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A inversão do encargo probatório e do ônus financeiro em demandas ambientais.

Análise crítica do acórdão proferido no REsp 972.902/RS

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4. Inversão do Ônus da Prova em Demandas Ambientais.

4.1. Aplicação do art. 6°, inc. VIII, CDC, à Ação Civil Pública em Defesa do Meio Ambiente.

Com a entrada em vigor do art. 6°, inc. VIII, do Código Consumerista, que trata da inversão do ônus da prova, a regra estática de distribuição do encargo probatório, prevista no art. 333 do CPC, foi mitigada no que diz respeito às demandas que versem sobre interesses transindividuais. A intenção inicial do legislador foi exatamente a de facilitar a defesa do consumidor em juízo.

Contudo, o fato da inversão do ônus da prova se encontrar prevista no art. 6°, inc. VIII, do CDC, levanta questionamentos acerca da aplicação desse dispositivo a demandas ambientais. Isso porque, a Lei da Ação Civil Pública, em seu art. 21, dispõe que:

"Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".

Ocorre que a previsão de inversão do ônus probatório não se encontra inserida entre os dispositivos que compõem o Título III do CDC, forçando-nos a indagar se tal teoria, em que pese se encontrar fora daquele Título, encontrar-se-ia abrangida pelo art. 21 da LACP e, por conseqüência, se a inversão do onus probandi seria aplicável à tutela de outros interesses transindividuais, em especial aqueles voltados à proteção do meio ambiente.

Segundo os ensinamentos da esmagadora posição doutrinária, o Código Consumerista veio, de fato, polarizar o subsistema processual coletivo, criando um verdadeiro subsistema de normas processuais a ser imediatamente aplicado a todas as demandas coletivas, inclusive as que envolvem interesses ambientais.

Nesse sentido, uma interpretação sistemático-teleológica do art. 21 da LACP indica que sua remissão ao Titulo III do CDC faz referência à adoção, na Ação Civil Publica, das regras processuais previstas no Código de Defesa do Consumidor. Sendo assim, considerando-se que a técnica da inversão é inegavelmente uma regra processual, estaria ela incluída nas normas do CDC cuja aplicação se estende à Ação Civil Publica.

Nesse mesmo sentido, entendem os eminentes doutrinadores Nelson e Rosa Nery, Celso Fiorillo, Hugo Mazzilli, José Rubens Morato Leite e Marcelo Buzaglo Dantas, assim como a jurisprudência dominante:

EMENTA: O instituto da inversão do ônus da prova, independentemente do título em que esta disposto no Código de Defesa do Consumidor, pode ser aplicado nas ações civis publicas, desde que as circunstancias fáticas assim o autorizem. (TJPR, Processo: 334622-7/01, Agravo Regimental Cível, Órgão Julg.: 5ª. Câmara Cível, Relator: Desembargador Leonel Cunha, 22.05.2006)

Ainda, segundo Marcelo Abelha [17]:

"Ora, sendo o art. 6°, VIII uma norma de direito processual civil, é ilógico que não se entenda contida como contida esta regra de inversão do ônus da prova na determinação do art. 21, da LACP. Destarte, o fato de se encontrar o dispositivo fora do rol do Titulo III, embora ontologicamente seja ta,bem uma regra de direito processual, não afasta a premissa de que o art. 6°, VIII do CDC é regra principiológica de diploma que se projeta em todo o Código, inclusive sobre o referido título que cuida do direito processual civil".

Em sentido contrário, o eminente jurista Édis Milaré, na 6ª. edição de seu livro Direito do Ambiente, discorre que a inversão do ônus da prova está a desafiar regra legal expressa:

"Todavia, por mais justificável que seja, do ponto de vista filosófico, a inversão do ônus da prova em favor da defesa dos valores ambientais, não se pode aplaudir irrestritamente qualquer violência aos cânones do Estado de Direito.

Sim, porque os cidadãos também têm direitos e eles precisam ser respeitados.

Como visto, é princípio jurídico assente que não se pode socorrer analogicamente quando esta leve à restrição de direitos. Atualmente, a inversão do ônus da prova em matéria ambiental, segundo a rigorosa dicção do art. 21 da Lei 7.347/1985, violenta postulados básicos, como o devido processo legal e a isonomia entre as partes.

Para que se resguarde o Estado de Direito, de um lado, e se assegure a defesa do meio ambiente, de outro, a inversão do ônus da prova, no caso, está a desafiar regra legal expressa, a exemplo do que fez o CDC nas relações de consumo." [18]

Entendemos que a inversão do ônus da prova é técnica processual, não tratando de regra de direito material, integrando, por isso, o subsistema do processo coletivo embora não se encontre entre os dispositivos do Título III do CDC, aplicando-se, por conseguinte, a qualquer interesse difuso, mormente à tutela do meio ambiente.

4.2. Requisitos Autorizadores da Inversão. Hipossuficiência e/ou Verossimilhança nas Demandas Ambientais.

Na doutrina, verifica-se que, em geral, o posicionamento dominante é favorável à aplicação das regras de inversão do ônus da prova quando se tratam de demandas ambientais [19].

Segundo Celso Fiorillo [20], o tratamento diferenciado que a Constituição Federal oferece ao bem ambiental justifica a transferência, em regra, do ônus probatório ao poluidor, numa aplicação do art. 6°, inc. VIII, do CDC, de modo a equilibrar a relação poluidor/pessoa humana.

Tratando especificamente da demanda ambiental, Clóvis da Silveira afirma que, neste tipo de lide, sempre haverá hipossuficiência, em maior ou menor grau, para o demandante. Até mesmo porque a hipossuficiência é em razão da coletividade, da sociedade, titular do direito metaindividual.

Entendemos que o posicionamento mais acertado vige no sentido de que, estando presente a hipossuficiência e a verossimilhança (ainda que em grau mínimo) do autor de demanda ambiental, deve o magistrado inverter o ônus probante, atribuindo-se este a quem tem melhores condições de produzir a prova. Nesse sentido, segue decisão do Superior Tribunal de Justiça:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROVA PERICIAL. INVERSÃO DO ÔNUS. ADIANTAMENTO PELO DEMANDADO. DESCABIMENTO. PRECEDENTES.

I - Em autos de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual visando apurar dano ambiental, foram deferidos, a perícia e o pedido de inversão do ônus e das custas respectivas, tendo a parte interposto agravo de instrumento contra tal decisão.

II - Aquele que cria ou assume o risco de danos ambientais tem o dever de reparar os danos causados e, em tal contexto, transfere-se a ele todo o encargo de provar que sua conduta não foi lesiva.

III - Cabível, na hipótese, a inversão do ônus da prova que, em verdade, se dá em prol da sociedade, que detém o direito de ver reparada ou compensada a eventual prática lesiva ao meio ambiente - art. 6º, VIII, do CDC c/c o art. 18, da lei nº 7.347/85.

IV - Recurso improvido. (STJ. REsp 1049822/RS. Rel. Min. Francisco Falcão. Primeira Turma. Julg: 23/04/2009)

A hipossuficiência nas demandas ambientais, como bem assevera Clóvis da Silveira [21], pode ser verificada sob vários aspectos:

(i) Hipossuficiência econômica: desequilíbrio econômico entre as partes que integram os pólos ativo e passivo. Comumente o autor de demandas coletivas, como associações, sindicatos, ou o próprio cidadão (no caso do autor popular), não possui recursos para custear a produção das dispendiosas provas periciais que normalmente envolvem as ações ambientais, o que configuraria uma desigualdade na condição processual das partes;

(ii) Hipossuficiência informativa: diz respeito à ausência de acesso às informações necessárias para comprovar o nexo de causalidade que permite responsabilizar o empreendedor;

(iii) Hipossuficiência técnica: considerando que os autores da ação civil pública obtivessem acesso às informações e dados pertinentes, que, a priori, não lhe são informados, ainda assim, há casos em que não saberiam manipulá-los ou deles obter um significado que possa ser traduzido em provas, o que, na prática, manteria a condição de desigualdade processual entre as partes.

(iv) Hipossuficiência científica: quando o autor coletivo se mostre hipossuficiente em demonstrar o liame causal em razão, justamente, da incerteza científica sobre os possíveis danos ou prejuízos ambientais advindos da instalação ou operação de determinadas atividades econômicas.

O segundo pressuposto para a inversão do ônus probante é a verossimilhança da alegação. É preciso, portanto, que o autor coletivo demonstre veracidade ou plausibilidade nas suas alegações, caso contrário não será possível a aplicação da técnica processual de inversão.

É preciso ter em mente que a possibilidade de concessão da inversão fundada exclusivamente na hipossuficiência do autor não deve ser utilizada para a implementação de abusos como a imposição de prova impossível sobre fato altamente improvável ao demandado. Por esse motivo, entendemos que, nos casos de hipossuficiência, sempre será necessária a demonstração, ainda que em grau mínimo, de verossimilhança para que se dê prosseguimento ao processo.

Assim, o simples requerimento de inversão sem a presença de seus requisitos não deve ser atendido, sob pena de desequilibrar-se indevidamente a relação processual.

Quanto aos limites à inversão do ônus da prova, Raul Nogueira [22] bem adverte:

"É preciso destacar-se que a inversão deverá, como regra, se referir a fatos específicos, e não a quaisquer fatos que ao autor interesse demonstrar. Se o reconhecimento judicial de seu direito depender de uma pluralidade de fatos, uns extremamente verossímeis ou cuja prova seja mais fácil à parte contraria em virtude da hipossuficiência do autor, e outros, não, a inversão só poderá abranger aqueles que, por se enquadrarem diretamente em seus requisitos justifiquem sua incidência. Dessa forma, é pacífico o entendimento de que, estando previstos os requisitos para tal (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do demandante), é possível a inversão do ônus da prova em demandas ambientais, aplicando-se, ao caso, o art. 6°, inc. VIII, do CDC, c/c art. 21 da LACP".

Dessa forma, é pacífico o entendimento de que, estando previstos os requisitos para tal (verossimilhança da alegação e/ou hipossuficiência do demandante), é possível a inversão do ônus da prova em demandas ambientais, aplicando-se, ao caso, o art. 6°, inc. VIII, do CDC, c/c art. 21 da LACP, devendo, contudo, ser coibidos os abusos da aplicação dessa técnica, sob pena de desequilibrar-se indevidamente a relação processual.

4.3. Inversão do Encargo Probatório Fundamentada no Princípio da Precaução Ambiental.

O princípio da precaução, que permeia a tutela do meio ambiente, orienta que, diante de situações de incerteza científica a respeito dos danos ou prejuízos ambientais que possam ser causados pela implementação de determinada atividade econômica, devem ser tomadas medidas de precaução, no sentido de minimizar os riscos provenientes dessa atividade, para que o risco não se transforme em dano ambiental.

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Nesse toar, em consonância com a teoria do risco integral (defendida por Antônio Herman Benjamin, José Afonso da Silva, Nelson Nery Júnior e Édis Milaré, dentre outros), associado à responsabilidade ambiental objetiva, transfere-se ao empreendedor o ônus de provar que a atividade não causará prejuízos ao meio ambiente. Trata-se da própria materialização do brocardo "in dubio pró meio ambiente".

Dessa forma, incidindo-se o princípio da precaução, entende-se que se teria uma transferência, não legal, mas principiológica, do ônus probatório ao empreendedor [23]. Para Clóvis da Silveira [24], "a efetivação da inversão do ônus da prova, tanto judicial como extrajudicialmente, seria, talvez, a mais plausível conseqüência normativa concreta da aplicação do princípio da precaução no direito brasileiro".

Em que pese simpatizarmos com esse posicionamento, entendemos pertinente esclarecer que não é possível aplicar o princípio da precaução isoladamente, como único fundamento para a inversão do ônus probatório em demandas ambientais.

O princípio da precaução existe, de fato, como corolário irretocável da caracterização da responsabilidade civil objetiva ambiental, transferindo ao empreendedor o risco da atividade, mas, no que tange à inversão do ônus probatório, esta não deve ser deferida se não presentes os demais requisitos processuais previstos no CDC, quais sejam, a hipossuficiência e verossimilhança da alegação. O princípio da precaução vem, aqui, reforçar a fundamentação da inversão, mas não ditá-la propriamente.

Marcelo Abelha destaca que o requisito da hipossuficiência previsto no CDC não se restringe ao aspecto econômico, pelo contrário, em se tratando de demanda ambiental, a hipossuficiência se revelará, na maioria das circunstâncias, no controle das informações e no aspecto técnico-científico da produção da prova e, servindo-se do principio da precaução, aponta que, em caso de dúvidas acerca de uma possível lesão a interesse ambiental, deve-se sempre assumir o pior e escolher o caminho mais favorável ao ambiente, dada sua essencialidade para a vida humana com qualidade.

Cumpre ressaltar ainda que o princípio da precaução somente poderá ser utilizado como fundamento para inversão do ônus probatório quando se tratar de demanda onde exista incerteza científica acerca dos prejuízos ou danos ambientais decorrentes de implementação de determinada atividade, ou seja, em caso de hipossuficiência científica do autor coletivo. Nas demais hipóteses, como hipossuficiência econômica, informativa, ou técnica, não há como se utilizar deste tipo de fundamento para respaldar a adoção da técnica processual de inversão.


5. Inversão do Ônus Financeiro em Demandas Ambientais.

Aspecto que se revela importante quanto ao alcance da inversão do ônus probatório é que diz respeito à responsabilidade quanto aos custos da produção da prova. O art. 18 da LACP (Lei Federal n° 7.347/85) preleciona que:

"Art. 18. Nas ações de que trata esta lei, não haverá adiantamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora, salvo comprovada má-fé, em honorários de advogado, custas e despesas processuais".

A primeira controvérsia acerca o tema versa sobre o alcance da aplicação desse dispositivo. Caberia ele somente aos legitimados ativos da ação civil pública ou também aos réus em demandas ambientais?

Segundo Celso Fiorillo, Hugo Mazzilli, Herman Benjamim e outros, as disposições do art. 18 só se aplicariam aos legitimados ativos da Ação Civil Pública, justamente porque, aqui, a mens legis da norma teria sido a de facilitar o ajuizamento de demandas que visem o interesse da coletividade (direito metaindividual). No que diz respeito ao réu, segundo esses autores, caberia a eles antecipar as despesas a que deram causa no processo, segundo o que dispõe o art. 19, do CPC, aplicado subsidiariamente.

Pois bem. Segundo esse entendimento, o réu não estaria albergado pela disposição do art. 18 da LACP, cabendo a ele, portanto, adiantar as despesas dos atos a que deu causa. Mas e quanto àqueles atos a que não deu causa, como por exemplo, perícia solicitada pelo autor ou Ministério Público, quem a custearia? Também o réu? E no caso dele se sair vencedor na demanda, quem o ressarciria?

Foi ponderando esses argumentos e contrapontos que o Ministro do Superior Tribunal de Justiça Dr. Teori Zavascki firmou entendimento no sentido de não existir, mesmo em se tratando de Ação Civil Pública, qualquer previsão normativa que imponha ao demandado a obrigação de adiantar recursos necessários a custear a produção da prova requerida pela parte autora, razão pela qual em seus votos, sempre prima por diferenciar a inversão do ônus probatório da inversão do ônus financeiro.

Segundo ele, independente de quem tenha o ônus de provar, cabe a cada parte prover as despesas dos atos a que deram causa, sendo plenamente aplicável as disposições dos arts. 19 e 33, CPC às demandas coletivas ambientais:

"Art. 19. Salvo as disposições concernentes à justiça gratuita, cabe às partes prover as despesas dos atos que realizam ou requerem no processo, antecipando-lhes o pagamento desde o início até a sentença; e bem ainda na execução, até a plena satisfação do direito declarado na sentença".

"Art. 33. Cada parte pagará a remuneração do assistente técnico que houver indicado; a do perito será paga pela parte que houver requerido o exame, ou pelo autor, quando requerido por ambas as partes ou determinado de ofício pelo juiz".

Para ele, portanto, essa é a sistemática comum: (a) cumpre à parte que requer o ato processual suportar as despesas necessárias à sua realização (princípio da causalidade); (b) o alcance desses recursos se dá em forma de adiantamento; (c) o autor da demanda deve antecipar o valor decorrente dos atos requeridos pelo Ministério Público ou requisitados pelo juiz; e (d) a parte vencida deverá ressarcir o vencedor ao final (princípio da sucumbência).

Não existiria, assim, qualquer imposição normativa que obrigue o réu a adiantar as despesas necessárias à realização de ato processual ou à produção de prova pericial requerida pelo autor, ainda que seja ele o Ministério Público. Tal obrigação, em seu entender, também não constaria no regime da ação civil pública.

Comentando o art. 18 da LACP, o Min. Teori Zavascki, em seu voto proferido no acórdão do REsp n° 538807/RS, assim se posicionou:

"Todavia, não se pode, nem longinquamente, extrair desse dispositivo a conclusão de que cabe ao réu adiantar as despesas correspondentes a atos processuais requeridos pelo autor. Ninguém desconhece as dificuldades práticas impostas pela dispensa de adiantamento estabelecida no dispositivo transcrito. Não há razão lógica ou jurídica, todavia, para simplesmente carregar ao réu o encargo de financiar ações civis públicas contra ele movidas. O direito de acesso ao Judiciário, em tais circunstâncias, deverá ser assegurado ao autor por outro modo. Eis o que pensa a doutrina a respeito:

'Ao dispensar o adiantamento de custas nas ações de caráter coletivo, a mens legis consiste em facilitar a tutela jurídica dos interesses transindividuais. Mas, se isso efetivamente inviabilizar a tutela, porque os peritos particulares não são obrigados a custear encargos públicos, então a Fazenda Pública deverá arcar com esse custeio. A ressalva que se faz ao teor do acórdão é a de que, se a ação estiver sendo movida pelo Ministério Público, como este é órgão do Estado, quem deve custear as diligências requeridas por ele não é o próprio Ministério Público, mas sim o respectivo ente público personalizado, ou seja, a União ou o Estado-membro, conforme o caso.(...) Assim, caberá à Fazenda antecipar as custas, se isso for necessário.' (MAZZILLI, Hugo

Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo. Editora Saraiva. 18ª ed. São Paulo, 2005, pp. 511-512).

'A LACP assume posição diametralmente oposta àquela adotada pelo CPC. Enquanto neste a regra é o adiantamento de custas e despesas processuais pelo autor ou parte que requereu o ato judicial (perícia, p.ex.), ex vi do art. 19, na ação civil pública prevalece regra em sentido oposto: se não haverá adiantamento de custas e despesas processuais (LACP, art.18). O que se explica pela natureza transindividual indivisível dos interesses difusos e coletivos e pela relevância social dos individuais homogêneos. Idêntico procedimento é adotado em relação à ação popular manejada pelo autor (qualquer cidadão) para anular ato lesivo ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural (CF, art. 5.°, LXXllI).

Se em relação às custas é tranqüilo o não-adiantamento, por serem parcelas devidas ao Poder Público, o mesmo não se pode dizer dos honorários periciais, quando a perícia deve ser feita por peritos particulares. Não adiantar, neste caso, seria impor a estes a obrigação de financiamento da perícia, por prazo geralmente longo, sem a garantia de recebimento a final. E isso deles não é viável exigir-se' (ALMEIDA, João Batista de. Aspectos Controvertidos da Ação Civil Pública. Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001, pp. 173-174)".

Também sobre o art. 18 da LACP, interessante trazer à colação trecho do voto do Min. Herman Benjamim proferido no julgamento do REsp 891.743/SP:

"O comando contido na referida norma, dada sua clareza, não pode ser desprezado. Recusar a isenção nela prevista, de forma indiscriminada, significaria negar-lhe validade, e não apenas interpretá-la.

Nesse ponto, chamo atenção para a Súmula Vinculante 10/STF: ‘Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte’.

Entendo que deve o magistrado primar pela realização de perícia, caso necessária, sem condicioná-la ao adiantamento dos honorários pelo autor, em observância à regra legal em comento.

Entretanto, quando no caso concreto tal medida for infrutífera, caberá ao autor adiantar os honorários se quiser a realização da perícia, por não ser possível compelir o expert a realizar seu trabalho sem prévio pagamento, nem o réu a arcar com o ônus financeiro da prova requerida pela outra parte.

É realmente controversa a questão do custeio das provas em ação civil pública, uma vez que, de fato, não consta em nosso ordenamento jurídico dispositivo que obrigue ao réu adiantar as despesas das provas requeridas pela parte autora, ainda que seja ela o Ministério Público.

A jurisprudência do STJ vem se alternando ao longo dos anos sobre a inversão do ônus financeiro e o adiantamento de honorários periciais em ações coletivas que versem sobre interesses transindividuais.

Em 2003, no julgamento do RESP 508.478/PR, que teve como relator o Min. José Delgado, o entendimento inicial era o de que, ao propor a Ação Civil Pública, o Ministério Público age na defesa de interesses metaindividuais, ou seja, da sociedade e que, diante do teor do art. 18 da LACP, não poderia prevalecer a aplicação do art. 33 do CPC. Segundo o entendimento do Ministro, o art. 18, dada natureza especial da matéria que regula, derrogaria a norma geral estatuída no CPC.

Já em 2006, o Ministro Teori Zavascki, no julgamento já mencionado do RESP 538807/RS, entendeu que caberia a cada parte prover as despesas dos atos a que deram causa, afirmando ainda que competiria ao autor adiantar as despesas de atos determinados pelo juiz ou pelo Parquet.

Em 2007, também o Min. Teori, no julgamento do RESP 846.529/MS, balizando sobre a necessidade de adiantamento dos honorários periciais pelo Ministério Público em ações civis públicas por ele propostas, entendeu pela incidência da Súmula 232/STJ (A Fazenda Publica, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do deposito prévio dos honorários do perito), afirmando que esse mesmo entendimento deve ser aplicado ao Ministério Público, nas demandas em que figura como autor em ACPs:

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADIANTAMENTO DAS DESPESAS NECESSÁRIAS À PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. ART. 18 DA LEI Nº 7.347/85. CPC, ART. 19.

1. Não existe, mesmo em se tratando de ação civil pública, qualquer previsão normativa que imponha ao demandado a obrigação de adiantar recursos necessários para custear a produção de prova requerida pela parte autora. Não se pode confundir inversão do ônus da prova ( = ônus processual de demonstrar a existência de um fato), com inversão do ônus financeiro de adiantar as despesas decorrentes da realização de atos processuais.

2. A teor da Súmula 232/STJ, "A Fazenda Pública, quando parte no processo, fica sujeita à exigência do depósito prévio dos honorários do perito". O mesmo entendimento deve ser aplicado ao Ministério Público, nas demandas em que figura como autor, inclusive em ações civil públicas.

3. Recurso especial a que se nega provimento. (REsp 846529/MS. Rel. Min. Teori Vazascki. Primeira Turma. Julg: 19/04/2007)

Entendimento esse que foi acompanhado no julgamento do RESP 733.456/SP, de relatoria do Min. Luiz Fux. (20/09/2007) e no RESP 933.079/SC, de relatoria do Min. Herman Benjamim (12/02/2008), deixando este, entretanto, registrado o seu voto contrário à tese. Foi esse último julgamento (RESP 933.079/SC), ocorrido em 12/02/2008, o responsável por finalmente uniformizar o entendimento da 1ª. Seção do STJ:

EMENTA: PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – HONORÁRIOS PERICIAIS – MINISTÉRIO PÚBLICO – ART. 18 DA LEI 7.347/85.

1. Na ação civil pública, a questão do adiantamento dos honorários periciais, como estabelecido nas normas próprias da Lei 7.347/85, com a redação dada ao art. 18 da Lei 8.078/90, foge inteiramente das regras gerais do CPC.

2. Posiciona-se o STJ no sentido de não impor ao Ministério Público condenação em honorários advocatícios, seguindo a regra de que na ação civil pública somente há condenação em honorários quando o autor for considerado litigante de má-fé.

3. Em relação ao adiantamento das despesas com a prova pericial, a isenção inicial do MP não é aceita pela jurisprudência de ambas as turmas, diante da dificuldade gerada pela adoção da tese.

4. Abandono da interpretação literal para impor ao parquet a obrigação de antecipar honorários de perito, quando figure como autor na ação civil pública.

5. Recurso especial provido.

ACÓRDÃO: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista do(a) Sr(a). Ministro(a) Castro Meira, acompanhando a divergência, a Turma, por maioria, deu provimento ao recurso, nos termos do voto da Sra. Ministra Eliana Calmon, que lavrará o acórdão." Votaram com a Sra. Ministra Eliana Calmon os Srs. Ministros Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região), Castro Meira e Humberto Martins. Não participou do julgamento o Sr. Desembargador Carlos Mathias - Juiz Convocado do TRF 1ª Região (art. 162, § 2º, do RISTJ). (REsp 933.079 / SC. Rel. Min. Herman Benjamim. Rel. do Acórdão Min. Eliana Calmon. Segunda Turma. Julg: 12/02/2008)

A justificativa para tanto é a impossibilidade de obrigar peritos que não são dos quadros públicos a arcar com tais despesas, especialmente em se tratando de perícias complexas e custosas, como geralmente ocorre com as perícias ambientais, que, por sua natureza, requerem equipes multidisciplinares.

Apesar da uniformização da 1ª. Seção do STJ, em 23/04/2009, o Min. Francisco Falcão, relator do RESP 1.049.822/RS, entendeu pela inversão do ônus financeiro, atribuindo ao réu o adiantamento das custas da perícia requerida pelo Ministério Público em Ação Civil Pública. Nesse julgamento, o Min. Teori Zavascki, apesar de ter demonstrado que no caso se estaria fazendo uma confusão entre inversão do ônus probatório e inversão do ônus financeiro, acabou sendo voto vencido.

Recentemente, o julgamento do RESP 891.743/SP, apreciado em outubro e publicado em 03/11/2009, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, ressaltando a uniformização de entendimento da 1ª. Seção do STJ, também reiterou a obrigação do Ministério Público de adiantar os honorários periciais em Ação Civil Pública de provas que ele requer. Eis ementa da decisão:

EMENTA: PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – HONORÁRIOS PERICIAIS – MINISTÉRIO PÚBLICO – ART. 18 DA LEI 7.347/85.

1. Na ação civil pública, a questão do adiantamento dos honorários periciais, como estabelecido nas normas próprias da Lei 7.347/85, com a redação dada ao art. 18 da Lei 8.078/90, foge inteiramente das regras gerais do CPC.

2. Posiciona-se o STJ no sentido de não impor ao Ministério Público condenação em honorários advocatícios, seguindo a regra de que na ação civil pública somente há condenação em honorários quando o autor for considerado litigante de má-fé.

3. Em relação ao adiantamento das despesas com a prova pericial, a isenção inicial do MP não é aceita pela jurisprudência de ambas as turmas, diante da dificuldade gerada pela adoção da tese.

4. Abandono da interpretação literal para impor ao parquet a obrigação de antecipar honorários de perito, quando figure como autor na ação civil pública. Precedentes.

5. Recurso especial não provido

Nesse julgamento é reforçada a necessidade de se afastar a interpretação literal do art. 18 da LACP, aplicando-se ao Ministério Público a obrigação de adiantar os honorários periciais. Destaque para o voto do Min. Herman Benjamim que, apesar de contrário, se rende à posição majoritária do STJ acerca da matéria.

Cria-se, portanto, um impasse que trava todo o processo ambiental. Inverte-se o ônus da prova, mas não se inverte o ônus financeiro. Quem custeará então as despesas decorrentes da realização de atos processuais? Como resolver tal situação frente à disposição do art. 18, da LACP, que determina que não haverá adiantamento de honorários periciais e quaisquer outras despesas em ação civil pública?

Foram justamente essas indagações que se procuraram responder no acórdão do REsp n°. 972.902/RS (2007/0175882-0), de relatoria da Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon, em julgamento ocorrido em 25 de agosto 2009, cuja análise objetiva será realizada nas próximas linhas.

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Sobre a autora
Laura Lícia de Mendonça Vicente

Advogada. Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP. Especialista em Direito Ambiental pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICENTE, Laura Lícia Mendonça. A inversão do encargo probatório e do ônus financeiro em demandas ambientais.: Análise crítica do acórdão proferido no REsp 972.902/RS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2845, 16 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18919. Acesso em: 26 abr. 2024.

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