3 - DOS DANOS MORAIS
3.1 - DA CONDENAÇÃO A INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS
A garantia da reparabilidade do dano moral, é absolutamente pacífica tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Tamanha é sua importância, que ganhou texto na Carta Magna, no rol do artigo 5º, incisos V e X, dos direitos e garantias fundamentais faz-se oportuna transcrição:
“Inciso V: é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.
“Inciso X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
A respeito do assunto, aplaudimos a lição doutrinária de Carlos Alberto Bittar, sendo o que se extrai da obra “Reparação Civil por Danos Morais”, 2ª ed., São Paulo – RJ, 1994, pág. 130:
“Na prática, cumpre demonstrar-se que pelo estado da pessoa, ou por desequilíbrio, em sua situação jurídica, moral, econômica, emocional ou outras, suportou ela conseqüências negativas, advindas do fato lesivo. A experiência tem mostrado, na realidade fática, que certos fenômenos atingem a personalidade humana, lesando os aspectos referidos, de sorte que a questão se reduz, no fundo, a simples prova do fato lesivo. Realmente, não se cogita, em verdade, pela melhor técnica, em prova de dó, ou aflição ou de constrangimento, porque são fenômenos ínsitos na alma humana como reações naturais a agressões do meio social. Dispensam pois comprovação, bastando no caso concreto, a demonstração do resultado lesivo e a conexão com o fato causador, para responsabilização do agente.
Nesse sentido, como assinalamos alhures, a) são patrimoniais os prejuízos de ordem econômica causados pela violação de bens materiais ou imateriais de seu acervo; b) pessoais, os danos relativos ao próprio ente em si, ou em suas manifestações sociais, como, por exemplo, as lesões ao corpo, ou parte do corpo (componentes físicos), ou ao psiquismo (componentes intrínsecos da personalidade), como a liberdade, a imagem, a intimidade; c) morais, os relativos a atributos valorativos, ou virtudes, da pessoa como ente social, ou seja, integrada à sociedade, vale dizer, dos elementos que a individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestações do intelecto.
Mas, atingem-se sempre direitos subjetivos ou interesses juridicamente relevantes, que à sociedade cabe preservar, para que possa alcançar os respectivos fins, e os seus componentes as metas postas como essenciais, nos planos individuais, familiar e social”.
Ab initio, quando o consumidor adquire um imóvel em construção, a construtora tem que estabelecer contratualmente um prazo para a entrega definitiva do mesmo. Havendo atraso na entrega e na liberação das chaves estará tendo o adquirente (consumidor) prejuízos financeiros e morais (emocionais).
Há que se lembrar que quando se compra um imóvel em construção, o consumidor passa a fazer planos para o uso do bem adquirido e isso envolve questões emocionais, planejamentos econômicos, etc. Qualquer descumprimento na data da entrega do bem, certamente trará ao comprador vários tipos de transtornos, que deverão ser suportados pela construtora vendedora.
Destarte, é fato incontroverso nos autos que os autores somente receberam as chaves do imóvel que adquiriram 11 (onze) meses após a data prevista em contrato.
Assim, configura-se, in casu, um atraso injustificado e além do razoável, que ultrapassa os limites de um mero aborrecimento cotidiano, configurando os danos morais.
Isso porque o grande atraso na entrega das chaves do imóvel adquirido pelos autores frustrou as suas expectativas de uso e propriedade. O descumprimento do contrato, de fato, ocasionou angústia, desgosto aos autores, a sensação de impotência e frustração aos autores, pois é notório que quem adquire o imóvel e efetua o pagamento regular das prestações, sente-se frustrado por não poder dispor do bem, sofrendo aflição psicológica, em razão do prolongado martírio de espera pela entrega do imóvel adquirido. Consequentemente, os danos extrapatrimoniais se fazem presentes.
Ressalte-se que, no caso, configuram-se danos morais decorrentes não do mero descumprimento do contrato, mas, sim, daquele que transborda os limites da razoabilidade, com atraso excessivo na entrega das chaves do imóvel, e mais, por motivos injustificáveis.
Dessa forma, a ré não pode repassar ao consumidor o risco da atividade que exerce, impondo aos autores que suportem os prejuízos pelo atraso na entrega do imóvel. O imóvel não foi entregue no prazo ajustado, tampouco na prorrogação contratual, o que resulta na responsabilização da ré pelo atraso na entrega do bem.
Sobre a existência de danos morais na hipótese de atraso na entrega do imóvel adquirido, segue o entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
Ementa: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - ATRASO DA ENTREGA DA UNIDADE IMOBILIÁRIA – MULTA - DANOS MORAIS - OCORRÊNCIA - CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO - AGRAVO RETIDO PROVIDO - APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA.
- O atraso demasiado ou incomum na entrega do imóvel ocasiona séria e fundada angústia no espírito dos adquirentes, que interfere no seu bem-estar, não se tratando de mero dissabor, ensejando, assim, indenização compensatória pelo abalo moral sofrido.
- Agravo retido provido e apelação parcialmente provida".
(TJMG. Apelação Cível 1.0024.11.258274-7/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Mariné da Cunha , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 23/01/2014, publicação da súmula em 04/02/2014).
Ementa: “APELAÇÃO - ATRASO INJUSTIFICADO NA ENTREGA DE IMÓVEL - CONSTRUTORA - DANO MATERIAL - RESSARCIMENTO DO VALOR CORRESPONDENTE AO ALUGUEL MENSAL DO IMÓVEL RESIDENCIAL ATÉ A ENTREGA DO BEM ADQUIRIDO - CABIMENTO - DANO MORAL - OCORRÊNCIA - VALOR DA INDENIZAÇÃO - REDUÇÃO - NÃO CABIMENTO - VALOR FIXADO EM MONTANTE MÓDICO CONSIDERADAS AS VARIÁVEIS DO CASO CONCRETO.
- Há dano moral se a construtora, de modo injustificado, atrasa, por longo período, a entrega de imóvel já quitado, impedindo o comprador de dele tomar posse na data aprazada.
- Não se há de reduzir o valor arbitrado para a indenização por danos morais se fixado ele em montante até mesmo módico diante das diversas variáveis do caso concreto".
(TJMG. Apelação Cível 1.0024.11.085882-6/001, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/09/2013, publicação da súmula em 01/10/2013).
Ementa: “APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO INDENIZATÓRIA - ATRASO ENTREGA IMÓVEL - FINANCIAMENTO - AUSÊNCIA DOCUMENTAÇÃO - ALUGUEIS - CABIMENTO - DANO MORAL - EXISTÊNCIA - MULTA CONTRATUAL - HIPÓTESE DIVERSA. Para que se tenha a obrigação de indenizar, é necessário que existam três elementos essenciais: a ofensa a uma norma preexistente ou um erro de conduta, um dano e o nexo de causalidade entre eles, conforme se verifica pelo art. 186 do Código Civil. Restando evidenciado nos autos que o atraso na entrega do imóvel se deu por culpa da construtora, que em virtude da ausência de documentação que impossibilitou a concretização do financiamento, tem o adquirente do bem direito ao ressarcimento das despesas com alugueis pagos no período da mora. O atraso na entrega das chaves do imóvel adquirido não pode ser considerado como mero dissabor, mas, sim efetivo abalo suscetível de indenização, notadamente diante da frustração do direito de moradia, bem como os transtornos oriundos do descumprimento do referido contrato. A indenização por dano moral deve ser fixada em observância aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, sendo suficiente para reparar dano, como se extrai do art. 944, caput do código civil, observando, ainda, a peculiaridade de cada caso, bem como ao grau de culpa e o porte econômico das partes. Tendo a obra sido concluída, desabe a incidência da multa contratual prevista em caso de mora nos casos que a entrega da unidade imobiliária se deu por ausência de concretização do financiamento.
(TJMG - Apelação Cível 1.0024.08.230133-4/003, Relator(a): Des.(a) Amorim Siqueira, 9ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 25/11/2014, publicação da súmula em 09/12/2014).
Impende registrar mais uma conduta negativa das rés, qual seja, quanto ao material de marketing do empreendimento (em anexo), como serviços de Lavanderia no condomínio, inclusive com posto de coleta de lavanderia; Arrumadora de apartamento; Profissional para efetuar pequenos reparos e manutenção nos apartamentos e na área externa do condomínio, dentre outros – item 2.5 da presente ação. Portanto, os mencionados serviços não foram disponibilizados, ensejando a publicidade enganosa, nos termos do art. 37, §1º do Código de Defesa do Consumidor.
Na exegese do ilustre jurista Rizzato Nunes, dano moral é "aquele que afeta a paz interior de cada um. Atinge o sentimento da pessoa, o decoro, o ego, a honra, enfim, tudo aquilo que não tem valor econômico, mas que lhe causa dor e sofrimento. É, pois, a dor física e/ou psicológica sentida pelo indivíduo". (NUNES, Luiz Antonio Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 307).
No Recurso Especial nº 8.768/SP, em acórdão da lavra do conspícuo Ministro Barros Monteiro, publicado na Revista do Superior Tribunal de Justiça nº 34, pág. 285, restou decidido que é perfeitamente possível a indenização do dano moral puro, em havendo perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, in verbis:
EMENTA: DANO MORAL PURO. CARACTERIZAÇÃO. Sobrevindo, em razão de ato ilícito, perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos de uma pessoa, configura-se o dano moral, passível de indenização. Recurso especial conhecido e provido. (grifos nossos).
Destarte, na lição do eminente jurista Caio Mário da Silva Pereira (REsp. Cível, RJ, 1980, pág. 338),
“...na reparação do dano moral estão conjugados dois motivos, ou duas concausas: I) punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima, posto que imaterial; II) pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é ‘pretium doloris’, porém o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho material...”
Desse modo, indubitável é a existência de danos morais a serem ressarcidos pelas rés, pois com os seus procedimentos negativos: (o atraso injustificado e excessivo na entrega dos imóveis e na liberação das chaves ao autor – 11 meses após o pactuado em contrato; a publicidade enganosa quanto aos serviços que seriam prestados aos condôminos e a falta da boa-fé contratual; afetou de forma significativa a tranquilidade dos autores, causando-lhe constrangimentos, danos à imagem, angústia, desgosto, sensação de impotência, transtornos e frustração aos autores.
Em relação ao caráter punitivo, Cianci (2007, p. 07), destaca que: “o aspecto punitivo, considerado aquele que tem em conta o sentido pedagógico da imposição, busca inibir o ofensor, evitando a reincidência”.
Enfim, quando se trata de reparação de dano moral como no caso em tela, nada obsta a ressaltar o fato de ser este, tema pacífico e consonante tanto sob o prisma legal, quanto sob o prisma doutrinário. Por conseguinte, mera relação de causa e efeito seria falar-se em pacificidade jurisprudencial. Faz-se patente, a fartura de decisões brilhantes em consonância com o pedido do autor, proferidas pelos mais ilustres julgadores em esfera nacional.
3.2 - DO VALOR DA CONDENAÇÃO A INDENIZAÇÃO PELOS DANOS MORAIS
No tocante ao quantum da indenização, é cediço que a fixação do dano moral tem caráter subjetivo, não havendo critérios pré-estabelecidos para o arbitramento do dano. Assim, cabe ao juiz, por seu prudente arbítrio e, tendo sempre em mente, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, estimar, no caso concreto, um valor justo a título de indenização.
Com efeito, a dificuldade na mensuração do valor do ressarcimento, exige que se analisem as peculiaridades do caso concreto, devendo sopesar especialmente as condições econômicas e sociais do ofensor, as circunstâncias do fato e a culpa dos envolvidos, a extensão do dano e seus efeitos, sem esquecer que a indenização deve ser suficiente para reparar o dano, não podendo importar em enriquecimento sem causa e que deve ter caráter pedagógico.
Conforme atual doutrina sobre o tema, Carlos Alberto Bittar acentua:
“A indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expresso, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido. Deve, pois, ser quantia economicamente significativa, em razão das potencialidades do patrimônio do lesante (in Reparação Civil por Danos Morais, Editora Revista dos Tribunais, 1993, p. 220)”.
Nesse mesmo sentido, Regina Beatriz Tavares da Silva afirma:
“Os dois critérios que devem ser utilizados para a fixação do dano moral são a compensação ao lesado e o desestímulo ao lesante. Inserem-se nesse contexto fatores subjetivos e objetivos, relacionados às pessoas envolvidas, como análise do grau da culpa do lesante, de eventual participação do lesado no evento danoso, da situação econômica das partes e da proporcionalidade ao proveito obtido como ilícito”.
Sobre o tema, colhe-se da jurisprudência:
[...] “O valor da indenização do dano moral deve ser arbitrado pelo juiz de maneira a servir, por um lado, de lenitivo para o abalo creditício sofrido pela pessoa lesada, sem importar a ela enriquecimento sem causa ou estímulo ao prejuízo suportado; e, por outro, deve desempenhar uma função pedagógica e uma séria reprimenda ao ofensor, a fim de evitar a recidiva” [...] (TJSC, AC n. 2001.010072-0, de Criciúma, rel. Des. Luiz Carlos Freyeslebem, Segunda Câmara de Direito Civil, j. em 14-10-04).
Assim, atento ao princípio da prudência e às peculiaridades do caso sub judice já apontadas, ausente o critério objetivo de fixação da verba indenizatória por danos morais e levando-se em conta os profundos abalos emocionais, transtornos, constrangimentos e danos sofridos pelos autores, provocados pelo demasiado atraso na entrega do imóvel e demais ilícitos praticados e o entendimento firmado pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais e o Superior Tribunal de Justiça, diante dos casos similares julgados, e versando sobre a justa quantificação dos danos morais, será justa a indenização na ordem de 10% sobre o valor atualizado do imóvel, referente à reparação pelos sérios danos morais sofridos pelos autores.