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Jogos lotéricos sob suspeições

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Agenda 29/05/2019 às 15:05

O Senador Álvaro Dias (PR) denunciou, em 2007, a prática de lavagem de dinheiro nas loterias da Caixa Econômica. Entenda o desenrolar desta história.

I - INTRODUÇÃO

A Caixa Econômica Federal, uma instituição financeira da Administração Indireta (Empresa Pública), de natureza jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e autonomia administrativa, com sede em Brasília/DF, e com filiais em todo território nacional, é vinculada anteriormente ao Ministério da Fazenda, através das legislações seguintes: Decreto-Lei nº 759, de 12 de agosto de 1969, Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016, Decreto nº 8.945, de 27 de dezembro de 2016. Atualmente, esse nomen iuris “Fazenda”, passou a denominar-se “Economia”, através da Medida Provisória nº 870, de 1º de janeiro de 2019, criando o Ministério da Economia que passou a englobar as estruturas dos Ministérios da Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, além do Trabalho.

No que diz respeito às recentes medidas tomadas pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE), relativamente ao fechamento das loterias exploradas pelos Estados que, casualmente, excedem a legislação pertinente, devem ser tratadas como regular exercício de atribuição legal, com o esteio de combater a ilicitude e não permanecer em prevaricação perante a presente realidade fática.

Vislumbra-se, por conseguinte, que a SEAE tem a competência funcional para tratar em torno da regulação, autorização, normatização e fiscalização de qualquer atividade lotérica, em níveis Federal, Estadual ou mesmo do Distrito Federal.


II – LEGISLAÇÕES PERTINENTES AS LOTERIAS NO BRASIL

No que pertine ao aspecto jurídico-legislativo, relativo à competência privativa da União em torno das loterias, incumbe-se, preliminarmente, rebuscar o Decreto-Lei nº 6.259, de 1944, legislação que mais perdurou na vigência, criando o serviço de loteria e determinando que a União pudesse explorar ou conceder o referido serviço, nos termos dos artigos 2º e 4º, infra:

“Art. 2º. Os Governos da União e dos Estados poderão atribuir à exploração do serviço de loteria e concessionários de comprovada idoneidade moral e financeira (...)”.

“Art. 4º. Somente a União e os Estados poderão explorar ou conceder serviço de loteria, vedada àquela e a estes mais de uma exploração ou concessão lotérica (...)”.

A posteriori, o precitado Decreto-Lei foi parcialmente revogado através do Decreto-Lei Federal nº 204, de 1967, dispondo sobre a exploração de loterias, nos termos abaixo:

“Art. 1º. A exploração de loteria, como derrogação excepcional das normas de Direito Penal, constitui serviço público exclusivo da União, não suscetível de concessão e só será permitida nos termos do presente Decreto-Lei. (...)”.

Em consequência da precitada legislação federal, o serviço lotérico passou a ser reconhecido como público, além de que sua exploração seria de exclusividade da União. Ademais, o artigo 32 do dispositivo legal, ora analisado, prevê a proibição da criação de novas loterias estaduais.

Mediante o artigo 2º do Decreto-Lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1867, a Caixa Econômica Federal passou a gerir, explorar e comercializar os jogos lotéricos, onde no seu artigo 1º excepciona normas do direito penal pertinente à derrogação relativa à exploração de loteria e a constitui um serviço público de exclusividade da União. Enquanto que o seu parágrafo único emprega a renda líquida obtida com essa exploração, de forma obrigatória, em aplicações de caráter social e de assistência médica, cujos empreendimentos sejam do interesse público.

Em outras palavras, esse precitado repasse social, considerado atividade fim das loterias da Caixa Econômica Federal, tem o escopo de seus valores sejam redistribuídos em investimentos no Brasil, nas áreas de saúde, educação, segurança, esportes, dentre outros. Ademais, constitui-se, em alimentar sonhos de milhares de apostadores.

Ressalte-se, por oportuno, que as citadas legislações infraconstitucionais, atinentes à exploração de loterias no Brasil, todas foram recepcionadas com matéria de cunho constitucional, através da Carta Magna vigente, nos termos do inciso XX, do artigo 22, in verbis:

“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre (...):”

“XX – sistemas de consórcios e sorteios (...).”

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Em seguida, a criação da Lei nº 9.649, de 1998, dispondo sobre a organização administrativa da União e, nesse passo, como um ente governamental, o Ministério da Fazenda, passa a ter exclusividade e responsabilidade pelo serviço de loteria, substituindo a competência atributiva que pertencia ao Ministério da Justiça, nos termos abaixo:

“Art. 18-B, Ressalvadas as competências do Conselho Monetário Nacional, ficam transferidas para o Ministério da Fazenda as estabelecidas na Lei nº 5.768, de 20 de dezembro de 1971, artigo 14 da Lei nº 7.291, de 19 de dezembro de 1984, e nos Decretos-Leis nºs. 6.259, 10 de fevereiro de 1944, e 204 de 27 de fevereiro de 1967, atribuídas ao Ministério da Justiça”.

Cumpre anotar que, além da previsão constante da Lei nº 9.648, de 1998, o artigo 12 da Lei nº 13.341, de 2016, que dispõe sobre a organização da Presidência da República e dos Ministérios, também prevê a competência de gestão de loterias ao Ministério da Fazenda, na parte em que altera o inciso V, do artigo 27, da Lei nº 10.683, de 2003.

Destarte, sob a ótica da teoria institucional, no âmbito da União Federal, é o Ministério da Fazenda o ente da Administração Pública Federal que, com exclusividade, compete-lhe a gestão do serviço de loterias. E, por conseguinte, fazendo parte deste ministério, compete a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) este mister, transferido do Ministério da Justiça de conformidade com o inciso VI, do artigo 41, do Decreto Federal nº 9.003, de 2017 (Revogado).

Conclui-se, portanto, que, nos termos de toda a legislação infraconstitucional precitada e vigente no País, induvidosamente competia a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) cuidar de todas as atividades pertinentes às loterias, em níveis Federal, Estadual e do Distrito Federal, relativas à regulação, autorização, normatização e fiscalização.

Em suma, posteriormente, foi criado o Decreto nº 9.679, de 2019, revogando o Decreto nº 9.003, de 2017 e através do novel Decreto nº 9.745, de 2019, revogando o Decreto nº 9.679, de 2019, modificando o nome juris de Ministério da Fazenda para Ministério da Economia.


III – IDENTIFICAÇÃO DO GANHADOR PELA CAIXA

No que pertine ao serviço da Caixa relativo às identificações e divulgação dos ganhadores, esses, ao comparecerem as agências da Caixa a fim de receberem seus prêmios, onde são prontamente identificados com o nome, cédula de identidade e CPF e registrados através de um sistema corporativo da Caixa, para serem repassados à Receita Federal do Brasil, permanecendo tais dados à disposição dos órgãos públicos competentes.

Segundo a Caixa, o agente ganhador, por questão atinente a sua segurança e de seus familiares, tem o direito de não ter seu nome e de sua imagem divulgadas a mídia ou ao público em geral. Afirma, ainda, a Caixa que, quando instada a divulga-lo, informa aos órgãos que constitucionalmente detenham esse poder competente para conhecer. (Grifei).

Por outra monta, a Caixa noticia que é aliada e parceira do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), na prevenção ao crime de lavagem de dinheiro. Assim sendo, encaminha sempre todas as informações em torno dos pagamentos de prêmios, dos nomes e CPF dos ganhadores, em obediência aos parâmetros impostos pelo COAF.

Nesse sentido, foi criada a Portaria nº 537/2013, estabelecendo procedimentos a ser adotado por sociedades que distribuam dinheiro ou bens através da exploração de loterias disciplinadas pelo Decreto-Lei nº 204, de 27 de fevereiro de 1967, para fins de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, e dá outras providências.


IV – DENÚNCIAS DE FRAUDES NAS LOTERIAS DA CEF

Contudo, a mídia tem divulgado desde o ano de 2007, noticias sobre denúncias de fraudes nas loterias da CEF, por parte do Senador Álvaro Dias (PR), quando na data de 26/02/2007, em plenário, denunciou a prática de lavagem de dinheiro nas loterias da Caixa Econômica Federal (CEF).

Segundo o parlamentar, as fraudes podem alcançar o montante de R$ 32 milhões, de acordo com um relatório sigiloso do COAF. Porém, quando instado pela mídia, a assessoria do COAF não confirmou em torno da existência do aludido relatório, mas que o Conselho deverá se manifestar sobre o assunto na data seguinte, ou seja, dia 27/02/2007.

Na data de 27/02/2007, o então Superintendente de Loterias da Caixa, Paulo Campos, reconheceu, nesta data, que bilhetes premiados de loteria são utilizados na lavagem de dinheiro, afirmando que “apesar desse segmento (de loteria) ser utilizado para lavagem de dinheiro em todo o País e em qualquer parte do mundo, e onde está havendo maior índice de redução de utilização”, fazendo referências aos efeitos dos mecanismos de controle da Caixa e do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF). Porém, Paulo Campos classificou as denúncias formuladas pelo senador Álvaro Dias, como “requentadas”, pois, com base em relatórios do COAF, repassados ao Ministério Público, denunciou sobre a existência de um esquema de uso de loterias na lavagem de dinheiro.

Em seguida, Paulo Campos isentou a Caixa de qualquer responsabilidade pelas fraudes ocorridas, porém não quis manifestar-se sobre o modo dos lavadores de dinheiro conseguem localizar os donos dos bilhetes premiados, a fim de comprá-los. Afirmando que “isso é competência da Polícia Federal e do Ministério Público. Não há fraude nas loterias federais e que os indícios tratados na denúncia ocorrem em ambiente externo da Caixa”. Ademais, sugeriu que os lavadores de dinheiro identificam os donos de bilhetes premiados do lado de fora das agências.

É cediço que todas as instituições financeiras são obrigadas por lei a informar ao COAF todos os nomes dos ganhadores de prêmios acima de R$ 10 mil reais, inclusive da ocorrência de operações financeiras suspeitas relativamente a vencedores sorteados repetidamente. Assim sendo, o COAF procede com o cruzamento dos dados recebidos, com aqueles já constantes em seus arquivos. Em seguida, o COAF expede relatórios informando os casos suspeitos à Polícia Federal e ao Ministério Público.

Em outra monta, a Caixa Econômica Federal negou envolvimento de funcionários nas aludidas fraudes, pois de acordo com Paulo Campos “é impossível que um servidor da Caixa conheça, previamente, o nome do apostador premiado, uma vez que os bilhetes são ao portador, o apostador sorteado somente é identificado, quando este se apresenta na agência da Caixa para receber o prêmio”.

Posteriormente, o senador Álvaro Dias fez divulgação de um levantamento das informações repassadas pelo COAF à Polícia Federal e ao Ministério Público, com uma relação nominal de pessoas suspeitas de utilizarem bilhetes de loterias como forma de lavagem de dinheiro.

Segundo o balanço, há demonstração de que no período de 2002 a 2006, apenas75 pessoas suspeitas de envolvimento em operações de lavagem de dinheiro, receberam em torno de R$ 32 milhões em prêmios.

De conformidade com o parlamentar, as fraudes ocorreram no período entre 1998 e 2006, com o envolvimento de 75 (setenta e cinco) pessoas, dentre os quais servidores da própria Caixa Econômica Federal, cujo esquema criminoso consistiria na troca do pagamento de bilhetes premiados, na forma abaixo:

O modus operandi criminoso funciona do modo seguinte: “funcionários da CEF intermediam informando aos interessados em lavar dinheiro, ou seja, aos ganhadores de prêmios que comparecem às agências para os saques respectivos. Assim, os servidores criminosos depositam o valor do prêmio, que é sacado pelo ganhador da loteria, porém sem ser dado baixo no sistema. Em seguida, o sistema de loteria somente é informado oficialmente, quando o agente fraudador promove o saque, como se ele fosse real ganhador”.

Revelam documentos direcionados a mídia, através da assessoria do Senador Álvaro Dias, noticiando o caso de três irmãos haver ganhado 525 vezes na loteria da CEF no Estado de São Paulo, totalizando o valor de R$ 3,8 milhões. Há outro caso em uma pessoa ganhou 327 vezes, recebendo o prêmio total de R$ 1,58 milhões. Em muitos outros casos, os valores dos saques são de pequena monta, em torno de R$ 100 mi a R$ 300 mil, para evitar suspeitas. Por outro lado, há notícias de que os fraudadores chegam a descontar 107 prêmios na mesma data.

Segundo, ainda, os documentos boa parte dos investigados, também respondem pela prática de outros delitos como estelionato, receptação, sonegação fiscal, homicídio e contrabando.

Lembra o parlamentar do caso João Alves: “Quando apanhado na CPI do Orçamento, com uma fortuna não justificada em suas contas bancárias, ele declarou que ganhara inúmeras vezes na loteria. Pois ele fez escola! Os alunos o superaram, porque há aqueles que ganham muito mais do que ganhou João Alves, nos áureos tempos”.

Segundo o Senador, deverá apresentar requerimentos ao Ministério da Fazenda, solicitando informações sobre o caso, e ao Tribunal de Contas de União (TCU), solicitando uma auditoria no sistema de pagamento de loterias. Acrescentando, ainda, em plenário, que apresentou um projeto de lei visando proibir a lavagem de dinheiro.

Por outra monta, a Caixa confirma a existência das fraudes no pagamento dos prêmios a uma determinada pessoa, porém diz que cumpre rigorosamente as determinações do COAF, no combate a lavagem de dinheiro. Ademais, segundo nota divulgada pela Assessoria do Senador, as informações divulgadas por Álvaro Dias têm como base os relatórios da própria instituição aos órgãos investigatórios.

Constam em relatórios do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), do Ministério da Fazenda, indícios de lavagem de dinheiro em loterias da CEF, com a suposta conivência de funcionários. Tais indícios de ilegalidades constam de documentos expedidos entre 2002 e 2006. E, segundo o Senador Álvaro Dias (PSDB-PR), responsável pela referida divulgação, o esquema criminoso teria sido utilizado para dar aparência de legalidade em torno de R$ 32 milhões, originado de atividades criminosas.

Ademais, o esquema envolvendo 75 pessoas foi informado ao Ministério Público, a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral da República, e dentre os citados nos relatórios do COAF consta o nome do doleiro Antonio Claramunt, de alcunha “Toninho da Barcelona”, que teria recebido R$ 215,7 mil, na data de 03/04/2002, relativo a 38 prêmios, em cinco modalidades diferentes de sorteios.

No ano de 2004, a Folha noticiou que um grupo de 200 pessoas acertou 9.095 vezes nos jogos da CEF, no período de março de 1996 a fevereiro de 2002, porquanto 98,6% das 168.172 pessoas premiadas alguma vez no período, só acertou até quatro vezes. Segundo o Senador, “a Caixa simplesmente comunica ao COAF e não toma providência interna para evitar o crime”. (Grifei).

Por outro lado, a CEF disse, através de nota, que tais indícios de irregularidades foram comunicados pela própria entidade financeira ao COAF, e que a maioria dos pagamentos ocorreu até o ano de 2000. E que o COAF e a Receita Federal são informados sobre as pessoas que recebem algum tipo de prêmio acima de R$ 800 mil. Alerta, ainda, a CEF que não tem competência para investigar crimes, mas a “ação conjunta do COAF, Polícia Federal e da Caixa, com o descredenciamento de unidades lotéricas envolvidas em irregularidades, é a responsável pela diminuição dessa ocorrência nos últimos quatro anos”.

Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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