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Estado legislador e o dever de indenizar

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6. Ação de regresso - responsabilização pessoal dos parlamentares

Em regra, ao Estado, que arca com a indenização dos prejuízos ao lesado, caberá o direito de regresso contra o agente causador do dano (lesante). Porém não haverá tal ação regressiva contra legislador faltoso, visto que ele se encontra numa situação mais favorável, relativamente aos demais agentes públicos, em razão de sua imunidade material, positivada no disposto no artigo 53 da Constituição Federal, caput: “Os deputados e senadores são invioláveis no exercício do mandato, por suas opiniões, palavras e votos”.

Por essa razão, ainda que o legislador apresente ou vote projeto de lei manifestamente inconstitucional, que poderá originar responsabilidade do Estado, estará manifestando opinião, ou voto, portanto, resguardado pela imunidade material que lhe é constitucionalmente assegurada, não estará sujeito a responder regressivamente.

Além disso, como a lei é um ato jurídico complexo, onde, nas palavras de Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (1978, p.475), “ocorre fusão de vontades ideais de vários órgãos, que funcionam, destarte, como vontade única para a formação de um ato jurídico”, não há como responsabilizar membros de comissões ou os que votaram favoravelmente à aprovação de lei inconstitucional e até mesmo o chefe do executivo, que sanciona ou veta e depois promulga e faz publicar os textos legislativos em geral.

Assim, não há que se falar em responsabilização pessoal dos parlamentares, por duas razões: primeiramente porque diante do texto constitucional, tem-se sua imunidade, pelos votos. Em segundo lugar, tendo em vista a própria noção de órgão, uma vez que a lei, como ato complexo, exige para sua produção a conjunção de vontades de diversos centros de competência (Câmara dos Deputados, Senado Federal, Presidência da República etc.).


CONCLUSÃO

A Administração Pública é objetivamente responsável pelos atos danosos que seus agentes, nessa qualidade, venham a produzir, sendo esse um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito.

A responsabilidade patrimonial do Estado é, todavia, estendida ao domínio da atividade legislativa, mercê de construções doutrinárias e jurisprudenciais diversas.

Embora ainda se encontrem defensores da irresponsabilidade pelo exercício da função legislativa, predominam, no pensamento jurídico, as correntes que preconizam o alargamento da responsabilidade patrimonial pública, de modo a abranger todas as formas de atuação do Estado.

A quebra do princípio da igualdade, em regra correlata ou conjugada com a ruptura do princípio da proporcionalidade, o malferimento do direito adquirido e a ocorrência do desvio de finalidade, no exercício da função legislativa, constituem as hipóteses mais comuns da casuística em que se evidencia a responsabilidade patrimonial do Estado por lei inconstitucional.

A proteção ao direito fundamental de propriedade não constitui fundamento único e bastante da responsabilidade do Estado legislador. A ideia de patrimonialidade, presente na ideia de ressarcimento, não impede que outros direitos constitucionalmente tutelados se ponham em causa no domínio da responsabilidade pública, pelo exercício da função legislativa. Das restrições ao direito de propriedade a todos impostas ressai o sentido de função social inerente ao exercício daquele direito fundamental.

Oportuna a verificação de eventual responsabilidade também pela omissão legislativa, quando gerar prejuízos indenizáveis, casos em que a falta de regulamentação do direito, acarreta a constituição em mora, cabendo a União arcar com os danos dela decorrentes.

Por fim, concluiu-se que não haverá ação regressiva contra o legislador faltoso, visto que ele se encontra numa situação mais favorável, relativamente aos demais agentes públicos, em razão de sua imunidade material e tendo em vista a lei ser um ato jurídico complexo.


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Sobre a autora
Ana Luíza Gomes Freire de Alencar

Advogada Doutoranda em Direito Civil (Universidade de Buenos Aires - UBA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALENCAR, Ana Luíza Gomes Freire. Estado legislador e o dever de indenizar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3410, 1 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22932. Acesso em: 5 mai. 2024.

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