureza jurídica de tributo da espécie taxa, haja vista que a atividade jurisdicional é um serviço público de caráter específico e divisível (art. 145, II, da Constituição Federal; art. 77 do Código Tributário Nacional), consoante muito bem explana também a doutrina. Assim, as custas processuais não configuram “sanção a ato ilícito” (art. 3º do Código Tributário Nacional), razão pela qual não se pode cogitar em imposição de “custas punitivas” ao beneficiário da justiça gratuita, haja vista que tal noção traria uma contradição insanável em seus próprios termos (determinado instituto não pode ser, simultaneamente, dois conceitos jurídicos antagônicos, sendo certo, por outro lado, que o legislador sabe muito bem diferenciar a terminologia “custas” e “multa”, não se podendo cogitar na ocorrência de confusão no uso das expressões).

V) Por tudo que foi analisado, em relação a todos os pontos da reforma trabalhista que versaram sobre a gratuidade da justiça, tem-se que a melhor solução é interpretar cuidadosamente e inserir as disposições da Lei 13.467/2017 dentro do sistema geral que rege a matéria (Constituição Federal e Código de Processo Civil), a fim de, tanto quanto possível, extrair um sentido harmônico com o ordenamento jurídico.

Sobre o autor
Charles da Costa Bruxel

Doutorando em Direito pela Universidade Federal do Ceará. Mestre em Direito na área de concentração de Constituição, Sociedade e Pensamento Jurídico pela Universidade Federal do Ceará (2021). Especialista em Direito Processual Civil pela Damásio Educacional (2018). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho (2013). Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (2016). Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Ceará (2011). Analista Judiciário - Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), exercendo atualmente a função de Assistente em Gabinete de Desembargador. Explora pesquisas principalmente o Direito Processual do Trabalho, Direito do Trabalho, Direito Processual Civil e Direito Constitucional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRUXEL, Charles Costa. A reforma trabalhista e a justiça gratuita: soluções interpretativas para garantir o acesso à jurisdição laboral após a Lei 13.467/2017. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5306, 10 jan. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/63266. Acesso em: 22 dez. 2024.

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