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A eficácia vinculante do precedente judicial no Direito brasileiro e sua importância para atuação do Poder Judiciário

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22/04/2012 às 14:02
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5. A evolução do efeito vinculante e sua importância para a atuação do Poder Judiciário

O direito brasileiro já apresenta significativas manifestações da aplicação da teoria do precedente vinculante, cuja análise torna mais claros os contornos que o instituto ganhou no nosso ordenamento.

5.1 Controle concentrado de constitucionalidade: a transcendência dos motivos determinantes

O instituto do efeito vinculante foi introduzido no Brasil por meio da emenda constitucional n. 03/93, que atribuiu às decisões proferidas em sede de ação declaratória de constitucionalidade, eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante junto aos demais órgãos do Judiciário e da Administração Pública. Posteriormente, a Lei 9.868/99 estendeu o efeito vinculante também à ação direta de inconstitucionalidade, o que foi confirmado, por fim, pela emenda constitucional n. 45/04 que deu nova redação ao §2º do art. 102 da Constituição Federal.

É preciso analisar, contudo, qual o objeto do efeito vinculante, isto é, se ele restringe-se ao dispositivo da decisão na qual é examinada a inconstitucionalidade de determinada lei ou ato normativo, ou se transcende a decisão em sentido estrito, alcançando os seus fundamentos determinantes.

 A Corte constitucional alemã sempre se posicionou no sentido de que o efeito vinculante atinge também os fundamentos determinantes da decisão (trangende Gründe), os quais devem ser observados por todos os tribunais no julgamento de casos futuros à decisão. O efeito vinculante transcende a parte dispositiva (Urteilstenor; Entscheidungsformel), o caso da norma objeto do controle de constitucionalidade, de modo que seus fundamentos determinantes, a ratio decidendi subjacente ao julgado, vinculam também o controle de constitucionalidade de normas semelhantes[34].

No ordenamento jurídico brasileiro, não há previsão expressa na mesma linha do direito alemão, mas é forte a posição doutrinária que estende o efeito vinculante à regra de direito extraída dos motivos determinantes da decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade[35]. Sob esse prisma, os destinatários do efeito vinculante devem observar a própria regra de direito que se extrai dos fundamentos determinantes da decisão, não podendo reproduzir em substância o ato declarado inconstitucional, manter outros atos de conteúdo semelhante e adotar via interpretativa diversa daquela acolhida pelo Supremo Tribunal Federal[36].

Nada obstante a coerência desse entendimento, o Supremo Tribunal Federal vem entendendo que o efeito vinculante não alcança os motivos determinantes da decisão, conforme afirma o Ministro Moreira Alves, em julgado paradigmático, proferido na ação declaratória de constitucionalidade - ADC n. 1/DF e publicado no Diário de Justiça da União de 16 de junho de 1995. Em seu voto, contudo, apresentou um paradoxo, pois, ao mesmo tempo em que se sustentou a restrição do efeito vinculante à parte dispositiva da decisão, afirmou que ela alcança os atos normativos de igual conteúdo daquele que deu origem a ação, mas que não foram seu objeto.

A contradição é evidente: se a decisão se estende aos demais atos normativos de igual conteúdo, o efeito vinculante logicamente transcende a parte dispositiva da decisão, cuja única atribuição é a de expressar o resultado decisório da decisão, definindo se aquela determinada lei ou ato normativo questionado é inconstitucional[37].

Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal passou a reconhecer explicitamente a extensão do efeito vinculante aos motivos determinantes da decisão proferida em sede de controle abstrato de constitucionalidade.

A título exemplificativo, cita-se a ação declaratória de inconstitucionalidade n. 1.662[38], na qual foi declarada a inconstitucionalidade dos itens III e XIII da Instrução Normativa n. 11/97, aprovada pelo Órgão Especial do Superior Tribunal do Trabalho, sob o fundamento de que a preterição do direito de preferência é a única hipótese prevista constitucionalmente que autoriza o seqüestro de rendas públicas. Reconhecendo o efeito vinculante da aludida ratio decidendi, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente a reclamação n. 1.987[39], para cassar ato da juíza do TRT da 10ª Região que determinou o seqüestro de recursos públicos para pagamento de precatórios vencidos[40].

Essa visão do fenômeno da transcendência dos motivos determinantes da decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade acompanha uma tendência do direito brasileiro que evolui no sentido de atribuir cada vez mais autoridade aos precedentes judiciais – e esta decisão nada mais é do que um precedente judicial cuja ratio decidendi é obrigatoriamente aplicada aos atos normativos semelhantes[41]. Revela-se aqui mais uma manifestação do que se poderia denominar de “stare decisis brasileiro”[42].

Novamente, contudo, a suprema corte mudou seu posicionamento sobre o tema, passando a adotar entendimento contrário a teoria da transcendência dos efeitos determinantes da decisão proferida em controle concentrado-abstrato de constitucionalidade[43].

5.2 Precedentes oriundos do pleno do STF: uma consequência da objetivação do controle difuso de constitucionalidade

Tradicionalmente, se atribuía a declaração de inconstitucionalidade da lei proferida pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso, efeitos apenas entre as partes e restritos ao caso concreto. Cabia ao Senado Federal ampliar esses efeitos, suspendendo a execução da lei declarada inconstitucional, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal. Recentemente, contudo, tem se sido proposta uma releitura dos institutos do controle difuso de constitucionalidade[44].

Quando o controle de constitucionalidade incidental foi concebido no Brasil, em 1934, existia uma concepção acerca da divisão de poderes que exigia a participação do Senado Federal para que as decisões proferidas no caso concreto produzissem efeitos para todos; entendia-se que, se não fosse assim, o judiciário estaria invadindo a esfera de competência do legislativo[45]. O Supremo Tribunal Federal sustentava que a suspensão da execução da lei declarada inconstitucional era uma faculdade do Senado, que, embora não fosse obrigado a expedir o ato de suspensão, também não poderia restringir ou ampliar a extensão do julgado por ele proferido[46].

Com a introdução do controle concentrado de normas no ordenamento jurídico brasileiro, o controle difuso perdeu parte de sua importância, o que foi acentuado com o advento da Constituição Federal de 1988 que ampliou significativamente a legitimação para propositura da ação direta de inconstitucionalidade. O novo texto constitucional, em seu art. 103, autorizou que, praticamente, todas as controvérsias constitucionais relevantes fossem submetidas diretamente à apreciação do Supremo Tribunal Federal, por meio do controle concentrado de normas[47], operando uma mudança substancial no modelo de controle de constitucionalidade até então vigente no Brasil.

O sistema que atribui ao Senado a função de suspender a execução da lei ou ato normativo declarado inconstitucional não se mostrou apto a gerar segurança para o direito brasileiro[48]. Por exemplo, esse instituto mostrou-se inadequado para assegurar efeito vinculante das decisões do Supremo Tribunal Federal que não declaram a inconstitucionalidade de uma lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta. Nessas hipóteses, em que é adotada uma “interpretação conforme a Constituição” ou é declarada uma “inconstitucionalidade parcial sem redução de texto”, a suspensão da execução da lei ou ato normativo pelo Senado revela-se inútil, porque não há dispositivo a ser afastado, mas tão-somente um de seus significados[49].

O Supremo Tribunal Federal, então, passou a imprimir cada vez mais eficácia à declaração de inconstitucionalidade proferida em sede de controle difuso, transformando o recurso extraordinário – que é o instrumento típico dessa espécie de controle – também em instrumento de controle abstrato[50]. Embora, normalmente, o controle difuso de constitucionalidade das leis ou atos normativos esteja relacionado ao controle concreto de constitucionalidade, eles são coisas distintas[51]. A propósito, é imprescindível esclarecer esses conceitos.

Quanto ao critério subjetivo, o controle judicial de constitucionalidade poderá ser difuso ou concentrado. O primeiro é aquele que pode ser realizado por qualquer juiz ou tribunal, observadas as regras de competência; o segundo está concentrado em um ou mais de um (embora em número limitado) órgão cuja competência para realização do controle é originária. Sob o critério formal, por sua vez, o controle poderá ser realizado pela via incidental ou pela via principal. Chama-se de controle incidental (ou concreto) aquele realizado à luz das peculiaridades do caso concreto, como questão prejudicial e premissa lógica do pedido principal; já no controle pela via principal (abstrato), a análise da constitucionalidade é feita em tese e será o objeto principal da causa[52]. Em regra, o controle abstrato é feito de forma concentrada pelo Supremo Tribunal Federal, por meio das ADIN, ADC e ADPF; e o controle concreto de forma difusa.

Não há, contudo, nenhum óbice a que o controle de constitucionalidade difuso seja realizado de forma abstrata – nesse caso, a análise da constitucionalidade será feita em tese, mas por qualquer órgão judicial. Como no controle difuso não há pedido acerca da declaração de inconstitucionalidade, a decisão não ficará acobertada pela coisa julgada material e será eficaz entre as partes. Mas, o tribunal ficará vinculado a adotar o mesmo posicionamento em outras situações semelhantes[53]. Transforma-se, assim, o caso em precedente judicial vinculante, cuja fundamentação – na qual se aprecia a inconstitucionalidade da lei – transcende para vincular a decisão a ser proferida em outros casos. Quando a análise da constitucionalidade da lei é feita em abstrato, por meio do recurso extraordinário, ocorre a chamada “objetivação” do controle difuso de constitucionalidade[54].

Em diversas manifestações, a legislação também passou a consolidar fórmulas que retiraram do instituto da “suspensão da execução da lei pelo Senado Federal” significado substancial, tornando o controle difuso de constitucionalidade mais abstrato.

O primeiro exemplo foi a dispensa dos órgãos constitucionais de outras cortes de submeter a declaração de inconstitucionalidade ao plenário ou ao órgão especial, quando já houver manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre o tema[55]. Essa orientação conferiu uma eficácia mais ampla – de certa forma até vinculante – à fundamentação do julgado proferido pelo Plenário do Supremo, no controle difuso de constitucionalidade, e foi, em seguida, consagrado no art. 481 do Código de Processo Civil (Lei n. 9.756/98).

A Lei n. 8.038, de 1990, concedeu ao relator a faculdade de negar seguimento a recurso que contrariasse súmula do STF ou do STJ, prerrogativa que fora ampliada pela Lei n. 9.756/98, que autorizou ao relator a dar provimento ao recurso se a decisão recorrida estivesse em manifesto confronto com súmula ou com a jurisprudência dominante (art. 557, § 1º-A, CPC). Mais uma vez, o legislador ampliou os efeitos das decisões proferidas pelo Supremo, até mesmo em sede de controle difuso de constitucionalidade, hipótese cuja ampliação de efeitos estaria submetida à intervenção do Senado.

A Lei 9.868/99 introduziu o §3º ao art. 482 do Código de Processo Civil e estabeleceu queo relator poderá admitir a manifestação de outros órgãos e entidades no procedimento do controle difuso de constitucionalidade, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes. Trata-se da figura do amicus curiae – palavra cuja raiz etimológica reportar-se a “amigo da corte” –, que atua com o objetivo de auxiliar o tribunal.

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Por fim, a emenda constitucional n. 45 incluiu o art. 103-A na Constituição Federal de 1988, criando a chamada “súmula vinculante”, que poderá ser editada após reiteradas decisões do Supremo Tribunal Federal sobre matéria constitucional. “A súmula vinculante, ao contrário do que ocorre no processo objetivo, decorre de decisões tomadas em casos concretos, no modelo incidental, no qual também existe, não raras vezes, reclamo por solução geral.”[56] Essas súmulas, contudo, acabarão por dotar de efeito vinculante o entendimento adotado pela Corte Suprema, em sede de controle difuso de constitucionalidade[57].

Esse panorama marca uma evolução do sistema de controle de constitucionalidade brasileiro que passa praticamente a equiparar os efeitos das decisões proferidas em sede de controle difuso e concentrado de constitucionalidade, possibilitando-se a discussão sobre o cabimento da reclamação constitucional para abranger também as hipóteses de desobediência às decisões tomadas pelo pleno do Superior Tribunal de Justiça em controle difuso de constitucionalidade[58].

Adotando posicionamento contrário à objetivação do controle difuso, Lenio Streck e Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira sustentam que o modelo de participação democrática nesse procedimento depende também “da atribuição constitucional deixada ao Senado Federal”. Excluir a atuação do Senado ou restringir o seu papel a dar publicidade ao entendimento do Supremo Tribunal Federal significaria reduzir as suas atribuições à de uma secretaria de divulgação intra-legistativa das decisões do Supremo. Isso terminaria por “retirar do processo de controle difuso qualquer possibilidade de chancela dos representantes do povo deste referido processo, o que não parece ser sequer sugerido pela Constituição da República de 1988”[59].

O caso paradigmático sobre o tema da ampliação dos efeitos da decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade, independentemente da intervenção do Senado, é a reclamação constitucional n. 4335, no bojo da qual está sendo discutida a utilização desse instrumento para impor a vinculação vertical das decisões proferidas em sede de controle difuso de constitucionalidade. No caso analisado, o Juiz de Direito da Vara de Execuções da Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, denegou a concessão do benefício da progressão de regime, nos casos de crimes hediondos, não obstante o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do habeas corpus n. 82.959, tenha reconhecido incidentalmente (por seis votos a cinco) a inconstitucionalidade do art. 2º, parágrafo primeiro, da Lei 8.072/90, que veda a progressão de regime de cumprimento de pena nessa espécie de crimes.

Em seu voto, o Ministro relator Gilmar Ferreira Mendes entendeu que a recusa do Juiz de Direito da Vara de Execuções da Comarca de Rio Branco, no Estado do Acre, em conceder o benefício da progressão de regime, nos casos de crimes hediondos, desrespeita a eficácia erga omnes que deve ser atribuída à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC n. 82.959. Nesse passo, sustenta ter havido uma mutação constitucional no art. 52, inciso X, da Constituição Federal, na medida em que o papel do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade teria se restringido apenas a dar publicidade às decisões proferida pelo Supremo Tribunal Federal[60].

Caso o aludido voto seja confirmado pelos ministros que ainda não se manifestaram, “estar-se-á com o caminho aberto para o cabimento de reclamação contra qualquer decisão que contrarie interpretação do Tribunal, provocando imediata reinterpretação de vários institutos constitucionais”[61]. Com isso, o controle difuso de constitucionalidade será definitivamente objetivado, estabelecendo-se mais uma hipótese de vinculação dos precedentes do Supremo Tribunal Federal.

5.3 A “súmula vinculante” (art. 103-A, CF)

A emenda constitucional n. 45, de 30 de dezembro de 2004, visando emprestar ainda mais força aos precedentes judiciais, introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a chamada “súmula vinculante” do Supremo Tribunal Federal, que foi “concebida como mecanismo de aceleração dos julgamentos, em decorrência do óbice a demandas fulcradas em teses jurídicas já pacificadas na jurisprudência dominante”[62]. A inovação jurídica está prevista no art. 103 da Constituição Federal.

A característica mais importante dessa inovação consiste exatamente no seu efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública. Isso porque, como a administração é atualmente a principal litigante do país, sua vinculação aos precedentes judiciais poderia reduzir significativamente o número de demandas em curso[63]. Isso torna a “súmula vinculante” uma das soluções mais promissoras para o problema da “crise do Judiciário”. Resta saber se o Poder Público vai aplicar voluntariamente o entendimento sumulado; “caso contrário, haverá um sem número de reclamações, o que tornará o processamento delas moroso e a aplicação do efeito vinculante, por conseguinte, inviável”[64].

Para ser efetiva, a súmula vinculante necessita de instrumentos sancionatórios que busquem coibir condutas discrepantes com seus enunciados.

Nesse passo, o art. 103, §3º, da Constituição Federal prevê que, se não estiver em conformidade com o texto da súmula, o ato administrativo será anulado e a decisão judicial cassada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, por meio da reclamação constitucional. Este, contudo, não é o único instrumento processual cabível, podendo o particular se valer também de qualquer outro meio de impugnação. No caso de ato ou omissão da Administração Pública, o uso da reclamação só será admitido após o esgotamento das vias administrativas. Dessa forma, “busca-se contornar um novo congestionamento do Supremo Tribunal Federal, por conta de inúmeras reclamações constitucionais ajuizadas em razão de descumprimento de súmula vinculante”[65].

O descumprimento da súmula vinculante também poderá gerar a responsabilização pessoal do agente administrativo. Conforme prevê expressamente o art. 9º da Lei 11.417/2006, se a reclamação fundada em violação de enunciado de súmula vinculante for acolhida pelo Supremo Tribunal Federal, o agente administrativo responsável deverá, a partir desse momento, adotar a orientação do tribunal a outros casos semelhantes que vier a apreciar, sob pena de ser pessoalmente responsabilizado nas esferas cível, penal e administrativa[66]. Trata-se de uma espécie de efeito transcendente da fundamentação do julgado proferido em sede de reclamação constitucional, mais um exemplo de indiscutibilidade de questões incidentais, nesse caso, na seara administrativa.

Para que o enunciado de uma súmula vinculante seja editado, devem ser atendidos alguns pressupostos objetivos: i) decisões reiteradas sobre matéria constitucional; ii) controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre a administração pública; iii) discussões sobre a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas; iv) grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica[67]. O quórum para aprovação, cancelamento e revisão da súmula é de dois terços dos membros do Supremo Tribunal Federal e seu procedimento está regulamentado nas resoluções n. 381/2008 e n. 388/2008 do STF.

A adoção da súmula vinculante “é mais um passo para a intersecção dos dois sistemas, o common Law e o civil Law, o que, para o Brasil, abeberando-se da experiência de outros países sem preconceitos, pode ser de grande valia.”[68] Mas, embora seja certo que ela trará enormes benefícios, é certo também que ela não será – e definitivamente não está sendo – a solução milagrosa para a crise do judiciário brasileiro.

5.4 A súmula dos tribunais e sua eficácia vinculante em relação aos próprios tribunais

Por disposição regimental, os enunciados das súmulas são vinculantes em relação ao próprio tribunal que as emitiu, pois, apesar de ser dividido em órgãos fracionais e ser composto por diversos julgadores, o tribunal deve ser considerado apenas um órgão. Sob essa perspectiva, os juízes e órgãos fracionários devem seguir o entendimento do tribunal como um todo, consubstanciado na súmula de sua jurisprudência. Nesse sentido, citam-se os arts. 21, §2º[69] e 102, caput e §4º[70], do Regimento do Supremo Tribunal Federal e os arts. 34[71] e 124[72] do Regimento do Superior Tribunal de Justiça.

5.5 A repercussão geral e a objetivação do recurso extraordinário (art. 543-A, §5º e art. 543-B, CPC)

A emenda constitucional n. 45/2004 acrescentou o §3º ao art. 102 da Constituição Federal, introduzindo no direito brasileiro mais um requisito de admissibilidade do recurso extraordinário, “consubstanciado na exigência de que o recorrente demonstre a relevância da questão constitucional veiculada no recurso extraordinário, sob o prisma econômico, político, social ou jurídico, a fim de ensejar o conhecimento do recurso pelo Supremo Tribunal Federal, em virtude do superior interesse da preservação do direito objetivo”[73].

Seguindo a tendência apontada nos últimos tópicos deste trabalho, no sentido de atribuir efeitos vinculativos aos precedentes judiciais oriundos do Supremo Tribunal Federal, a Lei 11.418/2006 introduziu o §5º ao art. 543-A do Código de Processo Civil, estabelecendo que, negada a existência da repercussão geral, a decisão valerá para todos os recursos sobre matéria idêntica, que serão indeferidos liminarmente, salvo no caso de revisão da tese. Embora o exame da repercussão geral seja atribuição exclusiva do plenário do Supremo Tribunal Federal[74], nessas hipóteses, admite-se que o próprio presidente do tribunal de origem, o relator ou órgão fracionário do Supremo Tribunal Federal negue seguimento ao recurso, por ausência de repercussão geral.

O legislador estabeleceu aqui mais uma hipótese em que o pronunciamento do plenário do Supremo Tribunal Federal – no caso, sobre a repercussão geral de determinada questão – vincula os demais órgãos do tribunal, dispensando que a questão seja submetida a nova apreciação do plenário, em recurso extraordinário cuja amplitude da repercussão já tenha sido examinada[75]. O controle de constitucionalidade realizado nesses casos concretos produz eficácia “pan-processual”, ultrapassando os interesses subjetivos nele deduzidos e se tornando um instrumento de “objetivação do recurso extraordinário” [76].

Também nessa linha, o art. 543-B do Código de Processo Civil[77], cuja redação foi igualmente acrescentada pela Lei n.. 11.418/06, instituiu outra hipótese de vinculação aos precedentes do Supremo Tribunal Federal, no que concerne ao exame da repercussão geral. Trata-se do incidente de análise da repercussão geral por amostragem, nos moldes do que já existia para o julgamento do recurso extraordinário proveniente de Juizado Especial Federal (art. 321, § 5º, RISTF).

Com base nesse dispositivo, quando houver uma multiplicidade de recursos extraordinários com fundamento em idêntica controvérsia, o presidente ou vice-presidente do tribunal de origem poderá selecionar alguns recursos representativos de uma determinada questão constitucional (da controvérsia), sobrestando o processamento dos demais até que o Supremo Tribunal Federal julgue definitivamente os recursos selecionados. Contra a decisão na qual é imposta a suspensão do processamento de determinado recurso cabe agravo de instrumento, nos termos do art. 544 do Código de Processo Civil, “demonstrando-se que aquele recurso não se insere no rol de recursos com fundamento em idêntica controvérsia selecionados pelo órgão a quo”[78].

Se for negada a existência da repercussão geral, todos os recursos que não subiram serão reputados como não conhecidos. Trata-se de típica hipótese de julgamento por amostragem. Por outro lado, reconhecida a existência da repercussão geral e julgado o mérito do recurso extraordinário, os Tribunais poderão retratar-se, se o recurso representativo da controvérsia foi provido, ou declará-lo prejudicado, se não o foi. Se não houver retratação, o Supremo Tribunal Federal poderá reformar, liminarmente, o acórdão contrário a sua orientação. A tese jurídica definida nos recursos selecionados, portanto, produzirá efeitos para além do processo, vinculando outras demandas[79].

Tendo em vista o efeito vinculante da decisão proferida no procedimento de análise da repercussão geral, a intervenção dos interessados – os chamados amicus curiae – se torna indispensável como garantia do devido processo legal e do contraditório[80]. Como a decisão proferida no recurso indicativo da controvérsia produzirá efeitos em relação a todos outros recursos que ficaram sobrestados no tribunal de origem, nada mais razoável que permitir a intervenção desse auxiliar do juízo, que pluraliza o debate dos principais temas de direito constitucional[81]. Nesse sentido, o art. 543-A, §6º, do Código de Processo Civil prevê que o relator poderá admitir, na análise da repercussão geral, a manifestação de terceiros, subscrita por procurador habilitado.

O incidente de análise da repercussão geral por amostragem é um procedimento de caráter objetivo e de significativo interesse público, pois os motivos determinantes da decisão nele proferida vincularão o julgamento de diversos outros recursos, refletindo sobre os interesses de inúmeras pessoas[82]. Resta clara, portanto, a objetivação desses recursos extraordinários representativos da controvérsia e a vinculação vertical dos demais órgãos judiciais à interpretação realizada pela Corte Constitucional.[83]

5.6 Julgamento dos recursos especiais repetitivos (art. 543-C, CPC)

À semelhança do incidente de análise da repercussão geral por amostragem, a Lei n. 11.672/2008 introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a técnica de julgamento de recursos especiais repetitivos. De acordo com ela, quando houver multiplicidade de recursos especiais com fundamento na mesma questão de direito, o tribunal de origem selecionará um ou mais recursos e os encaminhará ao Superior Tribunal de Justiça, sobrestando os demais recursos até o pronunciamento definitivo da corte superior[84] (art. 543-C, caput e §1º, CPC).

Conforme dispõe o art. 543-C, §§ 7º e 8º do Código de Processo Civil, uma vez conhecidos e providos os recursos especiais selecionados, o tribunal de origem poderá: i) manter a decisão recorrida, hipótese na qual o recurso deverá ter sua admissibilidade examinada, sendo, em seguida, encaminhado ao tribunal superior; ii) realizar o juízo de retratação para seguir o entendimento do Superior Tribunal de Justiça[85]. Por outro lado, caso o acórdão recorrido coincida com a orientação do Superior Tribunal de Justiça, os recursos sobrestados terão seguimento denegado. Nesse caso, a norma jurídica geral exposta na fundamentação do acórdão vinculará o julgamento dos recursos sobrestados.

A técnica de julgamento dos recursos repetitivos, contudo, não tem sido eficaz na prática, pois, na hipótese de provimento do recurso especial julgado por amostragem, os tribunais de origem têm mantido seus acórdãos, não exercendo o juízo de retratação para seguir o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Assim o fazem, sem demonstrar a razão por que a ratio decidendi exposta na fundamentação do julgado proferido por amostragem não se aplica ao caso concreto, ou seja, sem realizar qualquer distinção entre o recurso julgado por amostragem e o caso concreto (distinguish) e também sem demonstrar a superação do precedente (overruling ou overriding)[86].

Diante dessa situação, o Superior Tribunal de Justiça tem determinado o retorno dos autos aos tribunais de origem, para que eles reconsiderem seus acórdãos adotando o posicionamento fixado no julgamento dos recursos por amostragem ou, caso resolvam mantê-los, demonstrem as razões pelas quais aquela ratio decidendi não se aplica ao caso concreto. De fato, não se deve admitir que o Tribunal de origem profira outra decisão na qual simplesmente confirma a tese jurídica já rejeitada pelo tribunal superior, sem apresentar qualquer justificativa para tanto. Essa postura viola não só o dever de fundamentar todas as decisões judiciais (art. 93, IX, CF), como também retira a autoridade do Superior Tribunal de Justiça[87].

Atenta a essa realidade, a comissão responsável pela elaboração do projeto de lei n. 166/2010, do Novo Código de Processo Civil, propôs a criação de instituto denominado “incidente de resolução de demandas repetitivas”, prevendo o cabimento de reclamação para o tribunal competente caso a ratio decidendi fixada no caso paradigma não seja aplicada pelo tribunal de origem[88]. O aludido incidente será cabível quando houver controvérsia “com potencial de gerar relevante multiplicação de processos fundados em idêntica questão de direito e de causar grave insegurança jurídica, decorrente do risco de coexistência de decisões conflitantes”[89]. Admitido o incidente, será suspenso o processamento dos processos pendentes em primeiro e segundo grau de jurisdição[90].

A tese jurídica fixada na fundamentação do julgado proferido no bojo do incidente deverá ser aplicada a todos os processos que versem sobre a mesma questão de direito[91], vinculando a solução a ser dada a essas demandas. A proposta do projeto de lei n. 166/2010 apenas confirma uma tendência legislativo-reformista do país no sentido de emprestar cada vez mais efeitos vinculativos aos precedentes judiciais como forma de viabilizar uma prestação jurídica mais célere e efetiva. Resta saber se os órgãos do judiciário e a administração pública vão reagir bem a essas inovações legislativas.

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Sobre a autora
Gabriela Macedo Ferreira

Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia, especialista em Direito Processual Civil pelo Jus Podivm, Juíza Federal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERREIRA, Gabriela Macedo. A eficácia vinculante do precedente judicial no Direito brasileiro e sua importância para atuação do Poder Judiciário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3217, 22 abr. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/21528. Acesso em: 22 nov. 2024.

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