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Agenda 01/04/2020 às 10:15

O MÍNIMO EXISTENCIAL NO DIREITO COMPARADO

ALEMANHA

A Alemanha é o país precursor do tratamento do mínimo existencial. Otto Bachof, em 1950, já defendia que o direito a vida e integridade corporal não poderia ser interpretado restritivamente como preservação da existência (direito de defesa), mas exigia uma ação proativa do ente estatal.54

A precedência alemã se verifica também no seu Tribunal Administrativo Federal (Bundesverwaltungsgericht) que na decisão BverwGE 1, 159, de 1954, prestou relevante contribuição à noção do mínimo existencial, não obstante ter tratado do seu aspecto positivo, prestacional, reconhecendo-o como direito subjetivo do cidadão, fundado na dignidade da pessoa humana.55

A Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 23 de maio de 1949, consagra em seu primeiro dispositivo o princípio da dignidade da pessoa humana, ao dispor que “a dignidade da pessoa humana é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o Poder Público”.56 No mesmo art. 1º trata dos direitos fundamentais para afirmar que são diretamente aplicáveis e vinculam os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Em seguida, nos arts. 2º e 3º, assegura a todos o livre desenvolvimento de sua personalidade, a vida, a integridade física, a liberdade e a igualdade como direitos invioláveis, apenas podendo ser restringidos por lei.

Não obstante a ausência de menção expressa da intributabilidade do mínimo existencial, os três primeiros dispositivos da Constituição alemã já emprestam proteção a esse mínimo, tendo a jurisprudência desse país proferido decisões nesse sentido.

O Tribunal Constitucional Federal alemão (Bundesverfassungsgericht) tem um dos casos mais paradigmáticos de análise da intributabilidade do mínimo existencial. O BVerfGE, 25/09/1992 – 2 BvL 5/91, decidiu que o contribuinte, sujeito passivo do IR, tem que cumprir a sua responsabilidade de pagar a referida exação, no entanto, deve ser respeitada a renda necessária para a sua subsistência e de sua família, com fundamento no art. 6, § 1, GG.57

O referido dispositivo dispõe que “a família goza de proteção especial do Estado”. É imperioso remarcar que igual proteção está expressamente consignada na Constituição Federal de 1988, que em seu art. 226, reza que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”.

Dessa forma, o Julgado BVerfGE, 25/09/1992 – 2 BvL 5/91 é bastante interessante para o estudo do Direito Comparado, pois aponta caminhos de solução para uma melhor e mais adequada proteção do mínimo existencial no Brasil. No presente julgado, a Corte Constitucional alemã “obrigou o legislador a deixar com o titular de renda de seus rendimentos profissionais o consumo vital necessário à existência definido sócio-assistencial-juridicamente”.58

Desde 1958 é reconhecida a isenção do IR para determinados rendimentos considerados necessários à subsistência da pessoa, essa faixa de valores é denominada “zona zero” (Nullzone).59 O BVerfGE, 25/09/1992 – 2 BvL 5/91 levou em consideração as necessidades de habitação, custos de aquecimento e os benefícios médios concedidos pela assistência social para, com base nesses dados, reconhecer que o mínimo isento da legislação do IR não protegia de forma adequada o mínimo existencial.

A Corte alemã entendeu que o mínimo existencial pode ser determinado, embora aproximadamente, pelo padrão de assistência social, o que, no presente caso, pelos dados apurados, concluiu-se que a isenção concedida pela legislação do IR era insuficiente. Outrossim, consignou que as necessidades financeiras do Estado não são suficientes para justificar um imposto inconstitucional, afirmativa essa constante de precedente anterior da mesma Corte.60

Não obstante o reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo da legislação do IR, por se reconhecer que a faixa de isenção não era suficiente para a adequada proteção do mínimo, a Corte Constitucional alemã, levando em consideração a necessidade de planejamento financeiro por parte do Estado, determinou que o legislador substituísse a regulamentação inconstitucional a partir do ano de 1996, concedendo, assim, o prazo de 5 (cinco) anos para que o Legislativo fixasse a faixa de isenção a um valor mais adequado.

Em outra oportunidade, o Tribunal Constitucional da Alemanha reconheceu inconstitucionalidade de norma que reduzia progressivamente, de acordo com a quantidade de filhos, os rendimentos isentos do pagamento dessa exação, de modo que os pais com menos filhos ou sem filhos tinham, proporcionalmente, um tratamento tributário mais benéfico, em relação àqueles com mais filhos. Como fundamento de decidir, a Corte alemã considerou violado o princípio da igualdade (equidade horizontal), constante no art. 3º, 1, da sua Lei Fundamental, bem como o mínimo existencial, ao se tributar renda necessária para a subsistência familiar.61

Nesse mesmo sentido, o 1º Senado da Corte Constitucional alemã, em decisão de 9 de fevereiro de 2010 (BverfGE 125, 175), especifica diversas situações fáticas nas quais pode-se encontrar a pessoa para que faça jus à concessão do benefício mensal, que, quando instituído em 2005, era de € 345 (trezentos e quarenta e cinco euros) para o atendimento das condições básicas de saúde, educação, alimentação, moradia, aquecimento, bem como para a participação na vida cultural, social e política.

Na referida decisão a Corte alemã reconheceu a inconstitucionalidade da unificação de benefícios sociais concedidos para adultos e crianças, sob o fundamento de que não atendiam adequadamente a proteção do mínimo existencial. Contudo, não estabeleceu novos parâmetros, por entender que é da competência do legislador definir o nível mínimo do benefício. O referido Órgão Julgador manteve a validade dos dispositivos tidos por inconstitucionais até 31 de dezembro de 2010 para que o Poder Legislativo aprovasse lei substitutiva, ficando esta obrigada, por força da decisão, a informar métodos, estimativa e cálculos utilizados.62

A Corte Constitucional, ao decidir que está dentro da margem do legislador a definição do conteúdo do mínimo existencial, apontou critérios a serem adotados para o exercício desta atividade legislativa, de modo a definir contornos a essa discricionariedade (espaço de conformação do ato legislativo). Assim, deliberou que essa margem de discricionariedade é mais estreita quando o mínimo trata da questão física do indivíduo e, por sua vez, mais larga, quando busca assegurar a sua participação na sociedade.

Em relação ao regramento jurídico do IR nesse país europeu, alguns pontos são dignos de nota, as despesas com custos judiciais são excluídas da dedução do IR, a menos que essa despesa comprometa a renda necessária para a manutenção de uma vida digna.63

Neste sentido, são dedutíveis do IR os custos de processo penal, na eventualidade de o réu ser absolvido ou vier a falecer antes de finda a ação (BFH BStBl. 1989, 831, m.w.N.) e as despesas processuais de uma ação de divórcio (BFH BStBl. 1982, 116; 1992, 796; H. Holl, DStZ. 2004, 873).64

A proteção do mínimo existencial em relação ao aperfeiçoamento profissional é encontrada no regulamento do IR alemão, no § 10, I, 7, EStG, o qual permite a dedução de até € 6.000 (seis mil euros) anuais, por sujeito passivo, com despesas para a sua própria formação. No caso de cônjuges, o valor se aplica a cada um individualmente.65

Ainda em relação ao direito à educação, o sujeito passivo do IR pode deduzir até 30% (trinta por cento) do valor da despesa escolar de uma escola particular ou predominantemente financiada pelo setor privado, com exceção dos valores gastos com alojamento, assistência e alimentos.66

O § 10, I, 1 EStG trata, por sua vez, da promoção da casa própria, possibilitando a dedução na base de cálculo do IR de até 6% (seis por cento), no ano de conclusão e nos três anos subsequentes, e de até 5% (cinco por cento) nos quatro anos seguintes, o custo do apartamento ou casa utilizada para a moradia própria e da família, somando-se a esse valor a metade do custo da terra, desde que atendidos os requisitos legais, como forma de proteção ao mínimo existencial do direito à moradia.

Ainda tratando do direito à moradia, a Corte Constitucional Alemã decidiu que “o patrimônio de uso pessoal e familiar goza de proteção especial”67, devendo essa proteção estender-se apenas “ao patrimônio de uso normal ou médio, por exemplo, ao valor de uma habitação unifamiliar média”.68 Conclui, nesses últimos julgados referenciados, que “o patrimônio de uso médio deve ser isento de imposto predial (vermögenssteuerlich)”, bem como do imposto de sucessões, tendo a decisão de caráter interlocutório determinado “plena isenção no caso de ‘patrimônios mínimos’69”.70

A tributação sobre o patrimônio, no mencionado caso, tanto relativo ao imposto predial, quanto ao imposto de sucessões, tem que respeitar a instituição mais importante do Estado, a família, que na Constituição alemã, conforme já mencionado, tem especial proteção do Estado no art. 6, I, GG.

Os referidos julgados que tratam da tributação sobre o patrimônio baseiam-se no art. 14, I, da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, o qual dispõe sobre a necessidade de garantia da propriedade e do direito de herança, ambos com conteúdo e alcance limitados pela lei.

Assim, a tributação é uma limitação ao direito de propriedade e, por sua vez, ao direito sucessório, mas tem um limite que protege o patrimônio mínimo, a habitação unifamiliar média.

Argentina

A Constituição argentina de 22 de agosto de 1994 não contempla de forma expressa a proteção do mínimo existencial, bem como o princípio da capacidade contributiva. No entanto, a ausência não se revela um impeditivo para que seja observado.

Belsunce afirma que o princípio da capacidade contributiva, conquanto não esteja expresso no Texto Constitucional argentino, “constitui um princípio constitucionalizado que representa o pressuposto de outras garantias constitucionais explícitas”, tais como o princípio da igualdade e da proporcionalidade do tributo.71

No plano infraconstitucional, a lei do IR argentino – Lei 20.268/1973 – traz o mecanismo para a extração do mínimo existencial ao consignar em seu art. 17 que, “para estabelecer o lucro líquido, devem-se subtrair da renda bruta as despesas necessárias para obtê-lo ou, se necessário, manter e preservar a fonte [...]”. A presente disposição se enquadra no conceito de renda que iremos trabalhar no próximo capítulo e reflete posicionamento de boa parte da doutrina nacional.

A quantificação do mínimo existencial não passível de tributação foi tratada alguns dispositivos depois, no art. 23, o qual apresenta valores passíveis de dedução para as pessoas físicas e seus dependentes:

Art. 23: As pessoas físicas terão o direito de deduzir do seu lucro líquido: a) no caso de lucros não tributáveis, o montante de $ 51,967, desde que as pessoas indicadas residam no país. b) No caso de encargos familiares, desde que as pessoas indicadas residam no país, estejam a cargo do contribuinte e não tenham no ano renda líquida superior a $ 51.967, independentemente da sua origem e se estão ou não sujeitos a imposto $ 48,447 para o cônjuge. $ 24,432 para cada criança, filha, enteado ou enteado com menos de 18 anos de idade ou incapacitado para o trabalho. A dedução deste item só pode ser feita pelo parente mais próximo que tenha renda tributável.72

O ponto que merece destaque na legislação é a restrição da proteção do mínimo que abrange apenas os residentes no país, não se estendendo aos não residentes. O legislador parte do pressuposto de que a responsabilidade da proteção do mínimo existencial do não residente é do país onde vive, independentemente de sua nacionalidade ser argentina. O art. 26 considera residentes aqueles que tenham vivido no país, no ano fiscal, ao menos 6 (seis) meses.

A proteção do mínimo existencial apenas aos residentes não aparenta ser uma discriminação legislativa arbitrária. O Estado deve promover o bem-estar social àqueles situados em seu território, não estando ao seu alcance a promoção do mínimo daqueles que estejam situados fora de suas fronteiras, sobretudo porque o mínimo será definido de acordo com as condições socioeconômicas do país de morada do nacional.

Por sua vez, os valores definidos como mínimo existencial para fins de dedução do IR, disciplinados no art. 23, são majorados em 3,8 (três vírgula oito) vezes para as rendas decorrentes do desempenho de cargos públicos, trabalho em relação de dependência, aposentadoria, pensões, e outros acréscimos e subsídios incluídos neles.

Ainda tratando da lei do IR argentina, no seu art. 81 encontramos um extenso rol de despesas que admitem a dedução, as quais destacamos as inseridas no inciso “h”:

Os honorários correspondentes aos serviços de saúde, médica e paramédica: a) de hospitalização em clínicas, sanatórios e estabelecimento similares; b) as prestações acessórias de hospitalização; c) os serviços prestados pelos médicos em todas as suas especialidades; d) os serviços prestados pelos bioquímicos, dentistas, cinesiologistas, fonoaudiólogos, psicólogos etc.; e) os prestados pelos técnicos auxiliares da medicina; f) todos os demais serviços relacionados com a assistência, incluindo o transporte de feridos e enfermos em ambulâncias ou veículos especiais.73

Esse inciso foi inserido por oportunidade da reforma pela Lei 25.239 que, a partir de 1º de janeiro de 2000, passou a admitir a dedução destas despesas no IR. No entanto, o próprio inciso estabelece um limite máximo de 40% (quarente por cento) da cobrança total do período faturado. A legislação argentina, neste ponto, difere da brasileira ao estabelecer um teto para a dedução de despesas de saúde, sendo que no Brasil a dedução é integral, outrossim, condiciona a dedução da despesa ao seu faturamento pelo respectivo fornecedor, ao não reembolso por qualquer benefício, bem como estabelece que o valor a deduzir não poderá ser superior ao percentual de 5% (cinco por cento) do lucro líquido do exercício.74

Os limites percentuais estabelecidos pela legislação do IR argentino para despesas médicas são criticados por Belsunce, uma vez que entende ser incoerente estabelecer-se um limite de dedução para tais gastos, enquanto os contribuintes que obtenham renda com a terra e o capital e as empresas e certos auxiliares do comércio gozam da possibilidade de dedução integral dos gastos necessários para a manutenção e conservação da sua fonte produtora.75

De fato, o art. 17 da legislação em comento põe a salvo as despesas necessárias para obter a renda, também aquelas imprescindíveis para a manutenção da fonte. Coadunamos do entendimento que tal proteção deve se estender para as despesas de saúde efetuadas pelas pessoas físicas, uma vez que a manutenção ou o restabelecimento da saúde é condição imprescindível para que o indivíduo continue a produzir.

Quanto às despesas com educação, a Lei 18.527 admitia a dedução desse tipo de despesa, mas a atual lei de IR argentina não traz qualquer previsão de dedução no tocante a esse direito fundamental social.

Colômbia

Na Constituição colombiana não existe dispositivo consagrando expressamente a intributabilidade do mínimo existencial, o qual se extrai dos direitos fundamentais e princípios constantes em seu texto.

A Constituição Política da Colômbia no seu preâmbulo estabelece o compromisso com uma ordem política, social e econômica justa, constituindo-se em um Estado Social de Direito, nos termos do seu art. 1º. Na leitura do mesmo dispositivo verifica-se que a república colombiana está fundada no respeito à dignidade humana e na solidariedade das pessoas que a integram.

Ao dispor sobre o princípio da solidariedade como fundamento da intributabilidade do mínimo existencial, Diaz e Albarracin76 afirmam que o referido postulado deixou de ser um imperativo ético para constar expressamente na Constituição colombiana como norma vinculante a todas as pessoas que se encontram naquele território.77

Os princípios do Estado Social, dignidade da pessoa humana e solidariedade são as vigas mestras para a edificação de um sistema tributário justo, comprometido não apenas com a arrecadação de recursos para a manutenção do Estado, mas, sobretudo, com o bem-estar de toda a população.

Outrossim, a referida Carta Política, no seu art. 13, dispõe expressamente que cabe ao Estado a promoção de condições para que a igualdade seja real e efetiva, bem como a proteção especial de pessoas economicamente debilitadas. Isso aponta para a necessidade de um papel proativo do Estado no sentido de garantir essa igualdade, sobretudo no campo tributário. Neste sentido, Diaz e Albarracin afirmam que:

[…] de conformidade com o estudo harmônico da natureza de, pelo menos, os principais tributos de nosso ordenamento, e especialmente de nossa carta política, leva-nos a concluir que, embora o mínimo vital livre de tributação não esteja mencionado e considerado expressamente, pelo menos, do ponto de vista constitucional há de ser aplicado por conexidade por força de diferentes direitos fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, educação, moradia, solidariedade, saúde, lazer, proteção à família e igualdade.78

O fundamento para a intributabilidade do mínimo existencial na Constituição colombiana também pode ser extraído do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, constante no seu art. 16, bem como na garantia de inviolabilidade da honra e dignidade da família, asseguradas no art. 42.

No âmbito da jurisprudência da Corte Constitucional colombiana há alguns julgados relevantes a respeito da intributabilidade do mínimo existencial. O tratamento do mínimo existencial no âmbito desta Corte remonta a 1992, no Julgado T-426 que, ao tratar de uma violação ao direito fundamental de subsistência, em um caso singular, consignou:

Embora a Constituição não consagre um direito à subsistência este pode deduzir-se dos direitos da vida, da saúde, do trabalho e da assistência à seguridade social. A pessoa requer um mínimo de elementos materiais para subsistir. A consagração dos direitos fundamentais na Constituição busca garantir as condições econômicas e espirituais necessárias para a dignificação da pessoa humana e ao livre desenvolvimento de sua personalidade.79

Os Julgados C-094 (M.P. José Gregorio Hernández Galindo) e C-333 (M.P. Eduardo Cifuentes Munõz) de 1993 já apontam para a necessidade de se respeitar o mínimo existencial na seara tributária, consignando a intributabilidade dos recursos necessários à satisfação das necessidades básicas do ser humano. Não obstante, uma das mais importantes decisões da Corte Constitucional colombiana que versou sobre a não tributação do mínimo existencial foi a C-776/03 (M.P. Manuel Jose Cepeda Espinosa) que, ao analisar o imposto sobre as vendas, tratado pela nomenclatura de IVA, equiparado ao ICMS no ordenamento jurídico brasileiro, reconheceu a inconstitucionalidade da incidência da referida exação sobre produtos de necessidade básica familiar.

Foi declarada a inconstitucionalidade do art. 116 da Lei 788/2002, o qual fazia incidir uma alíquota de 2% de IVA sobre bens e serviços constantes dos arts. 424; 424-2; 424-5 número 4; 424-6; 425; 427; 428-1; 476; 477; 478 e 481 letras “c” e “e” do Estatuto Tributário da Colômbia.

Os referidos dispositivos trazem uma extensa lista de bens e serviços que estavam excluídos da incidência do IVA, dentre os quais passamos a relacionar: milho e arroz para consumo humano, água, carne, cana-de-açúcar, mel natural, produtos constituídos por componentes naturais do leite, batatas, cebolas, tomate, café, banana, gás propano para uso doméstico, serviços médicos, odontológicos, hospitalares, clínicos e de laboratório, para a saúde humana, serviço de transporte público, terrestre, fluvial e marítimo de pessoas no território nacional colombiano, ovos de galinha frescos e de outras aves, antibióticos, fórmulas lácteas para crianças até 12 (doze) meses de idade, apenas o leite humanizado ou maternizado etc.80

A tributação desses itens que, no entendimento da Corte colombiana fazem parte do rol de bens e serviços integrantes das necessidades básicas do indivíduo para uma existência digna, foi considerada contrária aos dispositivos da Constituição Política daquele país, vulnerando os princípios da progressividade e equidade. Neste sentido transcrevemos fração do julgado:

A Corte considera que o artigo 116, em face da concorrência destes fatores, viola de maneira manifesta os princípios da progressividade e da equidade que regem o sistema tributário interpretado harmonicamente com o direito ao mínimo vital em um Estado Social de Direito. Assim, se violam tais princípios quando (i) de maneira indiscriminada, sem a menor deliberação pública se modifica um sistema tributário, desrespeitando o princípio da não tributação sem representação, (ii) deficiências graves tanto do lado das receitas provenientes de tributos com desenho progressivo como (iii) no lado das despesas para atender fins redistributivos, (iv) alargando a base do IVA sobre todas as necessidades de bens e serviços (v) dos quais depende inevitavelmente o gozo efetivo do direito ao mínimo vital de um amplo setor da população do país, dadas as insuficiências da rede de proteção social.81

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Os bens e serviços que o art. 116 pretendia tributar haviam sido excluídos da incidência do IVA com o propósito de atender ao princípio da igualdade real e efetiva, nos termos do art. 13 da Constituição Política colombiana. A declaração de sua inconstitucionalidade decorreu do reconhecimento pela Corte Constitucional que aqueles fazem parte do rol de bens e serviços de primeira necessidade, inserindo-se no direito constitucional ao mínimo vital.

Esse, nos termos da fundamentação da Corte, não pode ser objeto de tributação, por afrontar a justiça tributária:

Chamar quem carece de capacidade contributiva a suportar estes encargos fiscais de ordem pública, afetando de forma inevitável e manifesta a sua subsistência, resulta em medida contrária à justiça tributária. A capacidade econômica ou contributiva, fundada, por exemplo, no ingresso, na riqueza, ou em uma atividade produtiva, não pode ser equiparada à realização de uma atividade social básica e essencial, como adquirir um bem ou serviço indispensável para sobreviver. Nesse sentido, a capacidade contributiva não é automaticamente equiparável à capacidade aquisitiva.82

No referido julgado, a Corte Constitucional colombiana, ao tratar da competência do Poder Legislativo para legislar sobre a matéria, consignou que esse poder é amplo, mas não ilimitado, tendo o legislador liberdade ampla para determinar quem deve pagar a exação e quem não deverá pagá-la. Mas o exercício desse poder encontra limite no próprio Texto Constitucional, devendo respeitar, dentre outros, os princípios da igualdade, equidade, eficiência e progressividade, fundamentos do sistema tributário.83

Merece destaque dentre os princípios apontados o da eficiência, que foi utilizado como fundamento de decidir no referido Julgado C-776/03, ao dispor que deve ser atendido tanto pelo legislador84, quando da criação da exação, quanto pelo administrador, por oportunidade de sua aplicação.85

Em relação à elaboração da norma tributária pelo legislador, o princípio da eficiência é atendido quando implica em poucas distorções econômicas, maximiza a arrecadação de recursos com o menor custo possível e “acarreta o menor custo social para o contribuinte no seu dever fiscal”.86

Na referida decisão, o Tribunal se manifestou pela impossibilidade de o Estado criar tributos que ultrapassem o limite constitucional garantidor da sobrevivência com dignidade do indivíduo.87 A respeito do limite constitucional, restou consignado que este é tradicionalmente tratado como a proibição de exações confiscatórias, mas, não menos relevante, aponta como limite o direito fundamental ao mínimo existencial, especialmente para aqueles indivíduos que não dispõem de condições mínimas para a sua sobrevivência.88

Em decisão mais recente, também tratando da tributação sobre o consumo e o mínimo existencial, a Corte Constitucional colombiana, no Julgado C-100 de 201489, considerou constitucional o dispositivo normativo que tratava da incidência do IVA, com a alíquota de 5% (cinco por cento) sobre diversos bens, dentre os quais: café, arroz para uso industrial, algodão, chocolate etc. Na decisão a Corte considerou que o dispositivo não introduz no sistema tributário uma dose de manifesta regressividade e deixa fora da incidência da exação um conjunto de bens a satisfazer as necessidades primárias da população.

Espanha

A Constituição espanhola de 1978 não consagra expressamente o princípio da intributabilidade do mínimo existencial, mas traz em seu texto o princípio da capacidade contributiva, ao dispor em seu art. 31.1 que:

Todos contribuirão para sustentar a despesa pública de acordo com a sua capacidade econômica e num sistema tributário justo inspirado nos princípios da igualdade e progressividade que, em nenhum caso, terá alcance confiscatório.90

O aludido Texto Maior espanhol consigna que o sistema tributário é inspirado nos princípios da igualdade e progressividade. O primeiro, fundamento do princípio da capacidade contributiva e, o segundo, instrumento para a sua concretização. Cumpre registrar que o dispositivo, de forma expressa, faz constar a proibição de confisco, no sistema tributário, o qual, conforme tratamos, é um dos limites, ao lado do mínimo existencial, do princípio da capacidade contributiva. Tal princípio, como limitação do poder estatal, configura-se um direito subjetivo do cidadão de ser tributado apenas naquilo que revelar capacidade econômica. Assim, a norma tributária que utilize outro critério, senão o da capacidade econômica sobre as bases – patrimonial, renda ou consumo –, deve ser declarada inconstitucional, a exemplo daquela que considera a quantidade de janelas de determinada residência ou o uso da barba.

Neste sentido, o Tribunal Constitucional espanhol tem se pronunciado sobre a vedação de tributação em base que não revele riqueza real ou potencial. A propósito, transcrevemos fração de julgado proferido pelo seu pleno na Sentencia 26/2015, de 19 de fevereiro de 2015:

Isto significa que o legislador (estadual ou regional) não poderá estabelecer impostos sobre uma matéria que não reflete a riqueza real ou potencial ou, o que é o mesmo, se a capacidade econômica for inexpressiva (STC 193/2004, de 4 de novembro, FJ 5), exigindo-se uma concreta manifestação de riqueza ou de renda real, que não inexistente, virtual ou fictícia.91

O Tribunal, na Sentencia 19/201292 de 15 de fevereiro de 2012, ao analisar a constitucionalidade de diversos dispositivos da Lei 40/1998, que trata sobre o IRPF e outras normas tributárias, manifestou-se acerca da intributabilidade do mínimo existencial ao dispor que referido instituto não é apenas um elemento do princípio da capacidade contributiva, mas um fruto da justiça, conectado diretamente com o princípio da dignidade da pessoa humana e a proteção da família.

Nesse julgado se discutia, dentre outros pontos que não restaram acolhidos, a constitucionalidade da expressão ‘conviva com o contribuinte’, constante na Lei 40/1998, que condicionava a dedução do mínimo familiar por dependentes à convivência desses com o contribuinte. Por oportunidade do julgamento, que reconheceu a inconstitucionalidade da aludida expressão condicionante, foi decidido que:

Não se pode qualificar como justo um Estado que se denomina “social e democrático de direito” se priva seus cidadãos, por meio do sistema tributário, da renda mínima de sobrevivência, pelo pretexto do dever de contribuir com os gastos gerais, pois, não apenas perde a sua legitimidade política e democrática, mas também atenta contra a essência da dignidade da pessoa humana.93

Assim, restou decidido que não assiste ao Estado o direito de cobrar tributos do cidadão que apenas possui recursos para a sua manutenção e da sua família, pois tal conduta é injusta e não condizente com um Estado que se denomina Social. Tal assertiva se coaduna com as decisões de outras Cortes Constitucionais e com a doutrina que trata do mínimo existencial.

A proteção do mínimo existencial não apenas é reconhecida pelo Judiciário espanhol, mas também se encontra em textos normativos infraconstitucionais, a exemplo da legislação daquele país que, ao regulamentar o imposto sobre o patrimônio, dispõe no seu art. 28:

Um. Em caso de obrigação pessoal a base imponível será reduzida, na forma de mínimo isento, em montante aprovado pela Comunidade Autônoma.

Dois. Se a Comunidade Autônoma não houver regulado o mínimo isento a que se refere o parágrafo anterior, a base se reduzirá em 700.000 […].94

A referida lei assinala que a competência para definição do mínimo existencial não passível de tributação é da Comunidade Autônoma, com autonomia legislativa e administrativa.95 No entanto, ressalva que, se aquela não houver regulado o mínimo existencial, este será de € 700.000 (setecentos mil euros). Assim, da base de cálculo se reduz este valor.

A Comunidade Autônoma da Catalunha, por exemplo, estabeleceu um mínimo não tributável diferente, no valor de € 500.000 (quinhentos mil euros) (Decreto-Lei 7 de 27 de dezembro de 2012), enquanto que a Comunidade Autônoma de Baleares aumentou para € 800.000 (oitocentos mil euros) (Lei 13 de 29 de dezembro de 2014). 96

A Comunidade Autônoma da Extremadura, apesar de manter o patamar do mínimo não tributável no valor de € 700.000 (setecentos mil euros), legislou no sentido de elevá-lo, por força do Decreto Legislativo 01, de 21 de maio de 2013, em favor de contribuintes portadores de incapacidade física, psíquica ou sensorial, da seguinte forma:

800.000 euros se o grau de incapacidade for igual ou superior a 33% e inferior a 50%;

900.000 euros se o grau de incapacidade for igual ou superior a 50% e inferior a 65%; e

1.000.000 de euros se o grau de incapacidade for igual ou superior a 65%. 97

Cumpre registrar, por necessário, que o imposto sobre o patrimônio, na Espanha, diferencia-se do imposto sobre bens imóveis, este de competência do ente municipal e que recai sobre a adjudicação ou titularidade de um direito real de propriedade, usufruto, superfície, e não sobre o patrimônio global do contribuinte.

O ponto mais importante, neste caso, é reconhecer o tratamento de proteção dado ao mínimo existencial na legislação espanhola, no sentido de estabelecer uma quantia a ser observada na eventualidade de a Comunidade Autônoma não legislar sobre o assunto. A solução respeita a autonomia desta e, ao mesmo tempo, não deixa desguarnecido o contribuinte, na hipótese de eventual omissão legislativa.

Quanto à discussão de qual a melhor técnica para se prestigiar a proteção do mínimo existencial, se pela adoção de alíquota zero ou decote da base de cálculo, a Corte Constitucional espanhola considerou adequada a eleição de qualquer desses mecanismos para o atendimento da proteção do mínimo existencial. Neste sentido, assim se manifestou por oportunidade do Julgado 19/2012:

Dito isso, é necessário assinalar que o caminho para garantir esse mínimo vital não submetido à tributação é de livre escolha do legislador, tanto em relação à eleição dos tributos como em relação à técnica utilizada, já que pode optar entre operar na base imponível (por exemplo, através de isenções, deduções ou reduções), no valor final do tributo devido (por exemplo, mediante deduções ou bonificações), na alíquota (por exemplo, estabelecendo uma alíquota zero em uma primeira fração da renda), ou, em todas elas.98

A Corte espanhola entende que a escolha compete ao legislador, estando dentro de sua margem de discricionariedade, afirmação da qual não se diverge. A eleição de qualquer dessas bases, por si só, não configuraria a inconstitucionalidade da escolha, que será assim declarada se não oferecer proteção suficiente ao mínimo existencial, estando em desacordo com os valores e princípios consagrados no diploma constitucional.

Itália

A Constituição Italiana, assim como a brasileira, não traz de forma expressa a impossibilidade de tributação do mínimo existencial, mas consagra no seu art. 5399 o princípio da capacidade contributiva, com a seguinte redação:

Art. 53. Todos devem contribuir para a despesa pública de acordo com a sua capacidade contributiva. O sistema tributário é informado pelo critério da progressividade.100

Assim, o Texto Constitucional italiano dispôs expressamente que todos deverão contribuir para as despesas públicas de acordo com a sua capacidade contributiva, tendo o sistema tributário como norte o princípio da progressividade.

Giardina, por seu turno, assevera que, a despeito da não menção expressa do mínimo existencial na Constituição italiana, a sua análise, de modo sistemático, “nos mostra como propósito essencial da República o de proteger a condição de vida mínima dos cidadãos”. 101

O autor aponta os arts. 3, 2º, e 38 da Constituição italiana, ao lado do referido art. 53, como fundamento da acolhida constitucional implícita da proteção do mínimo existencial no plano constitucional. O primeiro dispositivo traz um comando ao Estado no sentido de remover qualquer obstáculo que impeça o desenvolvimento da pessoa humana e sua efetiva participação na construção da organização política, econômica e social do país; o segundo dispositivo assegura o direito a manutenção e assistência social aos inabilitados para o trabalho e àqueles desprovidos de meios. 102

O art. 3º da Constituição italiana também dispõe que todos os cidadãos têm a mesma paridade social e são iguais perante a lei, o que traz em seu conteúdo a consagração do princípio da igualdade, não de uma igualdade formal, mas de uma igualdade que se disponha a corrigir distorções de desigualdade econômica e social, o que também se extrai do art. 53. Por sua vez, o art. 2º encerra em seu conteúdo um dever de solidariedade, que é qualificadora da capacidade contributiva, o que nos permite chamar à contribuição aqueles indivíduos que possuem mais do que o suficiente para viver com dignidade, amparando, por consequência, aquele que tem apenas o suficiente a uma existência digna. Por fim, o art. 38 dispõe que “todo cidadão incapaz de trabalhar e sem meios de viver tem direito à manutenção e ao bem-estar social”103 (tradução nossa).

Moschetti104, por outro lado, não se limita a esse conjunto de dispositivos para afirmar que a necessidade de proteção do mínimo existencial também está fundamentada no art. 36 da Constituição italiana, o qual assegura ao trabalhador e sua família uma existência livre e digna, com a seguinte redação: “O trabalhador tem direito a um salário proporcional à quantidade e qualidade de seu trabalho e, em qualquer caso, suficiente para assegurar a si e sua família uma existência livre e digna”105 (tradução nossa).

O autor italiano leciona que desta disposição, conjugada com os arts. 53 e 2º, resultam três importantes consequências relacionadas à proteção do mínimo existencial:

[...] primeiro de tudo, o imposto nunca pode incidir sobre uma retribuição que seja apenas “suficiente” (o que vem a confirmar o princípio da isenção do mínimo); em segundo lugar, o mínimo não é o “mínimo” vital, mas o mínimo para uma existência “digna e livre”; em terceiro lugar, posto que o mínimo de retribuição se refere também às necessidades da família, os tributos incidentes sobre as pessoas sempre deverão levar em conta a situação familiar. Em particular, o mínimo deve ser reportado a toda a família do contribuinte (tradução nossa).106

Ao relacionar a proteção do mínimo existencial emprestada pela Constituição italiana na seara trabalhista com a necessidade de igual proteção na seara tributária, Moschetti chama a atenção para a incoerência que seria pensar de forma distinta. Aduz o autor que seria estranho se a Constituição italiana impusesse ao empregador a obrigação de pagar uma remuneração adequada ao atendimento das necessidades básicas do trabalhador e sua família, mas, ao mesmo tempo, admitisse que o fisco não tivesse o mesmo cuidado, tributando as necessidades mínimas para uma existência digna.107

Destarte, com apoio nos referidos dispositivos, deve-se emprestar adequada proteção ao mínimo existencial quando da edificação de qualquer exação, tanto na elaboração da norma tributária de tributos diretos, como também em relação aos indiretos, o que resulta na observância do referido princípio em relação ao IVA.

Os países integrantes da União Europeia adotaram regras gerais para o IVA, mas este guarda especificidades em relação a cada país integrante do bloco econômico. Como regra foram fixadas pela União Europeia alíquotas que variam de 10% (dez por cento) a 25% (vinte e cinco por cento), sendo que na Itália a alíquota máxima do IVA é de 22% (vinte e dois por cento).

Não obstante o estabelecimento de alíquotas mínimas e máximas para o IVA, alguns produtos recebem um tratamento especial, ficando abaixo do patamar mínimo de 10% (dez por cento), integrando um grupo de serviços e produtos com alíquotas reduzidas. Neste conjunto de produtos estão aqueles considerados de primeira necessidade, a exemplo de pão, leite fresco, queijo e produtos lácteos, farinha e cereais, legumes frescos ou refrigerados, para os quais se estabeleceu uma alíquota de 4% (quatro por cento).

No plano jurisprudencial, a Corte Constitucional italiana, na Sentença 155, do ano de 1963, declarou a inconstitucionalidade de norma tributária utilizando como fundamento o princípio da igualdade, ao dispor que no IR é necessário haver um tratamento igualitário para rendas iguais e uma imposição diferenciada a rendas diversas.108

O princípio da igualdade foi novamente utilizado como fundamento da Sentença 120 do ano de 1972, da mesma Corte que, ao declarar a inconstitucionalidade de um adicional extraordinário que incidia sobre uma contribuição de melhoria, consignou que o princípio da capacidade contributiva é decorrente do princípio geral da igualdade e, “em uma base de garantia constitucional, deve ser entendido como uma expressão da necessidade de que qualquer retirada fiscal tem que estar justificada em um indício concreto revelador de riqueza”.109

O referido julgado, além de reconhecer que o princípio da capacidade contributiva não se limita aos impostos, devendo ser observado pelas demais espécies tributárias, condiciona a incidência de qualquer exação à existência de fato ou situação que revele, de forma concreta, a riqueza. Assim, podemos afirmar que aquilo que compõe o mínimo existencial, por não ter força econômica, não pode compor a base de cálculo da exação.

Ainda em relação ao princípio da capacidade contributiva, a Corte italiana na Sentença 201/1975, fez constar que o referido princípio “deve ser entendido como uma expressão da necessidade de qualquer tributação justificada revelar concretamente as indicações de capacidade de contribuição”, sendo a eleição desse indicativo concreto de capacidade contributiva reservada ao legislador, não cabendo “qualquer controle, se não, é claro, em termos de arbitrariedade absoluta ou irracionalidade de normas”.110

Em ambos os julgados é relevante grifar que aquele Tribunal, conquanto reconheça que o legislador tem a discricionariedade de estabelecer o índice de capacidade, assegura a possibilidade de controle judicial quanto à legitimidade da norma, a qual deve ser exercida no sentido de verificar na norma tributária se a eleição do índice ocorreu de forma arbitrária ou irracional. 111

Destaca-se, por fim, o Julgado 97, do ano de 1968, da mesma Corte, que analisou a constitucionalidade de três dispositivos (arts. 130, 138 e 139) do texto único da legislação do IR italiano. A questão colocada em debate era se os referidos dispositivos apresentavam uma proteção adequada ao mínimo existencial na seara tributária.

Em síntese, sustentava-se que os arts. 130, 138 e 139 da legislação do IR violavam o art. 53 da Constituição italiana, este último trata do princípio da capacidade contributiva. A primeira questão levantada foi a que enquanto os cidadãos que recebem menos do que 960 (novecentos e sessenta mil) liras112 estão isentos do pagamento do IR, aqueles situados nas categorias intermediárias devem contribuir integralmente com a despesa pública, “com a absorção total de seus rendimentos até certo limite”. Defende-se na ação a inconstitucionalidade dos dispositivos em virtude de que deveria ser excluído da base de cálculo o valor acima mencionado para as categorias de maior renda, por ser ele um “pressuposto para a criação da obrigação tributária e não uma mera isenção” (tradução nossa). Outrossim, a inconstitucionalidade também estaria presente no valor das deduções, cujas taxas fixas de 240.000 (duzentos e quarenta mil) liras e 50.000 (cinquenta mil) liras por dependente não são mais suficientes para as “novas necessidades da vida, parecem simbólicas e não são adequadas para a discriminação efetiva entre várias categorias de contribuintes com ou sem responsabilidades familiares”. 113

Assim, as alegações de violação ao princípio da capacidade contributiva estão embasadas em três motivos: o fato de as pessoas de baixa renda não emprestarem contribuição para a despesa pública, quando o art. 53 da Constituição italiana reza que todos devem contribuir para a despesa pública na proporção de seus haveres; as pessoas com renda ligeiramente superior ao patamar mínimo absorvem a diferença total sem a detração da faixa de isenção; a necessidade de exclusão do valor considerando o mínimo vital, a exemplo do que ocorre na legislação do IR do Brasil.

A Corte italiana, ao examinar cada uma destas alegações tidas como violadoras do princípio da capacidade contributiva, mas que guardam uma discussão mais específica de proteção do mínimo existencial, manifestou-se pela Constitucionalidade dos dispositivos (arts. 130, 138 e 139) da legislação do IR. O que sobreleva grifar, in casu, não é o desfecho do julgamento, acerca do qual cabem algumas ressalvas, mas os fundamentos construídos com base no mínimo existencial.

Para afastar o primeiro argumento de que o art. 53 determina contribuição por parte de todos, não admitindo que uma parcela da população fique isenta de contribuir com as despesas públicas, decidiu-se que:

[...] a capacidade de pagamento é a presunção de tributação legítima e somente quando está presente torna-se uma medida do montante do imposto devido. Consequentemente, não coincide com a percepção de qualquer rendimento, o qual está sujeito a tributação apenas quando há disponibilidade de meios econômicos para permitir tal tributação. Como tal, a isenção da tributação suplementar de sujeitos com renda mínima parece ser totalmente legítima, ligada, como é, a uma presunção racional da deficiência de qualquer capacidade contributiva.114

Assim, decidiu a Corte Constitucional italiana não ter fundamento a alegação de que o art. 53, ao determinar que todos devam contribuir com a despesa pública do Estado, não admitiu exceções quanto à participação, por entender que a expressão “todos” não se refere a cidadãos, mas refere-se à expressão “capacidade contributiva”. O mínimo existencial, dessa forma, é uma exceção ao princípio da generalidade, de modo que não é qualquer rendimento que está apto à imposição fiscal.

A Corte foi além em seus fundamentos para afastar o primeiro argumento de inconstitucionalidade dos dispositivos da legislação do IR, para reconhecer que o exercício da competência legislativa para definir o mínimo existencial não só é legítimo, como também discricionário. No entanto, decidiu que essa discricionariedade deve ser exercida com o amparo em avaliações econômicas e sociais. Colacionamos fração do julgado:

[...] Também deve ser dito que, além de legítimo, é mesmo necessário para a legislatura, que possa discricionariamente estabelecer, com amparo em avaliações econômicas e sociais complexas, qual é a medida mínima acima da qual a capacidade de contribuição surge para isentar da tributação aqueles sujeitos que percebem rendimentos tão modestos como sendo apenas o suficiente para satisfazer as necessidades básicas da vida: se não o fizesse, a lei acabaria por impor uma obrigação fiscal, mesmo quando uma capacidade contributiva não existia. 115

A discricionariedade legislativa tratada no julgado se relaciona com a definição da medida mínima não passível de tributação, em outras palavras, com a mensuração do mínimo existencial que deve ser estabelecida com o apoio de avaliações econômicas e sociais.

Os fundamentos da Corte Constitucional italiana, neste ponto, muito se assemelham com o da Corte Constitucional alemã, que nos julgados BVerfGE, 25/9/1992 – 2 BvL 5/91 e BverfGE 125, 175 reconheceram, igualmente, a discricionariedade legislativa na definição da medida do mínimo existencial, mas que deve estar baseada em estudos que levem em consideração aspectos econômicos e sociais.

Por seu turno, quanto ao argumento de inconstitucionalidade de que as pessoas com renda superior ao patamar mínimo absorvem a diferença total sem a detração da faixa de isenção, o Tribunal italiano o afastou com o fundamento de que a técnica não é ilegal e respeita o limite estabelecido como mínimo existencial. Conclui-se que:

[...] O valor devido como um imposto complementar nunca pode exceder a diferença entre o rendimento total e 960 mil liras. Daqui resulta que aqueles que percebem um rendimento bem acima dessa figura veem toda a diferença absorvida, é uma consequência óbvia, mas não ilegal: para a avaliação constitucional da regra, basta que o mecanismo de tributação seja de molde a prevenir que a cobrança de impostos ultrapasse o limite intangível do rendimento mínimo.116

O art. 139 do texto único do IR ressalva que o valor devido não pode exceder a diferença entre o rendimento total e 960.000 (novecentos e sessenta mil) liras. Assim, se o rendimento foi, por exemplo, de 1.100.000 (um milhão e cem mil) liras e o resultado do imposto a pagar é de 200.000 (duzentas mil) liras, a diferença de 140.000 (cento e quarenta mil) liras deve ser respeitada, de forma que 60.000 (sessenta mil) liras são subtraídas para que o encargo fiscal respeite a medida do mínimo existencial definida pelo legislador de 960 (novecentas e sessenta mil) liras.

A Corte Constitucional entendeu que naqueles casos em que o contribuinte tem um rendimento consideravelmente superior ao mínimo a ponto de toda a diferença ser absorvida, ainda assim há um respeito ao mínimo existencial, de modo que a norma é constitucional. Quanto a isso, a despeito do atendimento à capacidade contributiva no plano vertical, acreditamos que uma análise sob o plano horizontal demonstra que a não detração da base de cálculo da quantia considerada mínimo existencial faz com que contribuintes com situação econômica distinta recebam igual tratamento. É o que ocorre, por exemplo, no caso do contribuinte que recebe 1.110.000 (um milhão cento e dez mil) liras e com a subtração do imposto fica com 960 (novecentos e sessenta mil) liras e aquele que recebe 960 (novecentos e sessenta mil) liras e ficará com igual quantia, por não ter a subtração do IR.

Ressalvado este ponto de discordância, verifica-se que a Corte Constitucional italiana trabalha a todo o tempo na fundamentação da sua decisão com a necessidade de proteção do mínimo existencial e reconhece a possibilidade de controle jurisdicional se a norma tributária avançar contra o mínimo de proteção estabelecido legalmente, bem como assinala que este mínimo deve guardar consonância com aspectos econômicos e sociais, havendo assim um espaço de conformação para a sua definição.

Por fim, um último ponto que merece destaque é o argumento de inconstitucionalidade dos dispositivos da legislação do IR acima referidos no tocante às deduções para a família e dependentes. A ilegitimidade constitucional estaria lastreada no fato de que as deduções previstas no art. 138, de 240.000 (duzentos e quarenta mil) liras fixas e 50.000 (cinquenta mil) liras para cada dependente estão defasadas, pois “estabelecidas em anos distantes, não estando mais atualizadas, sendo ‘meramente simbólicas, o que é impróprio para a discriminação efetiva entre as várias categorias de contribuintes, com ou sem responsabilidades familiares’”.117

A Corte Constitucional italiana não acolheu a inconstitucionalidade da dedução, por entender que as deduções não têm como objetivo principal a proteção do mínimo existencial. A isenção abrange um conjunto de pessoas que merecem tal proteção, por força da sua renda apenas ser suficiente para o atendimento das necessidades mínimas; por outro lado, as deduções contemplam todos os contribuintes, inseridos ou não na faixa de isenção, de modo que o seu valor está sujeito a uma avaliação discricionária do legislador, que o faz de acordo com a possibilidade financeira do Estado, não podendo a Corte ingressar na discussão de sua quantificação:

Disso resulta que a dedução de 50 mil por dependente, bem como a dedução fixa de 240 mil, constitui uma redução fiscal destinada exclusivamente a afectar o montante do rendimento tributável, de modo que, em virtude da sua legitimidade constitucional é suficiente que em respeito ao princípio da igualdade esse seja concedido, como de fato foi, a todos os contribuintes que se encontrem nas mesmas condições. Nem a Corte pode definir a medida: a determinação disso vem de uma avaliação abrangente da situação econômica do país, das necessidades dos gastos públicos e do impacto que essas finanças do estado podem produzir com a concessão de maiores deduções, ou seja, uma avaliação discricionária confiada à competência e responsabilidade do legislador.118

Sobreleva grifar que o Tribunal tem o cuidado de diferenciar este tipo de dedução com a proteção do mínimo existencial, de modo que a avaliação legislativa para a quantificação da dedução tem um espaço de conformação mais elástico. Outrossim, novamente a Corte italiana, a exemplo da Corte Constitucional alemã (Julgados BVerfGE, 25/09/1992 – 2 BvL 5/91 e BverfGE 125, 175), reconhece que a definição desse valor integra a esfera de competência do legislativo, não podendo o Poder Judiciário usurpar tal competência, mas informa que a metodologia adotada para a mensuração da dedução deve levar em consideração a situação econômica do país, o montante dos gastos públicos e o impacto orçamentário da medida, o que aponta para a estreita relação do Direito Tributário com o Direito Financeiro.

 Moçambique

O IVA em Moçambique está regulamentado pela Lei 32 de 31 de dezembro de 2007 e possui uma taxa única119 de 17% (dezessete por cento), que incide sobre bens e serviços.120

A referida legislação em seu art. 9º apresenta um rol de bens e serviços isentos do pagamento dessa exação, dentre os quais podemos elencar, por guardarem relação com a proteção do mínimo existencial: as prestações de serviços médicos e sanitários, e os conexos, prestados por estabelecimentos hospitalares, clínicas, dispensários e similares, cadeiras de rodas para portadores de necessidades especiais, bem como material de prótese ou qualquer outra compensação que tenha como fim substituir parte do membro ou órgão humano e aqueles destinados aos deficientes auditivos e visuais; as transmissões de órgãos, sangue e leite humano, transporte das pessoas feridas e doentes em ambulâncias ou qualquer outro veículo apropriado para tal fim, desde que realizados por organismos devidamente autorizados, as transmissões de medicamentos e especialidades farmacêuticas, com a finalidade exclusivamente terapêutica e profilática e demais substâncias para uso higiênico, medicinal ou cirúrgico, a transmissão de preservativos.

A aludida legislação também contempla isenções que têm como objetivo tutelar a educação, direito social que, conforme tratamos, também faz parte do mínimo existencial. Neste sentido, o art. 9º. 3, isenta as prestações de serviços que tenham como escopo o ensino e as transmissões de bens e oferta de serviços que guardem conexão, prestados por estabelecimentos públicos ou particulares, integrantes do Sistema Nacional de Ensino moçambicano; a prestação de serviços de formação profissionalizante e bens e serviços conexos com tal finalidade e a prestação de serviços consistentes em lições ministradas a título pessoal, referentes a matérias escolares ou de nível superior.

Outro direito social a receber igual proteção foi o direito à moradia que, no art. 9º. 3, “a”, da Lei 32 de 31 de dezembro de 2007, conferiu o direito à isenção do IVA em relação à locação de imóveis destinados para fins de habitação.

Com relação à alimentação, a mencionada legislação, ainda no art. 9º. 10, isentou as transmissões de farinha de milho, pão, sal iodado, arroz, leite em pó para lactantes até um ano, trigo e farinha de trigo, tomate fresco ou refrigerado, batata, cebola e carapau congelado121.

Em relação ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRPS) é regulamentado pelo Decreto 20 de 30 de julho de 2002, com substanciais alterações promovidas pela Lei 20 de 23 de setembro de 2013.122 Dentre as modificações destacamos, por interessar ao presente estudo, a promovida quanto ao mínimo não tributável, que passou com a reforma a não mais estar atrelado ao salário-mínimo, sendo, a partir da Lei 20/2013, um valor fixo.

Antes da alteração, o valor do mínimo não tributável era de 36 (trinta e seis) salários-mínimos mais elevado. A expressão “mais elevado”, utilizada pelo Decreto 20/2002 até o ano de 2013, decorre do fato de em Moçambique existirem diversos salários-mínimos, variando de acordo com a região do país, sendo considerado o de maior valor para o cálculo do mínimo existencial.

Com essa modificação, o valor deixou de variar com o salário-mínimo para ser fixo, conforme dispõe o art. 56 da Lei 20/2013, no montante de 225.000,00 MT123 (duzentos e vinte e cinco mil metical moçambicano) ao ano, a partir do qual é tributado.124 Em valores nominais, após a conversão da moeda metical moçambicano, para o real, constatamos que o mínimo protegido da tributação do IR em Moçambique é bem menor do que aquele estabelecido pelo Brasil, e isso se explica pela diferença econômica e social existente entre os dois países.

Ocorre, porém, que se levarmos em consideração que até o ano de 2013 o mínimo não tributável em Moçambique era de 36 (trinta e seis) salários-mínimos/ano, o que equivale a 03 (três) salários-mínimos por mês, concluímos que em comparação ao Brasil a proteção do mínimo era mais adequada em Moçambique, pois hoje a faixa de isenção do IR nacional é um pouco superior ao equivalente a 02 (dois) salários-mínimos.

Peru

Na Constituição peruana, a intributabilidade do mínimo existencial não recebeu menção expressa em seu texto, tampouco o princípio da capacidade contributiva. Isso, no entanto, não impediu o reconhecimento desses institutos por sua Corte Constitucional.

Em relação ao mínimo existencial o Tribunal Constitucional peruano no Julgado 0646-1996-AA/TC, ao tratar do imposto mínimo sobre a renda, firmou entendimento que este estava a incidir em situação não reveladora de capacidade contributiva. Colaciona-se fração do julgado:

[…] um limite a que se encontra submetido o exercício do poder de tributar do Estado, conforme o art. 74 da Constituição, é o respeito aos direitos fundamentais, que no caso dos autos foi observado, já que: a) em matéria de imposto de renda, o legislador se encontra obrigado a estabelecer o fato imponível, a respeitar e garantir a intangibilidade do capital, o que não ocorre se o imposto absorve uma parte substancial da renda, que potencialmente houver decorrido de uma exploração racional da fonte de produção da renda, ou se afeta a própria fonte produtora de renda, em qualquer montante; b) o imposto não pode ter como elemento base de imposição uma circunstância que não seja reveladora de capacidade econômica ou contributiva, que no caso do imposto de renda o mínimo necessário à sobrevivência não seja respeitado.125

Assim, a despeito da inexistência de consagração expressa do princípio da capacidade contributiva e da imunidade do mínimo existencial, a Corte peruana reconheceu a inconstitucionalidade da incidência de exação que vulnera o capital, suprimindo parte substancial da renda. Consigna, ademais, a impossibilidade da incidência de tributo sobre uma base que não revela capacidade econômica, vale dizer, não se pode tributar aquilo que não é signo de riqueza ou renda.

Os articulistas peruanos Rojas e Villaverde, ao relacionarem o mínimo existencial à capacidade contributiva, quanto ao seu aspecto subjetivo, apontam para a necessidade de se avaliar o custo de vida de determinada região, o seu grau de desenvolvimento e a cesta de serviços prestada pelo Estado, com o escopo de parametrizar o mínimo existencial.126

A Corte Constitucional peruana, no Julgado 02273-2005-PHC/TC, vinculou a dignidade da pessoa humana ao mínimo vital e consignou a possibilidade de se socorrer ao Poder Judiciário contra as múltiplas formas de violação desse princípio e direito fundamental:

A dignidade humana constitui tanto um princípio como um direito fundamental; tanto o princípio atua sobre o processo de aplicação e execução das normas por parte dos operadores constitucionais, como o direito fundamental se constitui em um âmbito de tutela e proteção autônomo, possibilitando aos indivíduos a legitimidade para exigir a intervenção dos órgãos jurisdicionais para sua proteção em face das diversas formas de afetação da dignidade humana.127

A violação do mínimo existencial é, sem dúvida, uma das formas de violação da dignidade da pessoa humana. Merece, deste modo, especial proteção de todos os Poderes e gerando um direito subjetivo, tal como reconhecido pela Corte Constitucional peruana, para que o cidadão se valha dos meios judiciais existentes a fim de evitar ou reparar lesão ao patrimônio mínimo necessário a uma existência digna.

 Portugal

A Constituição Portuguesa traz, de forma expressa, a necessidade de proteção do mínimo existencial da tributação, ao dispor em seu art. 104.1 que “o imposto sobre o rendimento visa à diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar”.128 Nesse sentido, o referido dispositivo determina que o sistema tributário deve levar em conta as necessidades do agregado familiar, o que aponta para uma não tributação desse mínimo existencial.

Outrossim, o mesmo dispositivo condiciona a edificação de um sistema tributário que não deve estar preocupado apenas com a arrecadação, mas que tenha o condão de ser instrumento capaz de reduzir a desigualdade social. Conforme tivemos a oportunidade de tratar, a redução das desigualdades sociais é um dos objetivos da República Federativa do Brasil.

A legislação tributária portuguesa conta com o IVA, que incide de forma objetiva nas transmissões de bens e prestações de serviços efetuadas no território daquele país, a título oneroso, nas importações de bens e nas operações intracomunitárias no território português.129 A referida espécie tributária é correspondente ao ICMS, IPI, PIS, e COFINS na nossa legislação nacional, e traz um rol de serviços, em sua legislação, isentos de sua incidência.

No art. 9º há uma lista extensa de situações isentas da referida exação, dentre as quais estão elencadas, por entender que o são pela necessidade de observância da proteção do mínimo existencial, as operações internas de prestação de serviços efetuados por médicos, dentistas, parteiros, enfermeiros e demais profissões paramédicas, nos termos do seu item 1. Conforme já abordado, o direito à saúde integra o mínimo existencial, cabendo ao Estado tutelar por ação positiva, prestacional, bem como de forma negativa, por força de um dever de não intervenção.

Neste mesmo sentido, as prestações de serviços médicos e sanitários, e as operações conexas efetuadas por hospitais, clínicas e similares também estão isentos do pagamento da exação, assim como os serviços efetuados no exercício da atividade de protéticos dentários, as transmissões de órgãos, sangue, leite humano, transporte de doentes e feridos em ambulâncias ou outros veículos apropriados para tal fim, o serviço público de remoção de lixos, nos termos dos itens 2, 3, 4, 5 e 25, do referenciado dispositivo. Produtos farmacêuticos não integram o rol de isenção, mas constam no grupo daqueles aos quais a legislação dispensou tratamento especial com uma alíquota reduzida de 4% (quatro por cento).

O parâmetro do mínimo existencial, conforme tratado, também abarca moradia, cultura, lazer e educação. Destarte, as isenções da lei portuguesa em comento que se relacionam com esses direitos sociais constam nos itens 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 19 e 35 do art. 9º.

O item 7 trata dos serviços e transmissões de bens que lhe guardam estreita conexão, efetuados por creches, jardins de infância, centros de atividade de tempos livres, estabelecimentos para crianças e jovens deficientes, centros de reabilitação de inválidos, lares de idosos, locais de convívio para idosos, colônias de férias, albergues de juventude e demais equipamentos sociais que sejam pertencentes a pessoas jurídicas de direito público ou instituições particulares de solidariedade social ou cuja utilidade seja reconhecida pela autoridade competente.

Não há dúvidas de que a cobrança de exações sobre esses serviços e bens relacionados ofende o mínimo existencial, pois eles estão voltados exatamente ao atendimento de direitos sociais imprescindíveis a uma existência digna.

O item 8 trata de atividades artísticas, desportivas, recreativas e de educação física, tendo tal isenção o nítido escopo de proteger da tributação a cultura, o lazer e a educação. Esse último direito social também foi tutelado com as isenções constantes nos itens 9 e 10, em relação aos serviços que tenham como objeto o ensino e a formação profissional, bem como o fornecimento de alojamento e alimentação conexos aos referidos serviços prestados pelos estabelecimentos de ensino integrantes do Sistema Nacional de Educação.

A educação e a cultura são novamente protegidas da tributação nos itens 11 e 12 que isentaram a prestação de serviços consistentes em lições ministradas a título pessoal referente a matérias do ensino escolar ou superior e a locação de livros e outras publicações, partituras musicais, discos, bandas magnéticas e demais suportes de cultura prestados por organismos sem fins lucrativos.

A legislação portuguesa também isenta as prestações de serviços que proporcionarem a visita a bibliotecas, arquivos, museus, galerias de arte, castelos, palácios, monumentos, parques, perímetros florestais, jardins botânicos, zoológicos e similares que pertençam a pessoas jurídicas de direito público ou organizações sem fins lucrativos, art. 9º, 13, em clara proteção ao fomento a cultura e educação.

Ainda em relação à proteção a cultura e educação encontramos as isenções elencadas nos itens 14 (congressos, colóquios, conferências, seminários, cursos e manifestações análogas de natureza científica, cultural, educativa ou técnica); o 15 (serviços efetuados por atores, chefes de orquestra, músicos e outros artistas, para a execução de espetáculos teatrais, cinematográficos, coreográficos, musicais, music-hall, circo e outros, para a realização de filmes, e a edição de discos e outros suportes de som e imagem) e o 35 (prestações de serviços por organizações sem fins lucrativos de bandas de música, teatro, ensino de balé e de música).

Em relação aos produtos alimentares, a legislação portuguesa dispensa tratamento especial ao incluir alguns deles em uma faixa intermediária de tributação, com alíquotas de 13% (treze por cento) e outros submetidos a uma alíquota reduzida de 6% (seis por cento). Outrossim, no item 36 os serviços de alimentação e bebidas fornecidos pelas entidades patronais aos seus empregados estão isentos do IVA.

Em relação ao Imposto Sobre Rendimentos Singulares, o equivalente ao IRPF no Brasil, é tratado em Portugal pelo Código do respectivo imposto que foi republicado pela Lei 82-E de 31 de dezembro de 2014.

O art. 68, inserido no capítulo III, do referido diploma legislativo, dispõe sobre as “taxas”, que denominamos alíquotas, a incidir sobre o rendimento tributável, chamados de rendimentos coletáveis. O dispositivo apresenta uma tabela com cinco faixas de percentuais, os quais vão de 14,5% (catorze vírgula cinco por cento) para rendimentos de até € 7.035 (sete mil e trinta e cinco euros) até o percentual de 48% (quarenta e oito por cento) para rendimentos superiores a € 80.000 (oitenta mil euros).

Quanto à proteção do mínimo existencial, o art. 70, com a denominação “mínimo de existência”, consignou a seguinte redação, que oportunamente é colacionada de forma integral:

Artigo 70.º (Mínimo de existência) 1 - Da aplicação das taxas estabelecidas no artigo 68.º não pode resultar, para os titulares de rendimentos predominantemente originados em trabalho dependente ou em pensões, a disponibilidade de um rendimento líquido de imposto inferior a (euro) 8.500. 2 – Não são aplicadas as taxas estabelecidas no artigo 68.º: a) Ao rendimento coletável do agregado familiar com três ou quatro dependentes cujo montante seja igual ou inferior a (euro) 11. 320; b) Ao rendimento coletável do agregado familiar com cinco ou mais dependentes cujo montante seja igual ou inferior a (euro) 15. 560. 3 – Nos casados e unidos de facto, caso não optem pela tributação conjunta, os valores referidos no número anterior são reduzidos para metade, por sujeito passivo.130

Inicialmente destaca-se o cuidado do legislador em assegurar, ao cidadão que obtém recursos predominantemente do trabalho ou de pensões, o rendimento líquido não inferior a € 8.500 (oito mil e quinhentos euros) por ano, o que resulta em um rendimento líquido mensal de € 708 (setecentos e oito euros). Outro ponto digno de destaque é o cuidado de se estabelecer tratamento diferenciado para núcleos familiares, levando-se em consideração o número de dependentes. Ao agregado familiar com três ou quatro dependentes não incide a referida exação quando o rendimento for inferior a € 11.320 (onze mil trezentos e vinte euros) por ano, e quando tiver cinco ou mais dependentes o teto de não incidência da exação sobe para € 15.560 (quinze mil quinhentos e sessenta euros) por ano.

Em Portugal encontra-se uma exação equivalente ao IPTU no Brasil com a denominação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI). A referida exação deve ser paga todos os anos pelos proprietários de imóveis rústicos e urbanos.

O proprietário de imóvel que aufira rendimentos anuais inferiores a € 15.295 (quinze mil duzentos e noventa e cinco euros), conforme legislação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), tem direito à isenção no ano de 2016, que será aplicada no ano seguinte, desde que o imóvel não seja avaliado em um valor superior a € 66.500 (sessenta e seis mil quinhetos euros), o equivalente a R$ 232.501,32 (duzentos e trinta e dois mil quinhentos e um reais e trinta e dois centavos).

A forma que Portugal encontrou para proteger as camadas sociais menos favorecidas, em relação à exação que incide anualmente sobre a propriedade, não foi a mesma adotada no Brasil. Enquanto diversas legislações municipais brasileiras estabeleceram uma proteção do mínimo existencial, em relação ao IPTU, considerando apenas o valor do imóvel, Portugal considerou, além do valor do imóvel, a renda auferida pelo cidadão e respectivo agregado familiar.

Cumpre registrar que a renda do agregado familiar considerada é a do ano anterior, levando-se em consideração a declaração do IR daquele ano. Tal isenção passa a ser automática, não havendo a necessidade de provocação por parte do contribuinte, cabendo ao fisco daquele país o cruzamento dos dados relativos ao valor da avaliação do imóvel com a declaração do exercício anterior para se apurar se o contribuinte faz jus à respectiva isenção.

Nesse aspecto, é importante registrar que mesmo aquele agregado familiar que não cumpra os requisitos para a isenção tem o direito a deduções considerando o número de dependentes. Por exemplo, a partir do ano de 2017 as famílias que possuírem um filho têm direito a uma dedução fixa de € 20 (vinte euros) do valor a pagar de IMI, dedução essa que passa a ser de € 40 (quarenta euros) para dois filhos e € 70 (setenta euros) quando da existência de três ou mais filhos.

Em relação à tributação sobre o patrimônio, a Constituição Portuguesa, em seu art. 104.3, consigna que “a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos”. Essa previsão aponta também para uma tributação que, a despeito de objetivar recursos para a manutenção do Estado, deverá ser graduado de acordo com a capacidade de cada um, a fim de que essa igualdade material seja alcançada.

Em relação à tributação sobre a base de consumo, o mesmo art. 104 dispõe que “a tributação do consumo visa adaptar a estrutura do consumo à evolução das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social, devendo onerar os consumos de luxo”.

A despeito disso, Nabais alerta que modificações recentes no seu sistema fiscal têm emprestado um acento regressivo à carga tributária portuguesa, com um aumento exponencial do Imposto de Renda das Pessoas Singulares para 48% (quarenta e oito por cento) e uma redução considerável do valor máximo admitido de dedução de despesas com a saúde, educação e habitação.131 Em relação a essas deduções, registra o autor que chegaram a deixar de existir para rendimentos superiores a € 80.000 (oitenta mil euros) para em seguida, por força da reforma do Imposto de Renda das Pessoas Singulares, em 2015, retornar com o limite de € 1.000 (mil euros) para esta faixa de renda.132

O Tribunal Constitucional de Portugal, por sua vez, no Acórdão 509/2002133 analisou a constitucionalidade do Decreto da Assembleia da República 18/IX, especificamente em relação ao seu art. 4º.1, que substituiu o art. 4º.1, da Lei 19-A/96. A norma objeto de análise de constitucionalidade passou a garantir a titularidade do direito à prestação de rendimento mínimo apenas aos indivíduos com idade igual ou superior a 25 (vinte e cinco) anos, quando pelo antigo diploma legislativo era reconhecido o direito à sua titularidade aos indivíduos com idade igual ou superior a 18 (dezoito) anos.

Ao analisar se a restrição objetiva da titularidade do direito ao mínimo existencial é constitucional, o Tribunal Constitucional português, com fundamento no princípio constitucional de proibição de retrocesso das prestações reconhecidas pelo Estado, pronunciou-se pela inconstitucionalidade da referida norma.

Em um dos trechos da citada decisão a Corte portuguesa reconhece a discricionaridade do legislador para a escolha de instrumentos adequados à garantia do mínimo existencial, mas condiciona o exercício desta discricionaridade, ao dispor que o caminho por ele escolhido para a sua garantia deve assegurar mínima eficácia jurídica a todos os casos, não deixando ninguém de fora deste cobertor de proteção.

Suíça

A Constituição Federal da Confederação suíça, de 18 de abril de 1999, omite-se quanto à intributabilidade do mínimo existencial, mas, assim como a brasileira, também dispõe expressamente, em seu art. 127.2, acerca do princípio da capacidade contributiva:

Art.127. Princípios da tributação […]

2. Para isto, devem ser observados os princípios da universalidade e uniformidade da tributação, bem como o princípio da tributação segundo a capacidade econômica, na medida em que o tipo de imposto assim permitir.134

A Lei Maior suíça, no seu art. 29.3, em homenagem ao mínimo existencial, também garante assistência judiciária gratuita e advogado sem ônus a todos aqueles que não disponham de recursos.

A doutrina suíça, para se referir ao mínimo existencial, utiliza-se da expressão kleinen Sozialreche, traduzida para o português como “direitos sociais mínimos”.135

Nesse país há um mínimo existencial regionalizado em relação ao imposto sobre a renda. Cada cantão tem um valor distinto de mínimo existencial para fins de incidência do IR, considerando o custo de vida daquela região.136

A Suíça é constituída de 26 (vinte e seis) cantões, que são membros federativos com a autonomia limitada apenas por aquilo que é da competência da Confederação Suíça. Gysin, citado por Zilveti, exemplifica o mínimo existencial regionalizado comparando os cantões de Genebra e Zurique:

[...] no cantão de Genebra, a tabela mínima de isenção, na apuração de rendimentos anual, é de 10.383 francos, 20.662 francos para o casal, além da possibilidade de dedução de 2.600 francos para os filhos e igual valor para os dependentes; no cantão de Zurique o valor cai para 5.000 francos por pessoa, 10.000 para o casal, além de 5.300 francos para os filhos e 2.400 francos para dependentes e 3.200 francos para os idosos.137

Desta forma, há um respeito às desigualdades regionais, bem como se estabelece um núcleo de proteção adequado para o indivíduo e sua família, não tratando igualmente situações distintas, em razão do maior desenvolvimento econômico de determinadas regiões e o impacto no custo de vida de sua população.

 Uruguai

A Lei 18.083, de 27 de dezembro de 2006, vigente desde julho de 2007, derrogou, modificou e criou diversas normas do sistema tributário uruguaio, instituindo um novo sistema de IR. Especificamente no art. 19138, ao tratar da renda nata (líquida), o legislador fez constar de forma expressa que ela é resultado da subtração de todos os gastos necessários para a sua obtenção e manutenção.

Este conceito de renda norteia o âmbito de incidência do IR, de modo a concluir que o critério material desta exação ocorre com o cotejamento da receita e despesa obtidas em determinado período. Evidentemente, quando se fala em despesas necessárias, em relação às pessoas físicas, deve-se ler como aquelas imprescindíveis para a manutenção de uma vida digna, integrantes do núcleo denominado mínimo existencial.

Os uruguaios Helguera e Montero lecionam que esse mínimo existencial “depende do conceito que cada sociedade tenha sobre quais são as necessidades básicas que devem ser satisfeitas por uma pessoa para gozar de um nível de vida aceitável [...]”139. No Uruguai há um valor mínimo sobre o qual não incide IR, a exemplo do Brasil. Esse valor no ano de 2016 foi de $ 23.380 (vinte e três mil trezentos e oitenta pesos uruguaios) mensal, o equivalente ao valor anual de $ 280.560 (duzentos e oitenta mil quinhentos e sessenta pesos uruguaios).140

Considerando que o peso uruguaio tem uma cotação em relação ao real de aproximadamente $ 8,5 (oito e meio pesos uruguaios) para R$ 1,0 (um real)141, o mínimo existencial considerado para fins de não tributação do IR naquele país é de R$ 2.750,00 (dois mil setecentos e cinquenta reais) mensal. Esse valor supera a faixa de isenção do IR no Brasil, que, em 2015, ano-base para a declaração do IR de 2016, estava em R$ 2.343,65 (dois mil duzentos e quarenta e três reais e sessenta e cinco centavos).

Contudo, a faixa de isenção hoje estabelecida pelo Uruguai é inferior à sugerida pelos técnicos do Fundo Monetário Internacional (FMI) no ano de 2002, que já naquela época haviam aconselhado um mínimo isento do IR no valor de $26.880 (vinte e seis mil oitocentos e oitenta pesos) uruguaios.142

Dito de outra forma, o valor mínimo sugerido pelo FMI no ano de 2002 é superior ao praticado no Uruguai 14 (quatorze) anos depois e, por sua vez, superior ao estabelecido no Brasil. Utilizando a cotação acima chegamos ao valor sugerido pelo FMI, em reais, de R$ 3.162,35 (três mil cento e sessenta e dois reais e trinta e cinco centavos), no ano de 2002, contra os R$ 2.343,65 (dois mil trezentos e quarenta e três reais e sessenta e cinco centavos) hoje previstos na nossa legislação.

Superando a faixa de isenção, o IR uruguaio recai sobre as rendas de capital com um percentual que oscila de 3% (três por cento) até 12% (doze por cento), enquanto que as rendas do trabalho têm alíquotas que variam de 10% (dez por cento) até 36% (trinta e seis por cento).143 Neste particular verificamos que o tratamento distinto para a renda de capital e renda do trabalho, mais privilegiado para o primeiro, não se distingue do tratamento dispensado pela legislação brasileira, o que reforça um quadro global de regressividade dos sistemas tributários, tão bem tratado por Thomas Piketty144.

Quanto às despesas que admitem dedução para fins de IR, no Uruguai, elas são consideradas em percentual a incidir sobre o montante do imposto a pagar e não na base de cálculo. No entanto, a exemplo do Brasil, não tem se mostrado adequada para a proteção do mínimo existencial ao definir um limite de 10% (dez por cento).

Destarte, para aqueles contribuintes que fazem parte das camadas de 10% (dez por cento) e 15% ( quinze por cento) do IR – as duas primeiras depois da de isenção – o percentual de despesas passíveis de dedução é de 10% (dez por cento); para os contribuintes que se encontram com a faixa de renda a figurar nas demais camadas superiores o percentual de dedução é reduzido a 8% (oito por cento).

O mecanismo adotado não é o mais adequado para a proteção do mínimo existencial, mas permite o dobro do valor da dedução que é normalmente conferido aos dependentes, se eles forem declarados incapazes ou sofrerem de incapacidade grave. O tratamento diferenciado se justifica pela condição dos dependentes que têm o rol de necessidades básicas ampliado, o que denota o reconhecimento legislativo de que o mínimo existencial não é uma figura estanque, devendo a sua quantificação amoldar-se às particularidades de determinada pessoa ou grupo de pessoas.

No plano jurisprudencial, a Suprema Corte de Justiça do Uruguai, no Processo de Inconstitucionalidade 124/2008, decidiu que o fato de uma parcela de pessoas integrantes de determinada categoria estarem excluídas do pagamento do IR, por figurarem no âmbito de proteção do mínimo existencial, não viola o princípio da igualdade em relação às demais pessoas integrantes da mesma categoria de aposentados que são chamadas a contribuir pois:

[...] não formam uma categoria única em termos de renda. Alguns (obviamente o mínimo) recebem somas muito elevadas e outros recebem montantes que não atendem às suas necessidades mais básicas e em que é razoável assumir que não têm capacidade para contribuir.145

A excelsa Corte uruguaia reconhece no princípio da capacidade contributiva um pressuposto para a instituição do tributo, de modo que o tratamento de distinção conferido pela lei para aposentados que recebam até determinada quantia, estando isentos do pagamento do IR, e aqueles que não se incluem nesta faixa de renda, têm uma fundamentação razoável – não arbitrária – que é a necessária proteção do mínimo existencial.

Diversos outros países podem ser objeto de estudo do mínimo existencial, mesmo aqueles sem grande expressão no cenário internacional oferecem contribuições relevantes para um olhar mais crítico da proteção do mínimo existencial no sistema brasileiro, a exemplo do Kuwait146 e de Liechtenstein147. Entretanto, a legislação e jurisprudência objeto deste estudo já nos permite apontar caminhos para uma melhor proteção do mínimo existencial no sistema jurídico nacional, emprestando um olhar inovador e crítico que podem ajudar a atenuar os efeitos da pandemia do novo coronavírus (COVID-19) para os mais pobres.

Sobre o autor
Alexandre Machado de Oliveira

Mestre em Direito Tributário, Financeiro e Econômico, pela Universidade Católica de Brasília. Juiz de Direito do Estado de Alagoas. Professor Universitário. Autor do livro "A Proteção do Minimo Existencial no Direito Tributário" 2ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019"

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Machado. Coronavírus (covid-19) e tributação.: A necessária proteção dos mais pobres em tempos de pandemia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6118, 1 abr. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/80622. Acesso em: 21 nov. 2024.

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