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"Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidade delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976

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10/04/2011 às 10:36
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16. Benefícios legais

Incabível a transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95 c.c. o artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/01), vez que a pena privativa de liberdade máxima cominada é de cinco anos.

Aplicável o artigo 89 da Lei nº 9.099/95, ou seja, suspensão condicional do processo, uma vez que a pena mínima abstratamente cominada é de um ano.


17. Competência

Pensamos que a competência de regra é da justiça estadual, eis que inexiste qualquer disposição legal que desloque tal competência, conforme exige o art. 109, inc. VI, da Carta da República.

A propósito, quanto a necessidade de disposição legal, importante registrar que os crimes praticados contra o sistema financeiro nacional são de competência da justiça federal, porque assim estabeleceu a Lei nº. 7.492/1986, no caput de seu art. 26:

"A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal".

Corroborando o que dissemos, ainda que por via oblíqua, FAUSTO MARTIN DE SANCTIS [44] critica o equivoco da lei de referencia, nos seguintes termos:

"o legislador, s.m.j., equivocou-se por não determinar expressamente que ela seria da Justiça Federal, como acertadamente consignou no art. 26, caput, da lei que definiu os crimes contra o Sistema Financeiro Nacional".

Contudo, por dever de informação, é importante registrar que já existem manifestações em sentido contrário. Veja por exemplo a decisão do juízo da 6ª Vara Federal de São Paulo, prolatada pelo juiz Cavali, entendendo que "em casos de insider a competência é de uma das varas especializadas, pois os delitos contra este mercado constituem delitos contra o Sistema Financeiro Nacional" [45].

Ademais, na visão daquele magistrado, "a ofensa é direta e frontal a bem ou interesse da União, eis que a utilização da informação privilegiada gera a desconfiança de todos os atores do mercado, o que pode implicar na alteração dos investimentos realizados, com prejuízos evidentes ao país" [46].

Também nesse sentido, ressaltam CÉSAR ROBERTO BITTENCOURT e JULIANO JOSÉ BREDA [47] que, "em face do evidente interesse da União na manutenção de um mercado de capitais imune à utilização de informações privilegiadas e como a fiscalização e a regulamentação do mercado de capitais são de atribuição da autarquia da União, parece indiscutivelmente presente o requisito constitucional que determina a competência da Justiça Federal para o processo e o julgamento desse crime".

A competência para julgamento do tipo descrito no art. 27-D, da Lei n.º 6.385/76, ainda não foi analisada pelos tribunais superiores. Porém, alguns se valem de decisões desses tribunais, que analisando dispositivos outros da referida lei, afirmaram ser a competência da Justiça Federal [48][49].

Contudo, não nos parece seja está a interpretação mais adequada, primeiro porque inexiste qualquer disposição legal que desloque tal competência, conforme exige o art. 109, inc. VI, da Carta da República, desta forma não porque se arrastar a competência para uma vara federal, sob pena de por si só afronto o princípio do juiz natural e, mormente em se tratando de direcioná-la a uma vara especializada em crimes financeiros, pois como demonstramos alhures o bem jurídico em questão não é o sistema financeiro nacional e, sim "a proteção da confiança no correto funcionamento do mercado" [50].

Ademais, não restam dúvidas de que a competência para processar e o crime em comento só pode ser da justiça estadual, exceto se presente em jogo algum bem, serviço ou interesse da União, conforme estabelece o art. 109, inc. VI, da Carta da República.


Notas

  1. Disponível em: <http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40> Acesso em: 12.06.2010.
  2. Idem.
  3. Essa assertiva é do procurador Federal Rodrigo de Grandis. Disponível em: <http://www.bmfbovespa.com.br/juridico/noticias-e-entrevistas/Noticias/091030 No tA.asp> Acesso em: 06.06.2010.
  4. Nesse sentido: Luiz Regis Prado assevera que "a sanção penal só deve ser considerada legítima em casos de grave lesão ou perigo de lesão a bens jurídicos fundamentais, como ultima ratio legis, na falta absoluta de outros meios jurídicos eficazes e menos gravosos. Essa tendência político-criminal restritiva do jus puniendi deriva do Direito Penal moderno e da concepção material de Estado de Direito" in Direito penal do ambiente. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: RT, 2009, p. 127.
  5. Idem.
  6. Idem.
  7. Idem.
  8. Idem.
  9. EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de capitais - regime jurídico. 2 ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro; Renovar, 2008, p. 536.
  10. Sigla para: Comissão de Valores Mobiliários.
  11. EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de capitais - regime jurídico. 2 ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro; Renovar, 2008, p. 466.
  12. Nesse sentido já decidiu a CVM em processo administrativo sancionador: Configura uso indevido de informação privilegiada a aquisição de ações por membro do Conselho de Administração antes da divulgação pela companhia de decisão do Conselho que aprovou a aquisição das próprias ações – Incidência do disposto no artigo 13, § 3º, Inciso II, da Instrução CVM nº 358/02. (CVM - PROCESSO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR CVM Nº RJ 2003/5627)
  13. Art. 2º, da INSTRUÇÃO NORMATIVA n. 358, de 03 de janeiro de 2002.
  14. CASTELLAR, João Carlos. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 102.
  15. FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, p. 54.
  16. Derecho penal: concepto y princípios constitucionales, 3, ed. Valencia: Tirant lo Blanch Alternativa, 1999, p. 203.
  17. ZAFFARONI, nos ensina que "’o delito’ e uma construção destinada a cumprir certa função sobre algumas pessoas e a cerca de outras, e não uma realidade social individualizável".
  18. SILVA SÁNCHEZ, Jesus Maria, A expansão do direito penal – aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais (tradução da 2ª ed. espanhola por Luiz Otavio de Oliveira Rocha), São Paulo: RT, 2002, p. 54.
  19. Disponível em: <http://leniostreck.com.br/index.php?option=com_docman&Itemid=40> Acesso em: 12.06.2010.
  20. TERRADILLOS BASOCO, Juan M. "La Constituicón penal. los derechos de la libertad", in Las sombras del sistema constitucional Español, Madrid: Trotta, 2003, p. 59.
  21. Idem, p. 59.
  22. De toda sorte, a identificação de um bem jurídico penalmente tutelado é indispensável, seja ele coletivo, seja ele individual, contudo não substitui o princípio unificador do direito penal, qual seja a conduta humana, pois sem ele não há que se falar sequer em fato típico.
  23. Isto é assim, porque o conceito de crime exige que determinado comportamento humano esteja previamente tipificado em lei, mas não é so ainda se exige a antijuridicidade e a culpabilidade. Ou seja, sem conduta humana, não há que se falar em crime.

    De outro lado, não se desconhece que o conceito analítico de crime, hodiernamente venha sofrendo certa mitigação. Contudo, não nos parece a posição mais correta, pois se se entender assim, o direito penal regulará qualquer coisa, desde que esteja presente um bem jurídico penalmente tutelado.

  24. ZAFFARONI, p. 462.
  25. Apud in Teoria do crime culposo. 3ª ed. integralmente rev., e ampl., Lumen Juris: Rio de Janeiro: 2009, p. 233.
  26. Teoria do crime culposo. 3ª ed. integralmente rev., e ampl., Lumen Juris: Rio de Janeiro: 2009, p. 233.
  27. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 102.
  28. Crimes contra o sistema financeiro nacional e o mercado de capitais, p. 28.
  29. Apud in Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 102.
  30. Nesse sentido: TAVARES, Juarez. Teoria do crime culposo. 3ª ed. integralmente rev., e ampl., Lumen Juris: Rio de Janeiro: 2009, p. 242.
  31. Idem, p. 106-107.
  32. Ibidem, p. 108.
  33. Comissão de valores mobiliários, processo administrativo sancionador nº 04/2004, Rel. Dir. Marcelo Fernandez Trindade, j. 28.06.2006. Nesse sentido Insider Traning. Regime jurídico do uso de informações privilegiadas no mercado de capitais. PROENÇA, Marcelo Augusto Martins. São Paulo: Quarter Latin, 2004, p. 320.
  34. Insider primário é aquele que detem acesso a informação privilegiada em razão de uma condição pessoal sua, ou ainda, pelo exercício de função que lhe permita acesso direto a informações privilegiadas. São as pessoas que recebem, diretamente, a informação privilegiada de sua fonte e tem conhecimento especializado suficiente para saber que tal informação é relevante. Insider secundário é aquele que recebe a informação privilegiada, direta ou indiretamente, dos insiders primários, e que não está sujeito ao dever de sigilo imposto aos administradores. Nesse caso, cabe à Comissão de Valores Mobiliários ou ao prejudicado, a prova que este teve acesso à informação.
  35. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 120-121.
  36. Crimes contra o sistema financeiro nacional e o mercado de capitais, p. 29.
  37. Idem, p. 29-30.
  38. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 108.
  39. EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariadna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUE, Marcus de Freitas. Mercado de capitais - regime jurídico. 2 ed. revisada e atualizada. Rio de Janeiro; Renovar, 2008, p. 547.
  40. PAULA, Áureo Natal de. Crimes contra o sistema financeiro nacional e o mercado de capitais, Curitiba: Juruá, 2008, p. 33
  41. DE SANCTIS, Fausto Martin. Punibilidade no sistema financeiro nacional, Campinas: Millenium, 2003, p. 113.
  42. ZAFFARONI, Eugenio Raúl, PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. 4. ed. rev. São Paulo: RT, 2002, p. 460.
  43. Idem, p. 459.
  44. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 35.
  45. Punibilidade no sistema financeiro acional. Campinas: Millenium, 2003, p. 117/118.
  46. JFSP: Ação penal n. 2009.61.81.009474-9. Também nesse sentido já decidiu o juiz federal Márcio Rached Millani, "é de competência da Justiça Federal e da vara especializada, e decidiu pela competência de ambas, prevalecendo os entendimentos de que o mercado de capitais é parte integrante do Sistema Financeiro Nacional e que existe o interesse da União e, logo, da Justiça Federal, pois as informações privilegiadas podem afetar todo o sistema do mercado de ações, causando prejuízo ao país" Eis que, no entendimento do referido magistrado "a utilização de informação privilegiada gera a desconfiança de todos os atores do mercado, o que pode implicar na alteração dos investimentos realizados, com prejuízos evidentes ao país". Disponível em: <http://www.prsp.mpf.gov.br/sala-de-imprensa/noticias_prsp/25-05-09-2013-insider-justica-recebe-denuncia-do-mpf-sp-e-chama-acusados-a-se-defender> Acesso em: 06.06.2010
  47. Idem.
  48. Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e contra o Mercado de Capitais. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 368.
  49. STF: RE 502.915-8/SP, DJ 27/4/07:
  50. Também correto o recorrente ao afirmar que os crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira devem ser julgados pela Justiça Federal - ainda que ausente na legislação infraconstitucional disposição nesse sentido -, quando se enquadrem os fatos em alguma das hipóteses previstas no artigo 109, IV, da Constituição.

    (...)

    Data venia, contudo, estou convencido de que o art. 109, VI, da Constituição, não esgota a disciplina quanto à competência da Justiça Federal relativamente aos crimes contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira.

    Referido inciso, na verdade, antes amplia do que restringe a competência da Justiça Federal: possibilita ele, com efeito, que a partir das peculiaridades de determinadas condutas lesivas ao sistema financeiro e à ordem econômico-financeira, possa a legislação ordinária subtrair da Justiça estadual a competência para julgar causas que se recomenda sejam apreciadas pela Justiça Federal, mesmo que não abrangidas pelo art. 109, IV, da Constituição.

    Do contrário, poderiam surgir situações em que o crime seria julgado pela Justiça estadual mesmo que cometido contra bens, serviços e interesses, por exemplo, do Banco Central, com repercussões quiçá em toda a ordem econômico-financeira brasileira.

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  51. STJ: CC 82.961/SP, DJ 22/06/2009.
  52. Insider trading: e os novos crimes corporativos, Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2008, p. 102.
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Sobre o autor
Edemilson Mendes da Silva

advogado em Joinville, Presidente da Comissão de Estudos Jurídicos e Legislativos da Subseção de Joinville 2010/2012. Especialista em Ciências Penais pela Universidade do Sul de Santa Catarina em parceria com a Rede de ensino LFG; Pós-Graduando em Direito Socioambiental pela PUC/PR.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Edemilson Mendes. "Insider trading". Uso indevido de informação privilegiada: modalidade delitiva prevista no art. 27-D da Lei nº 6.385/1976. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2839, 10 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18869. Acesso em: 22 dez. 2024.

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