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A luta pelo reconhecimento, igualdade de gênero e direitos das mulheres pescadoras da Amazônia e a importância conclamativa do reverberar científico-acadêmico

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Agenda 01/11/2020 às 22:20

4. O reflexo da legislação brasileira em uma realidade prática Amazônica.

Os nossos estudos teóricos sobre as pescadoras não são o bastante para responder as necessárias indagações, por isso, precisou-se expandir esses estudos para além do conhecimentos de livros e leis, isto é, fez-se necessário um conhecer prático do reflexo positivado (escrito) no viver da pesca, sobretudo tendo como parâmetro uma realidade amazônica, que nos fornecesse subsídios para uma resposta mais concreta e próxima da realidade.

É indeclinável que quando atividade é a pesqueira, o Estado do Amazonas tem grande expressividade, não só no pescar como também no consumo de pescado, pois segundo o IBGE, o Estado do Amazonas, tem a maior proporção de consumo de pescado do Brasil[8]. Por isso, analisar uma realidade local nesse Estado é de grande valia para compreender melhor o processo pesqueiro na Amazônia.  Nesse proceder, elegemos como ponto de referência de comparação e parâmetro a Colônia dos Pescadores de Itacoatiara-Amazonas, conhecida como Z-13.

 Em entrevista realizada em março de 2020, com Irailton Vieira Nunes, presidente da Colônia dos Pescadores de Itacoatiara e também vereador do mesmo Município (com sede distante 269 km da Capital Manaus), pudemos verificar se a legislação tem atendido às necessidades da trabalhadora pescadora itacoatiarense.

Segundo o presidente, a Colônia tem atualmente três mil pescadores associados, sendo que apenas 30% por cento desse total são pescadoras e, no que se refere aos associados que recebem o seguro defeso, esse ano de 2020, são dois mil cento e cinquenta pescadores, sendo que 30% são pescadoras. Diante dessa informação quantitativa, pudemos constatar que há um conflito, pois segundo a ONU, do total de pescadores do Brasil cerca de 45% por cento são mulheres[9], e assim sendo, porque na colônia apenas 30% por cento são mulheres. Esses dados evidenciam que, de fato, muitas pescadoras não têm seus direitos reconhecidos e, nesse entender, indagamos ao presidente da colônia o porquê de um percentual tão baixo de pescadoras, ele nos informou que existem muitas mulheres que pescam, mas que não buscam seus direitos, por diversos motivos como falta de documentos, de interesse, etc.

 Mas será que essas mulheres não estão tendo dificuldade exatamente porque a legislação vigente como, por exemplo, a Lei do Seguro Defeso (Lei nº 10.779, de 25 de novembro de 2003) e a Lei que dispõe sobre a Política Nacional da Pesca e as atividades pesqueiras (Lei nº 11.959, de 29 de junho de 2009) são voltadas massivamente para os homens, sem mecanismo que incluam essas pescadoras. Será se não são necessários instrumentos de conscientização da própria sociedade que as pescadoras existem e merecem igualdade de direito.

Entendemos que essas indagações são pertinentes porque quando realizamos a entrevista com Irailton Nunes, tivemos acesso a situações que demonstram uma desinformação por parte da sociedade ou uma discriminação, como no caso em que ele nos relatou uma situação de uma pescadora que tomou banho, se arrumou como qualquer mulher e, quando foi sacar o seguro defeso no banco da Cidade, foi humilhada e constrangida por populares que diziam que ela não era pescadora, pois mulher pescadora não andava arrumada e bem perfumada, ou seja, para muitos a mulher pescadora tem que cheirar a peixe e está suja de escama.

Exemplos como esse são um reflexo do impacto das nossas leis machistas no campo da pesca, que não respeitam a peculiaridade “mulher” na atividade pesqueira, isto é, o direito de ser mulher, de ser arrumada, vaidosa, não exclui a trabalhadora pescadora, e exatamente para coibir essas atitudes bárbaras de discriminação fazem-se necessários instrumentos legais de combate à discriminação. Sem olvidar que não são raros os casos em que familiares da mulher pescadora têm maior dificuldade de conseguir benefícios como a pensão por morte, e como exemplo Nunes cita uma pescadora que foi morta por um jacaré (réptil crocodiliano encontrado nos rios e pântanos das Américas do Norte e do Sul), quando pescava, sendo que os familiares até hoje não conseguiram a pensão por morte, ou seja, o não reconhecimento ou subreconhecimento dessa pescadora é um claro exemplo no impacto social nocivo também causado nas famílias ribeirinhas da Amazônia. 

Contudo, o que exatamente as leis brasileiras referente as pescadoras deixam a desejar. Em resposta, numa leitura da legislação pátria acerca da pesca, pode-se constatar que não há seções direcionadas diretamente as mulheres, ou que as enalteçam ou respeitem suas necessidades, e essa falta de previsão que abarque a mulher pescadora dificulta ainda mais a vida dessa trabalhadora que, como já se expôs, tem passado por um processo cultural e histórico de negação de seu trabalho, e, exatamente por isso, precisa de uma lei mais incisiva no reconhecer de seus direitos, não bastando, como no caso do racismo, apenas  de uma postura não racista, mas também é preciso existir uma postura antirracista e inclusiva, em outras palavras, é necessário ter uma postura antissexista, no sentido de positivar que toda pescadora não poderá sofrer qualquer forma de discriminação, e não basta dizer que todo aquele que pesca é pescador, é preciso ser claro no sentido de afirmar que a mulher ainda que exerça a função de dona de casa, ou outras atividades acessórias para complementar a renda como costureira, como artesã ou agricultora, mas que tenha como a principal atividade de subsistência o pescar, é pescadora em igualdade de direito com o homem que pesca. Sendo que essa igualdade não pode ser apenas a que vemos hoje em dia em nossas leis referente a pesca, que trazem a igualdade formal como bandeira.

Entendemos, assim, que se faz necessária uma igualdade material no sentido de integrar a mulher pescadoras, isso porque algumas situações femininas devem ser trazidas à discussão, como por exemplo, as burocracias exigidas para se filiar: a mulher pescadora deve atender exatamente as mesmas exigências que um pescador homem precisa, isso quer dizer que, para um homem que trabalha na pesca seja reconhecido como pescador artesanal ele deve comprovar que somente pesca, ser dono dos materiais pesqueiros e, em alguns casos, ter testemunhas que atestem que ele pesca efetivamente.  

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Ora, para o homem é mais fácil ser dono dos instrumentos da pesca, já para as mulheres é mais complicado, pois, muitas vezes, elas pescam com os instrumentos do pai, do irmão ou mesmo do marido. Além disso, a mulher pescadora, como já explicitado, se ver, muitas vezes, obrigada, além de pescar, a costurar, por exemplo, para completar a renda e sustentar sua família. E no caso das testemunhas, já esclarecemos amiúde que a sociedade ainda não reconhece como deveria a mulher pescadora, muitos ainda veem a mulher como mera ajudante da pesca, sendo assim, a mulher pescadora tem mais dificuldade de conseguir testemunhas que confirmem a sua pesca, pois muitas pessoas entendem que essa mulher que pesca na verdade só está ajudando o pai, o irmão ou o marido.

Diante disso, nós podemos fazer uma alegoria com um ônibus normal, sem qualquer adaptação para cadeirante, se duas pessoas, uma cadeirante e outra não tem qualquer deficiência limitativa, possuem o mesmo direito garantido de pegar esse ônibus normal, o que veremos é que ao cadeirante foi lhe negado esse direito, pois ele é diferente, em igualdade formal ele é discriminado pois ele precisa de um ônibus adaptado. Isso ocorre com a mulher pescadora que necessita que seus direitos enquanto mulher que pesca sejam efetivamente respeitados pelas leis.

 Essa definição em uma lei é crucial para trazer a pescadora mais força e autoridade, porque a pescadora tem uma realidade diferente do pescador, ela tem uma maior necessidade de proteção devido ao processo histórico de sexismo que a tornou mais vulnerável a atitudes discriminatórios, pois o homem, que geralmente apenas pesca, não reconhece a pescadora como tal, negando sua participação, enquanto que a mulher, além do pescar efetivamente, cuida dos filhos, costura, faz artesanato e busca formas de completar a renda no intuito de sustentar seus filhos, mas a atividade principal é sempre a pesca.

Nesse rumo, é de relevância impar citarmos Goes (2008, p. 60) que, ao estudar algumas legislações acerca da pesca, assim se manifesta sobre a mais importante Lei que regulamenta o seguro defeso: “a condição de pescador apontada pela legislação é condicionada a documentos probatórios e a instituições que atestam a profissionalização deste. Sem estes, é difícil ter acesso a esse benefício e outros.”  Da mesma forma Brasil (2015) esclarecer questões importantes como quando as pescadoras buscam seus direitos junto às instituições ligadas ao setor primário, não raras vezes, elas encontram obstáculos burocráticos como, por exemplo, dificuldades mais onerosas para o seu ingresso nas colônias de pescadores ou para o acesso ao financiamento bancário.

 Das leituras dos autores citados logo acima, apreende-se que, para se ter os direitos é necessário o reconhecimento por entidades profissionais como a colônia de pescadores, ocorre que, como vimos, no caso da colônia dos pescadores de Itacoatiara, muitas pescadoras não são registradas na instituição apesar de pescarem, logo, muitas não vão ter acesso aos direitos. Sendo que, no caso dessa colônia itacoatiarense Z-13, usada como parâmetro, a sua instituição é legalmente formalizada desde 1975, mas as mulheres pescadoras apenas passaram a ter direito a se associar em 2008, e, mesmo hodiernamente, tem um percentual de apenas 30% por cento de mulheres do total de associados.

Isto é, enquanto as leis e os meios fiscalizatórios não forem mais incisivos no sentido integrar as mulheres pescadoras ao direito, muitas delas irão fatalmente ficar à margem desses direitos. Além disso, a lei deve contribuir para incluir a mulher pescadora numa realidade de poder e representação, combatendo a cultura machista de forma a integrar essa mulher na estrutura do poder, ou seja, assim como existe as cotas para negros (Lei n.12.990 de 2014), ou para uma quantidade X de mulheres na composição dos partidos políticos, conforme determina a Lei nº 9.504/1997 (Lei das Eleições), deveriam existir, nos órgão de representação da pesca, uma obrigatoriedade de percentual não inferior a 45% de mulheres tendo em vista que do total de pescadores 45% são mulheres.


5. Em que grau estamos: a luta por igualdade de gênero e direitos das mulheres pescadoras amazônicas e a importância conclamativa do reverberar científico-acadêmico.

Em linhas gerais, constata-se que as mulheres, sobretudo as ocidentais, a partir da instituição de organismo internacionais como a ONU e OMT, têm, aos poucos, diminuído as desigualdade entre mulheres e homens. Sendo que CRFB de 1988 tornou-se um exemplo mundial na igualdade e direitos das mulheres, pelo menos em tese, as mulheres encontrar-se-iam inseridas no progresso pátrio em igualdade com os homens, contudo, a prática não está efetivamente seguindo os ditames constitucionais, pois, não obstante a conquista de alguns direitos e avanços, ainda existe uma longa jornada a ser percorrida, isso porque, como já expusemos, o grau de empoderamento, visibilidade, luta e conquista de direitos não são homogêneos.

Isso significa que alguns grupos sociais têm mais acesso a informações de conscientização de seus direitos e do exercício desses direitos, bem como os caminhos para alcança-los. Outros grupos, na contramão, são mais frágeis e, muitas vezes, sucumbem as pressões internas e externas, ficando às margens do reconhecimento com pouca ou sem qualquer representação. O grupo social das pescadoras, mormente das pescadoras da Amazônia, são um desses grupos, sendo que, infelizmente, o que vemos ainda, tanto nas leis como nos anais acadêmicos é, conforme a pesquisa e o estudo de Soares (2012):

[...] não encontramos no Amazonas muitas pesquisas que tivessem por objeto de estudo as mulheres pescadoras. Pode-se perceber o quanto o próprio tema é invisível no estado. De fato, encontramos inúmeros trabalhos relacionados à pesca: Fraxe et al. (2007), Cruz (2007), Maia (2009), Raposo (2010), entre muitos outros, mas a maioria com o enfoque na figura do pescador, e não da pescadora. Tem-se uma dívida da academia para com as pescadoras, pois, com a omissão das pesquisas sobre o assunto, tem-se contribuído para a ocultação do trabalho feminino na pesca. (SOARES, 2012, p. 76).

Verifica-se até mesmo uma disparidade dentro da própria categoria das trabalhadoras, isto porque há inúmeros trabalhos acerca das trabalhadoras urbanas, como as trabalhadoras da indústria, mas essa disparidade não acaba aí, pois, as trabalhadoras camponesas (ou rurais), ainda gozam de uma maior atenção acadêmica do que as mulheres pescadoras Amazônicas, mesmo a Amazônia ocupando, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 49,3% do território do nosso País[10].

Sobre esse assunto, é importante citar Brasil (2015) que traz importantes informações, ele deixa claro alguns dos diversos prejuízo sofridos pelas pescadoras, isso em pleno século XXI, trazendo à tona importantes considerações de Siqueira (2006, p. 272-273) que constatou que “as mulheres, embora sejam parte significativa da economia regional e nacional, são afetadas por sistemas costumeiros e legais que tendem a favorecer o gênero masculino”.

Podemos verificar, que além das questões burocráticas, as mulheres pescadoras ainda enfrentam problemas mais sérios, pois tanto as leis infraconstitucionais como já mencionado, quanto a CRFB de 1988, marginalizam essas trabalhadoras de grande relevância para a sociedade e economia brasileira. E corroborando essa afirmação vale, além da leitura de Brasil (2015), também a leitura de Scherer (2013), como fica demonstrado com o trecho seguir transcrito da Dissertação de Brasil (2015):

Apesar de atuarem diretamente em uma das mais antigas atividades socioeconômicas que se conhece, as mulheres continuam no anonimato passando despercebidas pelas visões masculinas e das leis constituídas. A própria Constituição de 1988 em seu art. 195, parágrafo 8º, deixou de reconhecer o trabalho que as mulheres realizam na pesca, ao outorgar a profissão apenas para os homens (SCHERER, 2013), concedendo os direitos trabalhista e previdenciário somente para os que se encontravam devidamente vinculados a colônias, sindicatos ou cooperativas de pescadores. (BRASIL, 2015, p. 71)

Em nossas análises hodiernas das leis e da nossa própria Carta Magna, somos levados a concordar com os dois autores, pois, de fato, a nossa Constituição Cidadão ao prever os direitos trabalhistas e previdenciários somente para os que se encontravam devidamente vinculados a colônias, sindicatos ou cooperativas de pescadores, sem colocar na balança a burocracia machista que exclui as pescadoras, está cerceando direitos fundamentais, sendo assim, a nossa Constituição Federal está em contradição com suas próprias bases fundamentais, pois ela carrega consigo o poder-dever de observância a princípios como a dignidade da pessoa humana e a isonomia.

Nesse entender, negar os direitos das mulheres pescadoras brasileiras, amazônicas, por meio de uma aparente legalidade que se consubstancia em uma burocracia machista e excludente, constitui uma das piores facetas da discriminação e sexismo, pois é a faceta que veste uma capa de boas intenções quando, na verdade, constitui verdadeira negação da dignidade e a isonomia feminina da pesca.

 Podemos ainda explicitar que qualquer instituto ou definição seja claro ou velado que ceife direitos e favoreça a discriminação, seja na Constituição ou em legislação infraconstitucional, é viciado e deve ser refutado, combatido e amoldado à luz da essência fundante do estado democrático de direito, bem como dos mecanismo de proteção dos direitos humanos internacionais cujo nosso País é signatário. Nesse norte, a Constituição deve ser entendida como um verdadeiro Bloco de Constitucionalidade como definido por Louis Favoreu.[11], assim, nossa Constituição deve ser aperfeiçoada e promover a necessária ampliação dos direitos e garantias, amparando as arestas e contradições aparentes[12].

Nesse proceder, a CRFB de 1988 deve ser emendada ou interpretada no sentido de ampliação dos diretos das mulheres pescadoras do Brasil e da Amazônia, trazendo a deliberação as peculiaridades dessas mulheres tão dignas e merecedoras, sem esquecer que a igualdade, deve ser entendida como definido pelo jurista Rui Barbosa, no discurso escrito para os formandos da turma de 1920 da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, SP, intitulado “Oração aos Moços”, com trecho a seguir transcrito:

A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. (BARBOSA, Discurso Oração aos Moços, 1920).

Nesse sentir, as mulheres pescadoras encontram-se em desigualdade nos ditames da Constituição e devem ter sobre elas um olhar diferenciado sim no sentido de ampliar e resguardar seus direitos e nessa direção, podemos destacar Maneschy et al.(2012), que esclarece:

[...] em povoações litorâneas no Norte e no Nordeste do Brasil, as mulheres geralmente tecem redes, beneficiam o pescado, coletam mariscos e algas e pescam nas proximidades, atividades instáveis e descontínuas. Suas comunidades enfrentam, de ordinário, concorrência na ocupação das zonas costeiras, mais acirrada onde o turismo é mais intenso, poluição e impactos de eventos climáticos amplificados devido a desmatamentos e ocupações irregulares. Em suma, o quadro geral aponta que vulnerabilidades vêm se acentuando. (MANESCHY et al., 2012, p.724).

Além dos direitos associados à seguridade social brasileira, à previdência social, como o auxílio-maternidade, à aposentadoria e especialmente à Política do Seguro-Desemprego ao Pescador Artesanal (PSDPA), as mulheres pescadoras lutam atualmente também por outros direitos como os ligados à representatividade, sendo que na busca por essa imprescindível representação, associam-se junto a movimentos sociais e profissionais como os da Articulação Nacional das Pescadoras (ANP)[13], Conselho Pastoral dos Pescadores[14] e Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPPA)[15].

Ou seja, elas lutam também por maior reconhecimento junto à Política local, estadual e federal, pois somente a partir do reconhecimento de sua existência e importância, pelos detentores do poder, é que elas poderão ter maiores chances de materializar as suas bandeiras em direitos e políticas públicas que de fato impactem o fenômeno social do viver da pesca para essas trabalhadores. Sendo que os movimentos como os citados dão voz a elas, e nos dizeres de Brasil (2015, p. 72), “exerceram fortes pressões junto à classe política nacional.”

Também não podemos esquecer a importância irrefutável da academia seja no sentido de estudar esses fenômenos sociais, auxiliando no processo de visibilidade da existência de grupos e comunidades sociais, seja no sentido de informar e conscientizar esses grupos e comunidades, ampliando, assim, o empoderamento e luta, e, consequentemente, a pressão feitas nas classes políticas, no intuito de mais direitos e inclusão de todos os tipos sociais, mormente aqueles mais vulneráveis e marginalizados como é o caso das mulheres  pescadoras da Amazônia.

Contudo, infelizmente, a produção cientifica estudando e pesquisando as mulheres pescadoras, mormente as da Amazônia ainda é exígua e carece de mais entusiastas nessa área, de mais produção, a fim de diminuir um pouco a dívida acadêmica para com as mulheres pescadoras. Nesse assunto, é de relevante importância as percepções de Soares (2012), que assim se posiciona:

Tem-se uma dívida da academia para com as pescadoras, pois, com a omissão das pesquisas sobre o assunto, tem-se contribuído para a ocultação do trabalho feminino na pesca (SOARES, 2012, p. 76).

Diante dessa notória dívida acadêmica, é inquestionável, a contribuição dos estudo produzidos, empreendidos e elaborados por Soares (2012), Brasil (2015), Motta-maués (1999), Maneschy et al. (2012) e outros.  Sendo que acerca desse tema, podemos fazer observações além, e dizer que se nas ciências sociais como a sociologia, a assistência social, a antropologia, a história e a geografia, já existe uma dívida, imagine em outras ciências, como o Direito e a Economia, essa dívida passa a triplicar, pois os programas de graduação e pós-graduação em direito e economia, em pouquíssimas e raríssimas vezes tratam acerca de assuntos pesqueiros tradicionais sobre o enfoque da presença feminina na pesca.  

Acerca do assunto Souza et al. (2017) se engajou em uma expressiva pesquisa e análise crítica sobre uma temática que tem relação com o nosso tema, mas que não se confunde com nossos estudos, isso porque ela se debruçou em uma análise das produções bibliográficas acerca das relações de gênero no universo da pesca artesanal das mulheres pescadoras, logo, é assaz diferente de nossos esforços, que não consiste em estudar as produções bibliográficas, mas sim em analisar de forma crítica a luta pelo reconhecimento, igualdade de gênero e direitos das mulheres pescadoras da Amazônia.

Contudo Souza et al. (2017), é de valor inestimável para nossa pesquisa, pois corroboram nosso argumentar, isso porque, nos leva a ter a certeza que as ciências sociais, como a assistência social, a antropologia, a sociologia, a geografia e a história, são praticamente a totalidade das produções científicas acerca dos direitos das mulheres pescadoras da Amazônia. Sendo que, as devidas vênias, precisamos reverberar para além, conclamando novos cientistas e pesquisadores, sobretudo de outras áreas como o Direito. Pois cada ciência tem um papel especifico com esses fenômenos sociais que não pode ser suprido por outra ciência, isto é, o papel das ciências jurídicas no auxílio das mulheres pescadoras não pode ser realizado, por exemplo, pela sociologia ou assistência social.

Assim, fica nítido que muitos dos direitos das mulheres pescadoras ainda são fracos, justamente, e, também pela falta de maior expressividade jurídica para essa lutar, sendo que essa expressividade jurídica pode ser alcançada com mais facilidade a partir da academia do direito, ou seja, se mais estudantes e pesquisadores das ciências jurídicas se direcionarem para essa temática, teremos maior visibilidade jurídica para essa luta, e isso é de grande valia, pois o direito se dedica ao estudar das normas jurídicas, inclusive as do processo de elaboração das leis e políticas públicas que impactam diretamente não só nas pescadoras, mas em todos os setores da sociedade, até porque as ciências política andam na ilharga das ciências do direito.

Nosso objetivo é impoluto, em nenhum momento nega-se a relevância das ciências sociais, muito pelo contrário, o que argumentamos e defendemos é que as ciências se completam e não se excluem ou se substituem e, nesse pensar, deixamos ainda as reverberações para que outros colegas se empenhem nessa bandeira, contribuindo, assim, no processo de luta, visibilidade e reconhecimento de grupos e comunidades marginalizados como as mulheres pescadoras da Amazônia.

Sobre o autor
Samuel Moreira Soares

Acadêmico de Direito na Universidade do Estado do Amazonas – UEA. Servidor efetivo do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES, Samuel Moreira. A luta pelo reconhecimento, igualdade de gênero e direitos das mulheres pescadoras da Amazônia e a importância conclamativa do reverberar científico-acadêmico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6332, 1 nov. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/86443. Acesso em: 22 nov. 2024.

Mais informações

Orientadora: Jane Silva da Silveira, Advogada, Professora da Universidade do Estado do Amazonas – UEA e especialista em Direito Processual Civil.

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