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Transexualidade e discriminação no mercado de trabalho

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Os transexuais enfrentam o preconceito em todas as searas da sociedade, inclusive no ambiente de trabalho, o que fere o princípio da igualdade e da não discriminação.

RESUMO: A sexualidade sempre foi algo complicado de ser compreendido e estudado ao longo da história e das diversas sociedades. Na área jurídica então, pela justificativa da não interferência do direito na esfera íntima das pessoas, é pouco discutida e menos conhecida. A sexualidade, entretanto, é intrínseca a todos os seres humanos, sendo, portanto, natural a exteriorizarmos. Contudo, esse processo de exteriorização pode ser extremamente doloroso se a sexualidade do indivíduo fugir dos padrões ditos normais dentro de uma sociedade. Daí a relevância do direito em se apropriar de tal polêmica temática. Nesse breve estudo, vamos discutir a relação entre transexualidade e a discriminação no mercado de trabalho. Para tanto, inicialmente, será realizado um esclarecimento terminológico acerca de designações que envolvem o mundo da sexualidade, posteriormente tratar-se-á da transexualidade, expondo seu conceito, caracterização, evolução legal e reconhecimento. Em tópico próprio, apresentar-se-ão relatos de transexuais sobre sua inserção no mercado de trabalho, para, enfim, discorrer sobre a discriminação no ambiente laboral e a proteção jurídica sobre o assunto.  

Palavras-chave: Discriminação. Transexualismo. Trabalho.


1.INTRODUÇÃO

Entender e aceitar a transexualidade para muitas famílias é muito difícil. O desconhecimento, a religiosidade, a moralidade e outros motivos levam parentes a não visualizarem nessas situações um momento de união, acolhimento e proteção, ao contrário, preferem a rejeição e a exclusão.

Nesse estudo, vamos priorizar os debates em torno da transexualidade e a discriminação no mercado de trabalho. Além de uma breve análise sobre as terminologias que envolvem o mundo da sexualidade, bem como sobre o conceito, caracterização, evolução legal e reconhecimento da transexualidade, serão apresentados relatos de pessoas transexuais sobre sua inserção no mercado de trabalho, a fim de que se possa melhor compreender e, consequentemente, buscar erradicar uma situação de extrema discriminação no ambiente laboral.  


2.  TRANSEXUALIDADE

2.1.ASPECTOS TERMINOLÓGICOS

Quando se fala em sexo, gênero, identidade de gênero, papel de gênero, homossexuais, travestis, hermafroditas, gays, andróginos, transexuais e outros tantos termos, uma nuvem nebuloso se instala e os conceitos se misturam, bem como a ausência de comunicação se estabelece. Por isso, antes de adentrarmos propriamente no assunto do transexualidade e da discriminação, objeto do presente estudo, é preciso realizar certos esclarecimentos terminológicos.    

A primeira questão é diferenciar sexo de gênero. Sexo se refere biologicamente à clássica divisão entre macho e fêmea, é, assim, uma caracterização conforme a anatomia e a fisiologia do ser humano. Se a criança nasce com pênis, é um macho, se com vagina, é uma fêmea. Às vezes, o órgão sexual aparece simultaneamente em um indivíduo, gerando os chamados intersexos, popularmente denominados de hermafroditas.

O termo gênero[1], por sua vez, transcende o aspecto biológico e entra na área cultural, sendo, consequentemente, uma construção social. Desse modo, tem-se o gênero feminino (papel social voltado às mulheres), o masculino (papel social de homem). Pode ocorrer de o indivíduo não se identificar completamente com o papel de mulher nem o de homem, possuindo um comportamento híbrido, são os chamados andrógenos. 

Feita a conceituação de gênero é preciso distinguir identidade e papel de gênero. A designação identidade de gênero foi criada, em 1964, pelo pesquisador americano Robert Stoller e se refere ao gênero em que a pessoa se identifica, isto é, às sensações internas de pertencer ao gênero masculino ou feminino (COSTA, 1994, p. 11). Já o papel de gênero está relacionado ao comportamento (masculino ou feminino) que a pessoas têm frente às outras e à sociedade em geral. Muitas vezes, para sermos aceitos socialmente, assumimos um papel que não necessariamente representa o nosso sentimento interno, causando, consequentemente, angústia, desconforto e problemas psíquicos. 

Por fim, a expressão “orientação sexual”[2] está relacionada à atração física e emocional por alguém, podendo ser por pessoas do mesmo sexo (homossexuais), do sexo oposto (heterossexuais) ou de ambos os sexos (bissexuais). Embora essa divisão seja a mais comum, pode-se incluir nessa classificação a pansexualidade (atração por pessoas que não se enquadram na disposição binária macho/fêmea) e a própria assexualidade (pessoas que não sentem atração por ninguém).

Finalizadas essas breves considerações, pode-se agora melhor entender a transexualidade.

2.2.O QUE É UM TRANSEXUAL?

Diferente do homossexualismo, o qual já foi excluído do rol de transtornos mentais em 1990 pela Organização Mundial da Saúde (OMS), o transexualismo ainda hoje é considerado uma doença. Segundo a Classificação Internacional de Doenças em sua 10ª versão (CID-10), da OMS, no Capítulo V, denominado Transtornos Mentais e do Comportamento, insere-se como um tipo de Transtorno de Identidade de Gênero o transexualismo, o travestismo bivalente, os transtornos de identidade de gênero na infância, além de outros transtornos de identidade de gênero não especificados[3].

 Segundo a referida classificação, transexualismo configura-se como:

Um desejo de viver e ser aceito como um indivíduo do sexo oposto, geralmente acompanhado por um sentimento de desconforto ou de inadequação com o seu órgão sexual, tendo, por isso, uma imensa vontade de realizar uma operação cirúrgica, bem como um tratamento hormonal, no intuito de adequar seu corpo ao sexo pretendido (tradução nossa).[4]

A transexualidade, portanto, não é uma perversão, muito menos uma escolha[5]. Na verdade, quem escolheria ser mal visto, excluído e discriminado? Os transexuais são sim pessoas que possuem uma extrema rejeição ao seu fenótipo porque querem se parecer com o gênero que se identifica, chegando, inclusive, aos casos extremos de automutilação e suicídio. É como se houvesse uma desconexão entre os seus órgãos genitais e o seu psiquismo. Um homem no corpo de uma mulher; uma mulher em um corpo de homem.

Ademais, pessoas transexuais não são revolucionárias, apenas querem se enquadrar no modelo de sociedade disposto: os que possuem o órgão sexual masculino querem ser mulheres dóceis, encantadoras, mães de família e bem casadas; os que carregam o feminino querem ser vistos como homens viris, corajosos e determinados.

Destarte, o transexualismo não possui uma relação de implicação com o homossexualismo e com o travestismo, como às vezes é confundido. No primeiro caso, essa relação não é correta, eis que não necessariamente o transexual sente-se atraído por pessoas do mesmo sexo, tendo em vista que se sente, na verdade, pertencente a outro gênero. Já no segundo, embora o travesti se vista de mulher ou de homem, não se sente incomodado com o seu corpo, não se sente pertencente a outro gênero. 

Cabe ressaltar que quando se fala em homem transexual ou mulher transexual há uma referência ao seu gênero alvo. Dessa maneira, homem transexual é um indivíduo que nasceu fêmea, mas que se identifica com o gênero masculino e a mulher transexual é a pessoa que possui o sexo de um macho, contudo o gênero que se identifica é o feminino.

Até os anos 70, havia uma ideia que esse tipo de comportamento poderia ser revertido com terapia. Contudo, um caso interessante, divulgado, em 1973, pelo sexólogo americano John Money, veio de encontro àquela assertiva. O referido sexólogo recomendou que um dos filhos gêmeos de uma mulher americana fosse criado como menina, após ter o pênis acidentalmente amputado em uma cirurgia de fimose. Desse modo, o garoto recebeu uma vagina, hormônios femininos e terapia. Os resultados satisfatórios somente duraram até o menino completar 14 anos, eis que, a partir daí, o paciente desistiu de viver como menina, reconstruiu o pênis e, tempos depois, casou-se (COSTA, 1994, p. 15).

Esse caso é interessante para confirmar que não é possível impor uma identidade de gênero, mas é possível, com o desenvolvimento da medicina, adequar o corpo ao gênero. Catherine Millot, ao refletir sobre o transexualismo, faz uma reflexão interessante: 

O transexualismo é, atualmente, a conjunção de uma convicção, que nada deve a ninguém, e de um pedido que se dirige ao outro. Esta oferta é nova, pois supõe uma oferta que a suscita, e que é feita pela ciência. Nada de transexual sem cirurgião e sem endocrinologista. Neste sentido, o transexualismo é um fenômeno essencialmente moderno (MILLOT, 1992, p. 17).

Realmente, sem o desenvolvimento da ciência, não se pode falar em transexualismo como hoje retratamos[6].

No Brasil, o transexualismo ganhou visibilidade nos anos 80, quando Roberta Close posou numa em uma revista masculina antes e depois de realizar a mudança de sexo.

Contudo, a luta pela legalização da cirurgia de redesignação sexual no Brasil se iniciou antes, em 1971, quando um grupo de médicos do Hospital das Clínicas de São Paulo, sensibilizados com a quantidade de pessoas a procura desse tipo de cirurgia, pressionou o governo para a regulamentação das intervenções médicas. Em 1979, foi aprovado um projeto de lei pela Câmara e pelo Senado, mas vetado pelo presidente João Batista Figueiredo (INÁCIO, p. 1998, p. 195).

Em 1971, foi realizada a primeira cirurgia de conversão de sexo no Brasil[7], pelo Médico Roberto Farina, a qual lhe resultou em um processo criminal por lesão corporal grave e um processo administrativo no Conselho de Medicina. Embora tenha sido absolvido ao fim, foi considerado culpado em primeira instância, chegando a ser preso e cassado o seu direito ao exercício da medicina.  

Portanto, as cirurgias de redesignação sexual eram consideradas antiéticas, sendo puníveis pelo Conselho de Medicina e pela Justiça Penal. Essa situação perdurou até 10 de setembro de 1997, quando o Conselho Federal de Medicina (CFM) editou a Resolução n. 1.482/97, a qual define transexualismo, delimita os procedimentos de seleção de pacientes e considera éticas as mencionadas cirurgias quando realizadas em hospitais-escolas sem fins lucrativos.  

Em 2002, surge a Resolução do CFM n. 1.652/02, a qual amplia o tratamento de mulheres transexuais (macho para fêmea) e mantém em caráter de pesquisa os procedimentos em homens transexuais (fêmea para macho).

O Ministério da Saúde, por meio da Portaria n.1.107[8], institui, em agosto de 2008, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Processo Transexualizador, o qual deve ser realizado em serviços de referência devidamente habilitados. Esse foi um passo importante, tendo em vista que houve um reconhecimento institucional da necessidade de proteger todos os transexuais, ricos ou pobres, das consequências psíquicas de um não tratamento.

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Hoje em dia, para que um transexual consiga realizar a cirurgia, são necessários diversos procedimentos médicos e psicológicos: primeiramente deve haver um parecer e avaliação de um endocrinologista, depois de um urologista cirurgião, posteriormente de um psiquiatra e um psicólogo com experiência na área. Além do mais, antes e depois da operação, há um cuidado para que os pacientes alcancem uma aparência feminina/masculina, por isso ingerem hormônios, modulam a voz, retiram o pomo-de-adão, quando necessário, reeducam os trejeitos. Após somente dois anos de atendimento psicoterapêutico, a pessoa transexual, que não pode ser menor do que vinte e um anos, estará apta a realizar a cirurgia (INÁCIO, 1998, p. 196).

Após ser rejeitada pela sociedade, lograr uma vaga no SUS, passar os dois anos de tratamento e realizar a cirurgia, a pessoa transexual ainda tem mais um desafio: conseguir a alteração no seu registro civil. Como não há previsão legal, as pessoas que realizam a cirurgia de redesignação entram na justiça para pedir a mudança do seu prenome na certidão de nascimento, ficando, portanto, dependentes de uma sentença judicial favorável.


3.DISCRIMINAÇÃO DE TRANSEXUAIS NO MERCADO DE TRABALHO

3.1.TRANSEXUAIS E TRABALHO

Vistos os contornos do que seria o transexualismo, vamos agora tratar sobre os problemas de sua inserção no mercado de trabalho, bem como o desafio de enfrentar o preconceito e a discriminação. Imaginemos as seguintes situações.

 João se prepara para uma nova entrevista, arruma a barba, coloca seu melhor terno, comporta-se bem nas perguntas inquiridas, possui um bom currículo, finalmente é selecionado, quando apresenta seus documentos para contratação, o funcionário do RH percebe que João, conforme sua identidade, é Maria e desiste da contratação.

Pedro é um ótimo funcionário, arquiteto experiente e possui uma excelente relação com os demais colegas de trabalho. Certo dia, Pedro, insatisfeito com seu corpo e com sua vida, procura tratamento e resolve revelar que é transexual. A partir daí passa a tomar hormônios, a se vestir de mulher, a adotar o nome social de Paula e a se preparar para a cirurgia de redesignação sexual. No trabalho, os antigos colegas lhe olham de lado e fazem constantes piadas sobre sua nova aparência, o chefe já não o mais solicita nas atividades externas e, pouco a pouco, vai lhe diminuindo a carga de trabalho, até, finalmente, demitir-lhe sem justa causa, alegando qualquer desculpa.

As ilustrações do caso de João e Paula demonstram o quanto sofrem as pessoas transexuais para se inserirem e serem aceitas no mercado de trabalho. Muitas, por isso, preferem o isolamento, a mudança completa de vida, a perda de uma carreira acadêmica a passar por momentos de constrangimento e humilhação.

Em muitos casos, pelo intenso assédio que sofrem, muitos transexuais não conseguem nem mesmo concluir os estudos. É o caso de Luciana, nome social que adotou após a cirurgia de mudança de sexo. Ela relata que, aos 47 anos, trabalha como costureira, mas o dinheiro que recebe sequer é suficiente para comprar os hormônios femininos que precisa tomar. Afirma que abandonou a escola no interior da Bahia, porque não aguentava ouvir seu nome de nascimento na chamada. Já se recusou a ir a postos de saúde e, inclusive, ao banco sacar seu seguro-desemprego, com medo de ser humilhada, eis que sua identidade ainda permanece com o nome masculino (BECKER, 2010).

O relato de Luciana apresenta, ao menos, dois obstáculos a serem vencidos pelos transexuais para exercerem a profissão que desejarem: conseguir finalizar os estudos e se qualificar dentro de um meio que inevitavelmente lhe oprime; e conviver com o duplo nome (nome de registro e o nome social) até conseguir a alteração definitiva na justiça.     

A história da sexóloga Martha Medeiros é, no contexto da formação acadêmica, bem diferente da de Luciana. Martha viveu como homem durante 45 anos e se sentiu obrigada a abandonar a carreira de engenheira química, a qual já era PhD, para assumir sua nova condição:

Nasci com cabeça de mulher, mas reprimi essa realidade quanto pude. Como engenheiro químico de prestígio, dei aulas em universidades e fui consultor de indústrias petroquímicas e de fertilizantes. Tive de enterrar essa carreira porque a masculinidade do ambiente não permitiria que eu virasse a Marthinha de uma hora para outra. Não passaria sequer da portaria das empresas. Fiz um mestrado em sexologia e hoje me dedico a atender pessoas com transtornos de identidade sexual. Quando ligam procurando o 'falecido', digo que ele está no Exterior.[9]

Diferente de Martha que não conseguiu retornar ao antigo emprego, Nilce trabalha na central de ambulância da cidade de Itu, no estado de São Paulo, há 14 anos. Em 2007, resolveu assumir a transexualidade e, a partir daí, alega que sofre perseguição por parte do seu superior hierárquico, o qual não lhe determina mais serviço. Todos os dias vai ao trabalho, mas o seu empregador lhe deixa na ociosidade, ou seja, não lhe permite uma exposição, como se ela fosse uma grande anomalia que devesse ser escondida. Em primeira instância, o juiz do trabalho julgou improcedente o pedido de dano moral, eis que não vislumbrou nenhuma atitude discriminatória. Já em recurso, no Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, foi reconhecido o assédio moral, ficando o município obrigado a pagar o valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) a título de indenização, segundo o relator:

O fato do empregador deixar  o empregado na ociosidade, sem qualquer função, marginalizando-o no ambiente de trabalho, constitui inequivocamente assédio moral. E, na hipótese, o assédio moral é decorrente da discriminação de que o autor foi vítima, discriminação essa que sequer foi declarada, mas, sim, velada, que é aquela que é mais difícil de ser comprovada, porque não se caracteriza por comportamento visível a todos.[10]

Pelos relatos ora demonstrados, observa-se o quanto é difícil assumir-se transexual, eis que, além de ser incompreendido pela família, é excluído desde pequeno da sociedade, é considerado uma anomalia e vai enfrentar uma batalha para conseguir um emprego formal, principalmente quando não possui documentos adequados ao seu fenótipo. Desse modo, muitos não conseguem fugir da vala comum de empregos que possuem uma aceitação maior aos homossexuais, travestis e transexuais como as atividades de cabeleireiras e maquiadoras, chegando, nas piores situações, aos casos de prostituição.

3.2.DISCRIMINAÇÃO E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

A Constituição brasileira de 1988, em art. 3º, IV, aduz que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. No caput do tão invocado art. 5º afirma que todos “são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza [..]”. No art. 7º, XXX, ainda, proíbe-se a “diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”.

O Estado brasileiro, portanto, consagrou o princípio da igualdade. Sabe-se que no Estado Liberal a igualdade era meramente formal, ou seja, perante a lei. Embora essa concepção tivesse sido extremamente relevante naquele momento, não pode resistir aos novos ditames do Estado Social, que passou a exigir uma igualdade material, ligada, primeiramente, a critérios socioeconômicos, e, em uma segunda fase, relacionada ao reconhecimento das diferenças de raça, geração, orientação sexual e identidade de gênero, dentre outros.

A igualdade não exclui a diferença, porque essa existe e sempre existirá, como manifestação da própria humanidade. O que a igualdade prevê então é o respeito a essa diferença, proibindo a discriminação. Para Boaventura de Sousa Santos, “temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza; temos o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza” (2003, p. 458).

Roger Raupp Rios acrescenta que a igualdade tem um caráter relacional, pois “esta formulação expressa a compreensão da igualdade enquanto direito fundamental de receber igual tratamento àquele dirigido a quem estiver em situação semelhante, assim como a proibição de arbitrariedade na instituição de tratamentos desiguais” (2002, p. 94). Portanto, o caráter relacional comporta juízos comparativos, como se houvesse situações de normalidade e de anormalidade. Assim, as pessoas tratariam de forma desigual os transexuais, porque estes não estariam enquadrados nos critérios da normalidade, quando se pensa em gênero, por exemplo.

No que diz respeito à discriminação, Maria Luiza Coutinho (2003, p. 18.) assevera que:

O ato ou efeito de discriminar, ou seja, de distinguir, de fazer diferença, de segregar, pôr à parte por intolerância ou preconceito, seria discriminação, que guarda conotação de desvalor por distinguir pessoas, grupos ou situações, utilizando-se de ideias preconcebidas que os leva à posição de inferioridade.

Desse modo, a discriminação está associada ao preconceito, à falta de informação, à intolerância, chegando ao ponto de destruir autoestimas, conduzir processos depressivos, massacrar seres humanos. 

Especificamente sobre a discriminação nas relações de trabalho, a Convenção n. 111 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) afirma que o termo discriminação significa:

a) toda distinção, exclusão ou preferência, com base em raça, cor, sexo, religião, opinião política, nacionalidade ou origem social, que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou de tratamento no emprego ou profissão;

b) qualquer outra distinção, exclusão ou preferência que tenha por efeito anular ou reduzir a igualdade de oportunidade ou tratamento no emprego ou profissão, conforme pode ser determinado pelo País-membro concernente, após consultar organizações representativas de empregadores e de trabalhadores, se as houver, e outros organismos adequados.

 Em relação às consequências jurídicas no espaço laboral interno, a norma em vigor que combate a discriminação nas relações de trabalho é a Lei n. 9.029/95, a qual, recentemente, foi modificada pela Lei n. 12.288 de 20 de julho de 2010, passando, seu art. 4º, a ter a seguinte disposição:

Art. 4º  O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:

I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;

II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

O acréscimo ao texto anterior foi a expressão “além do direito à reparação pelo dano moral”. É que o Tribunal Superior do Trabalho, em muitos julgados (Ex: RR 2438/2001-069-09-00.3), entendia pela incompatibilidade da acumulação do pedido de reintegração e danos morais, pois seria uma espécie de condenação bis in idem. Desse modo, para acabar com o impasse, o legislador deixou claro ao julgador que é viável a referida cumulação.

Embora essas fontes formais constituam, para a maioria dos juristas, a base para compreensão e esclarecimento dos conflitos do Direito do Trabalho, é necessário pensar também e prioritariamente nas fontes materiais, como uma forma de prevenir e combater a discriminação no mercado de trabalho.

Nesse sentido, é muito importante a reestruturação das organizações coletivas unidas com os movimentos sociais que atuam nas causas, eis que essa relação poderá gerar acordos coletivos e/ou convenções coletivas que atendam as demandas dos transexuais, buscando impedir sua limitação e exclusão nas relações laborais.  

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Sobre a autora
Sofia Vilela de Moraes e Silva

graduação em Administração com habilitação em comércio exterior pela Faculdade de Alagoas , graduação em Direito pela Universidade Federal de Alagoas e mestrado em Direito pela Universidade Federal de Alagoas . Atualmente é doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco e bolsista da CAPES.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Sofia Vilela Moraes. Transexualidade e discriminação no mercado de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3301, 15 jul. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22199. Acesso em: 2 nov. 2024.

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