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"Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidade delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976

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10/04/2011 às 10:36
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1. Considerações iniciais

Tomando emprestadas as palavras de GABRIEL GARCIA MARQUES, escritas em sua obra Cem Anos de Solidão, e transcritas por LENIO STRECK [01], "em Macondo, o mundo era tão recente que muitas coisas careciam de nome e para mencioná-las precisava-se apontar com o dedo". A Lei 10.303, de outubro de 2001, "também é muito recente. Olhando a dimensão de seu texto, percebe-se que algumas coisas ainda não têm nome; os juristas limitam-se – quando o fazem – a apontá-las com o dedo... A ausência de uma adequada pré-compreensão (Vorverständnis) impede o acontecer (Ereignen) do sentido. Gadamer sempre nos ensinou que a compreensão implica uma pré-compreensão que, por sua vez, é pré-figurada por uma tradição determinada em que vive o intérprete e que modela os seus pré-juízos" [02].

Pois bem, recentemente se publicou na empresa que "no caso do Insider Trading, em que há uma regulamentação administrativa, a repressão penal reforça a repressão de natureza administrativa, eis que, assim como em outros países (como nos Estados Unidos e na Itália), foi percebido que a regulamentação na esfera administrativa não era suficiente para coibir tal conduta" [03].

Percebe-se daí que a ausência de uma adequada pré-compreensão impede o acontecer do sentido. Ou seja, na ansiedade de se punir quem supostamente pratique tal delito, permite-se a quebra de harmonia do sistema jurídico, olvidando a impossibilidade de se analisar o ordenamento jurídico as tiras e, dessa forma, espezinhado os postulados da segurança e da proteção à confiança.

É importante lembrar que segurança jurídica é um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. A outra, cuja natureza é a subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação.

Ademais, torna-se extremamente perigoso o afastamento a certos postulados, ainda que se tenha em mira repressão às novas condutas criminosas. Eis que tais garantias foram conquistadas à duras penas.

Por outro lado, partindo do que se fez publicar está legitimado todo tipo de intervenção penal, ainda que existam meios menos gravosos de se resolver à questão. Porém, o Direito Penal, é preciso que se tenha em mente, só tem lugar dentro de critérios de subsidiariedade, pois em se tratando do ramo do direito mais gravoso que é, eis que interfere na liberdade das pessoas com as penas privativas de liberdade, só deve ser considerada legítima em casos de grave lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos fundamentais [04].

Sob ótica inversa, então em 2001, partindo de condutas já previstas na esfera administrativa, são dispostos na legislação penal brasileira três crimes contra o mercado de capitais: manipulação de mercado; o uso indevido de informação privilegiada (insider trading) e o exercício irregular de cargo, profissão, atividade ou função, no sentido de reforçar a tutela desses bens jurídicos.

Desta forma, "poderá haver a responsabilização tanto do ponto de vista administrativo" [05]processo administrativo – "como do penal. É um reforço e a sinalização da importância desse bem - o mercado de capitais - que requer uma tutela jurídica mais ampla" [06]. Ou seja, "aquele processo pode redundar em um inquérito penal, e futuramente em uma ação penal" [07].

Isto porque quando são levantadas suspeitas de prática de uso privilegiado de informação, a CVM comunica o Ministério Público Federal, para que esse atue nas duas frentes: na cível e penal.

De um modo geral, pode-se reconhecer a complexidade do tema e, a dificuldade na colheita da prova. Este fato pode ser confirmado pelos números que nos dão conta, de menos de cinco denuncias ofertadas em casos de suposto uso de informação privilegiada. Sendo que as notícias indicam a existência de mais de duzentos procedimentos investigatórios abertos, com intuito de apurar tal delito. O que justifica a necessidade de intervenção da CVM, também na esfera penal.

Corroborando o acima escrito, calha transcrever o que disse o Procurador Federal RODRIGO DE GRANDIS, sobre o delito de insider tradibg "é um crime extremamente difícil de ser demonstrado: as provas são sempre indiretas, indiciárias e acabam por resvalar nos obstáculos da interpretação ainda tradicional do Direito Penal Econômico. É uma criminalidade moderna: um fenômeno novo" [08].

Vê-se que este novo tipo penal é de difícil apresentação, eis que opera um rompimento com o direito penal clássico e, por isso mesmo necessita de uma compreensão muito mais atenta, e também demanda um maior cuidado por parte do interprete, seja no que tange a aplicação concreta do instituto, seja no que diz respeito ao seu fundamento.


2. Fundamento

No mercado de capitais as informações são fundamentais essenciais para o comércio de valores mobiliários. Tais informações são imprescindíveis para as decisões dos investidores, das empresas e dos reguladores. Com efeito, certas informações recebem um tratamento sigiloso, e, ficam reservadas a um número limitado de pessoas. Por sua vez, tal sigilo se justifica dado a origem, natureza e função dessa informação, só sendo disponibilizada ao público em geral mais tarde.

De igual modo, o seu conteúdo e a sua adesão à realidade podem também variar. De toda sorte, o momento da divulgação e a qualidade da informação a divulgar, entre outros aspectos, condicionam e influenciam as decisões dos agentes no mercado e têm reflexos significativos sobre os preços que se formam.

Por isso mesmo, as normas que tratam do uso indevido de informação privilegiada, quer na esfera penal, quer na esfera do direito administrativo sancionador, obedecem aos mesmos princípios e apresentam redação bastante similar, cabendo, portanto, a sua análise em conjunto [09].

A propósito, a lei brasileira proíbe a transmissão e o uso indevidos dessa informação enquanto a mesma não for tornada pública. Antes disso, a sua utilização é restrita ou mesmo proibida. Desta forma, procura-se garantir o acesso à informação pela generalidade dos investidores em condições mínimas de igualdade, usando para o efeito como referente temporal o momento em que a informação é levada a público.

Demais disso, a transmissão ou utilização indevida de informação privilegiada, antes de sua pública divulgação, pode comprometer o regular funcionamento do mercado, e, conforme o caso frustrar as operações em curso e, por conseguinte gerar vantagens ilícitas para alguns investidores em detrimento dos demais.

Bem por isso, a lei considera que tais fatos constituem crime, quando praticados por determinadas pessoas e de forma dolosa.

Por sua vez, ao proibir penalmente estas condutas a lei pretende reforçar a confiança dos investidores no funcionamento dos mercados de valores mobiliários, regulando as condições de circulação da informação privilegiada (relevante) ou a possibilidade de uso negocial da mesma. Entretanto, a que se saber o que vem a ser considerada informação relevante.


3. Definição de Informação Privilegiada

O artigo 13 da Instrução CVM [10] Nº 358/2002, define como informação privilegiada aquela que:

"Antes da divulgação ao mercado de ato ou fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, é vedada a negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta, pelos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas, tenha conhecimento da informação relativa ao ato ou fato relevante.

§ 3º - A vedação do caput também prevalecerá:

.............................................................................

II – em relação aos acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores e membros do conselho de administração, sempre que estiver em curso a aquisição ou a alienação de ações de emissão da companhia pela própria companhia, suas controladas, coligadas ou outra sociedade sob controle comum, ou se houver sido outorgada opção ou mandato para o mesmo fim."

Percebe-se que informação privilegiada é o fato relevante ocorrido nos negócios da companhia, e de que tenha ciência os acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração, do conselho fiscal e de quaisquer órgãos com funções técnicas ou consultivas, criados por disposição estatutária, ou por quem quer que, em virtude de seu cargo, função ou posição na companhia aberta, sua controladora, suas controladas ou coligadas. Vedando-se a negociação com valores mobiliários de sua emissão, ou a eles referenciados, pela própria companhia aberta.

Por sua vez, fato relevante é aquele que pode influir, de modo ponderável, na decisão dos investidores de comprar ou vender os valores mobiliários da companhia [11].

Pode-se citar como exemplo de fato relevante "a aquisição de ações por membro do Conselho de Administração antes da divulgação pela companhia de decisão do Conselho que aprovou a aquisição das próprias ações" [12].

Ademais, para a própria CVM, nos termos do art. 2º, da Instrução Normativa n. 358/2002, fato relevante é toda e qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável:

I – na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados;

II – na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores;

III – na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados [13].

Assim, para fins de caracterização do tipo em estudo, informação relevante será aquela que se inclua na definição prevista na norma emanada órgão regulador e fiscalizador do mercado de capitais [14].

É importante que se diga que ainda que a CVM tenha concluído que houve certa irregularidade por parte dos administradores de determinada S/A, por suposto descumprimento das disposições do art. 13, da Instrução Normativa n. 358/2002, (fato este que deve ser apurado em Processo Administrativo Sancionador CVM), e, ainda que tenha sido aprovado termo de compromisso por eles apresentado perante o órgão colegiado da CVM, ainda, assim será necessário a demonstração do pratica criminosa, para que se possa cogitar do crime esculpido no art. 27-D, da Lei n. 6.385/1976.

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Desta forma, cabe indagar, ainda, se a utilização de informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e, da qual deva manter sigilo, é capaz de constituir também uma infração penal.


4. Do tipo penal previsto na Lei n. 6.385/1976:

Na senda evolutiva dos fatos sociais, o sistema jurídico vem paulatinamente acolhendo novas ordens de direitos, afastando-se, assim, de uma concepção obsoleta que reconhecia como tais apenas aqueles bens ou interesses suscetíveis de apropriação ou inovação individual [15].

Para JUAN CARLOS CARBONELL MATEU [16], se de um lado o Direito penal vê-se contingenciado pelo princípio da intervenção mínima, por outro, não há renunciar-se ao Direito Penal nas zonas onde sua atuação é necessária. É dizer, se o princípio da intervenção mínima se contrapõe à denominada fuga ao Direito Penal, também pouco a fuga do Direito Penal revela-se como solução, não se mostrando aceitável a afirmação de que o Direito Penal não pode ou não deve intervir onde não exista um bem jurídico individual clássico.

A propósito, "a atual configuração do modelo penal brasileiro, em função do surgimento gradual de uma série de leis que determinaram o deslocamento do seu foco de tutela de bens individuais para bens coletivos, distancia-se – ao contrário do que sustentam os penalistas adeptos de um "minimalismo garantístico" – de um padrão de intervenção mínima, e coloca, pelos menos hipoteticamente, a possibilidade de subversão de grande parte de uma hegemonia histórica nas relações de poder sustentadas e reproduzidas, em não desprezível parcela, pela aplicação da lei penal".

Sob esta nova ótica nasce, em 31 de outubro de 2001, a Lei n. 10.303, trazendo dentre os seus tipos incriminadores, um em especial que ora iremos nos ocupar o art. 27-D, cuja denominação é uso de informação privilegiada.

Com efeito, veja o que dispõe o mencionado artigo:

"Utilizar informação relevante ainda não divulgada ao mercado, de que tenha conhecimento e da qual deva manter sigilo, capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida, mediante negociação, em nome próprio ou de terceiro, com valores mobiliários".

A pena à que se sujeita quem praticar tal delito [17], é a de reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa de até 3 (três) vezes o montante da vantagem ilícita obtida em decorrência do crime.

Dado ao seu pouco tempo de existência como tipo penal, calha acentuar que o estudo por parte da doutrina brasileira ainda é incipiente. Não obstante, os poucos que comentaram o tema terem apontado como desiderato do art. 27-D, da Lei n 6.385 de 1976, a manutenção do regular funcionamento dos mercados de valores mobiliários em bolsa de valores, de mercadorias e de futuros, no mercado de balcão ou no mercado de balcão organizado, que não pode ficar despido de proteção penal, haja vista a relevância do bem jurídico tutelado.


5. Bem jurídico

A política mundial trouxe sensíveis reflexos na dogmática penal e na criminologia, de vez que, a par da intensa discussão quanto à identificação do bem jurídico objeto dessa tutela, no momento atual o debate já não se versa mais sobre a criminalidade dos despossuídos, leitmov da doutrina penal durante todo o século XIX e boa parte do século XX, senão, preponderantemente, a criminalidade dos poderosos e das empresas (crimes of the powerful – coporate and business crime), em relação a quem, cada vez mais, se está se dirigindo o poder punitivo estatal [18].

Por isso, mesmo contemporaneamente, as condutas que, regra geral, somente podem ser praticadas por quem possui uma quota considerável de patrimônio individual, e constituem-se como indesejáveis por violarem bens e interesses de natureza coletiva, compõem um novo quadro de comportamentos cuja caracterização delituosa ainda encontra sérias resistências, especialmente por alguns setores da dogmática tradicionalmente comprometidos com a proteção única e exclusiva de interesses individuais. Isto revela uma face do conflito pelo poder instalado no cerne do direito penal, que se traduz num embate de paradigma, cuja superação põe-se, historicamente, como tarefa fundamental.

Para LENIO STRECK [19] "não há dúvida, pois, que as baterias do direito penal do Estado Democrático de Direito devem ser direcionadas para o combate dos crimes que impedem a concretização dos direitos fundamentais nas suas diversas dimensões. Neste ponto, aliás, entende este autor "que é neste espaço que reside até mesmo uma obrigação implícita de criminalização, ao lado dos deveres explícitos de criminalizar constantes no texto constitucional".

Em essência, o que se busca com essa contextualização do Direito Penal no ambiente socioevolutivo contemporâneo é advertir para o fato de que lesões indesejadas a bens jurídicos tradicionais – como a vida, a saúde, a dignidade humana, etc. – podem decorrer de ataques que não necessariamente lhe sejam diretos, mas que nem por isso deixam de atingi-los severamente [20].

Daí porque, na opinião de JUAN M. TERRADILLOS BASOCO "o legislador, ao erigir determinados bens jurídicos coletivos à categoria de objetividades jurídico-penais não está procedendo a uma "artificiosa criação de bens jurídicos sem conteúdo", porquanto são "tão reais e referíveis à pessoa como os tradicionais bens jurídicos individuais"" [21].

Com efeito, nem sempre é fácil identificar o bem jurídico, e como nos dias atuais, cada vez mais se diz que a função do direito é a de proteger bens jurídicos penalmente tutelados, a existência de dissídios quanto a delimitação do bem jurídico, pode até mesmo, obstar a proteção penal, que se pretendia quando da tipificação de determinada conduta em lei penal [22].

Nessa linha de pensamento, "não se concebe a existência de uma conduta típica que não afete um bem jurídico, posto que os tipos não passam de particulares manifestações de tutela jurídica desses bens" [23].

Porém é importante conhecer o alerta de HASSEMER [24] acerca da falácia da proposição de interpretar as normas penais segundo a sua finalidade de proteger bens jurídicos. Explicava HASSEMER que, "com isso, o que, no fundo, se conseguia, era intensificar e fortalecer o poder punitivo, em vez de limitar o seu alcance".

Nesse sentido acrescenta JUAREZ TAVARES [25] que "a melhor orientação é a de elevar o bem jurídico a uma outra categoria. Em vez de ser tratado como objeto de proteção, deve assumir a posição de objeto de referência necessário da incriminação. Isto implica exigir, em qualquer incriminação, a demonstração de a conduta haver lesado ou posto em perigo o respectivo bem jurídico".

No caso do tipo penal do art. 27-D, da Lei 6.385/76, calha observar com JOÃO CARLOS CASTELLAR [26] que "a identificação correta do bem jurídico é assunto que tem gerado alguma controvérsia na doutrina". Dito de outra forma, a identificação do bem jurídico no delito de uso de informação privilegiada está longe de ser algo pacífico.

A propósito, entendem alguns, que tutelando o princípio da transparência de informações, essencial ao desenvolvimento a estabilidade e, a eficiência do mercado de capitais, está se protegendo o próprio mercado. Noutras palavras, o que realmente se visa proteger é regular funcionamento do mercado de capitais.

Também, pode ser considerado como bem jurídico objeto de tutela, a proteção da confiança e do patrimônio dos investidores que aplicam seus recursos no mercado de capitais.

Ainda há quem aponte um bem jurídico imaterial, constante do tipo que é a "informação relevante", ou seja, a comunicação ou notícia trazida ao conhecimento de uma pessoa, sendo identificável, intangível, mas presente no mundo cultural, sendo o substrato sobre o qual se incorporam os valores sociais a que o direito visa proteger [27].

Já para FREDERICO DE LACERDA PINTO COSTA [28] "a incriminação ‘concretamente, visa proteger a função pública da informação, enquanto ‘justo critério de distribuição do risco do negócio no mercado de valores mobiliários’, salientando o autor que ‘está em causa, na verdade, a igualdade (meramente funcional) perante um bem econômico (a informação) necessário para a tomada de decisões econômicas racionais".

No entanto, não é a divulgação antecipada de qualquer informação que atinge o bem jurídico, mas sim aquela que tenha o condão de interferir efetivamente no bom andamento das negociações do mercado, sob pena de se olvidar o princípio da lesividade.

Ademais, nos crimes dolosos, a atuação se dirige contra o bem jurídico ou contra o sistema de conduta necessário a evitar o perigo ou a lesão do bem jurídico. Na espécie importa verificar se a direção da conduta contrária ao sentido da norma. Pois o que é valorado, por conseguinte, é tanto a direção contrária à norma (desvalor do ato), quanto a consecução do objetivo visado pela conduta e proibido pela norma (desvalor do resultado) [29].

JOÃO CARLOS CASTELLAR entende que o bem jurídico penalmente tutelado na espécie é "a proteção da confiança no correto funcionamento do mercado". Para esse autor "a confiança dos investidores tem um importante significado, motivo pelo qual sua tutela deve conseguir-se mediante uma política de ordenação estatal e de estabilidade nas condições de atuação dos operadores econômicos" [30].

Portanto, o bem jurídico objeto da tutela penal no delito de uso indevido de informação privilegiada estará na proteção da confiança que deve imperar no mercado de valores mobiliários, pois é este bem que estimula os investidores a aplicarem seus recursos neste mercado, e, concomitantemente, na proteção do patrimônio dos investidores que negociarem com o insider desconhecendo determinada informação relevante, pois estes correm o risco de sofrerem diminuição do seu patrimônio em virtude da desvantagem com que operam [31].

É de se observar que não se duvida da existência do crime de insider trading, no direito brasileiro, sem a efetiva demonstração de ofensa/afetação ao bem jurídico penalmente tutelado, - proteção a confiança - como não se duvida da existência de bruxas e OVNIS. Por isso mesmo, entende-se que a norma penal é expressa no sentido de exigir que a informação utilizada pelo sujeito ativo, seja capaz de propiciar, para si ou para outrem, vantagem indevida mediante negociação, em nome próprio ou de terceiros com valores imobiliários, pois, não há como se concretizar a vantagem indevida, sem que haja um resultado desvalorado.

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Sobre o autor
Edemilson Mendes da Silva

advogado em Joinville, Presidente da Comissão de Estudos Jurídicos e Legislativos da Subseção de Joinville 2010/2012. Especialista em Ciências Penais pela Universidade do Sul de Santa Catarina em parceria com a Rede de ensino LFG; Pós-Graduando em Direito Socioambiental pela PUC/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Edemilson Mendes. "Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidade delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2839, 10 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18869. Acesso em: 19 abr. 2024.

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