4 – CONCLUSÃO
Foi objeto de estudo deste trabalho a Prisão em Flagrante de Roberto Ferreira Dias por suposto crime de Falso Testemunho durante audiência da CPI do Covid – 19, sob a presidência do Senador Omar Aziz.
A primeira constatação foi o vergonhoso emprego de terminologia totalmente inadequada por Senadores da República que teriam por obrigação o conhecimento das leis brasileiras, afirmando que Dias seria preso por suposto crime de “Perjúrio” (sic), simplesmente inexistente em nossa legislação.
Confrontou-se o conceito de “Perjúrio” com o crime de “Falso Testemunho”, demonstrando que, para além da impropriedade terminológica, o uso da expressão indicou uma espécie de “ato falho” dos Senadores que efetivamente prendiam alguém que não era testemunha e sim investigado. Portanto, praticavam uma prisão ilegal por “Perjúrio”, fato absolutamente atípico no Brasil, violando de quebra a ampla defesa, o direito ao silêncio e a não – autoincriminação.
No seguimento foram analisados os procedimentos adotados para a formalização da prisão, os quais são eivados de irregularidades tremendas, chegando mesmo a se poder reconhecer, mais que nulidades, verdadeiros atos jurídicos “inexistentes”, porque praticados por “autoridades” sem atribuição e com violação de formalidades essenciais.
Vislumbrou-se, assim, a prática de crimes de Abuso de Autoridade e o necessário relaxamento da prisão ilegal pelo Judiciário.
Não se constatou relevância na alegação de nulidade da prisão por violação do regimento interno, tendo em vista o funcionamento concomitante da CPI com a ordem do dia do plenário. Isso porque a matéria da prisão é de natureza penal e processual penal, não tendo relação, a não ser circunstancial, com o local e a situação de funcionamento do Congresso Nacional. Os equívocos formais da prisão são relevantes e apontam para sua “inexistência” jurídica. Mas, como visto, em alguns pontos, podem ser discutidos. Diferente é a conclusão pela ilegalidade e abusividade da prisão de alguém, seja quem for, por suposto “Perjúrio”, ou seja, de um investigado ou acusado que presta interrogatório e apenas é denominado formalmente como “testemunha” como uma artimanha para violar seus direitos e garantias. Essa é a questão fulcral que aponta para a plena ilegalidade da prisão e a configuração inequívoca de Abuso de Autoridade pelos seus responsáveis, eis que claramente agiram de forma ardilosa e consciente, satisfazendo, inclusive, o dolo específico exigido pela Lei 13.869/19 (artigo 1º., § 1º.).
Em arremate toma-se a liberdade de citar novamente Julián Marias:
Os países que gozam de uma democracia efetiva têm o dever de cuidar dela, de mantê-la fiel a suas funções próprias, sem transbordar nem degenerar em opressão. E, diante do resto do mundo, devem compreender que não se trata de proclamar nominalmente a democracia, mas de estabelecer, se possível, as condições para sua existência. [65]
Infelizmente, não parece que nesse episódio se possa notar algum trabalho no nosso Congresso Nacional para que a democracia brasileira seja efetiva e não apenas nominal. Ao reverso, parece que houve uma prática pervertida de autoritarismo e abuso. Esperemos que no seguimento o Poder Judiciário possa tomar decisões corretas e justas, dando concreção aos fundamentos do que se pretende ser um chamado Estado Democrático de Direito.
5 – REFERÊNCIAS
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