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As fraudes contra o seguro DPVAT na modalidade de reembolso por despesas médicas

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5Competência para o julgamento dos Crimes praticados contra o Seguro DPVAT (modalidade DAMS)

Conforme já analisado, a lei 6.194/74, além de definir as características da indenização do seguro DPVAT na modalidade DAMS, deixa claro que terá direito ao reembolso pelo seguro DPVAT somente aqueles acidentados que forem atendidos em caráter particular e, de fato, custearem as suas despesas médico-hospitalares.

Reitera-se, aqui, que a exigência do atendimento particular baseia-se no fato de 45% da verba referente ao seguro DPVAT ser destinada ao Sistema Único de Saúde (SUS), justamente para financiar o atendimento das vítimas de acidente de trânsito.

Diante disso, chega-se a seguinte conclusão: se o atendimento médico for realizado pelo SUS, o acidentado não paga qualquer quantia pelo seu tratamento, portanto deverá haver apenas a cobrança em relação ao SUS, já que não existirá valor a ser reembolsado ao paciente pelo seguro DPVAT.

A partir desta conclusão, é possível analisar a competência dos casos suspeitos de fraude contra o seguro DPVAT envolvendo dupla cobrança, ou seja, quando o acidentado é atendido pelo SUS, mas também requer a indenização do seguro DPVAT.

Nesses casos, a competência é da Justiça Estadual, uma vez que, conforme exposto acima, quando o acidentado é atendido pelo SUS ele não efetua qualquer pagamento pelo seu tratamento médico médico-hospitalar, portanto não haverá valor a ser reembolsado pelo seguro DPVAT.

A partir do momento em que o acidentado atendido pelo SUS requer o seguro DPVAT, na modalidade DAMS, tem-se configurado um ato ilícito, pois qual valor o paciente estará pedindo que seja reembolsado, já que seu atendimento foi custeado pelo SUS?

Assim, fica claro que neste tipo de fraude o patrimônio onerado é o do Seguro DPVAT, tendo em vista que o Hospital conveniado ao SUS já recebe, do próprio SUS, o seu percentual para custeio dos atendimentos às vítimas de acidente de trânsito, não tendo que se falar em qualquer prejuízo ao SUS, haja vista que, de fato, o atendimento se realizara pelo convênio de saúde pública.

Por fim, é importante ressaltar que a competência da Justiça Federal para o julgamento de crimes praticados contra o seguro DPVAT não está completamente excluída, pois, em alguns casos, como quando a fraude incide ainda na fase de arrecadação do seguro, os ilícitos penais serão julgados na esfera federal.

Destarte, como tais condutas se distanciam do objeto do presente trabalho, seu estudo será limitado a esta menção, para que não reste dúvidas quanto à possibilidade de que delitos praticados contra o seguro DPVAT sejam processados perante a Justiça Federal.


6Da Precariedade da repressão aos crimes praticados contra o seguro DPVAT.

Após a realização de uma minuciosa análise acerca dos crimes praticados para fraudar o seguro DPVAT, é importante destacar um dos maiores problemas para a repressão de tais atividades criminosas, que é o desconhecimento das particularidades do seguro obrigatório pelas autoridades competentes.

Durante as visitas realizadas em algumas delegacias e promotorias das regiões Norte e Nordeste, foi possível constatar que alguns delegados e promotores desconheciam, quase que integralmente, o seguro DPVAT, e os que afirmavam conhecer as características do seguro obrigatório, na verdade, apenas sabiam seus aspectos gerais.

Ora, não é admissível que as autoridades competentes para combater as fraudes contra o seguro DPVAT desconheçam as suas peculiaridades, muito menos ignorem o próprio seguro. Deve-se destacar que os agentes criminosos atuam, cada vez mais, com precisão, tornando os seus atos fraudulentos praticamente “invisíveis”, de modo a dificultar, ao máximo, a sua descoberta. Dessa forma, o fato das autoridades, via de regra, desconhecerem os aspectos próprios do seguro obrigatório facilita a atuação de simples fraudadores e, indiretamente, acaba por incentivar a formação de quadrilhas especializadas em se locupletar indevidamente em prejuízo das verbas destinadas ao pagamento do seguro DPVAT.

Ademais, cumpre ressaltar que este problema não deve ser direcionado apenas às autoridades aqui mencionadas, mas também a doutrina, que, praticamente, ainda não explorou o tema seguro DPVAT. Neste ponto, destaca-se a dificuldade encontrada para se localizar algum livro ou artigo jurídico que trata-se do tema seguro DPVAT, especificamente sobre o viés do direito penal.

Atualmente, é notório o aumento da divulgação do seguro DPVAT, de modo a facilitar o acesso de toda população. No entanto, esta ampliação da divulgação, com certeza, acarretará um grande aumento no número de fraudes, caso as autoridades não atentem para a importância do combate a este tipo de empreitada criminosa.

Juntamente com a facilitação do acesso da população mais humilde ao seguro obrigatório, deve ser realizada uma campanha de conscientização das autoridades sobre os prejuízos sociais causados pelas constantes fraudes. Os doutrinadores, acadêmicos e profissionais do direito devem se debruçar sobre este tema, o qual, por ser tão pouco explorado, é dominado por pessoas que o utilizam para seus próprios proveitos, em prejuízo de toda a sociedade.


7CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao longo do presente trabalho monográfico, demonstrou-se a importância social do seguro DPVAT e o grande impacto negativo gerado pelas constantes fraudes praticadas em seu detrimento.

O que se pretendeu não foi estudar, isoladamente, certas práticas criminosas, com o fim de especializar o estudo de alguns tipos penais, mas sim analisar, de forma ampla, o modus operandi utilizado por fraudadores espalhados por todo o país e as consequências que tais ilícitos penais impõem a toda a sociedade.

Neste ponto, detalhou-se os principais pontos negativos oriundos das mencionadas fraudes, destacando-se o prejuízo causado à saúde pública, uma vez que 45% (quarenta e cinco por cento) de toda a verba arrecadada pelo seguro DPVAT é destinada ao Sistema Único de Saúde – SUS.

Ademais, foram estabelecidas algumas análises acerca de temas polêmicos no âmbito jurídico, especificamente em relação à modalidade de reembolso de despesas médicas, como a questão da competência para o julgamento dos crimes praticados nesta modalidade de requerimento do seguro.

Tal análise foi importante para extirpar qualquer primitivo entendimento de que “o seguro DPVAT é um seguro federal e que, por isso, as fraudes contra ele praticadas deveriam ser julgadas na esfera federal”. Demonstrou-se, portanto, a impertinência deste raciocínio, dando-se uma explicação jurídica acerca de tal controvérsia.

Por fim, traçou-se como objetivo pontuar um grave problema referente ao combate às fraudes contra o seguro DPVAT, qual seja, o desconhecimento do tema pelas autoridades competentes.

Através desta análise, buscou-se demonstrar que a falta de conhecimento de delegados, promotores etc., acerca das características específicas do seguro obrigatório acaba se tornando uma grande aliada das quadrilhas especializadas em fraudar este seguro.

Dessa forma, estabeleceu-se o entendimento de que, aliado a atual campanha de divulgação e de ampliação do alcance do seguro DPVAT, deve-se realizar uma maior preparação das autoridades competentes para o combate às fraudes, pois, com a facilitação do acesso ao seguro, com certeza, a quantidade de fraudes aumentará, caso o Estado não esteja preparado para reprimir com rigor tais condutas criminosas.


REFERÊNCIAS

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, vol. 01. 13ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, vol.: IX.

MAIA, Daniel; VASCONCELOS, Fernanda Sousa. Indenização de Seguro DPVAT por morte de nascituro: direito ou expectativa de direito?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3189, 25 mar. 2012.

MARTINS, Rafael Tárrega. Seguro DPVAT: seguro obrigatório de veículos automotores de vias terrestres.  Campinas: Servanda, 2009.

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MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. 03. 23ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal. 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012.

Sites

http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=201100435598&pv=000000000000

https://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/show.do?processo.foro=990&processo.codigo=RI00042H80000

http://www.jusbrasil.com.br/diarios/35367653/stf-16-03-2012-pg-13

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http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200900819991&pv=000000000000

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http://www.trf1.jus.br/Processos/ProcessosTRF/ctrf1proc/ctrf1proc.php?proc=200238000090512


Notas

[1]MARTINS, Rafael Tárrega. Seguro DPVAT: seguro obrigatório de veículos automotores de vias terrestres. p. 167. Campinas: Servanda, 2009.

[2]Resp. 1.245.817. STJ. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julg. 06/03/2012 – Disponível em http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=201100435598&pv=000000000000. Acessado em 02/12/2012.

[3]MARTINS, Rafael Tárrega. Op. Cit., p. 39-41.

[4] MAIA, Daniel; VASCONCELOS, Fernanda Sousa. Indenização de Seguro DPVAT por morte de nascituro: direito ou expectativa de direito?. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. 3189, 25 mar. 2012.

[5]MARTINS, Rafael Tárrega. Op. Cit., p. 76.

[6] Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

[7]GRECO, Rogério. Op. Cit., p. 233-234. 

[8] Seguradora Líder dos Consórcios do Seguro DPVAT S/A.

[9]Art. 2° - Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.      

[10]Tal alegação da existência de um “Convênio DPVAT” é notoriamente falsa, haja vista que, conforme analisado em tópico anterior, na modalidade DAMS, o seguro DPVAT só pode ser pleiteado pela vítima do acidente de trânsito ou pelo seu representante legal, mediante a apresentação dos respectivos comprovantes de pagamento.

[11]STJ, HC 43078, Quinta Turma, Relatora a Ministra LAURITA VAZ, DJ de 20.03.2006. Disponível em http://www.stj.jus.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200500565209&pv=000000000000. Acessado em 08/12/2012.

[12]Art. 66 - Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços: Pena - Detenção de três meses a um ano e multa.           

[13] Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:

Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.

[14] Art. 298 - Falsificar, no todo ou em parte, documento particular ou alterar documento particular verdadeiro:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa.

[15]MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de Direito Penal, vol. 03. 23ª ed., p. 201. São Paulo: Atlas, 2009.

[16] Art. 299 - Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular.

Parágrafo único - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, ou se a falsificação ou alteração é de assentamento de registro civil, aumenta-se a pena de sexta parte.

[17] Art. 288 - Associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes:

Pena - reclusão, de um a três anos.

Parágrafo único - A pena aplica-se em dobro, se a quadrilha ou bando é armado.

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Sobre os autores
Daniel Maia

Advogado. Professor de Direito Penal da Universidade Federal do Ceará – UFC. Mestre em Ordem Jurídica Constitucional pela Universidade Federal do Ceará - UFC.

Gilberto Antônio Fernandes Pinheiro Júnior

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará – UFC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MAIA, Daniel ; PINHEIRO JÚNIOR, Gilberto Antônio Fernandes. As fraudes contra o seguro DPVAT na modalidade de reembolso por despesas médicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3496, 26 jan. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23554. Acesso em: 20 abr. 2024.

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