1. INTRODUÇÃO
A Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005, introduziu, no sistema jurídico, nova norma denominada penhora on-line, prevista, expressamente, no art. 185-A do Código Tributário Nacional.
Esta nova previsão trouxe diversas questões ao cenário tributário brasileiro, visto que outorgou ao Juiz da execução fiscal o dever de determinar a imediata indisponibilidade de bens e direitos do executado que não oferecer bens à penhora dentro do prazo legal, ou na hipótese de não serem encontrados outros bens suficientes à garantia do processo executivo, tudo isso mediante a comunicação eletrônica aos órgãos competentes, em especial aqueles do sistema bancário e do mercado de capitais.
Assim, o presente trabalho tem por objetivo analisar este instituto e suas conseqüências no âmbito das execuções fiscais.
2. FUNDAMENTO JURÍDICO
Atualmente, o processo é visto como um instrumento que serve o Estado, a fim de alcançar seus objetivos sociais, jurídicos e políticos (CÂMARA, 2006). Assegurando, desta forma, uma tutela jurisdicional adequada e efetiva.
O sistema de informação eletrônica foi desenvolvido, em 2000, pelo Banco Central e permitia ao juiz solicitar informações sobre movimentação dos clientes das instituições financeiras, bem como determinar o bloqueio de contas-correntes ou qualquer conta investimento. Este procedimento, denominado BacenJud, foi firmado com base na Lei nº 9.800, de 26 de maio de 1999, que permitiu a utilização da Internet para a realização de atos processuais.
Através desta perspectiva de processo, o Superior Tribunal de Justiça, o Conselho da Justiça Federal e o Banco Central do Brasil firmaram o Convênio de Cooperação Técnico-Institucional, em 08 de maio de 2001, para dar maior agilidade à tramitação de informações solicitadas pelo Poder Judiciário ao sistema financeiro, o que possibilitou o acesso ao BacenJud.
Neste Convênio ficou determinado que, no âmbito do processo de execução, seria possível o rastreamento e o conseqüente bloqueio de ativos financeiros depositados ou aplicados nas instituições de forma "célere e desburocratizada" (GONÇALVES, 2008), conhecido originalmente como BacenJud e hoje denominado penhora on-line.
Após discussão acerca da validade de referido convênio, a penhora on-line foi institucionalizada, de forma expressa, através do disposto no art. 185-A do Código Tributário Nacional [01], acrescentado pela Lei Complementar nº 118, de 09 de fevereiro de 2005, cuja aplicação restringiu-se às execuções fiscais, eis que trata somente de devedor tributário.
O art. 185-A do CTN exige como requisito o esgotamento das tentativas de localização dos bens do executado, haja vista que tal medida só pode ser decretada nos casos em que o devedor, após devidamente citado, não tenha quitado o débito, nem oferecido bens à penhora no prazo legal, bem como não forem encontrados bens penhoráveis (PEREIRA, 2005).
Os parágrafos 1º e 2º do referido artigo [02] ainda explicitam que a indisponibilidade irá se limitar ao total exigido, devendo o restante ser liberado imediatamente, bem como os órgãos e entidades deverão enviar ao juízo a relação dos bens e direitos que foram tornados indisponíveis.
Com o advento da Lei nº 11.382, de 06 de dezembro de 2006, foi acrescido o art. 655-A no Código de Processo Civil [03], que estabeleceu regra específica acerca da indisponibilidade de ativos financeiros do executado, determinando a utilização da penhora on-line como preferencial. Referido art. 655-A deve ser aplicado, de forma subsidiária, às execuções fiscais, conforme preceituado no art. 1º da Lei nº 6830, de 22 de setembro de 1980 [04].
Assim surgiu o seguinte conflito que será tratado em capítulo específico: qual dispositivo legal deveria ser aplicado nos casos concretos, ou seja, nas execuções fiscais, visto que o CTN exige o esgotamento das tentativas de localização de bens penhoráveis do executado para determinar a aplicação da penhora on-line e o CPC define que este instituto deve ser usado como primeira opção.
3. NATUREZA JURÍDICA
A penhora on-line divide-se em duas etapas: emissão da ordem de rastreamento e bloqueio de ativos financeiros, pelo juiz, através de meio eletrônico e a efetiva constrição judicial sobre os mesmos.
Sobre estas etapas a doutrina entende que:
O primeiro reveste-se de natureza de medida cautelar, porquanto a decorrente indisponibilidade do ativo financeiro encontrado somente pode ser determinada por membro do Poder Judiciário (cláusula da reserva de jurisdição), com base no poder geral de cautela, explicitado no art. 798 do CPC, ante a ausência de regra específica. (...)
O segundo consiste na efetivação da constrição judicial propriamente dita, na medida em que o ativo financeiro é transferido para conta bancária colocada à disposição do Juízo, restando dispensada a lavratura do auto de penhora visto que a constrição é implementada diretamente pelo juiz, sem a intervenção de Oficial de Justiça.(GONÇALVES, 2008)
O Juiz de Direito, de posse de uma senha previamente cadastrada, preenche um formulário na Internet, solicitando as informações necessárias ao processo. O BacenJud, então, repassa automaticamente as ordens judiciais para os bancos.
No ato de requisitar informações sobre a disponibilidade de saldo, o juiz já requisita a indisponibilidade do montante que, em seguida, será objeto de penhora. O Banco Central efetua o bloqueio e comunica o juiz requisitante o valor indisponibilizado, especificando o banco onde o numerário ficou constrito. Destaque-se que, somente, após a intimação do executado acerca do gravame, que é o depósito judicial, é que começa a fluir o prazo de sua defesa, ou seja, oposição de embargos à execução.
A constrição judicial representa, da mesma forma que a penhora convencional, "ato executivo que afeta determinado bem à execução, permitindo sua ulterior expropriação, e torna os atos de disposição do seu proprietário ineficazes em face do processo" (ASSIS, 2006), com a peculiaridade de que é precedida de ordem judicial cautelar de indisponibilidade do ativo financeiro, praticada pela via eletrônica, e é efetivada diretamente pelo juiz, sem a intervenção de auxiliar.
A investigação da natureza jurídica da penhora on-line repousa em posicionamento pacífico de que não se trata de uma nova modalidade de penhora, mas apenas configura a penhora em si.
A emissão de ordem eletrônica de bloqueio de ativos financeiros nada mais é do que simples adoção de novo expediente, propiciado pelo avanço da tecnologia e da informática, para a prática de ato já previsto em lei, qual seja, a penhora (MALLET, 2004).
Percebe-se, assim, que as designações on-line e eletrônica traduzem, apenas, o meio de comunicação adotado pelo juiz da execução, objetivando informar-se acerca da existência, ou não, de numerário em conta titularizada pelo devedor ou de investimentos feitos em seu nome (GRASSELLI, 2006).
Trata-se, igualmente, de instrumento disponibilizado aos juízes para que, por meio dele, possam praticar o ato material de apresamento de numerários. Este sim consiste na penhora sob o aspecto técnico-jurídico. Concluindo, afirma-se que os bloqueios determinados pelo juiz e realizados pela internet "configuram a penhora em si, enquanto os desbloqueios correspondem ao levantamento respectivo" (GRASSELLI, 2006).
Não é um novo tipo de penhora, mas é penhora sobre dinheiro, que é o bem preferencial da execução segundo o art. 655, do CPC exatamente pelo seu ilimitado valor de troca, baseado na circulação universal de moeda. Não constitui nenhum tipo ou modelo jurídico em si mesmo. Trata-se de uma penhora como outra qualquer (SILVA, 2001).
4. APLICABILIDADE NO ÂMBITO DA EXECUÇÃO FISCAL
Esgotados os meios disponíveis para localização dos bens do devedor, o art. 185-A do CTN dispõe que o juiz poderá determinar a indisponibilidade dos bens e direitos do executado, por meio eletrônico, comunicando esta decisão aos órgãos pertinentes.
Neste sentido:
A denominada penhora on-line que atinja depósitos em contas correntes e ativos financeiros em geral deve ser limitada em quantidade que não inviabilize a atividade do devedor executado, competindo ao juiz da execução, diante de prova segura, fixar os limites da penhora de dinheiro em espécie, depositado ou investido em instituições financeiras (CHIMENTI, 2008).
No entanto, após a promulgação da Lei nº 11.382/06, que acrescentou o art. 655-A ao CPC, restou desnecessário o esgotamento das diligências em busca de bens em nome do devedor, dando prioridade ao uso da penhora on-line, inclusive no âmbito das execuções fiscais, visto que o CPC é usado de forma subsidiária à lei que rege as execuções fiscais [05].
A preferência do legislador para a penhora em dinheiro deve-se, principalmente, à busca da certeza na garantia da execução e da celeridade na satisfação da dívida (CHIMENTI, 2008).
A partir da vigência deste disposto processual civil, começou-se uma discussão acerca da aplicabilidade da penhora on-line no executivo fiscal, visto que existia confronto com o art. 185-A do CTN. Enquanto o CPC determina o uso imediato da penhora on-line, o CTN expressa a necessidade de esgotamento de todas as vias em busca de bens passíveis de penhora.
O art. 185-A do CTN, em razão de sua natureza de lei complementar, seria hierarquicamente superior aos instrumentos criados pela Lei nº 11.382/06. Assim, afastaria o regime disciplinado no art. 655-A, por se tratar de lei especial em face do CPC.
Como é cediço, a Constituição Federal vinculou o tratamento de certas matérias à lei Complementar através do disposto no art.146 [06], chamado de reserva de lei complementar. Logo, as matérias cuja disciplina se dá através de lei complementar exigem veículo legislativo próprio, quorum qualificado (PAULSEN, 2005).
Assim, "sempre que o constituinte originário quiser que determinada matéria seja regulamentada por lei complementar, expressamente, assim o requererá" (LENZA, 2006). Neste sentido, para se ter conhecimento da necessidade ou não de lei complementar, deve-se analisar o texto constitucional (PAULSEN, 2005).
Para Hugo de Brito Machado:
"A superioridade hierárquica da lei complementar sobre a lei ordinária é hoje admitida praticamente por toda a doutrina jurídica, inclusive pelos que contestam a tese de que é lei complementar aquela como tal regulamente aprovada pelo Congresso Nacional. A questão que ainda se discute não é de hierarquia, mas de identidade específica da lei complementar" (MACHADO, 2008).
Seguindo este entendimento, ao analisar-se a matéria posta no art. 185-A, verifica-se que esta versa sobre detalhes processuais atinentes à execução fiscal, e não foi reservada pela Constituição à lei complementar. Nenhuma das reservas constitucionais, elencadas no art. 146, versa sobre o procedimento ou instrumentos a serem observados na execução dos débitos que cabem à Fazenda Pública, ou seja, não possui referida "identidade" (MACHADO, 2008).
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento, através de decisão plenária, de que:
De há muito se firmou jurisprudência desta Corte no sentido de que só é exigível lei complementar quando a Constituição expressamente a ela faz alusão com referência a determinada matéria, o que implica dizer que quando a Carta Magna alude genericamente a ‘lei’ para estabelecer princípio de reserva legal, essa expressão compreende tanto a legislação ordinária, nas suas diferentes modalidades, quanto a legislação complementar [07].
Não há violação do princípio da hierarquia das leis, da reserva constitucional de lei complementar, cujo respeito exige seja observado o âmbito material reservado pela Constituição às Leis Complementares [08]. Assim, o STF firmou entendimento no sentido de que, caso a matéria não esteja efetivamente elencada no art. 146 do CTN, ela não necessita, única e exclusivamente, de Lei Complementar, podendo ser modificada por lei ordinária posterior.
Já no Superior Tribunal de Justiça, a discussão tomou outro ângulo, visto que se analisou o período temporal para aplicabilidade, ou não, do art. 655-A acrescentado pela Lei nº 11.382/06, nos executivos fiscais. Nas decisões anteriores a edição da Lei nº 11.382/06, o STJ era firme no entendimento de que somente era cabível a aplicação do BacenJud após esgotadas todas as possibilidades de localização de bens passiveis de penhora. Veja-se:
Admite-se a quebra do sigilo fiscal ou bancário do executado para que a Fazenda Pública obtenha informações sobre a existência de bens do devedor inadimplente, mas somente após restarem esgotadas todas as tentativas de obtenção dos dados pela via extrajudicial, o que não restou demonstrado nos autos.
O artigo 185-A do Código Tributário Nacional, acrescentado pela Lei Complementar nº 118/05, também corrobora a necessidade de exaurimento das diligências para localização dos bens penhoráveis, pressupondo um esforço prévio do credor na identificação do patrimônio do devedor. [09]
Seguindo a mesma linha de entendimento, o Ministro Teori Albino Zavascki utiliza-se do art. 620 do CPC [10], ao entender que é necessária a observância de alguns requisitos específicos que justifiquem a aplicabilidade da medida da penhora on-line, tais como "realização de infrutíferas tentativas de constrição de outros bens suficientes a garantir a execução, ou, caso encontrados, sejam tais bens de difícil alienação". [11]
Após a edição da Lei nº 11.382/06, que acrescentou o dispositivo 655-A, a jurisprudência do STJ começou a mudar de posicionamento, entendendo ser aplicável referido artigo aos casos concretos ocorridos após a vigência da nova norma.
A lei n. 11.682/06, de 6 de dezembro de 2006, publicada em 7 de dezembro de 2006, alterou o CPC quando incluiu os depósitos e aplicações em instituições financeiras como bens preferenciais na ordem de penhora como se fossem dinheiro em espécie (artigo 655, I) e admitiu que a constrição se realizasse por meio eletrônico (artigo 655-A).
A decisão de primeiro grau que indeferiu a medida foi proferida em 20 de abril de 2007, após o advento da Lei n.11.382/06, assim, tanto ela como o acórdão recorrido devem ser reformados para adequação às novas regras processuais. [12]
Isto significa que, para o Superior Tribunal de Justiça, até a edição da Lei nº 11382/06, o artigo aplicável às execuções fiscais era o art. 185-A do CTN [13] [14], no entanto, após a vigência do novo dispositivo, já não se tornou mais necessário o preenchimento dos requisitos do artigo do CTN para deferimento da penhora on-line nas execuções fiscais.
Assim, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o seu entendimento no sentido de que a penhora on-line pode ser aplicada como primeira medida em relação à constrição de bens do devedor nas execuções fiscais, respeitando o critério temporal de vigência dos dispositivos referidos. [15]
5. CONCLUSÃO
O art. 185-A, acrescentado ao CTN através da Lei Complementar 118/05, determinou a possibilidade de penhora on-line após esgotadas todas as tentativas de constrição de bens do devedor tributário.
Todavia, a Lei nº 11.382/06 incluiu no CPC o art. 655-A, que disciplinou, como primeira possibilidade na ordem das constrições, a penhora on-line, através do sistema BACENJUD. A partir da vigência desta nova disciplina processual, criou-se um conflito acerca de qual dispositivo seria aplicado às execuções fiscais, visto que o CTN trata do devedor tributário e o CPC é usado de forma subsidiária à Lei das Execuções Fiscais.
O Supremo Tribunal Federal, através de diversos julgados, firmou entendimento de que, no presente caso, o art. 185-A não trata de matéria restrita à Lei Complementar, elencadas no art. 146 do CTN, versando unicamente sobre o procedimento e/ou instrumento a ser utilizado nos executivos fiscais.
Já o Superior Tribunal de Justiça analisou a questão por outro ângulo, qual seja a vigência das leis no tempo. Antes da publicação da Lei nº 11.382/06, o STJ era firme ao entender que a penhora on-line, efetivamente, só seria aplicada em casos extremos, depois de exauridas todas as vias possíveis de constrição dos bens do devedor.
No entanto, após o início da vigência do art. 655-A, o STJ passou a adotar outro entendimento, no sentido de que é plenamente aplicável este novo dispositivo processual nas execuções fiscais, mas ressaltando que somente nos casos ocorridos após a entrada em vigor da nova lei.
Desta forma, vislumbra-se que a penhora on-line vem sendo aplicada nas execuções fiscais como primeira medida a ser tomada, com todo o respaldo legal e jurisprudencial, conforme demonstrado no presente trabalho.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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