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Responsabilidade Civil do Estado na Efetivação do Direito à Saúde, Sob a Ótica dos Medicamentos e Tratamentos não Fornecidos pelo Sistema Único de Saúde

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Agenda 02/04/2018 às 11:09

3. ANÁLISE DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA

As palavras eficácia e eficiência aparecem cotidianamente em textos jurídicos, contudo, apesar de parecerem sinônimas, uma é mais abrangente que a outra.

Em se tratando de Administração Pública, tais termos se notam ainda mais distintos, vez que a expressão “eficácia” significa dizer que o poder público prestou todas as tarefas que deveriam ser desempenhadas por ele, ora, cumpriu de forma total com suas responsabilidades.

Todavia, aduzir que alguém agiu de forma “eficiente”, vai muito além daquele que desempenhou algo de maneira eficaz, pois este executou suas tarefas de maneira organizada e não cometeu nenhuma falha.

Assim preceitua o princípio da eficiência, haja vista que ele comporta a ideia de que devem ser utilizados os recursos administrativos de maneira a obter o melhor resultado para a população.

No ordenamento jurídico brasileiro são encontrados princípios expressos que devem guiar todo o regime jurídico administrativo, entre eles está o principio da eficiência, mas precisamente no caput, do artigo 37 do texto constitucional.

Além deste artigo, a eficiência é encontrada em outros diplomas legais, como a título de exemplo, a Lei de Concessão e Permissões de Serviços Públicos (Lei 8.987/1995).

Segundo Hely Lopes Meirelles: “o princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional” (2010, p. 98).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro aduz que o princípio da eficiência deve ser analisado conjuntamente com os outros princípios, em especial com o da legalidade, para a proteção da segurança jurídica e do próprio Estado de Direito (2010, p. 84).

De qualquer forma e sob qualquer análise, o que a população espera da Administração Pública é nada mais que um serviço eficiente, posto que a gestão e o dinheiro público competem a ela.

Nesse sentido comenta Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2003, p. 103):

De um lado, o conceito da eficiência foi elaborado fora da ciência do Direito, a partir da Revolução Industrial, ocasião em que começou a ser definido como a relação entre um produto útil e aquele teoricamente possível com os meios empregados, daí passando a Economia, onde se aproximou até certo ponto se confundiu com o conceito da produtividade, ou seja, de uma relação mensurável ou estimável entre produtos e insumos, daí chegando à administração privada e à pública.

De outro lado, destaca-se sua origem em estudos jurídicos doutrinários de vanguarda, desenvolvidos desde os meados do século XX, por jurista do porte de Raffaele Resta e Guido Falzone, no sentido de superar o conceito de poder-dever de administrar, afirmado pela administração burocrática, empenhada apenas em lograr a eficácia, para estabelecer, como um passo adiante, o dever da boa administração, que passou a ser respaldado pelos novos conceitos gerenciais, voltados à eficiência da ação administrativa pública.

Contudo, é importante salientar que para uma administração eficiente se faz necessário meios jurídicos para resguardar os interesses da coletividade, mas diante da discricionariedade do administrador público, este deve se valer dos meios mais eficazes para o caso em comento.

José Lima Santana, no livro Direito à Vida e à Saúde: Impactos Orçamentários e Judicial, aduz que (2010, p. 46):

A eficiência tem em vista o combate aos desperdícios, à morosidade, à baixa produtividade, enfim a ineficiência. Tem-se em conta a administração gerencial. Com a positivação desse princípio, os cidadãos passam a ter base jurídica para cobrar condutas efetivas no exercício de direitos sociais como a educação, a saúde e outros. Os cidadãos passam a ter o direito de questionar a qualidade das obras e dos serviços públicos prestados diretamente pelo Estado ou por seus delegatários.

Portanto, o grande dilema existente no poder publico brasileiro é a questão da busca por atividades eficazes, principalmente no tocante à saúde pública, que deve ser encarada como uma peça fundamental para a melhoria do regime público estatal.


4. DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE 

O direito à saúde se enquadra no rol dos ditos direitos sociais, positivos ou também chamados de direitos de igualdade.

O Poder Público, como regra, deve prestar assistência médica e farmacêutica a toda a população.

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O ordenamento jurídico brasileiro autoriza que o indivíduo, ante a deficiência na prestação deste direito, se valha do Poder Judiciário para concretizá-lo.

A judicialização se associa no ato de transferir para o Poder Judiciário dilemas que deveriam ser solucionados pelo Poder Legislativo e pelo Poder Executivo, ou seja, há uma delegação de situações que envolvam reconhecimento e concretização de direitos sociais impactantes na esfera social e política.

Contudo, cabe ao Judiciário executar políticas públicas já existentes, não cabendo a ele efetivar novas políticas, como demanda o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

No entanto, não se pode confundir este instituto com o ativismo judicial, vez que este último se equipara a uma postura optada pelo juiz durante o efetivo exercício da atividade jurisdicional.

Pois bem, a judicialização é um acontecimento decorrente de inúmeros fatores, porém amparada pelo direito constitucional. Já o ativismo judicial é uma conduta adotada pelo magistrado no caso concreto, diante da omissão dos demais poderes, cabendo a ele a decisão de efetivar ou não o direito em apreço, por meio de ações individuais ou coletivas.

4.1 O IMPASSE DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NO DIREITO BRASILEIRO 

Daniel Wang, pesquisador e professor de Direitos Humanos da London School of Economics, realizou um estudo sobre o uso do Poder Judiciário na busca de tratamentos médicos e farmacêuticos no Brasil, chegando a uma análise de que tal fenômeno originou-se por volta dos anos 90, com a busca incessante de drogas para uso contra o HIV.

Os portadores do vírus da AIDS argumentavam suas ações no direito fundamental de todos a uma saúde justa e igualitária, sendo dever do Estado o acesso e a cobertura abrangente.

Atualmente, o acesso ao Poder Judiciário embasado neste fundamento, se tornou ainda mais vasto, vez que a população, segundo o estudo apontado, se tornou melhor informada, mais velha, no sentido da faixa etária de morte, e ainda o setor tecnológico tem contribuído e muito para a área da saúde, com excelentes medicamentos, aparelhos e tratamentos médicos.

O Poder Judiciário passou a ser encarado como um ramo que além de solucionar conflito de interesses, efetiva direitos.

Porém, o problema que surge aqui é a escassez de recursos públicos no âmbito da saúde pública e os custos adicionais que as ações judiciais trazem ao setor público.

A doutrina e a jurisprudência não tem chegado a um consenso sobre o assunto da judicialização da saúde pública.

Os defensores deste evento, que vem atuando com toda força nos tempos atuais, argumentam seus posicionamentos no ideal que todos os Poderes, dispostos no artigo 6º da Constituição, devem promover um mínimo de bem-estar social e individual, sob a análise do sistema de freios e contrapesos. Ainda se valem do pressuposto que o Poder Executivo e o Legislativo tem atuado de maneira muito inferior ao que espera a sociedade, e a única maneira de evitar o retrocesso social em razão de direitos já conquistados, seria a promoção do direito à saúde pelo Poder Judiciário, ante a omissão dada pelos outros poderes.

Por outro lado, os pensadores contrários a este movimento replicam que se tal situação continuar a existir estará promovendo a confusão entre a microjustiça e a macrojustiça, ou seja, o indivíduo ao buscar a solução para seu caso em concreto (microjustiça) e o Judiciário concedê-la, sem ponderá-la, poderá trazer prejuízos de ordem pública muito amplos, vez que pode afetar orçamentos necessários para que o regime público se desenvolva a contento nas outras áreas do setor público (macrojustiça).  

O grande celeuma da judicialização do direito à saúde fica em torno de que as decisões liminares se baseiam em laudos médicos, fugindo totalmente do planejamento orçamentário anual, que se finda em estudos técnicos e aprofundados do Estado como um todo.

Os magistrados, por sua vez, ao deferirem o provimento jurisdicional almejado pelo indivíduo, em muitos casos trazem um impacto significativo e desfavorável a política pública implementada e estudada para o todo o transcorrer do ano.

Contudo, ainda há quem afirma que esta situação viola a harmonia que deveria existir entre os poderes, pois o Poder Judiciário ingressa na órbita do Poder Executivo, infringindo uma ordem de fatores previamente estabelecida pelo orçamento público.

Não obstante, não há como não mencionar que em muitos casos a dignidade da pessoa humana é apenas respeitada quando o Judiciário interfere na seara do Poder Executivo, preservando o direito à saúde que foi negado anteriormente pelo Sistema Único de Saúde.

Entretanto, quando se faz uma análise mais aprofundada sobre os dois lados, verifica-se que ambos possuem argumentos plausíveis, que não merecem serem deixados de lado.

4.2 DA INTERVENÇÃO JURISDICIONAL NA SAÚDE PÚBLICA 

As ações ingressadas em face dos entes políticos geralmente são favoráveis ao indivíduo, condenando a Administração Pública a fornecer o medicamento ou o tratamento médico postulado.

As teses utilizadas nas presentes demandas coadunam sempre no sentido da deficiência do Sistema Único de Saúde, ora porque os medicamentos ou tratamentos não contemplam a lista do SUS, ora porque há a demora no fornecimento destes.

Ao Poder Judiciário, portanto, compete analisar o fato, associá-lo ao ordenamento jurídico, e promover ou não o objeto pleiteado.

Todavia, o Poder Judiciário não ignora sua atuação e os impactos de suas decisões na órbita do poder público, mas responde as teses contrárias a sua atividade no sentido de que os reflexos decorrentes da não concessão da medida postulada pela parte, na maioria das vezes, são mais cruciais diante dos prejuízos causados com sua concessão.

O objetivo da tutela jurisdicional é impedir situações que sejam danosas ao indivíduo, que causem desordem ao seu bem-estar e sua dignidade como pessoa, mesmo que para isso seja necessário causar um prejuízo na esfera orçamentária do país.

Contudo, após verificar o quadro das pessoas que acessam o Poder Judiciário em busca de seu direito à saúde, extrai-se que 54% dos impetrantes possuem médicos particulares e não médicos ligados ao Estado e que 63% destes moram nos municípios com menor grau de exclusão social.

Portanto, os dados mencionados comprovam que a utilização do Poder Judiciário para o fornecimento de medicamentos, bem como, tratamentos médicos, tem privilegiado classes sociais mais altas do país.

Assim, nota-se que a estrutura do país tem afetado até no acesso à saúde, vez que tais dados não demonstram que o Poder Judiciário tem ferido o princípio da equidade, posto que para o fornecimento de medicamentos e demais tratamentos a parte impetrante deve comprovar que não possui condição para adquirir os recursos postulados, mas sim, que as camadas mais pobres da sociedade, por falta de esclarecimentos, não tem conseguido alcanças muitas vezes o que objetiva para sua melhoria de vida.

4.3 DA PROVA PARA O ACESSO À SAÚDE

Ao analisar a estrutura da saúde pública do país, certifica-se que há um descumprimento do mandamento esculpido no artigo 196 da Constituição Federal, posto que os recursos destinados a sua melhor implementação são insuficientes para a população.

 A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a aplicação de 5% do produto interno bruto (PIB) para atingir os padrões apropriados de atendimento.

Todavia, no Brasil os gastos com a saúde pública não ultrapassam o limite de 2% do valor obtido com o PIB, ou melhor, sempre esteve abaixo desta linha.

Contudo, é necessário frisar que a partir da emenda constitucional 29, os recursos na área da saúde passaram a crescer, e isso ocorreu após o ano 2000.

Com efeito, o Governo Federal passou a usar a regra da aplicação a cada ano, do total do exercício fiscal do ano anterior somado à variação percentual do PIB, ou seja, se o PIB crescer apenas 1%, o investimento deste ano deverá ser o do ano passado mais esse 1%.

Mesmo assim, os patamares necessários para o melhor desenvolvimento da saúde, nunca estão sendo atingidos, o que coloca o Brasil sempre abaixo dos índices necessários para uma boa sistemática da saúde pública no país.

A maioria população brasileira ainda depende do Sistema Único de Saúde (SUS), porém os leitos hospitalares estão cada vez mais se escassos e os fármacos estão cada vez mais distantes da população com pequeno poder aquisitivo.

O que se observa ao analisar a estrutura da saúde pública do país é que com o aumento da população há automaticamente e consequentemente uma piora no atendimento, o que, via de regra, já deveria ter sido solucionado pelo poder público.

Contudo, o que se observa é o contrário, pois nada esta sendo realizado para solucionar esse grave problema.

Assim, a pretendida justiça social se encontra cada vez mais distante de milhares e milhares de brasileiros.

Dessa forma a saída que a população tem encontrado é a busca de seu efetivo direito à saúde através do Poder Judiciário.

As Secretarias Estaduais de Saúde dos Estados desenvolveram métodos dos pacientes postularem medicamentos e tratamentos que não estejam contemplados pelo Sistema Único de Saúde.

Porém, ao apreciar tais requisitos salta aos olhos dos postulantes que tais pedidos possam ser solucionados pelas vias administrativas, contudo, não é o que geralmente ocorre na realidade.

Pois bem, para se conseguir fármacos e tratamentos fora do rol do SUS é relevante que o paciente esteja com seus documentos pessoais, bem como, exames médicos que demonstrem cabalmente a necessidade de tal medicamento ou procedimento médico.

A referida solicitação é passada por uma análise, no prazo estimado de 30 dias, sendo encaminhada ao solicitamente uma resposta através de um telegrama.

Caso a mencionada solicitação seja negada, o que é na maioria dos casos, a única medida cabível é a via judicial.

Todavia, a indagação que recai aqui é porque tal procedimento tem ganhado tanto força ultimamente? Pois a ideia é que a via judicial deveria ser utilizada em casos especiais e praticamente raros, não como tem sido buscada nos dias atuais, vez que a demanda por medicamentos, disponibilidade de vagas em leitos hospitalares e nas UTIs (Unidade de Terapia Intensiva), realização de exames e cirurgias, tem crescido a cada ano.

O Poder Legislativo fez a sua parte, haja vista que criou uma estrutura eficiente para o desenvolvimento da saúde pública. Entretanto, o Poder Executivo tem atuado de maneira cada vez mais falha para a implementação da saúde pública.

Portanto, cabe ao Administrador Público rever o orçamento público, o que tem sido investido e o que pode ser investido para que situações como esta em apreço estejam cada vez mais escassas, pois a urgência se faz presente neste tema.

Sobre a autora
Karla Verônica Fernandes Mendes

Graduação em Direito no Centro Universitário Antônio Eufrásio de Toledo de Presidente Prudente/SP (Toledo) Pós Graduação em Direito Público no Complexo Educacional Damásio de Jesus

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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