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A responsabilidade trabalhista da administração pública federal nos contratos de terceirização.

Uma releitura sob a ótica do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16

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Introdução

O Supremo Tribunal Federal deu tratamento jurídico-administrativo à responsabilidade da Administração Pública Federal decorrente de inadimplência de encargos trabalhistas nos contratos de terceirização, muito embora, num futuro próximo, acabará por gerar mudanças nas concepções já consolidadas pela Justiça do Trabalho.

Ao tempo em que a declaração de constitucionalidade do art. 71, §1º, da Lei nº 8.666/93 reafirmou a validade de norma de aplicabilidade específica dos contratos administrativos, obstou a Justiça Trabalhista de desconsiderá-la quando do proferimento de suas decisões, prejudicando, em conseqüência, a aplicação automática do item IV do verbete sumular nº 331 de sua Corte Superior (TST).

Mais do que isso, o próprio afastamento da responsabilidade objetiva do Estado (art. 37, § 6º), na modalidade risco administrativo, que serviu de base para a edição do referido item do enunciado jurisprudencial (TST-IUJ-RR-297.751/96.2), implicará, a partir de agora, na necessidade de se voltar os olhos para cada caso concreto no intuito de se aferir eventual culpa, não mais prevalecendo, desse modo, para a Administração, o entendimento da responsabilização subsidiária por mero inadimplemento da empresa prestadora, como utilizado para os demais tomadores de serviços.

Para uma compreensão concatenada das ideias expendidas neste trabalho, importante é enfatizar que, existindo regra específica de direito público que regulamente a matéria (§1º do art. 71 da L. 8.666/93), e com base no pressuposto de que, via de regra, numa terceirização lícita, inexiste qualquer relação jurídica direta entre a Administração e os trabalhadores, não há falar em responsabilização utilizando-se princípios da teoria geral dos contratos do direito privado, aplicáveis somente supletivamente no contrato administrativo (art. 54 da LLCA).

Sendo assim, não mais se pautará a análise puramente em normas de direito privado (civis e trabalhistas), dever-se-á por em jogo os princípios e regras publicistas, razão pela qual, doravante, dar-se-á continuidade a este estudo partindo-se das premissas, conceituações e classificações da responsabilidade segundo o Direito Administrativo, embora não exime de, en passant – apenas a título de argumentação –, pincelar aspectos do direito civil e do trabalho.


1. O § 1º do Artigo 71 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos e a Presunção Negativa de Responsabilidade Imediata

Evidencia-se a mortificação de uma interpretação curvada para a incidência objetiva da responsabilização da Administração Pública nas contratações de terceirização, como fazia crer a súmula de jurisprudência do colendo Tribunal Superior do Trabalho.

Ao avesso disso, frente à redação do § 1º do artigo 71 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos, a presunção agora será negativa no que tange à responsabilidade imediata do Poder Público em decorrência de mera inadimplência do prestador de serviços contratados.

Veja-se a redação do dispositivo de lei que foi declarada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal, com destaques:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

Embora à primeira vista, numa leitura apressada, passe-se a impressão de se tratar de hipótese legal da Teoria da Irresponsabilidade, essa não seria a melhor exegese a ser feita, pois inferiria indevidamente a admissão de um retrocesso de toda a evolução histórica e jurídica da responsabilidade por atos administrativos.

Citado por Celso Antônio Bandeira de Mello, Vedel [01] observa que: "L’idée selon laquelle La puissance publique doit répondre des dommages qu’elle cause, si naturelle qu’ele nous paraisse, ne s’est pás instalée sans rencontrer de résistance. A l’origine elle se heurtait au príncipe selon lequel, l’État étant souverain, ne pouvait mal faire, au moins lorsqu’il agissait pour voie d’autorité" [02].

Em tradução livre:

"A idéia de que as autoridades públicas devem responder pelos danos que causa, por mais natural que nos parece, não foi instalado sem encontrar resistência. Originalmente, ele conflita com o princípio segundo o qual, o Estado, sendo soberano, não podia fazer mal, ao menos quando agir por via de autoridade"

Num contexto histórico, a teoria da irresponsabilidade confunde-se com a própria essência do Estado Liberal, que pouco ou nada intervinha nas relações particulares. Essa teoria confundia-se com a antiga intangibilidade do Estado [03], personificado na própria figura do monarca que deu origem célebre fórmula "the King can do not wrong" ou, na versão francesa, "Le roi ne peut mal faire" (o rei não pode fazer mal, ou melhor, numa expressão mais aceita pela doutrina: o rei não erra).

Segundo Gasparini [04]:

"A fase da irresponsabilidade civil do Estado vigorou de início em todos os Estados, mas notabilizou-se nos absolutistas. Nestes, negava-se tivesse a Administração Pública a obrigação de indenizar os prejuízos que seus agentes, nessa qualidade, pudessem causar aos administrados. Seu fundamento encontrava-se em outro princípio vetor do Estado absoluto ou Estado de polícia, segundo o qual o Estado não podia causar males ou danos a quem quer que fosse".

Definitivamente, ao que tudo indica, não teria sido essa a intenção do poder legislativo do final do século XX quando da elaboração do art. 71, § 1º, Lei nº 8.666 – escusar o Estado de toda e qualquer responsabilidade.

Se se voltar os olhos novamente para o texto da norma, tomando-se por premissa que "não se presumem, nalei, palavras inúteis" (Verba cum effectu, sunt accipienda), percebe-se que, sabiamente, refere-se à situação de simples "inadimplência do contratado, em referência aos encargos trabalhistas, (...) não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento".

Assim, quanto ao mero inadimplemento do pagamento dos encargos trabalhista pelo contratado, haverá uma presunção negativa de responsabilidade da Administração Pública, expurgando-se, assim, qualquer imposição de forma objetiva, indireta e subsidiária.

Todavia, nada impedirá que seja reclamada a responsabilização da Administração, quando se opere uma conduta comissiva ou omissiva, eivada de dolo ou culpa, por agentes públicos, que interfira e cause prejuízo a terceiros (in casu, trabalhadores), como se verá.


2. Natureza e Classificação da Responsabilidade Civil no âmbito da Administração Pública

Em regra geral, a Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 1988 (art. 37, § 6º) e o próprio ordenamento infraconstitucional (art. 43 do Código Civil Brasileiro – Lei nº 10.406/2002 [05]) albergaram a teoria do risco administrativo, responsabilizando objetivamente as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros.

Portanto, para a configuração da responsabilidade do Estado nessa teoria, bastam os seguintes elementos: fato administrativo, evento danoso e nexo de causalidade, dispensando qualquer elemento subjetivo.

Contudo, essa teoria é aplicável inicialmente quando a responsabilidade tem origem em relação jurídica extracontratual ou patrimonial e o dano decorrer de ação (conduta comissiva) lesiva do Estado.

Diferentemente, segundo a doutrina majoritária, que tem como expoentes os Professores Celso Antônio Bandeira de Mello e Maria Helena Diniz, nos danos por omissão (conduta omissiva), imprescindível é a demonstração de culpa do Estado, fazendo-se valer a teoria da culpa administrativa, também denominada de culpa anônima ou falta do serviço. Nessa trilha, Carvalho Filho [06] sintetiza que "a culpa origina-se, na espécie, do descumprimento do dever legal, atribuído ao Poder Público, de impedir a consumação do dano", seja por inexistência do serviço, o mau funcionamento ou seu retardamento.

Também não estaria sujeita a tal teoria do risco administrativo a responsabilidade decorrente de relação contratual, condicionando-se à avaliação da culpa para a sua aferição e aos princípios e regras próprias do contrato administrativo [07] – alvo de abordagem específica em tópico abaixo.

Desse modo, fazendo-se a convergência desses preceitos para o caso de inadimplência do enunciado 331 da súmula de jurisprudência do TST conjugado com as diretrizes traçadas no julgamento da ADC 16/DF, é possível afirmar que ele abriga a responsabilidade subjetiva.

a) Responsabilidade Objetiva e Subjetiva

Por tudo que, até aqui, foi exposto, já se pode deduzir conceitos de responsabilidades objetiva e subjetiva, identificando-se elemento culpa (lato sensu) como principal diferencial entre ambos.

Mas, para se eliminar qualquer carga de convicção pessoal no presente estudo que, eventualmente, possa prejudicar a conclusão, toma-se emprestado as definições de Bandeira de Mello [08].

Para o referido autor, responsabilidade objetiva "(...) é a obrigação de indenizar que incumbe alguém em razão de um procedimento lícito ou ilícito que produziu uma lesão na esfera juridicamente protegida de outrem". E complementa: "Para configurá-la basta, pois, a mera relação causal entre o comportamento e o dano".

De outro vértice, na visão do renomado administrativa, a responsabilidade subjetiva igualmente conceitua uma obrigação de indenizar, no entanto, apenas "em razão de um procedimento contrário ao Direito – culposo ou doloso – consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de impedi-lo quando obrigado a isto".

Veja-se que, frente à premissa legal de ausência responsabilidade por simples inadimplência do contratado (art. 71, § 1º, da LLCA), esta última classificação (subjetiva) é a que mais se aproxima para suscitar uma eventual responsabilização do Estado no contrato administrativo que tem por objeto contratação de prestação de serviços terceirizados, pois figura como condição para elidir a regra legal de presunção negativa de responsabilidade imediata da Administração, mediante a demonstração de que o dano decorreu de um fato administrativo culposo, ou seja, por força de uma conduta comissiva ou omissiva, sem a qual o resultado não teria ocorrido.

Em resumo, é necessário firmar que a Administração Pública ou os seus agentes deixaram de agir com seus deveres de diligência, prudência e perícia, e que esse desleixo na conduta tenha contribuído diretamente para a ocorrência do evento danoso a terceiros.

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Ainda, pertinente é a lição de Bandeira de Mello quanto à diferença entre as duas espécies de responsabilidade no seio administrativo:

"Há responsabilidade objetiva quanto basta para caracterizá-la a simples relação causal entre um acontecimento e o efeito que produz. Há responsabilidade subjetiva quando para caracterizá-la é necessário que a conduta geradora de dano revele deliberação na prática do comportamento proibido ou desatendimento indesejado dos padrões de empenho, atenção ou habilidade normais (culpa) legalmente exigíveis, de tal sorte que o direito em uma ou outra hipótese resulta transgredido. Por isso é sempre responsabilidade por comportamento ilícito quando o Estado, devendo atuar, e de acordo com certos padrões, não atua ou atua insuficientemente para deter o evento lesivo" [09].

b) Responsabilidade Direta e Indireta

Embora seja simploriamente dedutível distinguir a responsabilidade direta da indireta, o tema merece registro, tendo em vista que foi tocado no julgamento na ADC 16.

Em ideias simples, a responsabilidade direta ocorre quando o dano emana de ato do próprio agente causador, assumindo este as conseqüências de sua conduta. A responsabilidade indireta resulta, excepcionalmente, do dever jurídico de alguém reparar prejuízo (dano) causado por terceiro, razão pela qual também é nominada de responsabilidade por fato de terceiro [10].

No Supremo Tribunal Federal, a questão foi abordada de forma implícita ao se rejeitar, pelo menos à primeira vista, à existência de vínculo legal de responsabilidade entre o prestador de serviço e o poder público, eis que aquele não atua em nome deste nem está sujeito a qualquer elo subordinação, muito menos executa serviço tipicamente público, mas atividade econômica sob sua conta e risco (aplicação prática do princípio da alteridade).

Nesse ponto, indubitável de que o contrato de terceirização em comento não constitui serviço público nem atividade essencial e permanente, pois, se assim fosse, aplicar-se-ia a regra da responsabilidade objetiva do § 6º art. 37 da CRFB, o que tornaria inócua e totalmente sem sentido a declaração de constitucionalidade do art. 71, § 1º, da L. 8.666. Não bastasse isso, há vedação expressa no art. 1º, caput e § 1º, do Decreto nº 2.271/1997.

Conforme se verá mais adiante, nesses casos a terceirização é considerada ilícita, entendendo-se que a responsabilidade impõe-se de forma direta, pois a conduta lesiva decorre do próprio Estado ou de seus agentes públicos ao ultrapassar os limites legais de atuação ou violá-los, o que tornaria inválida a relação contratual de prestação de serviços.

Ad argumentandum tantum, não é demais ressaltar, de logo, no caso posto, qualquer responsabilidade indireta da Administração construída com base no art. 932, III, do Código Civil Brasileiro [11], que aponte a prestadora de serviço na condição análoga preposta.

Primeiramente, relembra-se que a responsabilização por fato de terceiro é vista como exceção e, portanto, deverá está previamente disposta em lei para a utilização.

Segundo, tratando-se de Administração Pública, existe norma legal específica (art. 71, § 1º, da LLCA, com absoluta compatibilidade constitucional (ADC 16/DF), que contradiz exatamente a dita responsabilização indireta por fato de terceiro.

Terceiro, como antes dito, a norma prevista no art. 932, III, do CCB, regra apenas as relações privadas, não se prestando para o trato público. Mesmo que hipoteticamente pudesse ser empregada nos contratos administrativos, ainda assim não configurada estaria a sua previsão, ante a ausência do elemento subordinação.

Sobre o tema, colhem-se as considerações de Cavalieri [12]:

"Sendo este campo restrito de incidência do dispositivo em exame, a noção de preposição passa a ter relevância fundamental no seu contexto. A preposição tem por essência a subordinação. Preposto é aquele que presta serviço ou realiza alguma atividade por conta e sob a direção de outrem, podendo essa atividade materializar-se numa função duradoura (permanente) ou num ato isolado (transitório). O fato é que há uma relação de dependência entre o preponente e o preposto, de sorte que este último recebe ordens do primeiro, está sob seu poder de direção e vigilância. Essa relação de subordinação – requisito essencial na noção de preposição – é criada voluntariamente, diferentemente da relação entre pai e filho (tutor e curador), que é de fundo legal."

Enfim, para a Administração Pública nos contratos de terceirização, somente haverá responsabilidade por inadimplência de encargos trabalhista quando ela ou seus agentes contribuírem com conduta omissiva, eivada dolo ou culpa, para o resultado danoso quando tinha o dever de agir, não se podendo falar em assunção imediata de responsabilidade por fato de terceiro – prestador de serviços.

c) Responsabilidade Extracontratual e Contratual

Embora anteriormente tratadas neste estudo, algumas outras considerações devem ser expendidas para alinhavar as proposições interpretativas delineadas com as diretrizes do julgamento da ADC nº 16/DF.

Nos precisos termos da administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tem-se a seguinte definição de responsabilidade extracontratual:

"a responsabilidade extracontratual do Estado corresponde à obrigação de reparar danos e a terceiros em decorrência de comportamento comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos".

No que tange à responsabilidade contratual, pouco referenciada na doutrina de Direito Administrativo por ser geralmente abrangida nos estudos relativos ao contrato administrativo, seu conceito não se distancia daquele edificado pela Teoria Geral da Responsabilidade.

Desta feita, vem a calhar, ante a sua precisão, o conceito trazido por Sergio Cavallieri Filho:

"A responsabilidade contratual, portanto, estabelece-se em terreno definido e limitado e consiste, segundo Savatier, citado por Aguiar Dias, na ‘inexecução previsível e evitável, por uma parte ou seus sucessores, de obrigação nascida de contrato, prejudicial à outra parte ou seus sucessores’ (Da responsabilidade civil, 5ª ed., v. I/154, Forense). É infração a um dever especial estabelecido pela vontade dos contratantes, por isso decorrente de relação obrigacional preexistente". (Destaca-se).

A verdade é que, nos contratos administrativos, a vontade da Administração está intrinsecamente vinculada ao disposto em lei, ante a aplicação do princípio da legalidade estrita que a rege. Contudo, isso não retira a natureza contratual da responsabilidade decorrente de ajustes firmados com o poder público, pois, mesmo que, de um modo ou de outro, inicialmente preestabelecidas em lei, as obrigações tornam-se contratuais com a celebração, transmudando a responsabilidade aquiliana (extracontratual) em contratual.

Vejam-se as elucidações do jurista e Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (cf. Cavalieri, 2004: 275):

"Os juristas franceses, repetimos, em busca de uma situação jurídica mais favorável para as vítimas, que não aquela de terem que provar a culpa, engendraram a responsabilidade contratual, na qual, diferentemente da responsabilidade extracontratual, já existe entre as partes um vínculo jurídico preestabelecido, e o dever jurídico violado está perfeitamente configurado nessa relação jurídica. A norma convencional já define o comportamento dos contratantes, que ficam adstritos, em sua observância, a um dever específico".

Assim, torna-se compreensível as considerações feitas pela Ministra Carmen Lúcia no julgamento da ADC 16 no sentido de que, diferente do previsto no § 6º do art. 37 da Constituição da República, na hipótese do artigo 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93, "(...) uma coisa seria a responsabilidade contratual da Administração Pública e outra, a extracontratual ou patrimonial. Aduziu que o Estado responderia por atos lícitos, aqueles do contrato, ou por ilícitos, os danos praticados".

O raciocínio é simples: a eventual responsabilização da Administração por inadimplência de encargos trabalhistas somente pode decorrer de conduta omissiva: falta, falha ou retardamento no cumprimento de uma de suas obrigações contratuais. De tal sorte, se o evento danoso decorrer de qualquer fato comissivo ilícito da Administração Pública ou de seus agentes, dispensa-se qualquer avaliação de elemento subjetivo, ante a incidência direta do artigo 37, § 6º, da CRFB.

Entretanto, uma peculiaridade há de ser observada: a presunção de culpa atribuída à responsabilidade contratual deve ser vista com restrição na espécie (art. 71, § 1º). Isso porque, o inadimplemento de encargos trabalhistas não decorrerá do descumprimento de qualquer obrigação contratual da Administração Pública com os trabalhadores prejudicados (terceiros), mas sim relação jurídica diversa: contrato de terceirização daquela com o real empregador destes (empresa prestadora de serviços), impondo a necessidade de comprovação por parte do trabalhador que arguir a culpa.

Afora esse aspecto, mesmo que seja o próprio prestador de serviços (contratado) o suscitador da culpa da Administração Pública por descumprimento de dever contratual, ela não poderá ser presumida, haja vista que, certamente, não se tratará de obrigação fim, mas apenas obrigação meio que requisita comprovação. Veja-se a explicação de Cavalieri [13]:

"Na realidade, entretanto, essa presunção de culpa não resulta do simples fato de estarmos em sede de responsabilidade contratual. O que é decisivo é o tipo de obrigação assumida no contrato. Se o contratante assumiu a obrigação de alcançar um determinado resultado (obrigação de resultado – v. item 103) e não conseguiu, haverá culpa presumida, ou, em alguns casos, até responsabilidade objetiva; se a obrigação assumida no contrato foi de meio, a responsabilidade, embora contratual, será fundada na culpa provada. Na responsabilidade extracontratual subjetiva – estamos todos lembrados – a regra é a culpa provada, ônus que cabe à vítima, admitindo-se apenas excepcionalmente a culpa presumida". (Grifos acrescidos).

Ao ônus probatório da culpa pelo inadimplemento de encargos trabalhistas no processo do trabalho, foi dedicado tópico específico neste mesmo capítulo, no qual se discorrerá sobre suas implicações.

d) Responsabilidade Primária, Subsidiária e Solidária

Desmistificada a ausência de previsão de fundamento legal que justificasse a previsão de responsabilização subsidiária da Administração no item IV do verbete nº 331 da súmula de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (cf. visto no Capítulo 1), a distinção entre as classificações primária, subsidiária e solidária se faz útil para a completa compreensão da presente exposição.

Tem-se por responsabilidade primária "quando atribuída diretamente à pessoa física ou à pessoa jurídica a que pertence o agente autor do dano" (cf. Carvalho Filho, 2006:466).

Por sua vez, ao que tudo indica, a responsabilidade subsidiária nada mais é do que uma responsabilidade solidária com benefício de ordem [14]. A solidariedade se configura "quando na mesma obrigação concorre mais de um credor, ou mais de um devedor, cada um com direito, ou obrigado, à dívida toda" (art. 264 do Código Civil Brasileiro [15]).

De tal modo, tanto na solidariedade propriamente dita quanto sua versão subsidiária, necessário é previsão legal ou convencional nesse sentido, não podendo ser esta imposta irrestritamente por simples conveniência ou política judicial, considerando que o gênero – responsabilidade solidária – não se presume (CCB, art. 265 [16]).

Como oportunamente foi dito, operou-se solução jurídica criada pelo Tribunal Superior do Trabalho nesse ponto, não se tendo localizado dispositivo legal que albergasse a responsabilidade subsidiária.

A única hipótese de responsabilidade subsidiária do Estado encontrada na legislação foi a insculpida no revogado art. 242 da Lei de Sociedades por Ações, que expressava que "as companhias de economia mista não estão sujeitas a falência mas os seus bens são penhoráveis e executáveis, e a pessoa jurídica que a controla responde, subsidiariamente, pelas suas obrigações", descabido no caso em apreço.

Especula-se que houve aplicação analógica do art. 455 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [17], que versa sobre hipótese específica, consistente no direito de reclamação do empregado contra o empreiteiro principal caso haja inadimplemento das obrigações trabalhista por parte do subempreiteiro.

Descartando essa fundamentação, posiciona-se o Professor e Juiz do Trabalho Otávio Calvet:

"Sendo uma norma de penalização, de fixação de responsabilidade ao empreiteiro principal por fato de terceiro (subempreiteiro), resta inviável, por regra de hermenêutica, a concessão de interpretação ampliativa ou mesmo aplicação analógica a casos semelhantes, pois todos os tipos na legislação que especifiquem responsabilidades devem obter interpretação restritiva.

Assim, não há como se ampliar ou se trazer por analogia a todos os casos de terceirização a responsabilização contida no art. 455 da CLT ao empreiteiro principal, o mesmo podendo ser dito do art. 16 da Lei 6.019/74 quando impõe responsabilização solidária do tomador em caso de falência da empresa de trabalho temporário, ou seja, norma restritiva que não pode ser objeto de interpretação analógica ou extensiva.

(...)

A presente afirmativa pode ser verificada pela simples literal do artigo, pois havendo o inadimplemento do subempreiteiro, automaticamente podem seus empregados reclamar ao empreiteiro principal. Ora, responsabilidade subsidiária pressupõe benefício de ordem, ou seja, somente é possível atingir-se o responsável secundário quando esgotada a possibilidade de se responsabilizar o principal.

(...)

Concluindo, inviável explicar-se a responsabilização subsidiária do tomador de serviços na terceirização em função do art. 455 da CLT. Quanto ao art. 16 da Lei nº 6.019/74, desnecessários maiores comentários já que a própria norma dispõe acerca da responsabilidade solidária do tomador no caso da falência da empresa de trabalho temporário, não servindo, igualmente, para se explicar a subsidariedade contida na Súmula objeto deste estudo". [18]

O outro fundamento que se supõe é o da solidariedade prevista no art. 2º, caput e § 2º, da CLT [19], do qual se extrai o princípio da alteridade, consistente na assunção dos riscos do empreendimento pelo empregador, apropriando-se da mais-valia da energia despendida de seus empregados. Nesse contexto, respondem solidariamente as empresas que atuam em grupo na exploração da atividade econômica.

Aqui, também se procura utilizar o recurso integrativo da analogia, sob a alegação de que o tomador do serviço figuraria como real beneficiário da energia despendida pelo trabalhador, desempenhando ele conjuntamente com o prestador de serviço a atividade objeto da terceirização.

No entanto, sabe-se que isso não é uma realidade patente, principalmente nas contratações da Administração Pública, nas quais as prestadoras contratadas executam seus serviços com independência, sem relação alguma de controle, direção ou subordinação, consoante restou destacado pelo Ministro Marco Aurélio em julgamento da ADC 16. Em letras:

"(...) a premissa da solidariedade nele prevista seria a direção, o controle, ou a administração da empresa, o que não se daria no caso, haja vista que o Poder Público não teria a direção, a administração, ou o controle da empresa prestadora de serviços."

Igual pensamento é compartilhado por Pinto Martins [20]:

"A responsabilidade solidária só ocorrerá se se tratar de empresas do mesmo grupo econômico (§2º do art. 2º da CLT), ou entre empresa de trabalho temporário e tomadora de serviços, em caso de falência da primeira (art.16 da Lei nº 6.019/74)"

Aliás, a subordinação e a caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão-de-obra são vedadas pelo Decreto nº 2.271/1997 (art. 5º) [21], o que reforça a tese da inaplicabilidade dos referidos dispositivos da legislação trabalhista, numa contratação regular.

Parece que, numa situação em que comprove a culpa da Administração Pública na inadimplência de encargos trabalhistas, a solução reside na caracterização de uma responsabilidade primária, cuja indenização deverá se balizar entre a proporção da gravidade da culpa e a extensão do dano (arts. 944 do CCB [22]), não em sua totalidade (teoria da causalidade adequada [23]).

Por fim, deve-se esclarecer que essa regra do direito comum permite utilização supletiva ante a inexistência de norma específica na legislação administrativa específica.

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Sobre o autor
Rodrigo Montenegro de Oliveira

Advogado da União – Advocacia-Geral da União. Coordenador-Geral de Contencioso Judicial da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Defesa. Estudante de Especialização em Direito Público na Unb – Universidade de Brasília. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera. Pós-graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Potiguar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Rodrigo Montenegro. A responsabilidade trabalhista da administração pública federal nos contratos de terceirização.: Uma releitura sob a ótica do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2848, 19 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18936. Acesso em: 7 nov. 2024.

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