O advento da Lei 12.403/11 já rendeu um bom número de reflexões em torno da nova sistemática das medidas cautelares no processo penal. Contudo, diante de tantas mudanças, tem ficado de fora a análise do significado do novo método na administração do risco penal.
Para esse efeito, amadurecendo as diversas formas de vida em sociedade, o capitalismo regulamentador salienta o aumento da política criminal de intervenção, muito bem representada pelas novas tecnologias de controle da referida lei. Como nota CRAWFORD, a regulação leva a cabo um projeto de controle do futuro e superação das incertezas (2009, p. 817). A questão problemática disso tudo radica nos processos de decisões produzidas num contexto de medo, frente à crise dos outros métodos trandicionais de intervenção educativa (ATAIDE, 2010, p. 223).
Seja como for, a administração de risco não mais se limita ao âmbito da teoria da pena, havendo indicações evidentes de que este fenômeno também ocorre no processo. Se é certo que a prisão perdeu o poder de ressocializar, o fato é que ela nunca deixou de ser o método mais eficaz de administrar o risco também do processo penal.
No iminente colapso das agências de controle, alertou-se o legislador para reexaminar e, com ou sem razão, expandir seu projeto de governo penal. Essas circunstâncias criaram assim um completo programa de administração do risco no País. O Estado de Bem-Estar penal amplia a burocracia diluindo o controle por meio de novos mecanismos.
Seguindo a classificação proposta por CLEAR e CADORA, os programas penais de risco podem ser divididos em três grupos de estratégias (2009, p. 31). A primeira abrange os métodos de redução de risco, que interagem a lei penal com projetos biopolíticos voltados diretamente à mudança do sujeito. A base central desta técnica reside no fundamento de que o desvio pode ser útil à coletividade, na medida em que se acredita na capacidade de ressocializar o desviante, dando-lhe um novo comportamento adequado à sociedade. Sem dúvida, as dificuldades na descoberta das causas da criminalidade tornam dificeis um modelo corretivo como esse.
A segunda estratégia abrange o gerenciamento de risco, em razão do qual não se procura mudar ninguém, porém apenas administrar os fatores de risco que o indivíduo precipita. Como exemplo temos o caso da Lei n. 11.900/09, que alterou o Código de Processo Penal para permitir que o juiz determine o interrogatório do réu preso por sistema de videoconferência para o fim de “prevenir risco à segurança pública” (art. 185, § 2º, inc. I).
A respeito do gerenciamento, sugere-se pensar o crime a partir dos processos de interação, ou em outras palavras, a compreensão do gerenciamento depende da aceitação da transgressão como uma combinação entre a interação de um ator e uma situação (COHEN, 1968, p. 99). Analisa-se, portanto, o indivíduo e a situação como um episódio de risco único. Isto é, não se considera o indivíduo transgressor isolodamente, mas ele e as múltiplas condições externas que precipitam a infração e fazem do crime um agir normal (COHEN, 1968, p. 199).
Entendidas nesses termos as amplas situações nas quais se insere o indivíduo, o gerenciamento de risco pode acontecer por meio de programas de auxílio profissional; monitoramento eletrônico; proibições de sair de determinados perímetros; toques de recolher; fornecimento controlado de drogas para dependentes químicos; acompanhamento psicológico para portadores de patologias etc. A passos lentos, o regime aberto, a suspensão condicional do processo e o sursis foram exemplos mal acabados de gerenciamento que não conseguiram surtir efeitos concretos e tampouco reformaram as velhas práticas burocráticas, enquanto muito fizeram para aperfeiçoá-las. As medidas cautelares dos incs. I, II, III, IV, VIII e IX do art. 319, CPP, realçam o caráter no gerenciamento do risco no processo.
É um fato claro que as duas primeiras estratégias mencionadas dificilmente eliminam o risco. Por isso, a Administração penal recorre a um terceiro método, o do controle de risco. Devo dizer que esta estratégia suprime o risco(ROSAL BLASCO, 2009, p. 32). Na melhor ou pior das hipóteses, age contundentemente por meio de ações sobre o corpo ou a liberdade do indivíduo, inocuizando o comportamento transgressor. São exemplos de controle a pena privativa ou o emprego de drogas que eliminam a libido de psicopatas sexuais. Da mesma maneira, já na linha do processo, figuram como formas de controle o recolhimento domiciliar noturno; a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira e a internação provisória do inimputável quando existir risco de reiteração do injusto (art. 319, incs. V, VI e VII, CPP).
O mais incrível é saber que o Estado muito se preocupa em mostrar para a sociedade o seu empenho nasfalsas técnicas assistencialistas, enquanto menos admite sujar as mãos com gestão ou controle. O sistema penal parece com uma máquina difícil, cujas partes mais traiçoeiras não são sequer mencionadas às crianças, ainda que constantemente manipuladas pelos adultos.
Se fosse permitido uma análise evolutiva, poderíamos concluir que as agências punitivas enfatizaram inicialmente as estratégias de controle, após o que se abriram aos métodos de redução e em seguinda ao gerenciamentodo risco. Estas duas primeiras técnicas nunca foram capazes de produzir os efeitos desejados porque negaram a autonomia do indivíduo e, o que é pior, sucumbiram – em menor ou maior grau – ao desejo de mudar o homem, ignorando os processos de interação, ou seja, desconhecendo o seu ambiente e as situações nas quais se insere.
Até aqui foi possível perceber que o gerenciamento e o controledo risco tratam-se das estratégias com mais chances de desenvolvimento no sistema penal.E por isso precisam guardar correspondência entre si, de modo que não se imponha no processo penal uma medida de controlecautelar quando à pena do crime seja reservada apenas uma solução de merogerenciamento. Contudo, ainda cumpre compreender que a aplicação das medidas depende diretamente da interação entre o sujeito e situações concretas, isto é, do estudodo sujeito e a sua relação com o ambiente e outros indivíduos. Por mais que se defenda o Direito Penal do fato, muitas saídas nos levam ao tipo de pessoa à qual devemos dar um tratamento.
Neste momento, quando o controle não se resume à pena privativa, as novas medidas trazidas pela Lei 12.403/2011 se preparam para não apenas ocupar mas criar um novo espaço teórico multidisciplinar para os penalistas. E assim o inimigo pode restaurar-se em novas facetas. Por mais que se afirmem os avanços, o futuro das novas ferramentas de gestão da ordem ainda não reserva coerência com todos os fundamentos teóricos aqui expostos. Por isso, são exigidas pesquisas que redescubram não somente a teoria do risco no processo, mas a sua relação com a teoria da pena e o ambiente de realidade onde serão executadas penas e medidas cautelares.
De fato, o risco refunda o processo na medida em que o abre ao escopo da aferição da personalidade do agente não somente para cumprir o fim da pena, mas para atender ao controle do risco na sociedade. Sob vários aspectos, a virada punitivistasomente aparenta resolver o problema do encarceramento massificado. Precisamos não esquecer que mesmo após a adoção de medidas despenalizadoras nos sistemas angloamericanos, houve crescimento das taxas de encarceramento, sugerindo que as alternativas à prisãopodem não evitar a expansão do modelo punitivista (MATTHEWS, 2009, p. 180). Por outras palavras, fica a advertência de que o eventual fracasso nos métodos de gerenciamentode riscosda Lei 12.403/11 incidirá sobre as taxas de reincidência, o que recria um refluxo às soluções partidárias do controle (populismo penal). Nomeadamente, a prisão se renovará.
Referências:
ATAÍDE, Fábio. “Colisão Entre Poder Punitivo do Estado e Garantia Constitucional da Defesa”. Curitiba: Juruá, 2010.
COHEN, Albert K. Transgressão e Controle. Trad. Miriam L. Moreira Leite. São Paulo: Livraria Pioneira, 1968.
ROSAL BLASCO, Bernardo del. ¿Hacia el Derecho Penal de la Postmodernidad?. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, Granada, n. 11-08, p. 1-64, 2009. Disponível em: <http://criminet.ugr.es/recpc>. Acesso em: 20.mar.2011.
MATTHEWS, Roger. The Myth of Punitiveness. Theoretical Criminology. London, Thousand Oaks e New Delhi. Vol. 9(2), p. 175–201, 15.jul.2009. Disponível em: <www.sagepublications.com>. Acesso em: 05.ago.2011.
CRAWFORD, Adam. Governing Through Anti-Social Behaviour: regulatory challenges to Criminal Justice. British Journal of Criminology, Oxford, n. 49, p. 810–831, 2009. Disponível em: <bjc.oxfordjournals.org>. Acesso em: 30.set.2010.
CLEAR, Todd; CADORA, Eric. Risk and Communitiy Practice. In: STENSON, Kevin; SULLIVAN, Robert R. (Coord.). Crime, Risk and Justice: the politics of crime control in liberal democracies.Cullompton: Willan, 2001.