PRISÃO PREVENTIVA NO CURSO DO INQUÉRITO
Por fim, deixa claro o legislador que a prisão preventiva é cabível tanto na fase pré-processual do inquérito policial, como também durante o processo. Assim, fica derrubada a tese defendida por alguns juristas que defendiam ser incabível a prisão preventiva durante a fase policial, sob o argumento de que, por exigir indícios de autoria e prova da materialidade, somente após terminar o inquérito policial é que tais elementos estariam presentes e, portanto, não poderia ser decretada a prisão preventiva durante o inquérito policial. Sempre contestamos tal orientação, mesmo porque existem várias hipóteses em que os indícios de autoria e a prova da materialidade já se fazem presentes, e mesmo assim o inquérito policial não pode ainda ser relatado e encerrado, às vezes por questões formais (ex.: o inquérito policial aguarda o retorno de uma carta precatória, ou a juntada de um laudo ou de um ofício que ainda não aportaram na delegacia, etc).
A nova lei deixa expressa a possibilidade de prisão preventiva durante o inquérito (art. 311) e, por incrível que pareça, tal previsão já existia, mas aqueles autores contrários à decretação da prisão preventiva no curso de inquérito defendiam que tal previsão teria sido revogada pela Lei 7.960/89 (a lei da prisão temporária), o que é de todo inaceitável. Aduziam, ademais, que a prisão preventiva exige, para a sua decretação, demonstração dos indícios de autoria e de prova da materialidade, de forma que tais indícios e prova somente estariam demonstrados ao fim do inquérito policial e, portanto, não se poderia decretá-la durante o inquérito.
Com a devida vênia, entendemos equivocada tal abordagem, posto que já presidimos diversos inquéritos policiais nos quais estavam amplamente demonstrados tais requisitos da prisão preventiva, mas o inquérito policial ainda não estava encerrado, por conta de questões "burocráticas" (por exemplo, uma precatória que ainda não retornou, um laudo secundário ainda não juntado aos autos, etc.).
PRISÃO PREVENTIVA PELO NÃO CUMPRIMENTO DE OUTRA MEDIDA CAUTELAR
Como já foi mencionado acima, existe a hipótese de decretação da prisão preventiva caso o indiciado/réu descumpra as obrigações decorrentes de outras medidas cautelares.
De fato, quer o legislador que a prisão provisória seja a última das opções do juiz como medida garantidora do processo e da sociedade. Tanto assim que prevê diversas medidas cautelares antes só previstas na legislação extravagante (v.g., a Lei Maria da Penha). Assim, em vez de determinar a prisão preventiva de uma pessoa que não tenha residência fixa, ou emprego fixo (ou seja, haja o iminente risco de fuga), pode o juiz determinar o monitoramento eletrônico desta pessoa, evitando (ou minorando) a possibilidade de fuga e, consequentemente, garantindo-se a aplicação da lei penal.
Não pretendemos, nesta poucas linhas, analisar as medidas cautelares introduzidas no CPP pela Lei 12.403, mas uma questão deve ser trazida à baila: já que a prisão preventiva deve ser a última hipótese, acredita o legislador que as medidas cautelares sejam eficazes para garantir a ordem pública, a ordem econômica, a aplicação da lei penal e a instrução criminal.
Mas, deve-se perguntar: quem vai fiscalizá-las? A lei não prevê. A lei simplesmente diz que, na hipótese de descumprimento das medidas cautelares, o juiz pode decretar a medida cautelar mais severa (a prisão preventiva), de ofício ou atendendo ao requerimento do promotor ou do assistente de acusação (omitindo a "representação" pela autoridade policial). Mas nada fala a respeito de agentes públicos que, de fato, fiscalizem tais medidas.
E, já vimos este filme antes. Já há anos presenciamos o declínio da confiabilidade na Justiça Criminal. Parte desta incredulidade na Justiça Criminal advém dos inúmeros benefícios com os quais são agraciados os criminosos e suspeitos. Em nome do esvaziamento das cadeias (que estão superlotadas e o Poder Público não quer gastar dinheiro, construindo mais), criam-se benefícios os mais diversos: progressão de regimes, livramento condicional, regime aberto no malfadado "regime albergue-domiciliar", prisão domiciliar, etc... sem um agente público sequer que fiscalize o seu cumprimento.
Não há órgão que fiscalize a regularidade do seu cumprimento (como, por exemplo, os "agentes de condicional" que vemos nos filmes norte-americanos). Apenas quando tais "confianças" são quebradas, é que se verifica o erro de tê-las concedido. Daí, e somente daí, expedem-se novos mandados de captura, e joga-se para a Polícia o dever de cumpri-los. Mas, então, já é tarde.
Ressalte-se que o novo artigo que menciona que o juiz poderá decretar a prisão preventiva diante do descumprimento das medidas cautelares excluiu a figura da representação pela autoridade policial. Ou seja, ou foi um lapso do legislador, ou, de fato, não se quis a atuação da autoridade policial (o que contribuirá ainda mais para a impunidade). Preferimos acreditar na primeira hipótese. Mas que esta missão (de fiscalização) não foi entregue aos órgãos policiais, isto ficou evidentemente demonstrado (o que é bom, pois seria mais uma tarefa incumbida aos policiais, que já não dão conta de cumprir as suas missões constitucionais de segurança pública, em razão do reduzido efetivo).
RETOMANDO O TEMA: FIANÇA
Assim, retornando-se à indagação que se fez acima, qual seja, se o delegado de polícia pode deixar de arbitrar fiança, a resposta é de que, se o preso em flagrante preencher os requisitos para a mesma, não poderá o delegado de polícia negar a fiança, por se tratar de um direito subjetivo do preso (posição mais aceita atualmente); salvo aquelas hipóteses previstas nos atuais artigos 323 e 324 (e somente estas, posto que a interpretação deve ser restritiva), o preso em flagrante fará jus ao arbitramento da fiança pela autoridade policial.
Questiona-se se a autoridade policial poderia deixar de arbitrar fiança sob o argumento de que, naquele caso concreto, estariam presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva. Entendemos que não. Conforme já analisado acima, as hipóteses de decretação de prisão preventiva foram restringidas com a nova lei – em especial, quando prevê o cabimento da preventiva apenas para crimes com pena máxima superiores a 4 anos; ora, o delegado de polícia somente pode arbitrar fiança para os crimes com pena máxima abaixo disso, ou seja, todos os crimes passíveis de fiança pela autoridade policial não estão sujeitos à decretação da prisão preventiva, de forma que sob este argumento, a autoridade policial não pode negar a fiança.
Ademais, como a prisão preventiva é decretada pelo juiz, somente ele, e não a autoridade policial, é que poderá verificar se estão presentes ou não os seus requisitos, a fim de se posicionar pelo não arbitramento da fiança, com fundamento neste inciso IV, do art. 324, do Código de Processo Penal.
Aproveitando-se a oportunidade, em que estamos analisando as hipóteses de não concessão de fiança, outra novidade a se destacar é que a lei não contempla mais a hipótese dantes prevista no (revogado) inciso V, do art. 323, que proibia o arbitramento da fiança na hipótese em que, preso em flagrante por crime punido com reclusão, houvesse, naquele caso concreto, "clamor público" ou "que tenha sido cometido com violência contra a pessoa ou grave ameaça", que era uma forma de analisar a situação a cada caso, deixando de se arbitrar a fiança em casos que se verificava que a manutenção da prisão seria a melhor hipótese, pois, por mais incrível que pareça, havia (e vai continuar a haver) situações em que a manutenção da custódia cautelar era mais garantidora ao preso do que a sua soltura.
Este subscritor, na qualidade de delegado de polícia, e escalado em plantão de delegacia, já passou por situações em que o autuado foi mantido preso, sem concessão de fiança pois, diante do clamor público, a soltura do preso em flagrante levaria ao seu linchamento em praça pública. Também já passamos por situação em que o preso, ainda quando era conduzido para a Delegacia de Polícia após brigar com seu vizinho, proferia ameaças contra o agredido, dizendo que "quando solto, iria ‘terminar o serviço’". Fácil deduzir que, se esta pessoa fosse colocada em liberdade (lesão corporal, ainda que grave, é afiançável), e no calor do nervosismo, poderia de fato cumprir aquilo que prometeu, matando o seu desafeto. Tais hipóteses (que não são exemplificativas,mas sim reais, e fazem parte do dia-a-dia de uma delegacia de polícia), doravante, não permitirão a negativa de concessão de fiança pela autoridade policial, pois a nova lei retirou, ao nosso ver, qualquer análise subjetiva da autoridade policial diante do caso concreto.
As críticas no sentido de que "análises subjetivas representam insegurança para o sistema" partem de quem se posiciona sempre desconfiando da boa-fé e do bom senso da autoridade policial ou judicial. Se soubessem o quanto incomodam os presos indevidamente mantidos nas delegacias, por certo compreenderiam que, se a autoridade policial deixou de arbitrar fiança, mantendo preso o conduzido em flagrante, é porque se trata de um caso seriíssimo e excepcional, pois não quer a autoridade policial que sequer mais um preso ingresse na cadeia, de tão lotada que ela se encontra. Ademais, eventuais abusos seriam (e o são) severamente punidos – a autoridade coatora está identificada e é um agente público, o que se teme?
Ao legislador, e aos defensores de um sistema absolutamente positivo e sem permissões do "bom senso" (o qual, já se disse, há muito esquecido pelo legislador) falta a experiência dos balcões de delegacia e dos fóruns, para que pudessem constatar que uma certa margem de discricionariedade deve ser reservada a tais autoridades, porque não lidam com questões matemáticas,mas sim com pessoas, pessoas que passam pelos seus piores momentos.
Mas, retornando à análise da lei, conclui-se que as hipóteses proibitivas do art. 324, a nosso ver, fogem às atribuições dos delegados de polícia e demandam análise da autoridade judicial. Assim, salvo as hipóteses proibitivas do artigo 323, não poderá a autoridade policial deixar de arbitrar fiança, sob pena de infringir dispositivo constitucional (art. 5º, inciso LXVI), e, ainda, incorrer em crime de Abuso de Autoridade (art. 4º, alínea e, da Lei 4.898/65).
Ressalte-se que, nas raríssimas hipóteses em que a autoridade policial deixar de arbitrar fiança, quando podia fazê-lo (crimes com pena máxima inferior a quatro anos), tal recusa poderá ser reformada pela autoridade judicial, consoante disposto no art. 335 do CPP. Ocorrendo uma hipótese proibitiva à concessão de fiança pela autoridade policial, tal proibição poderá ser revista pela autoridade judicial, conforme disposto no art. 335, que dispõe que "recusando ou retardando a autoridade policial a concessão de fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá em 48 horas".
O artigo em tela disciplina a hipótese do juiz suprir a recusa (nas hipóteses já analisadas) e o retardamento da concessão de fiança pela autoridade policial. E a partir de que momento a autoridade policial estaria retardando a concessão? Entendemos que a concessão de liberdade provisória mediante fiança (e o arbitramento desta) deve se dar no próprio auto de prisão em flagrante, na parte em que o delegado delibera a respeito do crime, da situação flagrancial e, agora (obrigatoriamente), a respeito da concessão de fiança. Isto porque, se assim não for, não se vislumbra outro momento, na medida em que ao autoridade policial deverá comunicar a prisão em 24 horas; comunicada a prisão sem que tenha sido concedida a fiança (e desde que cabível), o Juiz suprirá tal falta, interpretando tal omissão como uma recusa.
Entendemos que, da mesma forma que o juiz pode conceder a fiança na hipótese de retardo ou recusa da autoridade policial, também poderá reformular os valores da fiança, ou, ainda, afastar a fiança e conceder a liberdade provisória sem fiança. "Quem pode o mais, pode o menos".
Por fim, quanto aos valores da fiança, nota-se um expressivo aumento nos seus patamares, na medida em que a nova lei prevê valores de até R$500.000,00 (quinhentos mil reais), para situações gravíssimas. E, por conta da excessiva liberalidade da lei, não dando margem à discricionariedade do juiz ou do delegado, já é de se esperar a imposição de fianças obstativas, ao arrepio da lei. Ou seja, diante de evidências de que aquela pessoa, por critérios específicos e subjetivos, não faria jus à fiança, mas mesmo assim fica tal autoridade obrigado a concedê-la, concedê-la-á em valores exorbitantes, com nítido caráter obstativo da liberdade provisória, o que fará a pessoa a se socorrer das vias judiciais (se a fiança obstativa for arbitrada pelo delegado de polícia), ou ainda das instâncias superiores (caso tenha sido arbitrada pelo juiz de primeiro grau).
Com o aumento dos patamares dos valores das fianças tenta-se resgatar o verdadeiro sentido do instituto da liberdade provisória com fiança, ou seja, deve o beneficiado ficar atrelado ao processo, temeroso em cumprir as obrigações do afiançado (comparecimento sempre que intimado, não se ausentar da comarca sem comunicação às autoridades, caso se mude, que informe o novo endereço, apresentação á prisão, caso venha a ser condenado). Os patamares da fiança até antes da mudança operada pela lei era simplesmente ridículo, de forma que o afiançada não se sentia vinculado ao processo: o máximo que poderia acontecer, caso descumprisse as obrigações a que se submeteu, seria a perda de poucos reais, posto que os valores eram muito baixos. Agora, com tais modificações, espera-se que os valores da fiança imponham respeito aos deveres do afiançado.
COMUNICAÇÃO DA PRISÃO EM FLAGRANTE AO JUIZ E AS CONSEQUÊNCIAS
Lavrado o auto de prisão em flagrante, posto que indiciariamente demonstrada a tipicidade da conduta e a não-incidência de excludentes de ilicitude, e independentemente de ter sido ou não arbitrada a fiança pela autoridade policial, deverá haver a imediata comunicação ao Juiz competente (bem como ao Ministério Público – novidade da Lei – e ao defensor público, caso o autuado manifeste que não tem condições de constituir um defensor técnico), no prazo de 24 horas.
Até então, nenhuma novidade, pois tal regra de comunicação em 24 horas já estava prevista em nosso ordenamento. O que mudou foram as ações da autoridade judiciária diante do recebimento do auto de prisão em flagrante, o que pode se dar das seguintes formas:
a)O Juiz relaxa o auto de prisão em flagrante, diante de vício ou ilegalidade da prisão, colocando o réu em liberdade. Ou seja, por vários motivos (excesso de prazo, inexistência de situação flagrancial, inexistência de fato típico, incidência de excludente de ilicitude, inobservância das garantias contitucionais), deve o Juiz relaxar o flagrante (como delegado, faço a comparação do relaxamento da prisão em flagrante com a inépcia da petição inicial: para o delegado de polícia, o relaxamento de uma prisão em flagrante que conduziu é motivo de preocupação, pois em algum momento descuidou das formalidades que devem constar de todo auto de prisão em flagrante delito). Nada impede que, em situações extremas, a autoridade judiciária relaxe o flagrante e, na mesma decisão de relaxamento, decrete a prisão preventiva, o que já poderia acontecer anteriormente às modificações ora analisadas, desde que, obviamente, façam-se presentes os requisitos da prisão preventiva. É que, ao contrário da prisão temporária, a prisão preventiva pode ser decretada de ofício pelo Juiz. Por fim, nada impede que, mesmo relaxando a prisão em flagrante, o juiz imponha as medidas cautelares (diversa da prisão preventiva), na medida em que não há vedação para tanto, e o próprio artigo 282 (nova redação) permite tal interpretação (o juiz poderá até mesmo aplicar a medida cautelar de ofício, nos termos de referido artigo);
b)O Juiz "homologa" o auto de prisão em flagrante, dando-o como "formalmente em ordem". Sempre questionamos a expressão "homologação" ou "ratificação" do auto de prisão em flagrante pelo Juiz. É que tanto a "homologação" como a "ratificação", originárias do Direito Administrativo, dão a conotação de superioridade (da autoridade judiciária) e submissão (do delegado de polícia). De fato, tanto a homologação quanto a ratificação, dizem os Administrativistas, são oriundas do Poder Hierárquico, exigindo-se, no emprego de tais institutos, relação de subordinação da autoridade que emana o ato, para aquela que o ratifica ou homologa. De se ressaltar que em nenhum momento a lei processual penal utiliza tais expressões, mesmo porque são absolutamente inadequadas. Superadas as críticas ao uso de tais terminologias, no momento em que o Juiz recebe o auto de prisão em flagrante, cuida de analisar se foram observados os seus requisitos. Deve ser lembrado que a prisão em flagrante é hipótese excepcional de prisão sem ordem judicial, de forma que o rigoroso cumprimento de suas formas e exigência é medida que se impõe, sob pena de relaxamento. Ausentes tais requisitos, deverá o Juiz relaxar a prisão, conforme já foi considerado no tópico acima. Se a prisão (ou melhor, o auto de prisão) em flagrante estiver formalmente em ordem, não sendo o caso de relaxamento, é a partir daí que a Lei trouxe modificações, as quais serão analisadas a seguir:
- Prisão formalmente em ordem (não foi relaxado o flagrante) :
i. O Juiz converte a prisão em flagrante em prisão preventiva: outra grande novidade da Lei. Anteriormente às atuais modificações, na hipótese de flagrante formalmente em ordem, era com este título (flagrante) que a pessoa era mantida presa, se o caso, durante todo o processo. Bastava o Juiz "homologar" a prisão, que, a partir de então, passava a ser a autoridade coatora (inclusive para fins de "habeas corpus") e assumia a responsabilidade pela manutenção da prisão em flagrante. Agora, não é mais assim. Recebido o auto de prisão em flagrante, vencida a etapa da análise formal do mesmo e não o relaxando, deverá a autoridade judiciária convolar a prisão em flagrante em prisão preventiva se, e somente se, estiverem presentes os requisitos para a decretação da prisão preventiva. Neste ponto, vale trazer abaixo trecho de artigo muito interessante:
"Analiso esta parte da reforma (o legislador atuou aqui de forma antagônica ao que vislumbrou na fiança) como um enfraquecimento da atuação do delegado de polícia, operador do direito que é. O poder legislativo agiu desconfiado com atuação da polícia judiciária. Deixou a manutenção da prisão sob responsabilidade única e exclusivamente do JUIZ DE DIREITO".
ANDRADE, Mateus Oliveira de. A recente reforma no Código de Processo Penal e seus reflexos na atividade dos operadores do direito criminal. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2877, 18 maio 2011. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/19132. Acesso em: 18 maio 2011.
Com a devida vênia ao colega, ouso discordar. É que tais exigências para a manutenção da prisão em flagrante já vinham, de uma maneira ou de outra, sendo observadas pelas autoridades judiciárias, diante de vários julgados que determinavam que o despacho de manutenção da prisão em flagrante deveria ser motivado, e motivado justamente nas hipóteses em que se permitira a decretação da preventiva. Ou seja, ainda que indiretamente, já se vinha exigindo da autoridade judiciária que recebeu o auto de prisão a devida motivação, onde deveria constar não só o fumus boni iuris (que, aliás, é indissociável do flagrante que não foi relaxado, pela sua própria natureza de "certeza visual do crime"), mas também e principalmente em razão da necessidade da manutenção da prisão (periculum), o que se fazia (e vai continuar sendo feito) com base nas hipóteses do art. 312 do CPP.
Por fim, vale trazer a baila um posicionamento ouvido de um colega, delegado de polícia, e também analisando a presente lei, no sentido de que, agora, seria prudente que a autoridade policial, no momento de autuação em flagrante, autuasse o suspeito, e, num único momento, instaurasse o inquérito policial e, neste mesmo ato, já o relatasse, posto que somente assim o juiz poderia converter a prisão em flagrante em prisão preventiva. Ousamos discordar.
É que tal entendimento deriva daquele já criticado anteriormente, no sentido de que a prisão preventiva só poderia ser decretada ao término do inquérito policial. Assim, o colega, preocupado com tal posicionamento, defendeu esta idéia, de se instaurar o inquérito policial e imediatamente concluí-lo, tudo dentro do prazo de comunicação ao Juiz (24 horas), pois somente assim poderia a autoridade judiciária decretar a prisão preventiva; entretanto, a própria lei prevê a decretação da preventiva no curso do inquérito policial, de forma que, podemos concluir, a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva não precisa de anterior conclusão do inquérito policial, pois pode ser decretada no curso deste.
Reduzir o inquérito policial às diligências do auto de prisão em flagrante, e relatá-lo em 24 horas, seria tornar mais ineficaz do que já é, e reduziria ainda mais o já ridículo prazo de 10 dias previsto no art. 10 do Código de Processo Penal.
ii. Ausentes os requisitos para decretação de prisão preventiva, torna-se impositiva a concessão de Liberdade Provisória, com ou sem fiança. Desta forma, há que se falar em Liberdade Provisória Obrigatória, na medida em que, ausente o periculum, a necessidade de manter-se a pessoa presa, passa a ser direito subjetivo do preso a sua imediata soltura. Trata-se de aspecto da lei que vem recebendo massivas críticas populares, pelo seu aspecto liberatório. Porém, deve-se reconhecer que as críticas vêm ocorrendo apenas porque se tem dado visibilidade (na mídia) a tal aspecto, posto que já há muito vêm os juízes decidindo neste sentido (de que faz-se encessária a demonstração da necessidade - periculum - para que seja mantida a prisão em flagrante. A hipótese, portanto, não é novidade. A bem da verdade, o que mudou radicalmente foram as hipóteses de possibilidade de se decretar uma prisão preventiva, conforme já foi analisado acima, e isto sim trará reflexos imediatos quando da análise do auto de prisão em flagrante, e acarretará a soltura do preso em flagrante (e este aumento das hipóteses de soltura é que, sim, será objeto das críticas populares). Também convém ressaltar que, concedendo a Liberdade Provisória, com ou sem fiança, nada impede que o Juiz decreta as medidas cautelares do artigo 282 do Código de Processo Penal, sendo até mesmo recomendável tal imposição, pois seria mais uma forma de controle (em que pese as observações já lançadas acima, no sentido de que não há fiscalizadores de tais medidas).
Importante ressaltar, mais uma vez, que a imposição da prisão preventiva (quer na "conversão" da prisão em flagrante em prisão preventiva – "preventiva-conversão" -, quer na sua decretação nos casos em que a lei admite – "preventiva-decretação", quer na hipótese de descumprimento de medidas cautelares anteriormente aplicadas – "preventiva-descumprimento") é medida excepcional, e deve ser analisada sempre em caráter de subsidiariedade às outras medidas cautelares, ou seja, se o Juiz entender que a aplicação ou a cumulação de medidas cautelares já for suficientemente necessária, deixará de decretar a prisão preventiva, colocando o preso em liberdade.