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Da imprescindibilidade de anuência do INPI para homologação de acordo formulado entre autor e réu nas ações de nulidade de marcas, patentes e desenhos industriais

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4 NECESSIDADE DE ANUÊNCIA DO INPI PARA HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO

Apresentado o problema a ser resolvido e justificada a pertinência do tema, passa-se à análise dos fundamentos sobre a possibilidade de o INPI opor-se a acordo formulado entre particulares e prosseguir com a ação de nulidade.

Primeiramente, o estudo não considera eloqüente o silêncio do legislador a respeito. A omissão deve ser atribuída à transição da matéria do CPC de 1939 para o CPI de 1971, com alteração decorrente da criação do INPI, em substituição da administração direta da União. Não parece adequado dizer que dos representantes judiciais da autarquia foram subtraídas as prerrogativas processuais dos representantes da União, à época Procuradores da República, na medida em que as duas pessoas de direito público interno por eles defendidas estão incluídas no conceito de Fazenda Pública. Todos estiveram e estão no exercício de atos processuais, representando a entidade pública que era (União) e é (INPI) responsável pela execução das normas de propriedade industrial.

Argumentar que a concentração nos Procuradores da República das funções de representantes da União e do Ministério Público da União é que lhes dava legitimidade para recusar o acordo não faz desmerecer a intervenção do INPI como órgão estatal interveniente, que sucedeu àqueles, no resguardo do interesse público, que não é exclusividade das atribuições ministeriais. Ademais, a alegação implicaria desconsiderar a fonte histórica da intervenção do Estado nas ações de nulidade, advinda do Decreto nº 8.820, de 30.12.1882, que incumbia o encargo ao “procurador dos feitos da fazenda”.

No primeiro quartel do Século XX, Carvalho de Mendonça enfatizava:

Os privilégios de invenção, importando verdadeiro monopólio e restrição da liberdade do comércio e da indústria, envolvem matéria de ordem pública e de interêsse geral da sociedade, justificando-se a intervenção do Estado nessas ações, a fim de não ficar entregue a defesa da ordem pública e do interêsse da sociedade aos particulares, que poderiam conluiar-se para prejudicá-los.[10]

É difícil crer que os motivos sustentadores da possibilidade legal de oposição aos acordos tenham desaparecido. Ao contrário, a propriedade industrial, na sociedade moderna, ganhou importância exponencialmente maior do que aquela de que desfrutava até o início da Segunda Guerra Mundial, quando o CPC anterior foi editado. Há casos, na atualidade, de empresas que têm em sua marca ou marcas o ativo mais valioso, caso da Nike, com linha de produção praticamente toda terceirizada. Outras exploram patentes de cujos lucros dependem para recompensar pesados investimentos em pesquisa químico-farmacêutica, por exemplo. Uma patente indevidamente concedida nesta área pode frear o aporte de recursos por outras empresas e implicar no aumento exorbitante do preço final de venda ao necessitado por remédio, em função do bloqueio temporário da concorrência.

João da Gama Cerqueira foi quem melhor apontou a presença do interesse da coletividade na questão e a pertinência da intervenção estatal:

A concessão de um privilégio temporário ao autor da invenção é o meio prático que as leis encontraram de conciliar o interesse da coletividade, que reivindica o uso das novas invenções tendentes a satisfazer às suas múltiplas necessidades, com o direito do inventor do privilégio sobre a sua criação. Com a concessão do privilégio tem o inventor a justa recompensa de seu trabalho e a sociedade não fica indefinidamente privada do livre uso das invenções, as quais, findo o prazo legal, caem no domínio público. Mas, se em matéria de invenções, o interesse da coletividade reside na posse e na livre exploração dos inventos, uma vez esgotado o prazo dos respectivos privilégios, muito maior é o seu interesse em não se ver privado, em virtude de privilégios nulos, ilegalmente concedidos, do livre uso, gozo e exploração de produtos e processos pertencentes ao domínio público e ao patrimônio comum das indústrias. Nas ações de nulidade, portanto, o interesse do Estado jamais será o de defender, contra o interesse da coletividade, os privilégios que concede, aliás, com expressa ressalva de sua responsabilidade pela novidade da invenção. Nessas ações, ao interesse privado dos particulares que as promovem sobreleva o interesse público de ver anulados os privilégios irregularmente concedidos e esse interesse da coletividade compete ao Estado representar e defender.[11]

Por sua relevância, a matéria não passou despercebida pelo Poder Constituinte brasileiro, que, no título dos direitos e garantias fundamentais da Carta Magna de 1988, estabeleceu os fins aos quais se submete a propriedade industrial:

Art. 5º. XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; (grifei)

O INPI, por sua vez, tem sua atuação vinculada a funções especificadas na Lei que o criou:

O INPI tem por finalidade principal executar, no âmbito nacional, as normas que regulam a propriedade industrial, tendo em vista a sua função social, econômica, jurídica e técnica, bem como pronunciar-se quanto à conveniência de assinatura, ratificação e denúncia de convenções, tratados, convênios e acordos sobre propriedade industrial.” (art. 2º da Lei nº 5.648/70, com grifos meus)

Do último dispositivo, à luz da norma constitucional transcrita, se extrai que a palavra “acordos” pode ser interpretada de forma ampla, incluindo todo e qualquer tipo de acordo relacionado à propriedade industrial que interfira na aplicação correta das normas respectivas, inclusive aqueles firmados em âmbito judicial, cuja homologação vem coberta pelos efeitos da coisa julgada.

Ademais, ainda que se circunscrevesse o termo “acordos” àqueles firmados em nível internacional, as previsões constitucional e legal, por si só, revelam que a nulidade de um bem de propriedade industrial transcende os interesses puramente privados do autor interessado e do réu titular. A intervenção do Estado na ação judicial objetiva não só trazer o importante posicionamento de quem concedeu a patente ou o registro, mas também o resguardo da lei e do interesse público, na medida em que, se é certo que os fins e funções especificados, de relevância inegável, norteiam a atuação do INPI no âmbito administrativo, com maior razão devem valer para o processo de nulidade, no qual a declaração por sentença opera efeitos retroativos e repercute erga omnes, ou seja, aproveita a todos, e não somente às partes, com os impactos sociais já sublinhados.

Por fim, a lógica e a economia processuais determinam: quem pode mais (propor a ação) pode menos (continuar com ação em curso), cabendo ao juiz federal da causa, considerando as posições sustentadas e os requisitos legais, no exercício de jurisdição de cognição plena e imparcial, declarar a existência ou não de nulidade, sem permitir que a transação entre particulares ponha fim à ação, suprimindo importante julgamento de mérito, quando a autarquia pretenda prosseguir na ação. Fundamental, portanto, o papel da Justiça Federal no controle da legalidade da concessão dos bens de propriedade industrial.

O entendimento oferece resposta ao problema desafiado, em consonância com a evolução legislativa, interpretação das normas aplicáveis e adequação ao sistema específico de declaração de nulidade, de efeitos ex tunc e erga omnes.


5 CONCLUSÃO

Uma vez proposta ação judicial por particular interessado contra particular titular de patente, registro de marca ou desenho industrial, com objetivo de declarar-lhes a nulidade, deve o ente estatal responsável pela concessão, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial, intervir no feito, conforme determina a Lei da Propriedade Industrial, nos seus artigos 57, 118 e 175.

Se, no transcurso do Processo, autor e réu entabulam acordo, pleiteando a desistência da ação, a autarquia federal deve ser ouvida e pode, caso entenda pela procedência da nulidade, dar prosseguimento ao processo, na linha do que já previa o artigo 332, § 2º, do Código de Processo Civil de 1939, cujas razões permanecem atuais, à vista da intervenção estatal como interesse da sociedade, da livre concorrência e do desenvolvimento econômico e tecnológico do País, bem como para preservação da segurança do sistema de proteção conferido pelos bens de propriedade industrial.

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NOTAS EXPLICATIVAS

[1] João da Gama Cerqueira, ao cuidar da nulidade das patentes, alertava para o fato de que o exame prévio “não tem o mérito de suprir o verdadeiro fundamento do privilégio, que é o direito do inventor resultante de sua criação”, acrescentando que “há quem desconheça o verdadeiro alcance do exame prévio e considere as patentes de invenção como títulos inatacáveis, malgrado o que dispõe a lei, pelo fato de serem concedidas depois do exame realizado pela repartição competente e das impugnações de terceiros interessados na sua denegação. Prevalecem-se disso os titulares das patentes como meio de defesa na ação de nulidade e muitas vezes o juiz se deixa impressionar por esses argumentos e pelo prestígio de que se procura cercar o privilégio. Mas o fato de haver a patente resistido ao exame, às oposições e aos recursos, como se viu, juridicamente nada significa, não impedindo que o privilégio seja atacado perante o Poder Judiciário e anulado. Acrescente-se que todas as questões discutidas no processo de concessão da patente podem ser de novo ventiladas na ação judicial, tendo o juiz inteira liberdade de decidir sobre a validade do privilégio. Aliás, o processo judicial, pela sua natureza e pela amplitude das provas que comporta, é mais adequado que o processo administrativo para se dirimirem as complexas questões relativas às condições de privilegiabilidade.” (in Tratado da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1952. 2 v, págs. 280/281).

[2] Sobre o tema específico da posição processual no INPI nas ações de nulidade de marcas, patentes e desenhos industriais, vide artigo de minha autoria, publicado na Revista da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual – ABPI nº 73, nov/dez 2004. Tenho entendimento particular, no sentido de que a intervenção da autarquia é especial e se materializa com os mesmos poderes processuais atribuídos ao assistente litisconsorcial ou litisconsorte, conquanto seja terceiro interveniente. De outro lado, vale ressaltar que a jurisprudência está longe de ser pacífica, existindo controvérsia secular entre o litisconsórcio e a assistência, porquanto iniciada com as primeiras disposições legislativas sobre propriedade industrial e alimentada não só pelos especialistas na matéria, como, também, pelos ilustres processualistas que comentaram o CPC de 1939, como Pontes de Miranda, Machado Guimarães, dentre outros. Entre os diversos fundamentos que permitem concluir ser o INPI litisconsorte ou assistente, entendo que aqueles tendentes à configuração da intervenção do INPI como assistente simples fazem do ente estatal mero coadjuvante e dependente da parte à qual assiste, colocando o interesse público a reboque de interesses privados, em  conflito com a idéia de intervenção do Estado, que pressupõe autonomia de vontade e não simples auxílio ou aderência. Cabe ao juiz da causa decidir, dentre os fundamentos apresentados, a existência ou não de nulidade, sem que o conluio entre particulares possa encerrar a ação, suprimindo do Judiciário o julgamento de mérito.

[3] Na Itália, assim como em outros países europeus, o Ministério Público deve intervir nas ações de nulidade.

[4] Barbosa, Denis Borges. Uma introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 339.

[5] Ainda no Século XIX, o Decreto nº 3.084, de 05.11.1898, já dispunha sobre a ação competente para a nulidade de patentes de invenção, com rito sumário.

[6] Na verdade, o Código de Processo Civil de 1939 nada mais fez do que acampar disposição que vinha desde o Decreto nº 8.820, de 1882.

[7] Disponível em: http://www.stj.gov.br/SCON/juritfr/

[8] Trata-se de patente de revalidação no Brasil, já depositadas no exterior, desde que o objeto da invenção não tenha sido colocado no mercado e ainda não tenham sido realizados no País preparativos para exploração, nos termos do artigo 230 da LPI.

[9] Disponível em:

 http://www.expressodanoticia.com.br/index.php?pagid=PiyivtD&id=3&tipo=WMXUw&esq=PiyivtD&id_mat=3801

[10] Apud Gama Cerqueira, op.cit., p. 309.

[11] Ibidem, p. 309/310.


REFERÊNCIAS

BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à Propriedade Intelectual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.

DE SOUZA, ANTONIO ANDRÉ MUNIZ. O INPI como interveniente especial nas ações de nulidade de marca e patentes. Revista da ABPI nº 73, nov/dez 2004.

DI BLASI, Gabriel. A propriedade industrial: os sistemas de marcas, patentes e desenhos industriais analisados a partir da Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

GAMA CERQUEIRA, João da. Tratado da Propriedade Industrial. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1952. 2 v.

MACHADO GUIMARÃES, Luiz. Comentários ao Código de Processo Civil (Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de Setembro de 1930). Rio de Janeiro: Revista Forense, 1942.

PONTES DE MIRANDA. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1948. 3 v.

LEÃO, Elizabeth. Sentença proferida na Ação Ordinária nº 2003.61.00.010308-3, São Paulo: 11.04.2006, 12ª Vara Federal Cível, Primeira Subseção Judiciária de São Paulo.

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Sobre o autor
Antonio André Muniz Mascarenhas de Souza

Juiz Federal Substituto na 3ª Vara Federal em São Bernardo do Campo/SP. Ex-Procurador Federal responsável pela Procuradoria Regional do INPI em São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Antonio André Muniz Mascarenhas. Da imprescindibilidade de anuência do INPI para homologação de acordo formulado entre autor e réu nas ações de nulidade de marcas, patentes e desenhos industriais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3510, 9 fev. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23698. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo científico apresentado ao Programa de Educação Continuada e Especialização GVlaw, da Direito GV, da Fundação Getúlio Vargas, como exigência parcial para obtenção do título de especialista em Direito, na área de Propriedade Intelectual, sob orientação do Prof. Doutor Manoel J. Pereira dos Santos, São Paulo, 2006.

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