RESUMO: As ações regressivas ajuizadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social em face dos empregadores têm como causa de pedir a concessão de benefício previdenciário decorrente da violação das normas de segurança, higiene e saúde do trabalhador. Ocorre que essa conduta do empregador também é contravenção penal à luz do artigo 19, §2º, da Lei n. 8.213/1991. Dessa forma, o presente artigo analisará o prazo prescricional da ação regressiva ajuizada pelo instituto previdenciário sob a ótica da causa de impedimento ou suspensão prevista no artigo 200 do Código Civil brasileiro, pois esse estabelece a vedação da fluência do prazo prescricional quando o fato deva ser apurado no juízo criminal.
PALAVRAS-CHAVE: AÇÃO REGRESSIVA. INSS. PRESCRIÇÃO. IMPEDIMENTO E SUSPENSÃO. ARTIGO 200 DO CÓDIGO CIVIL.
SUMÁRIO: Introdução. 1 Impedimento e suspensão do prazo prescricional com fulcro no artigo 200 do Código Civil. 2 Responsabilidade penal da pessoa jurídica e a contravenção penal do artigo 19, §2º, da Lei n. 8.213/1991. 2.1 Da responsabilidade penal da pessoa jurídica. 2.2 Contravenção penal do artigo 19, §2º, da Lei n. 8.213/1991. 3 Do impedimento e suspensão do prazo prescricional das ações regressivas com fulcro no artigo 200, do Código Civil e artigo 19, §2º, da Lei n. 8.213/1991. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
Ultrapassados mais de 18 anos do ajuizamento da primeira ação regressiva pelo Instituto Nacional do Seguro Social, em Minas Gerais[1], permanece o debate a respeito do prazo prescricional para o exercício da pretensão reparatória pela autarquia previdenciária.
A discussão, no entanto, ganhou fôlego com a vigência do novo Código Civil, uma vez que esse diploma reduziu para três anos o prazo prescricional para a pretensão de reparação civil (artigo 206, §3º, V, do Código Civil).
Não obstante as respeitáveis opiniões em contrário[2], a Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União, tem claro posicionamento a respeito, postulando a imprescritibilidade do fundo do direito e a prescrição quinquenal das parcelas anteriores ao ajuizamento da ação, aplicando, por analogia, o artigo 1º do Decreto 20.910/1932[3].
Neste momento, não se pode falar que há uma jurisprudência tranquila sobre o tema, pois a discussão acerca da questão ainda é algo incipiente na maioria dos Tribunais Regionais Federais. E naqueles em que a matéria tem sido enfrentada há mais tempo, como é o caso do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, há clara divisão nos entendimentos.
No âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por exemplo, há decisões relatadas pelos Desembargadores Federais Guilherme Couto (AC n. 472433), Poul Erik Dyrlund (AC n. 474233), Reis Friede (APELRE n. 510628) e Maria Alice Paim Lyard (AC n. 497363), aplicando o prazo de três anos com fulcro no Código Civil. No mesmo sentido, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região há julgado relatado pelo Desembargador Federal José Lunardelli (AC n. 0006172-05.2010.4.03.6105).
Por sua vez, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região a questão encontra-se claramente dividida, podendo-se observar decisões relatadas pelos Desembargadores Federais Francisco Wildo (AC n. 521057) e Margarida Cantarelli (AC 544447), reconhecendo o prazo trienal de prescrição, mas, em sentido inverso, decisão que não apenas aplica o prazo quinquenal de prescrição como afasta a prescrição do fundo de direito, conforme se apreende do Agravo de Instrumento n. 106230, relatado pelo Desembargador Federal Geraldo Apoliano.
Essa divergência também era constatada no Tribunal Regional Federal da 4ª Região, pois há decisões relatadas pelos Desembargadores Federais Maria Lúcia Luz Leiria (AC nº 5000028-71.2010.404.7213), Jorge Antonio Maurique (AC nº 2008.71.17.000490-1) e Valdemar Capeletti (AC nº 2008.71.07.000726-6), aplicando o prazo quinquenal de prescrição. Porém, reconhecendo o prazo prescricional com fulcro no artigo 206, §3, V, do Código Civil, há decisões relatadas pelos Desembargadores Federais Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, (AC nº 5008883-59.2011.404.7001), Marga Inge Barth Tessler (AC nº 0004226-49.2008.404.7201) e Silvia Maria Gonçalves Goraieb (AC nº 0000722-71.2009.404.7113). No entanto, a Segunda Seção do Tribunal uniformizou o entendimento de que o prazo prescricional nas ações regressivas é quinquenal, conforme se observa da decisão proferida nos autos dos Embargos Infringentes n. 5000510-12.2011.404.7107.
Alheio, contudo, à referida discussão, que certamente só será superada quando enfrentado o tema pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, o que não está longe de ocorrer em face dos diversos Recursos Especiais que foram interpostos quanto ao tema, os adeptos da aplicação trienal do Código Civil, por dever de coerência, devem aplicar a sistemática desse diploma em relação ao impedimento, à suspensão e à interrupção do prazo prescricional.
1 Impedimento e suspensão do prazo prescricional com fulcro no artigo 200 do Código Civil.
O Código Civil de 2002 estabelece entre os artigos 197 a 204 causas de impedimento, suspensão e interrupção do prazo prescricional, destacando-se, em especial, uma novidade em relação ao Código Civil de 1916, que é a causa de impedimento ou suspensão da fluência do prazo quando o fato deva ser apurado no juízo criminal, a saber:
Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.
Note-se que o Código Civil não exige a existência de processo criminal e muito menos de decisão transitada em julgado para que haja a suspensão do prazo prescricional, bastando a instauração de inquérito policial, conforme orientou o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial. nº 920582/RJ:
DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. POLICIAL MILITAR. LICENCIAMENTO EX OFFICIO. INQUÉRITO POLICIAL. ARQUIVAMENTO. PRAZO PRESCRICIONAL NA ESFERA CÍVEL. SUSPENSÃO. POSSIBILIDADE. ART. 200 DO CÓDIGO CIVIL. APLICABILIDADE. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO.
1. Quando a ação cível se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva, sendo irrelevante que a respectiva ação penal não tenha sido proposta, se houve a abertura de inquérito policial posteriormente arquivado. Inteligência do art. 200 do atual Código Civil.
2. Recurso especial conhecido e provido.
Ademais, não exige o diploma civil que a questão submetida seja crime, mas sim que haja a apuração no juízo criminal, o que abrange tanto o crime quanto a contravenção, espécies do gênero infração penal.
Percebe-se, assim, que a suspensão do prazo prescricional é atributo de coerência do sistema jurídico nacional, porquanto busca concentrar a litigância no menor número de instâncias possível. Sendo assim, na hipótese de o juízo criminal absolver o réu por estar provada a inexistência do fato ou não haver o réu concorrido para a concretização do fato, a decisão produzirá efeito no âmbito cível, inclusive nas ações regressivas. É o que também orienta a Colenda Corte no REsp 686.486/RJ:
3. A decisão na esfera criminal somente gera influência na jurisdição cível, impedindo a rediscussão do tema, quando tratar de aspectos comuns às duas jurisdições, ou seja, quando tratar da materialidade do fato ou da autoria, segundo previsto no art. 935 do CC/2002 (que repetiu o disposto no art. 1.525 do CC/1916).
Aliás, a própria reforma do Código de Processo Penal, realizada por meio da Lei n. 11.719/2008, revelou claramente essa orientação, pois possibilitou ao magistrado a fixação, na sentença criminal, de um valor correspondente à indenização pelos danos causados à vítima (artigo 387, IV, do Código de Processo Penal). Espera-se, com essa modificação legislativa, reduzir o número de ações civis decorrentes do crime (ação civil ex delicto), porquanto aquele que sofreu o dano pode reconhecer como adequados os valores fixados na esfera criminal.
Esse é o entendimento que orientou o legislador ordinário ao elaborar a referida reforma processual, conforme se apreende do parecer do Deputado Regis de Oliveira, apresentado na Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, ao apreciar o Projeto de Lei n. 4207/2001, posteriormente convertido na Lei 11.719/2008.
A presente emenda, permitindo ao juiz fixar na elaboração da sentença um valor mínimo para reparação de danos, vem reduzir a necessidade da ação civil ex delicto, pois quando a aferição do prejuízo suportado pela vítima for de fácil constatação o juiz poderá determiná-la na própria sentença condenatória. Esta situação agradará a vítima que verá seu patrimônio mais rapidamente recomposto e também trará benefícios ao Estado que terá uma diminuição de ações indenizatórias
No entanto, não se pode perder de vista que a suspensão ou impedimento do prazo prescricional da ação cível, enquanto perdurar o inquérito policial ou o processo crime, é uma faculdade daquele que sofreu o dano, e não um ônus deste. Por essa razão, nada impede que a ação reparatória seja ajuizada, ainda que não concluído o inquérito policial ou a ação penal.
Com relação às ações regressivas ajuizadas pela autarquia previdenciária em face dos empregadores que negligenciaram quanto à saúde e segurança do trabalhador, não há que se olvidar que as condutas praticadas podem caracterizar infração penal, seja crime ou contravenção penal, conforme será explanado posteriormente.
Revela-se, assim, que a aplicação do prazo prescricional do Código Civil para as ações regressivas determina, por dever de coerência, a aplicação das causas de impedimento, interrupção e suspensão daquele diploma privado, entre essas, em especial, o artigo 200.
2 Responsabilidade penal da pessoa jurídica e a contravenção penal do artigo 19, §2º, da Lei n. 8.213/1991.
Uma vez estabelecida a premissa de que a apuração do fato no juízo criminal importa o impedimento ou suspensão da fluência do prazo prescricional, imperioso estabelecer uma correlação entre as ações regressivas propostas contra os empregadores e a possível ocorrência de infrações penais.
O primeiro questionamento a ser feito, representando, inclusive, tese de defesa dos empregadores, diz respeito ao fato de as ações regressivas, em sua grande maioria, serem propostas em face da pessoa jurídica, pois essa, segundo parcela da doutrina, não pode delinquir. Ademais, sustenta-se que, ainda que seja admitida a responsabilidade penal da pessoa jurídica, não existiria no ordenamento jurídico brasileiro qualquer infração penal para os casos de acidente de trabalho que tenha como sujeito ativo a pessoa jurídica.
2.1 Da responsabilidade penal da pessoa jurídica.
Com relação ao primeiro argumento, não é nova a discussão quanto à possibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito ativo de infrações penais, podendo-se buscar na história do direito romano e germânico o debate sobre a possibilidade de delinquência por entes coletivos.
No direito inglês, remontam ao Século XIX as primeiras decisões dos Tribunais admitindo excepcionalmente a responsabilidade da pessoa jurídica, o que, posteriormente, precisamente em 1989, restou consagrado por intervenção legislativa. Nesse sentido, ensina Luiz Regis Prado[4] que:
A pessoa jurídica (corporation ou company), pode, assim, ser responsabilizada por toda infração pena que sua condição lhe permitir realizar. Isso ocorre, especialmente, no campo dos delitos referentes as atividades econômicas, de segurança no trabalho, de contaminação atmosférica e de proteção ao consumidor.
No mesmo sentido, o Código Penal francês, em vigor desde 1º de março de 1994, admite o princípio da responsabilidade penal da pessoa jurídica, o que já representava uma intenção da doutrina francesa desde o projeto Paul Matter de 1938. Aliás, lembra-nos Luiz Regis Prado[5] que na França a Ordenação de Colbert de 1967 já previa que as comunidades de cidades, praças fortes, vilarejos, os grupos e companhias que praticassem rebelião, violência ou outro crime poderiam ser processados e as penas poderiam ser a multa, perda de privilégios ou outras previstas publicamente com pena para o crime.
A corrente doutrinária[6] que sustenta a impossibilidade de a pessoa jurídica ser sujeito ativo da infração penal argumenta que o ente coletivo não tem vontade própria e consciência, razão pela qual não é possível falar em conduta ou percepção da natureza preventiva da pena. Do mesmo modo, entende que a pessoa jurídica não é capaz de compreender o caráter ilícito de um fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento, razão pela qual seria inimputável. Alega, ademais, que a pessoa jurídica age apenas de acordo com o estatuto social e este não contempla a realização de crimes, bem como que a punição da pessoa jurídica atingiria, ainda que indiretamente, os seus integrantes, o que violaria o princípio da personalidade das penas.
Contudo, tem prevalecido na doutrina a possibilidade de o ente coletivo ser sujeito ativo de infração penal, pois: I) a pessoa jurídica é um ente autônomo, sendo dotado de consciência e vontade, razão pela qual pode realizar condutas e assimilar a natureza preventiva da pena; II) a pessoa jurídica deve responder por seus atos, adaptando-se o juízo de culpabilidade às suas características; III) o fato de o estatuto social não prever crime não impede a sua prática; IV) a punição da pessoa jurídica não viola o princípio da personalidade das penas, pois não se pode confundir a pena com os efeitos da condenação que, inevitavelmente, atingem terceiros, assim como ocorre com as pessoas físicas[7].
A Constituição Federal de 1988 admitiu a responsabilização penal da pessoa jurídica no artigo 173, §5º e artigo 225, §3º, conforme se observa:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
Ademais, o Supremo Tribunal Federal (HC 92921) e o Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 865.864/PR) têm admitido a responsabilidade penal da pessoa jurídica, destacando, contudo, a necessidade de imputação simultânea da pessoa jurídica e da pessoa física (teoria da dupla imputação), o que não significa a necessidade de dupla condenação.
Ao reconhecer a possibilidade de responsabilidade penal da pessoa jurídica o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça ratificam e enaltecem uma tendência internacional e que só tem a contribuir para o desenvolvimento nacional, pois, como alertava Magalhães Noronha[8], ao comentar os “delitos dos tempos atuais, do progresso e da civilização”, “nunca tantos pagaram por tão poucos”.
Aliás, bem apregoa Fernando Galvão[9] que “no caso da pessoa jurídica, a marca da responsabilidade criminal dificulta os negócios da pessoa jurídica e, na defesa de seus interesses econômicos, os dirigentes da pessoa jurídica são estimulados a evitar o processo penal”.
Portanto, pode-se concluir pela responsabilidade penal da pessoa jurídica, devendo-se enfrentar a discussão do enquadramento das causas de acidentes de trabalho como infração penal.
2.2 Contravenção penal do artigo 19, §2º, da Lei n. 8.213/1991.
É comum a lição doutrinária de que a Lei 9.605/1998 rompeu pela primeira vez com o clássico axioma societas delinquere non potest, mas, na verdade, logo após a Constituinte de 1988 - consciente da necessidade de proteção no âmbito penal da saúde do trabalhador e das condições dignas do desempenho da função - o legislador reconheceu, em 1991, a existência de contravenção penal para a hipótese, nos termos do artigo 19, §2º, da Lei n. 8213/1991.
Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.
§ 2º Constitui contravenção penal, punível com multa, deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.
Não obstante a natureza de contravenção penal, o artigo 19, §2º, da Lei n. 8.213/1991 é um poderoso instrumento de combate aos acidentes de trabalho, até porque a distinção entre contravenção penal e crime não é ontológica, mas sim de graus, quantitativo e qualitativo.
Deveras, nos termos do artigo 1º do Decreto-lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941, considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa, enquanto contravenção é a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou até ambas, alternativa ou cumulativamente.
A distinção entre crime e contravenção penal, centra-se na possibilidade de previsão da pena de reclusão e detenção para o primeiro, o que não é possível no chamado “crime anão”. Ocorre que tal distinção, no que diz respeito à responsabilidade penal da pessoa jurídica, revela-se sem qualquer conteúdo prático, pois não se fala em pena privativa de liberdade para a pessoa jurídica.
Dito isso, não se pode olvidar que a referida norma tem amparo no artigo 225, §3º, da Constituição Federal, porquanto responsabiliza penalmente a empresa que viola o meio ambiente do trabalho.
É cediço que o meio ambiente se divide em meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho, sendo este último definido por Celso Antonio Pacheco Fiorillo[10] como:
Constitui meio ambiente do trabalho o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas à sua saúde, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.).
Segundo Cirlene Luiza Zimmermann[11], a partir do que determina a Lei n. 6.938/1981, o meio ambiente do trabalho pode ser definido como:
Assim, partindo do pressuposto de que o Meio Ambiente do Trabalho (MAT) é uma das perspectivas de análise do meio ambiente, a formação do conceito daquele decorre deste. O MAT, enquanto espécie, portanto, é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química, biológica e psíquica (acréscimo indispensável por envolver relações humanas), que permite, abriga e rege a vida dos trabalhadores, ou seja, a conjunção de todos os fatores que interferem no bem-estar do obreiro.
Logo, pode-se claramente constatar que a Lei n. 8.213/1991 trouxe, após a Constituição Federal de 1988, um tipo penal de natureza contravencional que está em plena sintonia com a exigência de proteção ambiental, responsabilizando expressamente a pessoa jurídica quando esta deixar de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho.
Nesse ponto, cumpre destacar o brilhante e talvez primeiro trabalho acadêmico sobre o tema, que foi escrito pelo Promotor de Justiça Eduardo Roth Dalcin[12] e publicado, em 1994, na Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul com o título “A responsabilidade penal da pessoa jurídica e o descumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho – o tipo penal do art. 19, §2º, da Lei n. 8.213/1991”. Nesta inovadora e atual obra, destaca o eminente Promotor de Justiça que:
Esta norma, consoante se extrai de sua leitura, atribui a autoria de ato contravencional à empresa (pessoa jurídica – sujeito ativo), cujo conceito delimitado encontra-se consignado no art. 14, I, e seu parágrafo único da citada lei. Trata-se de tipo penal que encontra suporte na norma constitucional inserta no §3º, do art. 225, haja vista que visa reprimir o descumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho, as quais têm por escopo oferecer ao trabalhador um meio ambiente laboral mais seguro, sadio e higiênico.
No mesmo sentido, destaca-se a palestra proferida no 8° Congresso Goiano de Direito do Trabalho e Processo do Trabalho, quando o eminente Subprocurador-Geral do Trabalho e Professor de Direito do Trabalho na Universidade Católica de Goiás, Dr. Edson Braz da Silva[13], destacou:
E mais, mesmo que não haja qualquer acidente ou risco de acidente, o simples descumprimento das normas de segurança e higiene do trabalho já é um relevante penal, respondendo o transgressor por contravenção penal punível com multa - art. 19 § 2° da Lei 8213/91.
Apesar da importância desse instrumento de proteção à saúde e segurança do trabalhador, revela-se fundamental registrar a pouca atenção que tem sido ofertada a esse tipo penal pelos órgãos de persecução penal, o que se reflete, inclusive, na quase inexistente jurisprudência a respeito.
Aliás, já em 1994 o Promotor de Justiça Eduardo Roth Dalcin[14] alertava:
Registre-se ser imprescindível uma maior interação entre os órgãos do parquet que atuam na esfera cível e penal, a fim de que haja uma ação mais ágil e eficaz do Ministério Público no combate ao descaso e à desatenção por parte das empresas e dos empregadores no cumprimento das normas de segurança, higiene e medicina do trabalho. Por outro lado, não raro, a prova prévia à formação da opinio delicti da contravenção penal em estudo é colhida no próprio expediente investigatório do acidente de trabalho. Ademais, a elaboração da denúncia criminal exige um conhecimento específico sobre as diversas normas regulamentadoras de medicina, higiene e segurança do trabalho, a fim de descrever corretamente qual norma foi descumprida pela empresa, justificando, pois, essa maior aproximação entre os órgãos. Idêntica situação ocorre nos homicídios culposos, lesões corporais culposas e crime de perigo decorrentes de acidentes de trabalho, onde, em regra, a culpa em sentido estrito emerge do descaso, da negligência e da desatenção ao cumprimento das normas específicas de segurança, medicina e higiene do trabalho. Registre-se também que a necessidade dessa maior interação deve-se à circunstância desses ilícitos penais decorrentes de acidentes de trabalho não chegarem ao conhecimento da autoridade policial, a qual, por lhe ser matéria atípica, não habitual, ignora as normas básicas e elementares de segurança e medicina do trabalho que descumpridas configuram, de forma patenteada, a culpa do agente elaborando inquéritos defeituosos e incompletos, restando por não indiciar alguém. Assim, é de bom alvitre que os Promotores de Justiça da área Cível após coletarem as provas necessárias para o ajuizamento da ação civil acidentária indenizatória, ação acidentária propriamente dita ou ação civil pública acidentária, representem aos Promotores Criminais, indicando-lhes quais as normas descumpridas, facilitando-lhes a ação.
O alerta posto pelo ilustre Promotor de Justiça tem validade atual, pois são raros os inquéritos policiais e as denúncias que atentam para a referida contravenção penal ou mesmo buscam perquirir eventual descumprimento de normas de saúde, higiene e segurança do trabalho, revelando-se quase que uniforme a busca pelo enquadramento da conduta nos tipos penais do homicídio culposo ou lesão corporal.
Não obstante essa situação, que deve ser imediatamente corrigida em um esforço conjunto dos órgãos de persecução penal, cumpre colacionar que o antigo Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, através de sua 11ª Câmara, reconheceu a referida contravenção penal, nos seguintes termos:
CONTRAVENÇÃO PENAL LEI Nº 8.213/91. Deixar a empresa de cumprir as normas de segurança e higiene do trabalho. Agente que não fornece e não exige o uso de apetrechos necessários a proteção do operário. Caracterização. Existência de dano ou perigo concreto ao bem juridicamente tutelado. Desnecessidade: Incorre nas penas do art. 19, §2º, da Lei nº 8.213/91, o agente que, responsável por empresa construtora, não fornece e não exige o uso dos apetrechos necessários a proteção do operário, pois age com manifesta negligência punível, sendo absolutamente irrelevante a existência do dano ou perigo concreto ao bem juridicamente tutelado, por tratar-se de contravenção penal de perigo abstrato ou presumido. APELAÇÃO Nº 998.343/1, 11ª Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, relator Xavier de Aquino, processo original da 5ª Vara Regional de Santana da Comarca de São Paulo, feito nº 235/93.
Aliás, há que se festejar a notícia publicada, em 09 de junho de 2011, no site do Ministério Público do Mato Grosso do Sul, ao informar que “MPE denuncia usina de cana por contravenção penal contra meio ambiente do trabalho”[15]. Nessa notícia, bem esclarece o Promotor de Justiça Luiz Antônio Freitas de Almeida:
O Promotor esclarece que a pessoa jurídica em regra não comete crime nem contravenção penal, salvo excepcionalmente no caso de crimes ambientais, conforme autoriza a Constituição Federal no art. 225, §3º. Por isso, inviável querer responsabilizá-la penalmente pelo homicídio, ainda que tenham seus funcionários concorrido com culpa para o evento ao não observar as normas técnicas pertinentes, cabendo, nesse ponto, apenas responsabilizar penalmente os funcionários responsáveis pela segurança do trabalho, já que, ao não tomarem as medidas necessárias e impostas pelas normas de segurança, a omissão tornou-se penalmente relevante. De outro lado, como o meio ambiente não se resume a apenas recursos naturais, existindo também o meio ambiente cultural, artificial, inclusive meio ambiente do trabalho, o Promotor de Justiça entende constitucional a contravenção penal prevista no art. 19, §2º, da Lei n. 8.213/91, de modo que foi possível denunciá-la pela prática desse delito.
De tal forma, a Lei n. 8.213/1991 inovou a ordem jurídica ao estabelecer uma infração penal que pune o empregador que descumpre as normas de segurança e higiene do trabalho, o que traz reflexos diretos nas ações regressivas ajuizadas pela autarquia previdenciária, notadamente no que diz respeito ao início de contagem do prazo prescricional, como será analisado a seguir.