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Cumulação de auxílio-acidente e aposentadoria e o Recurso Especial 1296673

02/09/2012 às 16:20
Leia nesta página:

Surgiu controvérsia sobre a aplicação – ou não – da nova regra aos segurados que já recebiam o auxílio-acidente anteriormente à vigência da norma proibitiva da cumulação com a aposentadoria.

O auxílio-acidente é o benefício previdenciário concedido para o segurado do RGPS que sofre uma redução em sua capacidade para o trabalho que exercia habitualmente, após a consolidação de lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza (e não apenas de acidente de trabalho).

Em sua redação originária, o § 3º do art. 86 da Lei nº 8.213/91 previa o seguinte:

“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente do trabalho, resultar sequela que implique:

(...)

§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente”.

A Medida Provisória nº 1.596-14, publicada em 11/11/1997, convertida na Lei nº 9.528, com data de publicação em 11/12/1997, modificou o § 3º do art. 86 da Lei nº 8.213/91, que passou a dispor:

“§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente”.

Até então, o benefício podia ser recebido em conjunto com qualquer outro (exceto outro auxílio-acidente), ou com auxílio-doença por acidente de qualquer natureza concedido pela mesma causa. Com a nova redação, também passou a ser vedada a cumulação do auxílio-acidente com qualquer espécie de aposentadoria (por invalidez, por tempo de serviço/contribuição, por idade e especial).

Entretanto, surgiu controvérsia sobre a aplicação – ou não – da nova regra aos segurados que já recebiam o auxílio-acidente anteriormente à vigência da norma proibitiva, destacando-se dois principais entendimentos.

Para o primeiro, a vedação – ou não – à cumulação deve observar a data em que ocorreu a lesão, ou foi concedido o auxílio-acidente. Sustenta-se que o princípio tempus regit actum deve incidir no momento em que devido o auxílio-acidente: se na época a cumulação era devida, deve-se manter esse direito, mesmo que a aposentadoria seja requerida após a entrada em vigor do ato normativo alterador.

Conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. EFEITOS INFRINGENTES. POSSIBILIDADE. PREVIDENCIÁRIO.  APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO E AUXÍLIO-ACIDENTE. CUMULAÇÃO.

1. Havendo equívoco manifesto na decisão recorrida, devem ser acolhidos os embargos de declaração que pretendem sua correção.

2. Diante do disposto na Lei nº 9.528/1997, a verificação da possibilidade de cumulação do auxílio-acidente com aposentadoria tem de levar em conta a lei vigente ao tempo do infortúnio que ocasionou a incapacidade laborativa.

3. No caso, tem-se que o Tribunal de origem reconheceu que a incapacidade se deu em momento anterior à entrada em vigor da Lei nº 9.528/1997, portanto, antes da proibição da cumulação de auxílio-acidente com aposentadoria.

4. Embargos acolhidos com efeitos infringentes para negar provimento ao recurso especial do INSS” (EDcl no REsp 590428/SP, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Gallotti, j. 25/02/2008, DJ 24/03/2008, p. 1)[1].

Por outro lado, existem decisões (inclusive no STJ) no sentido de que a lei aplicável é aquela vigente na época do requerimento da aposentadoria:

“(...) 1. A jurisprudência de ambas as Turmas que integram a Terceira Seção firmou-se no sentido da possibilidade de cumulação do auxílio suplementar e da aposentadoria por tempo de serviço, desde que a concessão dos benefícios tenha ocorrido antes da Lei nº 9.528/97” (STJ, EREsp 399921/SP, 3ª Seção, rel. Min. Nilson Naves, j. 11/05/2005, DJ 05/09/2005, p. 202)[2].

Esses acórdãos são apoiados na lei aplicável na data em que o segurado preencheu os requisitos necessários à concessão do segundo benefício (aposentadoria), independentemente da data em que ocorreu a lesão que deu ensejo ao auxílio-acidente.

Recentemente, no julgamento do Recurso Especial 1296673, no dia 22 de agosto de 2012, a 1ª Seção do STJ padronizou a questão, ao decidir que o direito à cumulação dos benefícios só é garantido para quem cumpriu os requisitos de ambos os benefícios antes da modificação do § 3º do art. 86 da Lei nº 8.213/91 (adotando a segunda orientação citada)[3].

Acrescenta-se que não há ilegalidade na norma posterior que passa a proibir a cumulação de determinados benefícios previdenciários, nem direito adquirido ao segurado que já recebia o auxílio-acidente a mantê-lo com a concessão de aposentadoria após a modificação legal. O fato de o primeiro ser inicialmente vitalício não impede que norma posterior determine a impossibilidade de seu recebimento com outro benefício, não ferindo um direito (alegadamente adquirido) que não chegou a se constituir, a menos que o segurado já estivesse recebendo ambos.

Ademais, os valores recebidos a título de auxílio-acidente integram o PBC do salário-de-benefício da aposentadoria (art. 31 da Lei nº 8.213/91, com a redação conferida pela Lei nº 9.528/97), o que seria incompatível com o recebimento conjunto de ambos.

A aplicação adequada do tempus regit actum importa na observância da norma vigente na data em que o segurado alcançou o direito ao segundo benefício (a aposentadoria), caso contrário, haveria a aplicação de dispositivo legal (art. 86, § 3º, da Lei nº 8.213/91) após o término de sua vigência.

Destaca-se, por fim, que o REsp. 1296673/MG foi julgado pelo STJ sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), que, apesar de não ser vinculante, limitará o uso de recurso especial contra os acórdãos que seguirem a orientação de que a cumulação de auxílio-acidente e aposentadoria deve observar a norma vigente na data do requerimento da aposentadoria (e não no dia da concessão do auxílio-acidente).

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Notas

[1] Da mesma forma: EREsp 431249/SP, 3ª Seção, rel. Jane Silva, j. 27/02/2008, DJ 04/03/2008, p. 1; AR 3276/SP, 3ª Seção, rel. Min. Laurita Vaz, j. 12/12/2007, DJ 18/02/2008, p. 23; REsp 414079/RS, 6ª Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 01/03/2007, DJ 26/03/2007, p. 295.

[2] No mesmo sentido: REsp 594179/SP, 5ª Turma, rel. Min. Laurita Vaz, j. 15/03/2005, DJ 11/04/2005, p. 361; REsp 622018/SP, 5ª Turma, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 15/04/2004, DJ 28/06/2004, p. 415; REsp 329598/SP, 6ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 06/12/2001, DJ 18/02/2002, p. 533.

[3] Conforme noticiado no Informativo nº 502, de 13 a 24 de agosto de 2012.

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Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDOSO, Oscar Valente. Cumulação de auxílio-acidente e aposentadoria e o Recurso Especial 1296673. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3350, 2 set. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22534. Acesso em: 19 abr. 2024.

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