3Dos Aspectos Específicos da Modalidade de Reembolso de Despesas Médicas
Neste tópico, serão abordadas as características específicas que diferenciam o requerimento na modalidade de reembolso de despesas médicas dos demais.
Inicialmente, destaca-se a obrigatoriedade de que, nesta modalidade (DAMS), o requerimento do seguro DPVAT seja realizado de forma personalíssima, isto é, apenas a vítima do acidente poderá pleitear o reembolso do seguro. Neste ponto, transcreve-se o art. 3º, § 2º, da Lei 6.194/74, onde, expressamente, foi vedada qualquer possibilidade de cessão de direitos envolvendo esta forma de requerimento do seguro obrigatório, tornando, assim, a vítima do acidente como a única possível beneficiária legal do seguro:
Art. 3º - § 2° - Assegura-se à vítima o reembolso, no valor de até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), previsto no inciso III do caput deste artigo, de despesas médico-hospitalares, desde que devidamente comprovadas, efetuadas pela rede credenciada junto ao Sistema Único de Saúde, quando em caráter privado, vedada a cessão de direitos.
Exemplificando, imagine-se que uma pessoa X sofra um acidente de trânsito e, em virtude das lesões sofridas, procure atendimento em um hospital particular. Se, ao final do tratamento, um terceiro se oferecer para custear todas as despesas do acidentado, ele não poderá pleitear o reembolso do seguro DPVAT, pois, conforme o dispositivo legal supracitado, apenas a vítima do acidente, mediante todos os comprovantes de pagamento, poderá requerer o recebimento do seguro.
No mesmo sentido, vejam-se as lições de Rafael Tárrega Martins[5] ao comentar as alterações promovidas pela Medida Provisória n° 451/2008 na Lei n° 6.194/74:
Em verdade até aqui nenhuma modificação existe com respeito à anterior conformação da Lei n° 6.194/74. A novidade fica por conta da proibição de cessão de direitos instituída pelo § 2º do art. 3º. Até a vigência da Medida Provisória n° 451/2008 essa cessão não só era possível, como ocorria na grande maioria dos casos. A vítima do acidente de trânsito era atendida em hospitais e clínicas (conveniados ou não ao SUS) que obtinham uma cessão de direitos do beneficiário e solicitavam eles próprios o reembolso das despesas efetuadas com o seu tratamento, diretamente aos Consórcios DPVAT ou às seguradoras que o integram. Agora não: é o próprio beneficiário, exclusivamente, o único autorizado a solicitar a indenização pelo reembolso das despesas médicas. Ele é o titular de um direito que não pode ser cedido. (grifamos)
Além de determinar o caráter personalíssimo do pleito de reembolso de despesas médicas, o art. 3º, § 2º, da Lei 6.194/74 também fixa outro requisito fundamental para esta modalidade de requerimento do seguro obrigatório, qual seja, a necessidade de que, embora a Instituição Hospital seja credenciada ao SUS, o tratamento referente ao pedido de reembolso ao seguro DPVAT deve ter sido realizado de modo particular.
Tal medida é de extrema importância para se evitar a efetivação de uma dupla cobrança pelos Hospitais vinculados aos SUS que atendem vítimas de acidente trânsito.
Esclarecendo, a dupla cobrança ocorre quando uma Instituição Hospitalar credenciada ao SUS atende uma vítima de acidente de trânsito em caráter público, obviamente sem prestar tal informação ao paciente, mas emite Notas Fiscais para que o acidentado possa pleitear o reembolso do seguro DPVAT e, tão logo receba o valor pleiteado, pague as “despesas” com o seu tratamento ao Hospital.
Assim, é possível perceber que, além de se enriquecer indevidamente, as Instituições Hospitalares causam grande prejuízo ao seguro obrigatório, tendo reflexos em toda a sociedade, principalmente na saúde pública, conforme analisado no tópico anterior.
Dessa forma, visando coibir a expansão dessa prática ilícita, a Lei. 6.194/74, em seu art. 3º, § 3º, prevê severa sanção:
Art. 3º - § 3º - As despesas de que trata o § 2º deste artigo em nenhuma hipótese poderão ser reembolsadas quando o atendimento for realizado pelo SUS, sob pena de descredenciamento do estabelecimento de saúde do SUS, sem prejuízo das demais penalidades previstas em lei.
Corroborando o já dito anteriormente, não poderia ter sido outra a atitude do legislador. Diante a precária situação do sistema de saúde pública brasileiro, onde milhares de pessoas carecem de um atendimento médico digno, é inadmissível que as próprias Instituições Hospitalares tomem atitudes no sentido de agravar essa situação, na tentativa de se locupletar indevidamente com dinheiro destinado a auxiliar vítimas de acidente de trânsito com o custeio de despesas referentes ao tratamento de suas lesões.
Ademais, deve-se ressaltar mais uma característica do requerimento do seguro DPVAT na modalidade DAMS, que é o fato deste tipo de pleito não se configurar como uma indenização, mas sim como um reembolso.
Nas duas outras modalidades, invalidez e morte, a simples ocorrência do acidente de trânsito somado ao resultado invalidez ou morte já torna legítimo o direito do acidentado em requerer o seguro obrigatório, ou seja, o valor recebido é considerado como um “extra” nas finanças do acidentado.
Já na modalidade de reembolso de despesas médicas, o valor pago pelo seguro DPVAT corresponde exatamente à quantia paga pela vítima do acidente à Instituição Hospitalar em que realizou o tratamento de suas lesões.
Dessa maneira, percebe-se que não existe qualquer ganho “extra” pelo acidentado, mas apenas uma compensação do dinheiro que ele mesmo gastou, em virtude de lesões advindas de um acidente de trânsito.
Essa diferenciação do pleito de DAMS dos demais se justifica, principalmente, pela gravidade das lesões. Ora, em casos de invalidez e morte, a capacidade de trabalho do acidentado fica muito reduzida ou até mesmo se torna inexistente (em casos de morte ou de alguns tipos de invalidez permanente), servindo a indenização do seguro para auxiliar, inicialmente, o acidentado e os seus dependentes à nova situação que foram submetidos após o acidente de trânsito.
Nos casos de reembolso de despesas médicas, as lesões, via de regra, são de menor porte, não implicando maiores consequências nas atividades laborais da vítima do acidente de trânsito. Dessa forma, a preocupação do seguro DPVAT, neste caso, é de evitar que o acidentado gaste quantias destinadas ao seu sustento para pagar as despesas com o seu tratamento, por isso que tudo que é gasto, no limite de R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), desde que devidamente comprovado, é reembolsado pelo seguro obrigatório.
Destacadas as principais características do requerimento na modalidade DAMS, será iniciada a análise dos principais crimes (estelionato, quadrilha, falsidade, material e ideológica, de documentos) praticados com o fim de fraudar o requerimento do seguro DPVAT.
4Dos Crimes Praticados Contra o Seguro DPVAT
4.1Estelionato
O primeiro crime a ser analisado é o estelionato tipificado no art. 171 do Código Penal[6]. Inicialmente, leia-se o texto constante no mencionado dispositivo legal:
Analisando as elementares do tipo do art. 171 do Código Penal, Rogério Greco[7] assevera:
Sendo a fraude o ponto central do delito de estelionato, podemos identificá-lo, outrossim, por meio dos seguintes elementos que integram a sua figura típica: a) conduta do agente dirigida finalisticamente à obtenção de vantagem ilícita, em prejuízo alheio; b) a vantagem ilícita pode ser para o próprio agente ou para terceiro; c) a vítima é induzida ou mantida em erro; d) o agente se vale de um artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento para a consecução do seu fim. O crime de estelionato é regido pelo binômio vantagem ilícita/prejuízo alheio. A conduta do agente, portanto, deve ser dirigida a obter vantagem ilícita, em prejuízo alheio. (grifamos)
Como se depreende do exposto acima, o delito de estelionato possui fundamento na prática de ato que leve a alguém a erro, de modo a conseguir uma vantagem indevida em prejuízo alheio.
Ademais, convém destacar que o binômio vantagem indevida/prejuízo alheio se encaixa perfeitamente aos atos fraudulentos praticados contra o seguro DPVAT. Para possibilitar a visualização do enquadramento deste delito às fraudes contra o seguro obrigatório na modalidade dams, deve-se, primeiramente, estabelecer como tais fraudes são executadas.
Conforme as informações obtidas, em pesquisa de campo, junto aos delegados de polícia civil (ver tabela acima), as fraudes são praticadas da seguinte forma: as vítimas dos acidentes de trânsito são socorridas e encaminhadas para hospitais que atendem tanto em caráter particular como pelo SUS. Nestes hospitais, os acidentados são prontamente abordados por determinados funcionários que lhes induzem a serem atendidos pelo “seguro DPVAT”, haja vista que, desta forma, seus tratamentos serão realizados com urgência e qualidade, assim como nenhum pagamento necessitará ser realizado, pois o hospital será pago quando do reembolso do seguro DPVAT.
Analisando a sequência de atos acima exposta, logo de início, já se percebe duas condutas ilícitas praticadas pelos funcionários do hospital (com o claro intuito de ludibriar os acidentados), quais sejam, o induzimento das vítimas a serem atendidas pelo “seguro DPVAT” e o fato dos acidentados se verem “forçados” a assinar documentos, muitas vezes em branco”, para o hospital possa requerer o reembolso do seguro.
Além disso, cumpre mencionar que o procedimento de requerimento adotado pelos hospitais também é ilícito, uma vez que, conforme previsto no art. 3º, § 2º, da lei 6.194/74, o pleito de reembolso do seguro DPVAT é personalíssimo, ou seja, somente a vítima, mediante a apresentação de todos os comprovantes de pagamento de suas despesas, pode requestá-lo.
Art. 3º - § 2º - Assegura-se à vítima o reembolso, no valor de até R$ 2.700,00 (dois mil e setecentos reais), previsto no inciso III do caput deste artigo, de despesas médico-hospitalares, desde que devidamente comprovadas, efetuadas pela rede credenciada junto ao Sistema Único de Saúde, quando em caráter privado, vedada a cessão de direitos.
Pois bem. Além dos procedimentos ilícitos já apontados, os quais são realizados com o único fim de ludibriar as vítimas dos acidentes de trânsito, bem como a própria seguradora responsável, nacionalmente, pelo seguro DPVAT[8], existem duas questões de grande relevância a serem destacadas.
A primeira trata-se da possibilidade dos hospitais, já que as vítimas não tem conhecimento dos documentos utilizados para pleitear o seguro, emitirem notas fiscais com valores bem acima da realidade, geralmente no teto desta modalidade (R$ 2.700,00), inserindo procedimento que não foram realizados pelas vítimas. Tal conduta se amolda perfeitamente ao tipo previsto no art. 299 do Código Penal (falsidade ideológica, portanto seu estudo será realizado no tópico próprio).
A segunda questão é decorrência da primeira, haja vista que, com a emissão de notas fiscais com valores bem acima dos reais, os agentes fraudadores prejudicam não só o patrimônio do seguro DPVAT, mas também as próprias vítimas.
Em uma primeira análise, gera-se dúvida quanto ao prejuízo para as vítimas, pois, se suas lesões foram devidamente tratadas, qual seria o mal exercido contra elas?
Para responder este questionamento, é necessário pensar em um segundo momento do tratamento da vítima. Como acidentado, na modalidade dams, possui o direito de reembolsar valores até R$ 2.700,00, caso seu tratamento médico inicial custe R$ 1.000,00, ele ainda terá à sua disposição R$ 1.700,00 para reembolso de eventuais despesas com outros tratamentos, como sessões de fisioterapia, por exemplo.
Dessa forma, se o hospital já tiver, indevidamente, recebido o teto do seguro, a vítima estará desamparada no caso de ser necessária a realização de um novo tratamento.
Portanto, não resta qualquer dúvida que os atos praticados pelos agentes criminosos, com o fim de consumar o delito de estelionato, possuem como vítimas tanto os acidentados como o próprio seguro DPVAT.
Por fim, apesar deste tópico tratar especificamente sobre o crime de estelionato, é imperioso analisar o crime praticado contra os acidentados, os quais, sem dúvida, também figuram na condição de consumidores.
4.2Crime contra o consumidor
Para que se possa auferir a existência de uma relação de consumo, é necessário que figure de um lado da relação o consumidor e do outro o fornecedor, entendendo-se por aquele, pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. A contratação do seguro DPVAT é imposta aos proprietários dos veículos automotores que devem pagar o valor respectivo junto com o licenciamento anual, pelo que, na contratação do seguro obrigatório - DPVAT, a relação entre a vítima do acidente não se encaixa no perfil de consumidora (art. 2º da lei n.º 8.078/90[9]).
No entanto, os casos abordados no presente trabalho dizem respeito a vítimas de acidentes de trânsito que, ao buscarem tratamento em um hospital ou clínica, são abordadas por funcionários dessas empresas que oferecem atendimento através de um suposto “convênio DPVAT”[10], colocando à disposição das vítimas um tratamento diferenciado, como por exemplo, quartos melhores, atendimento prioritário etc., de modo a induzir os acidentados a assinarem diversos documentos, caracterizando, assim, uma verdadeira prestação de serviço, que se enquadra, perfeitamente, na definição do Código de Defesa do Consumidor. Neste caso, a relação de consumo restringe-se à vítima, como destinatário final, e ao hospital, como prestador de serviços.
Dessa forma, chega-se a fácil conclusão de que a oferta sobre o seguro DPVAT realizada pelos Hospitais é enganosa, na medida em que induz o consumidor em erro quanto à natureza e características do serviço médico oferecido, configurando, no caso, o crime previsto no art. 7º, VII, da Lei 8.137/1990:
Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
VII - induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária;
Pena - detenção, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, ou multa.
O Superior Tribunal de Justiça, a propósito, já decidiu no sentido de que a omissão de informações que efetivamente ilude o consumidor na oferta de serviços configura o crime do art. 7º, VII, da Lei 8.137/1990, conforme se verifica no precedente citado abaixo[11]:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA AS RELAÇÕES DE CONSUMO. PLANO DE SAÚDE. INDUÇÃO DE CONSUMIDORES A ERRO. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INOCORRÊNCIA. DEVIDA DEMONSTRAÇÃO FÁTICO-PROBATÓRIA DA RESPONSABILIDADE PENAL. PRINCÍPIO DA CORRELAÇÃO. OBSERVÂNCIA. MEIO DE EXECUÇÃO. OMISSÃO. CABIMENTO. CONTINUIDADE DELITIVA CONFIGURADA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA CRIME DE ESTELIONATO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA ESPECIALIZAÇÃO. 1. Devidamente demonstrada a fundamentação fática-probatória em relação a responsabilidade penal da paciente, não cabe, na via estreita do habeas corpus, desconstituir o entendimento das instâncias ordinárias, para reconhecer a ocorrência de responsabilidade penal objetiva. 2. Para que exista ofensa ao princípio da correlação, é necessário que a condenação ocorra por fato diverso do imputado na denúncia, o que em nenhum momento foi demonstrado. 3. O núcleo do tipo do crime do art. 7.º, inciso VII, da Lei n.º 8.137/1990, é a conduta comissiva de induzir, que pode se realizar por qualquer meio, inclusive mediante omissão, como na espécie, em que a sonegação de informações foi o que levou os consumidores a erro. 4. Embora a coletividade de pessoas equipare-se ao consumidor, quando a indução a erro se der contra vítimas indetermináveis, prejudicando as relações de consumo, não há como se trilhar o caminho inverso, para indeterminar vítimas certas e afastar a configuração de vários crimes, entendendo inaplicável a continuidade delitiva aos crimes contra o consumidor. 5. Impossível a desclassificação da conduta dos pacientes para o crime de estelionato em razão do princípio da especialidade, que determina que a aplicação da lei especial preponderará sobre a lei geral. 6. Writ denegado.
Portanto, resta claro que se o consumidor for, de fato, levado a erro pela sonegação de informações na oferta dos serviços, o crime configurado é o do art. 7º, VII, da Lei 8.137.
Por fim, destaca-se que, nos casos de fraude na esfera do DAMS, como se nota no presente, a sonegação de informações é vinculada ao engano de consumidores concretamente considerados - o que não condiz com a mera infração penal de menor potencial ofensivo do art. 66 do CDC[12] -, reclamando tipificação mais grave, que é prevista no art. 7º, VII, da Lei 8.137/90, conforme já decidido pelo Superior Tribunal de Justiça.
4.3Falsidade material de documentos
A segunda figura típica a ser analisada encontra-se disposta nos artigos 297[13] e 298[14] do Código Penal, conforme se observa abaixo:
Ao comentar as características gerais do delito de falsidade de documento público, Mirabete[15] assevera:
São duas as formas de conduta inscritas no tipo. A primeira é a de falsificar, que significa criar materialmente, fabricar, formar, contrafazer. O agente elabora, forja o escrito integralmente ou acrescenta algo a um escrito inserindo dizeres em espaço em branco. A segunda ação é a de alterar o documento verdadeiro. O sujeito ativo exclui termos, acrescenta dizeres, substitui palavras por outras etc. A distinção entre essas condutas é claramente exposta por Sylvio do Amaral, ao afirmar que, nos exemplos de alteração, o papel, sobre o qual o agente trabalha, no seu criminoso mister, preexiste à sua ação e constitui documento verdadeiro, sendo objetivo do agente precisamente emprestar-lhe aspecto ou sentido diferente daquele com que nasceu e, quando se trata de falsificação, o documento nasce como fruto do trabalho do agente cujo desiderato reside exatamente em dar existência a um documento fictício. A falsificação (contrafação) pode ser, porém, total, quando o documento é inteiramente criado, ou parcial, quando se distingue da alteração por recair necessariamente em documento de duas ou mais partes perfeitamente individualizáveis. Exemplos de contrafação parcial são a criação de um aval, de um endosso, de quitação etc. (grifamos)
Como se percebe, o delito de falsidade material de documentos fundamenta-se na contrafação do documento em si e não na simples alteração de seu conteúdo, o que, no caso, configuraria o crime de falsidade ideológica, que será analisado mais adiante.
Para fraudar o requerimento do seguro obrigatório, os agentes criminosos não se limitam a alterar as informações constantes nos documentos acostados ao pleito. Na empreitada criminosa são criados (falsificados) todo tipo de documento, incluindo boletins de ocorrência, laudos periciais, comprovantes de residência etc.
A utilização de tais documentos vem se intensificando entre os fraudadores, principalmente pelo fato de que, desta forma, pode-se pleitear o seguro DPVAT independentemente do conhecimento ou anuência da vítima do acidente de trânsito, ou da própria existência do acidente ocasionado por veículo automotor terrestre.
Note-se que, assim como mencionado durante a análise do crime de estelionato, ao se analisar as fraudes praticadas contra o seguro DPVAT, não é possível estabelecer uma restrição a um único tipo penal, pois, na verdade, o que existe, em todo o Brasil, são esquemas criminosos extremamente organizados, que atuam em diversificadas áreas, utilizando dos mais variados meios fraudulentos.
4.4Falsidade ideológica de documentos
Neste tópico será analisada, detalhadamente, a figura típica constante no art. 299 do Código Penal[16], referente ao crime de falsidade ideológica de documentos. Inicialmente, veja-se o que dispõe o mencionado dispositivo legal:
O crime de falsidade ideológica de documentos, conforme posiciona-se a doutrina, baseia-se na alteração ou inserção de informações falsas, de modo a alterar o sentido de seu conteúdo.
Desde já, é imperioso firmar o entendimento de que, na maioria das fraudes praticadas contra o seguro obrigatório, tal absorção não deve prosperar, que os documentos ideologicamente falsificados, ao serem utilizados para fraudar o pleito indenizatório, não perdem totalmente a sua potencialidade lesiva, podendo, no caso, serem manuseados em outras empreitadas criminosas.
Destarte, para se compreender tal entendimento, deve-se, inicialmente, ver o teor da súmula nº 17 do STJ: Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido.
Da leitura da mencionada súmula, depreende-se que crime de falsidade ideológica quando utilizado como meio para se chegar à consumação do delito de estelionato deve ser por este absorvido, desde que seja esgotada a sua potencialidade lesiva.
Ora, com a citada súmula, o Superior Tribunal de Justiça buscou definir a potencialidade lesiva do documento ideologicamente falsificado como o fato definidor da absorção do crime de falso pelo estelionato.
Nos casos de fraude contra o seguro DPVAT, é inegável que os documentos falsificados não esgotam a sua potencialidade lesiva, afinal não se pode admitir que um boletim de ocorrência falso, por exemplo, não possa ser utilizado no cometimento de outros crimes.
Portanto, não restam dúvidas de que, na maioria dos casos de fraude contra o seguro DPVAT, não se deve aplicar o teor da súmula n° 17 do Superior Tribunal de Justiça, haja vista que a potencialidade lesiva dos documentos falsificados não se esgota com a prático do delito de estelionato.
4.5Quadrilha
O último tipo penal a ser analisado tem previsão legal no art. 288 do Código Penal[17], conforme se transcreve abaixo:
Como se observa, o crime para que seja praticado o delito de quadrilha ou bando é necessária a reunião de mais de três pessoas para o fim de cometimento de crimes. No caso das fraudes contra o seguro DPVAT, conforme analisado nos tópicos anteriores, diversos crimes são praticados (estelionato, falsidade de documentos etc.), contando, na grande maioria das vezes, com a participação de várias pessoas, que organizam esquemas fraudulentos especializados em fraudar o requerimento do seguro DPVAT.
Dessa forma, o crime previsto no art. 288 do Código Penal apresenta-se, via de regra, como o passo inicial para a prática dos demais crimes utilizados para fraudar o seguro DPVAT, haja vista as facilidades que os agentes criminosos vislumbram ao atuarem em conjunto, muitas vezes constituindo verdadeiras organizações criminosas.