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Direito e transexualidade.

A perspectiva jurídica do conceito

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Resumo:


  • Destaca-se a importância da individualidade e da sexualidade na construção da identidade pessoal.

  • Reflexões sobre gênero, nome e direitos da personalidade são abordadas, especialmente no contexto da transexualidade.

  • O texto discute a relação entre o direito e a transexualidade, destacando a necessidade de respeitar a dignidade humana e os direitos fundamentais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

APONTAMENTOS FINAIS

Nos casos de transexualdiade, na grande maioria dos casos, é na cirurgia de transgenitalização que se busca alento no afã de se proceder à fusão entre físico e psíquico. Com esta fusão se atenderia parcela essencial dos Direitos da Personalidade, notadamente a intimidade. A partir desta o transexual conseguiria ser no plano jurídico o que acredita ser no plano interno.

Ao se pensar que o direito é disciplina autônoma, mas que se comunica com outras disciplinas de alguma maneira, ter-se-ia que, uma vez realizada a operação, cuja autorização parte de supostos bem definidos em resoluções médicas, a situação do transexual restaria resolvida. É de se ter, contudo, que não é isto que ocorre.

A assimilação da nova realidade pelo direito se dá de forma distinta e peculiar porque é o direito quem diz o direito, no sentido anunciado por Bourdieu. Sendo assim, uma vez ocorrida a cirurgia de transgenitalização, várias consequências podem ser suscitadas.

Em nosso sentir deve o direito autorizar a mudança de nome e de sexo no Registro Civil de Pessoas Naturais, pois a partir desta a pessoa transexual teria um meio de fomente da vida digna, tendo preservados direitos que lhes são ínsitos, sobretudo intimidade, honra, imagem e nome. Não é isto, contudo, que ocorre. Quando ocorre, aliás, ocorre dentro dos limites da força do direito. Uma força que permitiu a criação do "transexual verdadeiro", na licao de Berenice Bento, ou, ainda, do "transexual primário".

Na leitura de Berenice Bento há uma construção clara no sentido de rechaçar a idéia de "transexual verdadeiro". A autora parte de uma reflexão antropológica, superando, por isto mesmo, o discurso legista. Propõe, então, se pensar na transexualidade como uma construção da realidade antropológica, e não como uma realidade determinada a priori.

Conquanto nos pareça producente a superação do conceito, como aponta Berenice Bento, não podemos ignorar que, como é o direito quem diz o que é direito, o discurso do "transexual verdadeiro" tem tudo para ser mantido. Assim, ainda que neste artigo não se tenha feito uma análise de cunho notadamente jurisprudencial, o que se vê na prática é a manutenção do discurso autorizador. Um discurso a partir do qual os interessados dizem o que o direito quer ouvir para poderem ser ouvidos pelo direito.


BIBLIOGRAFIA

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WOLFGANG, Ingo Sarlet. Dignidade da Pessoa Humana e direitos fundamentais na constituição federal de 1988. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002.


Notas

Exclusão do crime

§ 9º Não constitui crime a intervenção cirúrgica realizada para fins de ablação de órgãos e partes do corpo humano quando, destinada a alterar o sexo de paciente maior e capaz, tenha ela sido efetuada a pedido deste e precedida de todos os exames necessários e de parecer unânime de junta médica."

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§ 1º Quando for evidente o erro gráfico do prenome, admite-se a retificação, bem como a sua mudança mediante sentença do juiz, a requerimento do interessado, no caso do parágrafo único do art. 55, se o oficial não houver impugnado.

§ 2º Será admitida a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos em que o requerente tenha se submetido a intervenção cirúrgica destinada a alterar o sexo originário.

§ 3º No caso do parágrafo anterior deverá ser averbado ao registro de nascimento e no respectivo documento de identidade ser pessoa transexual."

  1. LAQUER, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
  2. O nome é percebido como Direito Fundamental da Pessoa Humana, porque "humaniza", representando defesa do amor próprio.Cf.: MORAIS, Maria Celina Bodin. Sobre o Nome da Pessoa Humana. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 3, n. 12, p.48-74, 2000.
  3. O avanço da antropologia permite-nos uma visão de gênero que em mundo supera a noção biológica do termo: o gênero como uma construção que se dá a partir do intercâmbio do eu com o mundo. Uma noção que se faz a partir dos valores assimilados pelo processo de sedimentação cultural, e não determinada cromossomicamente. Nada obstante, ainda hoje a lógica do Registro Civil conta com a perspectiva da biologia para a questão do nome, daí se ter usado a expressão com este sentido.
  4. BOURDIEU, Pierre. Usos Sociais da Ciência. São Paulo: UNESP, 2004.
  5. LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983.
  6. ARAÚJO, Luiz Alberto David. A proteção constitucional do transexual. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 135.
  7. Em matéria de transexualidade impera o pensamento essencialista, pelo qual se diz que esta é da condição da pessoa e só pode ser tratada através da cirurgia de transgenitalização, com a qual a pessoal transexual pode assumir sua condição psíquica no plano físico e social.
  8. Na leitura de Berenice Bento há uma construção clara no sentido de rechaçar a idéia de "transexual verdadeiro". Para tanto a autora parte de uma reflexão antropológica, no que supera o discurso meramente legista, e chega à conclusão de que o discurso do "transexual verdadeiro" ainda se mantém porque os transexuais tomaram consciência de que esta fala é um pressuposto para que se autorize a cirurgia de transgenitalização. O discurso seria mantido tão-somente como um suposto de comunicação, à medida que falar diferente importaria em ser ignorado pelo sistema. Importaria em não ser ouvido pelo saber medido e, portanto, também ser abstraído pelo direito e seu "poder de dizer o que é direito", na perspectiva de Pierre Bourdieu. Cf.: BENTO, Berenice. A reinvenção do Corpo. Rio de Janeiro: Garamond, 2006, passim.
  9. A noção de Dignidade Humana pode ser vista em muitas passagens do texto sagrado. Destacamos aqui a seguinte inscrição no evangelho de São João, onde se lê no capítulo 10, versículo 10 a fala de Cristo: "vim para que tenha vida, e vida em abundância". Não importaria, nesta perspectiva, apenas a vida. É preciso vida em abundância. É preciso uma vida digna, e a dignidade não é percebida nas privações, sobretudo as privações que invadam a esfera psicofísica.
  10. Cf.: KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes e outros escritos. Trad.: Leopoldo Holzbach. São Paulo: Martin Claret, 2004.
  11. O Homem indivíduo é uma marca do ocidente que decorre da compreensão judaico-mediterrânea de mundo. Uma compreensão que foi desenvolvida e encampada pelo cristianismo. Sendo assim, é preciso se estabelecer que o conceito apresentado por Boécio não tem a pretensão de encampar realidades que fogem deste padrão, como as culturas tribais e anímicas. Nestas realidades a noção de indivíduo não se faz presente como ocorre no mundo ocidental como um todo.
  12. BOURDIEU, Pierre. Usos Sociais da Ciência. São Paulo: UNESP, 2004.
  13. Cf.: LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983
  14. Estas se justificam em sua perspectiva porque a convivência do novo e do velho, do comum e do diferente é própria do direito. Trata-se de uma convivência que não ocorre sem conflitos. O novo existe na coexistência do velho. O comum se mantém com a ocorrência do diferente.
  15. LAQUER, Thomas. Inventando o sexo: corpo e gênero dos gregos a Freud. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2001.
  16. Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº 1.482/97.
  17. Esses apontamentos decorrem dos estudos do professor Pedro Jorge Daguer em sua dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Pós-Graduação Psiquiátrica da UFRJ, referenciados por CHAVES, Antônio. Direito à vida e ao próprio corpo: intersexualismo, transexualismo, transplante. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 141. Verbis: "por transexualismo masculino entende-se a condição clínica em que se encontra um indivíduo biologicamente normal (...) que, segundo sua história pessoal e clínica, e segundo o exame psiquiátrico, apresenta sexo psicológico incompatível com a natureza do sexo somático."
  18. KLABIN, Aracy. Aspectos Jurídicos do Transexualismo. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, vol. 90, 1995, p. 197.
  19. Ibidem.
  20. O desenvolvimento científico e tecnológico impõe, contudo, que estes conceitos sejam repensados. Deste postulado Tereza Rodrigues Vieira propugna alguns critérios de identificação sexual: "o cromossômico ou genético; o cromantínico, o gonádico, o anatômico, o hormonal, o social, o jurídico e o psicológico." VIEIRA, Tereza Rodrigues Direito à adequação de sexo do transexual. Repertório IOB de Jurisprudência. São Paulo, n. 3, 1996, p. 51.
  21. Dispõe sobre a cirurgia de transgenitalismo e revoga a Resolução CFM nº 1.482/97.
  22. Art. 129 (...)
  23. Art. 58 O prenome será imutável, salvo nos casos previstos neste artigo.
  24. "A primeira operação brasileira foi realizada em São Paulo em 1971 pelo médico Roberto Farina, que acabou preso por lesões corporais. Farina foi absolvido. A Justiça concluiu que a cirurgia era o único meio de aplacar a angústia do transexual". SEGATTO, Cristiane. Nasce uma mulher: Transexuais saem do armário e a ciência mostra que a mudança de sexo não é perversão. Rio de Janeiro: Época. Disponível em: <http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT441567-1664-1,00.html> Acesso: 30 novembro 2007.
  25. SZANIAWSKI, Elimar. Limites e possibilidades do direito de redesignação do estado sexual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 190-191.
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Sobre o autor
Alessandro Marques de Siqueira

Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Professor convidado da Pós-Graduação na Universidade Cândido Mendes em parceria com a Escola Superior de Advocacia da OAB/RJ na cidade de Petrópolis. Associado ao CONPEDI - Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Alessandro Marques. Direito e transexualidade.: A perspectiva jurídica do conceito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2171, 11 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12959. Acesso em: 22 dez. 2024.

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