4. TORTURA DE PESSOA PRESA?
A Tortura de Pessoa Presa ou Submetida a Medida de Segurança é considerada pela doutrina uma figura equiparada ou tortura imprópria, 14 prevista no artigo 1º., § 1º., da Lei 9.455/97, nos seguintes termos:
§ 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental, por intermédio da prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal.
Obviamente, enquanto o preso ou pessoa submetida a medida de segurança estiver sofrendo coerção ilegal o crime é permanente. 15
As únicas exigências para que esse tipo penal se configure são que a)O agente seja o responsável pela custódia do preso; b)o preso seja submetido a atos que lhe causem sofrimento físico ou mental; c)que esse sofrimento não resulte de ato previsto em lei ou derivado de medida legal.
Não se pode olvidar que o sancionado penalmente ou o preso provisório mantém íntegro todos os seus direitos não atingidos pela sanção, sendo vedados tratamentos cruéis ou humilhantes. Conforme dispõe a Constituição: Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art.5º, III); É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (art.5º, XLIX); O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral (art. 38. da Lei de Execução Penal).
É certo que a restrição da liberdade (seja na prisão ou medida de segurança), por si só, já acarreta um sofrimento ao custodiado, mas esse sofrimento é legal e decorrente da prática de um ato previsto como infração penal. O que não se admite é a imposição de um sofrimento não amparado pelo ordenamento jurídico.
Nesse sentido, aliás, são as previsões do Estatuto de Roma, que conceitua a tortura como o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas (art.7º, item 2, e grifo nosso).
Pois bem, houve um caso em que um preso esteve sob a custódia e a regulação das condições de seu cárcere se deu sob as ordens do Ministro Alexandre de Moraes. Tal preso (Roberto Jefferson) foi submetido a medida que não resulta de ato previsto em lei, qual seja, a incomunicabilidade com relação a visitas de parentes, amigos etc. e até mesmo seus advogados, o que, sem dúvida alguma, poderia trazer sério sofrimento mental ao detento. A doutrina especializada dá exemplo muito similar ao ocorrido com Jefferson por ordem direta de Alexandre de Moraes, tratando do caso em que um preso seja submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado sem prévia determinação judicial, ou, obviamente, mediante determinação judicial flagrantemente ilegal. 16
Acontece que logo a seguir, percebendo que suas medidas draconianas violavam até mesmo a extinta regulamentação da incomunicabilidade de preso não recepcionada pela Constituição Federal (artigo 21, CPP), 17 cedendo a representação da OAB e dos defensores, primeiro liberou o contato com advogados e posteriormente as visitas da esposa do detento, observadas as regras normais do estabelecimento prisional em que se acha recolhido. 18
Assim sendo, não deixa de haver praticado o crime de Tortura de Pessoa Presa quando de suas determinações. Mas, ao liberar as visitações, seja dos advogados, seja da esposa, logra, astutamente, Alexandre de Moraes, sair da permanência delitiva, o que novamente impede sua Prisão em Flagrante, mesmo sendo o crime imputado agora inafiançável. Isso não significa que, tal como quanto aos demais delitos, o Ministro não deva responder pelas vias legais. Mas, sua Prisão em Flagrante se torna impossível no momento. Naquela época seria possível, mas não foi realizada por ninguém.
5. TORTURA COMO CRIME CONTRA A HUMANIDADE?
Seguindo então a senda aberta pelo Desembargador Sebastião Coelho que nos chamou a atenção para eventual crime de tortura, não se pode deixar de considerar a modalidade de tortura prevista no chamado Estatuto de Roma, acolhido no Brasil por meio do Decreto 4.388/02.
No Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional também é prevista uma espécie de crime de tortura, classificada como Crime Contra a Humanidade. A disposição se acha no artigo 7º., 1, f e 2, e.
O citado Crime de Tortura (Crime contra a Humanidade) não se caracteriza pela prática da tortura comum, mas abrange somente aquela cometida no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil (art. 7º., 1, f) (grifo nosso).
O Estatuto de Roma define tortura da seguinte forma:
Por "tortura" entende-se o ato por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado; este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legais, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionadas (art. 7º., 2, e) (grifo nosso).
Como se vê será considerada tortura (crime contra a humanidade), no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, o ato por meio do qual sofrimentos agudos mentais são intencionalmente causados a uma pessoa que esteja sob a custódia ou o controle do acusado. Perceba-se que neste caso, não há necessidade de animus corrigendi e a redação dada ao dispositivo abrigaria facilmente as condutas do Ministro Alexandre de Moraes perpetradas contra toda uma parcela da população civil brasileira, mediante inquéritos ilegais e inconstitucionais, dos quais resultaram diversos atos realmente capazes de ocasionar agudos sofrimentos mentais nas vítimas. O Ministro mantém com certeza o controle dessas pessoas utilizando a ameaça constante desses inquéritos e possível tomadas de medidas constritivas (apreensões, prisões provisórias, buscas, bloqueio de bens, bloqueio de redes sociais etc.). Não é difícil argumentar e demonstrar que as medidas tomadas têm sempre endereços específicos num dado grupo político e não atingem, no que poderia servir de idêntico pretexto, o grupo oposto politicamente na situação de debate e, eventuais conflitos ideológicos por que passa o Brasil. As pessoas vitimizadas são sempre e invariavelmente ligadas ao que se costuma rotular como direita, conservadores, ou, em resumo, quaisquer indivíduos ou grupos que apresentem uma tendência de resistência ao que se chama de ideias progressistas. Para isso basta relacionar os nomes de todos os implicados e verificar suas tendências político ideológicas. Não há dúvida de que existe realmente um ataque generalizado e sistemático a essa parcela da população civil brasileira, a qual a cada dia vai sendo mais oprimida, desmonetizada, calada, privada de seus bens e meios de subsistência e até mesmo encarcerada.
Mas, novamente se esbarra em um obstáculo à tão propalada Prisão em Flagrante.
O Estatuto de Roma não regula e sequer menciona a figura da Prisão em Flagrante. Exige todo um procedimento relativo à denúncia dos crimes e o exercício da sua jurisdição (vide artigos 13 a 19).
O que é possível, mas apenas depois de passar por diversas etapas de admissibilidade da denúncia e instauração de procedimento naquele Tribunal Penal Internacional, é a decretação de um Mandado de Detenção do suspeito, que pode convolar-se em Prisão Preventiva (vide artigo 58, 1, b, III e 5 c/c art. 59, 91 e 92), com a finalidade impedir que a pessoa continue a praticar a infração penal que lhe é imputada, o que seria o caso na insistência do prosseguimento de inquéritos ilegais. Mas, tudo isso não ocorre de qualquer forma ou de uma hora para a outra, há toda uma tramitação internacional complexa que certamente foge totalmente da fórmula mágica de prender o Ministro em Flagrante de maneira imediatista.
A prisão preventiva, acaso determinada, será cumprida mediante solicitação do Tribunal Penal Internacional ao Estado Parte e, ao fim de um processo legal, poderá haver condenação a penas severas, previstas no artigo 77 do Estatuto de Roma.
Tendo em vista a complexidade e a demanda de tempo para essas providências de caráter internacional, já tarda a atitude para tanto, a qual poderia ser de iniciativa do Estado Parte, certamente, no caso do Brasil, representado pelo seu Presidente da República (artigo 13, a, TPI). Mas, novamente nada disso ocorreu até o momento.
6. DESCARTANDO AS SOLUÇÕES MÁGICAS
Como já visto, o recurso ao Tribunal Penal Internacional já poderia ter se dado há tempos, não se sabendo se a denúncia seria acatada e haveria providências efetivas, mas isso só se saberá ou saberia se houvesse sido tomada alguma providência prática. A respeito disso este subscritor já vinha apontando a necessidade de recurso a vias internacionais há muito tempo em diversas manifestações. Por iniciativa de advogados já foi protocolizada denúncia junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos, através da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, mas até hoje a única providência foi um pedido de informações. 19
Há sem dúvida alguma a possibilidade de responsabilização do Ministro Alexandre de Moraes e não somente dele, mas de todos os demais Ministros do STF que colaboraram para a legitimação espúria desses inquéritos e atos abusivos (Toffoli, Barroso, Fachin, Lewandowski, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Rosa Weber e Luiz Fux). Razão assiste ao Desembargador aposentado, Sebastião Coelho, ao afirmar que há viabilidade de tipificação de vários crimes (v.g. vários tipos penais da Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/19 apenas a título exemplificativo artigos 9º., 25, 27, 31 e 32); Crimes de Responsabilidade (Lei 1.079/50 artigo 39, n. 2, 3 e 5); possível crime contra o Estado Democrático de Direito no que tange à questão eleitoral (Artigo 359 N, CP com nova redação dada pela Lei 14.197/21); Crime de Tortura de Pessoa Presa com relação a Roberto Jefferson, conforme exposto (artigo 1º., § 1º., da Lei 9.455/97); Crime de Tortura do TPI (artigo 7º., 1, f e 2, e do Estatuto de Roma, internalizado pelo Decreto 4.388/02); Usurpação de Função Pública (artigo 328, CP). Observando-se que este rol pode certamente não ser exauriente do tema.
Porém, acenar com a possibilidade de Prisão em Flagrante para esses casos e dentro de uma legalidade, é ilusório. Quase todos os crimes não são inafiançáveis, o que impede a prisão de qualquer magistrado, quanto mais de um Ministro do STF. O crime de Tortura Castigo, aventado posteriormente pelo Desembargador é uma tipificação equivocada. A Tortura de Pessoa Presa efetivamente ocorreu e teria cabimento em termos de Prisão em Flagrante, tanto por sua permanência como pela característica de crime inafiançável. Mas, a permanência cessou sem qualquer providência, o que torna, agora, tal modalidade de prisão inviável. Finalmente o crime de tortura enquanto crime contra a humanidade, cuja tipificação é até possível e estaria em condição de permanência, não tem previsão para Prisão em Flagrante no documento internacional que o regula, ficando atrelado a todo um complexo e demorado trâmite.
Com relação aos crimes da legislação interna brasileira, nos crimes comuns, o processo e julgamento se dá pelo próprio STF e no caso dos crimes de responsabilidade pelo Senado, o mesmo ocorrendo com relação a eventual impeachment de Ministro do STF, que é também de competência do Senado (vide artigo 102, I, b, CF, artigo 52, II, CF e Lei 1079/50 Crimes de Responsabilidade). O Senado não toma efetivas providências de sua alçada. Esperar que o Supremo Tribunal venha a investigar, processar e julgar seus próprios membros, ainda mais numa situação em que quase todos estão implicados, é uma ilusão enorme. Seja como for, não há hipótese de Prisão em Flagrante em qualquer das circunstâncias atuais, e ainda que houvesse, salvo no caso de Crimes de Responsabilidade (Senado), o Ministro preso seria apresentado ao próprio Supremo Tribunal Federal para deliberação.
Se essa crise serviu para alguma coisa, foi para demonstrar que o sistema de controle do Judiciário, especialmente de seu órgão máximo, não é efetivo e precisaria de uma urgente reforma. Mas, também não se vislumbra qualquer iniciativa mais contundente do Poder Legislativo que, ao reverso, parece cada vez mais submisso e conivente, agora até mesmo com projetos que visam a impedir críticas a políticos e homens públicos, 20 a aumentar os poderes do STF com relação a crimes contra o Estado Democrático 21 etc.
O grande problema de soluções imediatas como a apresentada pelo Desembargador aposentado, é que acabam, além de serem inócuas, por embarcar no mesmo subterfúgio utilizado pelo Ministro Alexandre de Moraes e o STF praticamente em geral, qual seja, apresentar medidas coercitivas ilegais travestidas de legalidade e legitimidade, muitas vezes distorcendo disposições legais. Isso não somente fere a Constituição e as leis, como é algo altamente prejudicial à própria ciência jurídica em nosso país. As pessoas comuns, os estudantes de Direito e mesmo os profissionais e estudiosos passam a não saber mais o que é correto ou incorreto, porque o erro é encoberto por uma dissimulação que tem a pretensão de apresentá-lo como legítimo e manifestação da verdade e da correção. Reagir a essa espécie de engodo, com as mesmas táticas, é alimentar esse mal terrível e, no final das contas, ou manter o status quo dos abusadores disfarçados em defensores da lei, da constituição e da democracia, ou apenas trocar um ditador por outro. Isso não é do interesse nacional e não é admissível perante a ciência do Direito.
É defensável a busca de uma saída legal, sendo uma boa proposta a feita pelo próprio Desembargador quanto ao exercício de fiscalização do Senado diante dos 11 Ministros do Supremo, pondo um fim a esses inquéritos ilícitos e remetendo tudo ao Ministério Público, que saberá certamente o que fazer com os materiais que lhe forem dispostos, ensejando também o acesso dos defensores, sem alegações falsas de vistas que não ocorreram ou ocorreram em parte insignificante dos feitos. 22 Certamente essa é uma possível saída, ao menos provisória, com o fim de ganhar tempo para as devidas responsabilizações dos Ministros envolvidos, os quais não podem ficar impunes.
No mais, muito melhor e menos degradante para a ciência do Direito em nosso país, no caso de se pretender uma solução imediata, com afastamento de Ministros do STF e até suas prisões preventivas se for o caso, seria simplesmente e de forma sincera, admitir que a atuação do órgão máximo do judiciário nacional conduziu o país a uma situação de verdadeira anomia em seu sentido mais simples: ausência de lei ou de regra, desvio das leis naturais; anarquia, desorganização. E que essa situação não pode mais ser solvida com a pretensão de recurso exatamente às normas que foram totalmente vilipendiadas. No vácuo da legalidade e constitucionalidade criado exatamente por quem as deveria salvaguardar, medidas iniciais baseadas na força e com vistas à mais rápida restituição do país à ordem democrática, legal e constitucional, precisariam ser tomadas em analogia à regulamentação do artigo 142, CF e ao chamado Estado de Sítio (artigo 137 a 141, CF). Note-se, analogia e não identidade, uma vez que se está tratando de uma situação excepcional no bojo da qual até mesmo os recursos mais extremos legal e constitucionalmente previstos se mostram impraticáveis e ineficientes, exatamente pelo esfacelamento do Estado Democrático de Direito perpetrado pelas chamadas instituições democráticas. A razão disso é que é impossível restabelecer a democracia por meios democráticos, já que os inimigos da democracia não agem e não são mesmo nada respeitosos da democracia, da lei, da ordem e muito menos da Constituição. Tratar com eles acenando com leis e com a Constituição equivale a mostrar um Código Penal ao ladrão que exige sua carteira de arma em punho, pretendendo discutir tecnicalidades do artigo 157, CP.
Há um grande perigo em tudo isso. O de que esse estado de exceção, após instaurado, venha a perpetuar-se, sem nenhuma pressa de efetivamente retomar a legalidade, a constitucionalidade e a democracia. Não é nada difícil encontrar exemplos históricos de revoluções provisórias cujo poder se retroalimentou quase indefinidamente.
Dizer isso de forma sincera e aberta é bem menos lesivo à compreensão do Direito do que permanecer num jogo de dissimulação em que soluções supostamente legais são apresentadas apenas para dar uma aparência de normalidade a um estado de anomia instaurado.
E não se trata de algo estranho ao mundo do Direito essa possibilidade excepcional de busca da Justiça por meio da chamada Desobediência Civil e do Direito de Resistência.
Essa hipótese remonta à Grécia Antiga com a tragédia de Sófocles, Antígona. Passa pela Idade Média com São Isidoro, Santo Tomás de Aquino e Bártolo com suas ideias a respeito da tirania e da justa resistência aos tiranos. John Loke escreve um Tratado sobre o Direito de Resistência no século XVII. E depois disso há muitos juristas que reconhecem a legitimidade do Direito de Resistência contra a opressão, dentre eles: Savigny, Bluntschli, Ihering, Benjamin Constant, Vareilles Sommières, Leon Duguit, Maurice Haurioy, François Gény, Louis Le Fur, Jean Dabin e Gerorges Burdeau.
Não se pode esperar que o Direito de Resistência esteja incrustrado no Direito Regular das normas jurídicas ordinárias e constitucionais. Num Estado Democrático, não se admitirá como hipótese a tirania, num Estado Totalitário, por definição não se admitirá o Direito de Resistência. E o fato de que nas democracias não se admita, em tese, a tirania como hipótese, não significa que de fato esta não possa emergir e requerer medidas extremas para sua contenção. 23
No correr do século XX, apenas duas constituições abordaram expressamente o Direito de Resistência. A Lei Fundamental da então República da Alemanha (1949) e Constituição de Portugal de 1982. Ali, o Direito de Resistência é erigido a Princípio Constitucional, para casos de vilipêndio aos direitos, liberdades e garantias. 24
Nossa Constituição Federal de 1988 não prevê expressamente o Direito de Resistência, o que não é suficiente para que este seja alijado da teoria jurídica nacional. 25
Vale mencionar o entendimento de Diniz para quem o mencionado direito estaria implícito no artigo 5º., § 2º., CF, onde se lê:
"Ninguém pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei".
A autora vai ainda além, afirmando textualmente:
Se houver uma revolução, sendo legítima e vitoriosa, seus autores estarão isentos de responsabilidade, porque as normas emanadas do poder revolucionário, baseadas em novos valores, constituirão normas-origens, isto é, fontes originárias do direito, revogando as normas do regime jurídico anterior e conferindo legitimidade ao ato revolucionário. 26
O que resta de tudo quanto foi delineado, é que não existe caminho fácil ou mágico.
Aristóteles foi o fundador da lógica formal. No entanto, ele sabia muito bem quão frágil ela poderia ser quando se tratava de persuadir pessoas. Muitas vezes as argumentações racionais bem formuladas são difíceis de seguir, enquanto as que trazem um raciocínio deficiente frequentemente funcionam, já que são emotivas e apelam para os preconceitos das pessoas. 27
É importante não ceder ao canto da sereia de soluções imediatistas e simplistas para uma crise complexa como a que vivemos. A cada tese tresloucada, movida pela paixão, não somente não são tomadas providências legais realmente cabíveis, não são cobrados os atores corretos dentro da legalidade e constitucionalidade, como também se perde o contato com a realidade, entregando-se a uma postura nefelibata. Na pior das hipóteses, como já dito, é melhor aceitar que a anomia somente pode ser enfrentada no seu próprio campo. Isso ao menos tem a vantagem de se assumir que se está defendendo uma teorização jurídica sustentável, embora de ultima ratio. Esse choque de realidade preserva a ciência do Direito de um deletério exercício de afetação ou simulacro de juridicidade e/ou legalidade, capaz de dilacerar suas mais comezinhas e relevantes bases epistemológicas e cognitivas. Não bastasse o mal de desrespeitar o Direito enquanto norma constitucional e ordinária, com todos os terríveis efeitos desse desrespeito, ainda se produz uma incapacidade de sequer ter uma mínima segurança quanto ao conhecimento do Direito. O dano intelectual causado aos juristas, estudantes, cultores e profissionais da área jurídica pode ser mais um elemento destruidor dessa época obscura por que passamos.