O auxílio-acidente é o benefício previdenciário concedido para o segurado do RGPS que sofre uma redução em sua capacidade para o trabalho que exercia habitualmente, após a consolidação de lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza (e não apenas de acidente de trabalho).
Em sua redação originária, o § 3º do art. 86 da Lei nº 8.213/91 previa o seguinte:
“Art. 86. O auxílio-acidente será concedido ao segurado quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente do trabalho, resultar sequela que implique:
(...)
§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente”.
A Medida Provisória nº 1.596-14, publicada em 11/11/1997, convertida na Lei nº 9.528, com data de publicação em 11/12/1997, modificou o § 3º do art. 86 da Lei nº 8.213/91, que passou a dispor:
“§ 3º O recebimento de salário ou concessão de outro benefício, exceto de aposentadoria, observado o disposto no § 5º, não prejudicará a continuidade do recebimento do auxílio-acidente”.
Até então, o benefício podia ser recebido em conjunto com qualquer outro (exceto outro auxílio-acidente), ou com auxílio-doença por acidente de qualquer natureza concedido pela mesma causa. Com a nova redação, também passou a ser vedada a cumulação do auxílio-acidente com qualquer espécie de aposentadoria (por invalidez, por tempo de serviço/contribuição, por idade e especial).
Entretanto, surgiu controvérsia sobre a aplicação – ou não – da nova regra aos segurados que já recebiam o auxílio-acidente anteriormente à vigência da norma proibitiva, destacando-se dois principais entendimentos.
Para o primeiro, a vedação – ou não – à cumulação deve observar a data em que ocorreu a lesão, ou foi concedido o auxílio-acidente. Sustenta-se que o princípio tempus regit actum deve incidir no momento em que devido o auxílio-acidente: se na época a cumulação era devida, deve-se manter esse direito, mesmo que a aposentadoria seja requerida após a entrada em vigor do ato normativo alterador.
Conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. EFEITOS INFRINGENTES. POSSIBILIDADE. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO E AUXÍLIO-ACIDENTE. CUMULAÇÃO.
1. Havendo equívoco manifesto na decisão recorrida, devem ser acolhidos os embargos de declaração que pretendem sua correção.
2. Diante do disposto na Lei nº 9.528/1997, a verificação da possibilidade de cumulação do auxílio-acidente com aposentadoria tem de levar em conta a lei vigente ao tempo do infortúnio que ocasionou a incapacidade laborativa.
3. No caso, tem-se que o Tribunal de origem reconheceu que a incapacidade se deu em momento anterior à entrada em vigor da Lei nº 9.528/1997, portanto, antes da proibição da cumulação de auxílio-acidente com aposentadoria.
4. Embargos acolhidos com efeitos infringentes para negar provimento ao recurso especial do INSS” (EDcl no REsp 590428/SP, 6ª Turma, rel. Min. Paulo Gallotti, j. 25/02/2008, DJ 24/03/2008, p. 1)[1].
Por outro lado, existem decisões (inclusive no STJ) no sentido de que a lei aplicável é aquela vigente na época do requerimento da aposentadoria:
“(...) 1. A jurisprudência de ambas as Turmas que integram a Terceira Seção firmou-se no sentido da possibilidade de cumulação do auxílio suplementar e da aposentadoria por tempo de serviço, desde que a concessão dos benefícios tenha ocorrido antes da Lei nº 9.528/97” (STJ, EREsp 399921/SP, 3ª Seção, rel. Min. Nilson Naves, j. 11/05/2005, DJ 05/09/2005, p. 202)[2].
Esses acórdãos são apoiados na lei aplicável na data em que o segurado preencheu os requisitos necessários à concessão do segundo benefício (aposentadoria), independentemente da data em que ocorreu a lesão que deu ensejo ao auxílio-acidente.
Recentemente, no julgamento do Recurso Especial 1296673, no dia 22 de agosto de 2012, a 1ª Seção do STJ padronizou a questão, ao decidir que o direito à cumulação dos benefícios só é garantido para quem cumpriu os requisitos de ambos os benefícios antes da modificação do § 3º do art. 86 da Lei nº 8.213/91 (adotando a segunda orientação citada)[3].
Acrescenta-se que não há ilegalidade na norma posterior que passa a proibir a cumulação de determinados benefícios previdenciários, nem direito adquirido ao segurado que já recebia o auxílio-acidente a mantê-lo com a concessão de aposentadoria após a modificação legal. O fato de o primeiro ser inicialmente vitalício não impede que norma posterior determine a impossibilidade de seu recebimento com outro benefício, não ferindo um direito (alegadamente adquirido) que não chegou a se constituir, a menos que o segurado já estivesse recebendo ambos.
Ademais, os valores recebidos a título de auxílio-acidente integram o PBC do salário-de-benefício da aposentadoria (art. 31 da Lei nº 8.213/91, com a redação conferida pela Lei nº 9.528/97), o que seria incompatível com o recebimento conjunto de ambos.
A aplicação adequada do tempus regit actum importa na observância da norma vigente na data em que o segurado alcançou o direito ao segundo benefício (a aposentadoria), caso contrário, haveria a aplicação de dispositivo legal (art. 86, § 3º, da Lei nº 8.213/91) após o término de sua vigência.
Destaca-se, por fim, que o REsp. 1296673/MG foi julgado pelo STJ sob o rito dos recursos repetitivos (art. 543-C do CPC), que, apesar de não ser vinculante, limitará o uso de recurso especial contra os acórdãos que seguirem a orientação de que a cumulação de auxílio-acidente e aposentadoria deve observar a norma vigente na data do requerimento da aposentadoria (e não no dia da concessão do auxílio-acidente).
Notas
[1] Da mesma forma: EREsp 431249/SP, 3ª Seção, rel. Jane Silva, j. 27/02/2008, DJ 04/03/2008, p. 1; AR 3276/SP, 3ª Seção, rel. Min. Laurita Vaz, j. 12/12/2007, DJ 18/02/2008, p. 23; REsp 414079/RS, 6ª Turma, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 01/03/2007, DJ 26/03/2007, p. 295.
[2] No mesmo sentido: REsp 594179/SP, 5ª Turma, rel. Min. Laurita Vaz, j. 15/03/2005, DJ 11/04/2005, p. 361; REsp 622018/SP, 5ª Turma, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 15/04/2004, DJ 28/06/2004, p. 415; REsp 329598/SP, 6ª Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 06/12/2001, DJ 18/02/2002, p. 533.
[3] Conforme noticiado no Informativo nº 502, de 13 a 24 de agosto de 2012.