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A responsabilidade trabalhista da administração pública federal nos contratos de terceirização.

Uma releitura sob a ótica do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16

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4. O Ônus da Prova nos Conflitos Trabalhistas Judicializados

Sabe-se que, numa eventual judicialização do conflito decorrente do inadimplemento de encargos trabalhistas, será competente a Justiça do Trabalho para processar e julgar o feito, segundo o art. 114, I, da Constituição da República [33].

Nesse ponto, seguirá as regras insculpidas no processo do trabalho e, por via de consequência, à submissão das regras de distribuição de ônus da prova nele prevista.

Tornando-se indiscutível a necessidade de comprovação de culpa pela caracterização de ser a responsabilidade de natureza subjetiva, incumbirá ao reclamante, ou seja, o trabalhador terceirizado a prova de que a Administração deixou de agir na execução de um dever jurídico e que essa conduta omissiva foi condição para o dano ou contribuiu para que ele ocorresse.

Nos termos do art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho:

Art. 818 - A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.

Dessa forma, incube ao reclamante comprovar a culpa da Administração.

Abrem-se parênteses apenas para consignar que esse ônus não se impõe nos casos de responsabilidade objetiva ressalvados neste estudo (direcionamento de licitação, contratação direta irregular e terceirização ilícita), bastando apenas a demonstração do fato lesivo, do dano e da relação de causalidade entre eles (nexo causal).

É bem verdade que as doutrinas processuais mais modernas têm difundido a incidência conjugada das regras do processo trabalhista com as do processo civil comum [34], ou a aplicação da carga dinâmica das provas, onde a parte que detém maior capacidade de produzir a prova é também quem têm essa incumbência, ou, ainda, a própria inversão do ônus probatório, tomando-se emprestada a facilitação da defesa de direito conferida aos consumidores pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/90 [35]), ante a identificação da condição de hipossuficientes destes com os trabalhadores [36].

Sem adentrar ou tecer maiores detalhes, pois se fugiria da proposta deste trabalho monográfico, o que se pretende demonstrar é que, independente da técnica de distribuição probatória a ser utilizado no curso do processo, não se vai desnaturar a responsabilidade subjetiva em objetiva, subsistindo a condição de comprovação de culpa para a responsabilização da Administração Pública pela inadimplência de encargos trabalhistas decorrentes de contrato de terceirização.

Outra constatação que há de se fazer é que a figuração da Administração Pública como litisconsorte passiva nas ações trabalhistas poderá gerar prejuízos processuais na perseguição da prestação jurisdicional pelos trabalhadores, pois, a caracterização da responsabilidade da Administração como sendo subjetiva nesses casos de terceirização lícita, requisitará, além de outros elementos probatórios, a comprovação de culpa e sua implicação no resultado dando.

Isso poderá gerar um retardo na obtenção e na concretização da tutela judicial, repercutindo, talvez, no comportamento do trabalhador pela não inserção da Administração Pública no pólo passivo da lide quando do exercício de seu direito de ação.


5. Limites da Responsabilidade da Administração Pública Contratante: Pertinência dos Encargos Trabalhistas com a Prestação de Serviço Objeto do Contrato Administrativo

Em análise derradeira, comprovada a culpa da Administração, há de se firmar que a responsabilização da Administração deve se limitar aos encargos trabalhistas que guardem elo de pertinência com a prestação de serviço objeto do contrato administrativo.

Essa consideração justifica-se pelo fato de, muitas vezes, ante a ausência de qualquer distinção dos encargos trabalhistas aos quais foi condenada pela Justiça do Trabalho, a Administração acaba por assumir uma dívida trabalhista irrestrita, abrangendo inclusive períodos não compreendidos pelo contrato administrativo, além de verbas concernentes a execução de serviços pelo trabalhador terceirizado em outro local de trabalho.

A redação final do art. 71 não deixa dúvida quanto a essa interpretação. Leia-se:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

Soma-se a isso o acolhimento da teoria da causalidade adequada pelo Código Civil Brasileiro (art. 944), totalmente aplicável ao caso por abertura prevista no art. 54 da LLCA.

A responsabilização além desses limites configuraria verdadeira ilicitude (abuso de direito), cabendo ação indenizatória do poder público contra o reclamante para haver as diferenças dos pagamentos indevidos (art. 187 do CCB [37]).


Conclusão

A melhor conclusão que se pode chegar em um trabalho acadêmico é a convicção de que todo o esforço despendido é apenas o começo para grande discussões e novos desafios, principalmente quando o tema ainda é recente e pouco explorado, como o que envolve o estudo em apreço.

As notas do julgamento da ADC nº 16/DF revelam que a declaração de constitucionalidade do § 1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 trará mais do que a simples confirmação da validade da norma frente à Constituição da República Federativa do Brasil. A reboque, ela indicia a futura modificação de toda a jurisprudência trabalhista até então construída nos fundamentos do item IV do verbete nº 331 da súmula de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho.

O estudo propiciou uma releitura da responsabilização da Administração por inadimplência de encargos trabalhistas decorrentes de contrato administrativo de terceirização, cujas diretrizes delineadas pelo julgamento da ADC 16 apontam para uma responsabilidade subjetiva e contratual, ao tempo que também afastam a incidência subsidiária e indireta.

O elemento culpa apresenta-se como condição para a caracterização da responsabilidade e também como elemento de medida para eventual indenização a cargo da Administração Pública, fazendo-se cabível, nesse ponto, a teoria da causalidade adequada.

A terceirização ilícita não deixa de albergar a responsabilidade objetiva, ante as previsões expressas, legal e constitucional, de invalidade do ato administrativo e punição da autoridade responsável e agentes envolvidos nas esferas civil, administrativa, penal e política, por configuração de improbidade administrativa.

Procurou-se visionar possíveis repercussões processuais nos conflitos judicializados, como a questão atinente à distribuição do ônus da prova e conseqüentes e eventuais prejuízos na celeridade da obtenção e concretização da prestação jurisdicional pelos trabalhadores.

O importante é que se tem a consciência que esse trabalho é apenas um pequeno passo de uma extensa jornada de discussões que ainda há de se percorrer.


REFERÊNCIAS

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SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr.


Notas

  1. Georges Vedel é conhecido como sendo "o revisor de direito público em França". Ele ensinou nas faculdades das universidades de Poitiers, Toulouse e Paris, tanto na Universidade de Paris II e quanto no Instituto de Estudos Políticos. Ele foi um autor renomado, tendo escrito manuais de direito constitucional e de regulamentação, publicações estas que deixaram marca em gerações de juristas franceses. Vedel era mais conhecido pela sua teoria das bases constitucionais presentes no direito regulatório, uma teoria que unia o campo do direito público na França.
  2. Georges Vedel foi membro do Conselho Constitucional da França de 1980 a 1989. Ele foi nomeado para esta posição por Valéry Giscard d'Estaing, o presidente da França na época. Também foi eleito, em 1998, para ocupar o 5º assento da Academia Francesa.
  3. Vedel faleceu em 21 de fevereiro de 2002.

  4. Apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 26ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
  5. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 15ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
  6. GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
  7. Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
  8. Ob. cit., p. 464.
  9. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.
  10. Ob. cit., pp. 992; 995-996.
  11. Ob.cit., p. 995.
  12. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 5ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 188-189.
  13. "Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
  14. (...)

    III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;"

  15. Ob. cit., pp. 198-199.
  16. Ob. cit., p. 279.
  17. GÓIS, Luiz Marcelo Figueiras de. O benefício de ordem e a responsabilidade subsidiária. Disponível em: http://www.calvo.pro.br/media/file/colaboradores/luiz_marcelo_figueiras_gois/luiz_marcelo_responsabilidade_subsidiaria.pdf. Acesso em: 19.fev.2011.
  18. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10.jan.2002. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406compilada.htm. Acesso em: 03.mar.2011.
  19. "Art. 265. A solidariedade não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes".
  20. MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários às Súmulas do TST. 4ª edição. São Paulo: Atlas, 2008.
  21. CALVET, Otávio. Responsabilidade subsidiária na Terceirização. Disponível em: http://www.nucleotrabalhistacalvet.com.br/artigos/A%20Responsabilidade%20Subsidi%C3%A1ria%20na%20Terceiriza%C3%A7%C3%A3o%20-%20Otavio%20Calvet.pdf
  22. "Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
  23. § 2º - Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas".

  24. Ob. cit., p. 218.
  25. Art. 4º. É vedada a inclusão de disposições nos instrumentos contratuais que permitam:
  26. I - indexação de preços por índices gerais, setoriais ou que reflitam a variação de custos;

    II - caracterização exclusiva do objeto como fornecimento de mão-de-obra;

    III - previsão de reembolso de salários pela contratante;

    IV - subordinação dos empregados da contratada à administração da contratante;

  27. Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano.
  28. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização.

  29. TARTUCE, Flávio. TARTUCE, Flávio. Direito Civil – Direito das Obrigações e Responsabilidade Civil. 2ª ed. São Paulo: Método, 2006, p. 306.
  30. Ob.cit., pp. 1002-1003.
  31. Ob.cit., p. 1004
  32. Ob.cit, p. 1006
  33. CRFB: Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
  34. (...)

    XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

    Lei nº 8.666/93: "Art. 1º. Esta Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

    Parágrafo único. Subordinam-se ao regime desta Lei, além dos órgãos da administração direta, os fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

    Art. 2º. As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

    Parágrafo único. Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.

    Art. 3º. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Redação dada pela Lei nº 12.349, de 2010)

  35. § 4º. Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
  36. BRASIL. Lei nº 8.666, de 21.jun.1993. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666compilado.htm. Acesso em: 03.mar.2011.
  37. Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:
  38. (...)

    III - fiscalizar-lhes a execução;

  39. Art. 67. A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição.
  40. § 1º. O representante da Administração anotará em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato, determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados.

    § 2º. As decisões e providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes.

  41. Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
  42. I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

  43. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr, 2006.
  44. Art. 6º São direitos básicos do consumidor: 
  45. (...)

    VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

  46. SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr.
  47. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
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Sobre o autor
Rodrigo Montenegro de Oliveira

Advogado da União – Advocacia-Geral da União. Coordenador-Geral de Contencioso Judicial da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Defesa. Estudante de Especialização em Direito Público na Unb – Universidade de Brasília. Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera. Pós-graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Potiguar.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Rodrigo Montenegro. A responsabilidade trabalhista da administração pública federal nos contratos de terceirização.: Uma releitura sob a ótica do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 16. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2848, 19 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18936. Acesso em: 22 nov. 2024.

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