Erigida em argumentos diversos, notadamente de excessos dos legitimados ativos (Ministério Público e pessoa jurídica lesada) e de interpretações judiciais conflitantes, as disposições da Lei Federal n. 14.230/2021 (Altera a Lei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, que dispõe sobre improbidade administrativa) trouxeram alterações substanciais a Lei Federal n. 8.429/1992 (Lei de Improbidade Administrativa - LIA).
Muitas foram as alterações de ordem material e adjetiva.
Neste artigo, de forma sucinta, a abordagem se dará sobre a indispensabilidade do elemento volitivo doloso para a configuração de quaisquer condutas tidas por ímprobas.
Antes, contudo, do enfrentamento do tema, anote-se que a Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), conhecida como Lei do Colarinho Branco, previa quatro modalidades de atos de improbidade administrativa: a) geradores de enriquecimento ilícito (art. 9º); b) causadores de prejuízo ao erário (art. 10); c) decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A); d) atentatórios contra os princípios da Administração Pública (art. 11).
Os atos ímprobos de gerem enriquecimento ilícito, causam prejuízos ao erário e vilipendiem princípios administrativos restaram mantidos pela Lei Federal n. 14.230/2021 com algumas alterações e inserções.
A concessão de aplicação ou manutenção de beneficio financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do artigo 8º-A da Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003, anteriormente previsto no artigo 10-A da Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), foi revogado pela Lei Federal n. 14.230/2021.
Referido ato de improbidade deixa de ter status de espécie de ato improbo, inserindo-se como uma das figuras configuradoras de ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário público, conforme disposição do inciso XXII do artigo 10 da Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), com as alterações introduzidas pela Lei Federal n. 14.230/2021.
As condutas ímprobas, em termos práticos, em nada restaram alteradas.
Alteração substancial se deu em relação a suas configurações.
Extirpando entendimento do Tribunal de Cidadania, a Lei de Improbidade Administrativa (Lei Federal n. 8.429/1992 LIA), com as alterações introduzidas pela Lei Federal n. 14.230/2021, exige para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa a presença do elemento volitivo doloso.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) apresentou, no âmbito das ações regidas pela Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), tese referente a responsabilidade objetiva do agente em ações de improbidade administrativa, consagrando a inadmissão de responsabilidade objetiva no âmbito das ações regidas pela Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), sacramentando ser indispensável a presença de dolo nos casos de enriquecimento ilícito (art. 9º) e dos atos maculadores de princípios administrativos (art. 11) e a presença de culpa grave nos casos de atos que causem prejuízos ao erário público (art. 10).
O entendimento, antes de qualquer alteração legislativa, era questionável.
Em artigo denominado Elemento volitivo doloso e improbidade administrativa (Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 26, n. 6523, 11 maio 2021. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/90424. Acesso em: 11 nov. 2021) já defendia (e continua-se defendendo) que não se há falar em improbidade administrativa culposa, sendo imprescindível a conduta dolosa do agente para a caracterização de qualquer ato improbo.
Todas as figuras ímprobas, preconizadas na Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA), exigem para a sua configuração um agir ou uma omissão do agente com o fim específico de produzir o resultado tido como improbo, assumindo, no mínimo o risco de produzi-lo.
O entendimento anteriormente exposto foram confirmados, conforme expressamente previsto nos §§ 2º e 3º do artigo 1º da Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA) em razão das inserções realizadas pela Lei Federal n. 14.230/2021:
Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.
§2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.
§3º O mero exercício da função ou desempenho de competências públicas, sem comprovação de ato doloso com fim ilícito, afasta a responsabilidade por ato de improbidade administrativa. (...). (Grifos e omissões nossos).
As normas legais em evidência são claras.
A configuração de qualquer ato de improbidade administrativa, em razão das alterações realizadas na Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA) pela Lei Federal n. 14.230/2021, somente restará caracterizada se o agente agir com dolo específico, ou seja, que sua conduta seja livre e consciente com fins de alcançar o resultado ilícito improbo.
Não basta, assim, a voluntariedade do agente para o cometimento de um ato de improbidade administrativa, sendo indispensável que a demonstração do ato doloso específico para fins de sancionamento do agente.
Aliás, esse era o entendimento do próprio Superior Tribunal de Justiça (STJ) que atesta que a conduta dolosa é indispensável para caracterização de qualquer proveito pessoal ilícito, lesão aos cofres públicos e ofensa aos princípios nucleares administrativos:
DIREITO SANCIONADOR. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELO MPF CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DO MINISTRO RELATOR QUE DEU PROVIMENTO A AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL DA PARTE DEMANDADA, PARA RESTABELECER PRIMEIRO ACÓRDÃO DO TJ/RJ, QUE ABSOLVEU O RÉU DAS ACUSAÇÕES EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ALEGADA CONDUTA ÍMPROBA. (...) 3. Reafirmação do entendimento do Relator de que toda e qualquer conduta, no afã de ser encapsulada como ímproba, exige, como elementar, o apontamento de prática dolosa, maleficente e especificamente dirigida ao enriquecimento ilícito, ao dano aos cofres públicos e à lesão da principiologia administrativa, não havendo falar-se em improbidade culposa. 4. Inegavelmente, conduta dolosa, proveito pessoal ilícito, lesão aos cofres públicos e ofensa aos princípios nucleares administrativos são as elementares da improbidade administrativa. A manifestação judicial que afaste quaisquer desses elementos resulta em ausência do tipo (AgInt no Resp. 922.526/SP, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 3.4.2019). 5. (...). A decisão agravada, que restabeleceu a absolvição, não merece reproche algum. 8. Agravo Interno do Órgão Acusador desprovido. (...). (STJ - AGINT NO ARESP 225.531/RJ - 1ªT - DJE 28/06/2019) (Original sem grifos e sem omissões).
Acertada, portanto, a alteração legislativa introduzida na Lei Federal n. 8.429/1992 (LIA) no sentido de que para a configuração de qualquer ato de improbidade administrativa se faz necessária a vontade livre e consciente (dolo) do agente para alcançar o resultado ilícito tipificado nos artigos 9º (geradores de enriquecimento ilícito), 10 (causadores de prejuízo ao erário) e 11 (maculadores de princípios administrativos) da LIA, não bastando a voluntariedade do agente.
Não se pode conceber a ideia de prática de um ato de improbidade sem querer: improbidade administrativa é designativo técnico de corrupção administrativa, ou seja, de qualquer ato contrário à honestidade, à boa-fé, à honradez, à correção de atitude.