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A inversão do encargo probatório e do ônus financeiro em demandas ambientais.

Análise crítica do acórdão proferido no REsp 972.902/RS

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7. Conclusão

De todo o exposto, a nosso ver, inquestionável a possibilidade de inversão do ônus da prova em causas ambientais, ante a interpretação do art. 6°, VIII, CDC c/c art. 21 da LACP, desde que presentes os requisitos da verossimilhança da alegação e hipossuficiência (econômica, técnica, informativa ou científica) do autor coletivo, somente podendo o magistrado utilizar do princípio da precaução como fundamento principiológico para a inversão do ônus probatório quando na demanda estiver patente a hipossuficiência científica da parte autora.

Não obstante, diante de tantas controvérsias sobre a matéria, seria providencial a edição de uma norma que tratasse especificamente da distribuição do ônus da prova em demandas ambientais, orientada pela teoria dinâmica do ônus probatório, segundo a qual a maneira mais acertada e justa de provar o direito alegado pela parte seria atribuir o ônus da prova não a quem alega, mas a quem tem melhor condições de produzi-la de acordo com o caso concreto.

Por sua vez, vale dizer que a inversão do encargo probatório, por se tratar de matéria com repercussão na própria produção da prova, deve ser analisada sempre em conjunto com a inversão do ônus financeiro para realização da prova, não podendo tais questões serem tratadas de forma independente.

No acórdão ora analisado, apesar da adoção da linha de independência entre a inversão do ônus da prova e inversão do ônus financeiro, entendemos que tais institutos se encontram umbilicalmente ligados e que, por isso mesmo, merecem tratamento conjunto, sob pena de incorrer o magistrado em contradições processuais de difícil solução.

Ao nosso sentir, tem razão o ilustre jurista Rizzatto Nunes quando diz que o Judiciário, ao inverter o encargo probatório, mas não o ônus financeiro, estaria "dando com uma mão e retirando com a outra". Contudo, a adoção da tese é, na prática, de difícil implementação, ante a ausência de dispositivo legal que incumba o empreendedor de arcar com o custo de prova que não requereu. E, igualmente, como não se pode exigir que os peritos realizem trabalho técnico sem perceber sua imediata contraprestação, fica a produção da prova na demanda ambiental muitas vezes inviabilizada.

Não obstante, é bom sempre destacar que, embora não exista dispositivo que obrigue a parte ré a adiantar os custos da produção de prova que não requereu, uma vez invertido o ônus probatório e não produzida essa prova, corre o risco a parte demandada de ver o processo ser julgado em seu desfavor em razão da falta de elementos probatórios reputados necessários, pois, como Eduardo Cambi bem ressaltou: "provar não é um dever jurídico, mas uma condição para alcançar a vitoria" [28].

Alertamos, por fim, que a possibilidade de deferimento da inversão fundada exclusivamente na hipossuficiência do autor não deve ser utilizada para a implementação de abusos como a imposição de prova impossível sobre fato altamente improvável ao demandado. Por esse motivo, entendemos que, nos casos de hipossuficiência, sempre será necessária a demonstração, ainda que em grau mínimo, de verossimilhança para que se dê prosseguimento ao processo.

De qualquer forma, percebe-se que a inversão do encargo probatório e a inversão do ônus para custear provas em demandas ambientais ainda carecem de maior estudo e debate pela comunidade jurídica, não se encontrando pacificados os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários sobre a matéria.Em que pese o Superior Tribunal de Justiça já acenar para uma uniformização da matéria, ainda persistem votos contrários com argumentos relevantes que não podem ser ignorados.


REFERÊNCIAS

ABELHA, Marcelo. Breves considerações sobre a prova nas demandas ambientais. In Aspectos processuais do direito ambiental. Organizadores, José Rubens Morato Leite, Marcelo Buzaglo Dantas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. V. 2, 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

AZÁRIO, Márcia Pereira. Dinamicização da distribuição do ônus da prova no processo civil brasileiro. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/7478. Acesso em: 10/11/2009

CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.

GRINOVER, Ada Pellegrini... [et al.]. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universiária, 2007

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.

MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6ª. ed. rev. atual, ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 9 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

NOGUEIRA, Raul Ignatius. Aspectos da inversão do ônus da prova na ação civil pública em defesa do meio ambiente. Disponível em: http://www.qprocura.com.br/dp/40353/Aspectos-da-inversao-do-onus-da-prova-na-acao-civil-publica-em-defesa-do-meio-ambiente.html. Acesso em: 11/11/2009.

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SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. A inversão do ônus da prova na reparação do dano ambiental difuso. In Aspectos processuais do direito ambiental. Organizadores, José Rubens Morato Leite, Marcelo Buzaglo Dantas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.

NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005


Notas

  1. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Saraiva, 2009.
  2. NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição Federal: processo civil, penal e administrativo. 9 ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.
  3. CAMBI, Eduardo Augusto Salomão. A prova civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006,
  4. ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil. V. 2, 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
  5. Vale aqui registrar o entendimento de Celso Fiorillo (op. cit), segundo o qual o magistrado não pode dispensar a prova se o fato for controvertido, não existir nos autos prova do referido fato ou se a parte insistir na prova ainda que o magistrado esteja convencido da existência do fato. Nesse caso, ocorrendo o indeferimento da prova, restará evidenciado o cerceamento de defesa.
  6. AZÁRIO, Márcia Pereira. Dinamicização da distribuição do ônus da prova no processo civil brasileiro. Disponível em: http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/7478. Acesso em: 10/11/2009
  7. NOGUEIRA, Raul Ignatius. Aspectos da inversão do ônus da prova na ação civil pública em defesa do meio ambiente. Disponível em: http://www.qprocura.com.br/dp/40353/Aspectos-da-inversao-do-onus-da-prova-na-acao-civil-publica-em-defesa-do-meio-ambiente.html. Acesso em: 11/11/2009.
  8. Decisões nesse sentido: TJSP. Apelação com Revisão n° CR 1229435001-SP. 26ª Câmara de Direito Privado. Rel. Carlos Alberto Garbi. Julgamento: 04/02/2009. EMENTA: Bem móvel. Ação de reparação de danos materiais e morais julgada parcialmente procedente. Alegação do autor de que o produto entregue foi diferente do adquirido. Cabia à apelante comprovar que o produto entregue era aquele constante na nota fiscal, o que não ocorreu. A prova seria mais facilmente produzida pela vendedora, visto que ela tem em seu poder as informações e documentos dos produtos que comercializa. Distribuição dinâmica do ônus da prova. Danos morais não existentes. Contrariedade que não caracteriza ofensa séria da dignidade. Sentença mantida. Recursos improvidos TRT-15. RO n° 23417-SP (023417/2008). Rel. Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani. Julgamento: 09/05/2008. EMENTA: PROVA. ÔNUS. DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA, NÃO MAIS ESTÁTICA, DO ONUS PROBANDI. DEVE PROVAR A PARTE QUE TEM MELHORES E MAIORES CONDIÇÕES DE FAZÊ-LO. A visão estática da distribuição do ônus da prova, turvou-se já, sendo que, de maneira muito límpida, nos dias que correm, há dar proeminência ao modo de ver que redunda na idéia da distribuição dinâmica do onus probandi: deve atendê-lo quem está em melhores condições e/ou possibilidades de produzir a prova, o que há de ser estabelecido atento ao caso concreto e não de maneira vaga e abstrata (também superficial?), antecipadamente fixada, o que, não raras vezes, acaba por ignorar a realidade, a palpitação e as incontáveis variações que a complexidade da vida hodierna provoca, refletindo, como é palmar, de maneira negativa no processo e na distribuição da Justiça, com o que, por óbvio, não se pode concordar.
  9. Citada por José Geraldo Brito Filomeno em Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover... [et al.]. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universiária, 2007.
  10. In Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Ada Pellegrini Grinover... [et al.]. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense Universiária, 2007
  11. Corroborando esse posicionamento, Kazuo Watanabe, in Código brasileiro de defesa do consumidor.... Op. cit
  12. Nesse sentido, Nelson Nery Jr., Candido Dinamarco e Celso Fiorillo.
  13. Adotam essa posição Carlos Alberto Barbosa Moreira, Antonio Gidi e Rizzatto Nunes.
  14. ABELHA, Marcelo. Breves considerações sobre a prova nas demandas ambientais. In Aspectos processuais do direito ambiental. Organizadores, José Rubens Morato Leite, Marcelo Buzaglo Dantas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
  15. MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 19 ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2006.
  16. Op. Cit.
  17. Op. cit.
  18. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6ª. ed. rev. atual, ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
  19. Nesse sentido, Celso Fiorillo, Clóvis Silveira, Silvia Capeli e Luiz Guilherme Marinoni.
  20. Op. cit.
  21. SILVEIRA, Clóvis Eduardo Malinverni da. A inversão do ônus da prova na reparação do dano ambiental difuso. In Aspectos processuais do direito ambiental. Organizadores, José Rubens Morato Leite, Marcelo Buzaglo Dantas. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003.
  22. Op.cit
  23. Marcelo Abelha (op. cit.) vê o princípio da precaução como regra principiológica do direito ambiental que determina a diferenciação de tutela em relação à distribuição do encargo probatório.
  24. Op. cit.
  25. Op. cit
  26. NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Curso de direito do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005.
  27. Op. cit
  28. Op. cit.
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Sobre a autora
Laura Lícia de Mendonça Vicente

Advogada. Mestranda em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP. Especialista em Direito Ambiental pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VICENTE, Laura Lícia Mendonça. A inversão do encargo probatório e do ônus financeiro em demandas ambientais.: Análise crítica do acórdão proferido no REsp 972.902/RS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2845, 16 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18919. Acesso em: 26 dez. 2024.

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