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Análise sobre a validade das cláusulas de eleição de foro nos contratos internacionais de consumo

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28/03/2013 às 14:51
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As cláusulas de eleição de foro nos contratos de consumo internacional são válidas, desde que haja condições legais necessárias para tanto, como não ser excessivamente onerosa ao consumidor e observar devidamente as normas pertinentes na Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro e do Código de Processo Civil relacionadas à competência.

Resumo: Este estudo tem como objetivo a análise sobre a validade do estabelecimento de cláusula de eleição de foro nos contratos internacionais de consumo em face do ordenamento jurídico brasileiro. A internacionalização do consumo é fenômeno crescente e de difícil tutela jurisdicional, tendo em vista o usual pequeno valor transacional. Destarte, examina-se aqui a limitação da autonomia da vontade contratual de estabelecer cláusulas desta natureza dentro do ordenamento jurídico brasileiro e internacional. Inicialmente, analisaram-se em separado as duas esferas contratuais estudadas: o contrato internacional e o contrato de consumo, para revelar o tratamento da cláusula eletiva de foro em cada um, e daí então se extrair um regimento comum. Então, constatou-se que, mesmo que a legislação nacional seja compatível com o instituto discutido em ambos os domínios, o tratamento da cláusula de foro nos contratos internacionais em geral é inconstante nas cortes brasileiras, enquanto que no âmbito puramente consumerista vislumbra-se uma maior razoabilidade do julgador. Assim, não há como se extrair um regimento jurisprudencial constante no Brasil, em que pese já existirem normas internacionais pertinentes em outras partes do globo. Este trabalho desenvolveu-se pela pesquisa qualitativa biográfica, utilizando-se doutrina, jurisprudência e legislação referentes ao tema.

Palavras-chave: Contrato Internacional de Consumo. Cláusula de Eleição de Foro. Dépeçage. Autonomia da Vontade. 

Sumário:INTRODUÇÃO. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE OS CONTRATOS INTERNACIONAIS CONSUMERISTAS . 1.1. Introdução Histórica ao Direito Contratual. 1.2. Elementos Contratuais Gerais e Específicos aos Contratos de Consumo. 1.3. A Boa-Fé como Princípio Geral dos Contratos e sua Aplicação no Contrato Consumerista Internacional. 1.4. Características Específicas do Contrato Internacional. 2. A AUTONOMIA DA VONTADE NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DE CONSUMO. 2.1. A Autonomia da Vontade no Âmbito do Contrato Internacional. 2.1.1. A Autonomia da Vontade Internacional no Direito Positivo à luz da Doutrina Pátria. 2.1.2. A devida diferenciação da Cláusula de Eleição de Foro e a de Eleição de Norma Aplicável. 2.2. A Autonomia da Vontade no Âmbito do Contrato Consumerista. 2.2.1. A Moderna Crise do Contratualismo. 2.2.2. A Autonomia da Vontade e o Contrato de Adesão. 2.2.3. As Limitações à Autonomia da Vontade no Contrato de Consumo. 3. A VALIDADE DAS CLÁUSULAS ELETIVA DE FORO NOS CONTRATOS CONSUMERISTAS INTERNACIONAIS. 3.1. As Cláusulas de Eleição de Foro nos Contratos Internacionais. 3.1.1. A Validade do Instituto do Dépeçage no Direito Brasileiro. 3.1.2. As Limitações Legais à Cláusula de Eleição de Foro Internacional. 3.1.3. A Jurisprudência Nacional sobre as Cláusulas de Foro em Contratos Internacionais. 3.2. As Cláusulas de Eleição de Foro nos Contratos Consumeristas. 3.2.1. A Cláusula Eletiva de Foro como Cláusula Abusiva. 3.2.2. A Jurisprudência Nacional e Inovações Legislativas sobre as Cláusulas de Foro em Contratos de Consumo. 3.3. O Devido Tratamento dado pelo Direito Comunitário Europeu. 3.4. A Atual Abordagem do Tema e Novas Propostas no Brasil e no Continente Americano. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

As situações fáticas que envolvem tanto o Direito Internacional Privado como o Direito do Consumidor vem adquirindo crescente relevância jurídica e econômica com o passar dos anos. Os contratos de consumo, anteriormente pensados somente dentro de uma ótica do direito interno, são hoje também subjacentes à realidade do DIPr. É cediço que os contratos internacionais com os consumidores já representam parte considerável das transações globais.

De fato, as mudanças sociais, políticas e tecnológicas ocorridas em escala global nas últimas décadas foram claros catalisadores à crescente importância do tema. Pode-se certamente dizer que as mudanças estruturais nas relações humanas na idade contemporâneas são os grandes desencadeadores da problemática suscitada na pesquisa.

Desde a queda do muro político que dividia o mundo na chamada Guerra Fria, experimentamos uma maior integração global de fio condutor financeiro, um “ecumenismo econômico” por assim dizer. A este fenômeno damos o nome de mundialização dos mercados, caracterizada especialmente pela ascensão econômica de países até então periféricos – dentre eles, o Brasil –, bem como pelo intenso fluxo de mercadorias e pessoas internacionalmente.  

Tal acontecimento histórico foi massivamente auxiliado pelo uso da informática e, sobretudo, da internet, que assumiu uma forte função integradora entre os homens, tornando a máquina um veículo importante para as relações interpessoais, em especial a comercial.

Esta novíssima realidade já se manifesta em mudanças paradigmáticas nos valores da população, valores estes que já parecem cada vez mais enraizados em nossa cultura nacional, andando passo a passo com o capitalismo global. Não mais incomum é, em nosso país, viagens a territórios estrangeiros não somente pelo simples sabor do conhecimento de novas culturas, mas também para se servir de seus mercados, o consumo internacional.

Até pouco tempo atrás, vale ser ressaltado que as relações de comércio internacional eram tidas como fenômenos alheios ao cidadão comum, sendo elas somente relevantes àqueles que exerciam atividade empresária. Ou seja, os contratos internacionais resumiam-se aos que os anglófonos costumeiramente chamam de contratos B2B (business-to-business, ou, em português, do comércio e para o comércio). Neste passado recente, o consumidor, isto é, o receptor final, engajaria relação direta somente com o distribuidor ou vendedor forçosamente domiciliado no mesmo país que ele.

No Brasil, a preocupação jurídica com o consumidor nasce com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que até mesmo elencou este como um direito fundamental. Nada obstante, foi somente em 1990 que culminou esta atenção constitucional na a edição do Código de Defesa do Consumidor, lei bastante moderna para seu tempo, mas que não reservou considerações sobre o consumo internacional de mercadorias.

Justifica-se o presente trabalho pelo fato de o contrato internacional de consumo mostrar-se relevante para a economia de um país ou de um fornecedor, mesmo havendo pequeno valor individual. Em virtude deste baixo valor transacional, contudo, o consumidor não tem condições ou mesmo interesse de assumir os gastos do processo devido o limitado acesso à justiça em tal situação.

O mundo mudou, e com isso o aplicador do Direito se coloca em situação única, própria dos momentos de transição: por um lado, há uma tendência inegável de crescimento dos contratos de compra e venda realizados por fornecedor e consumidor de países e ordenamentos jurídicos diferentes; por outro, este fato – em que pese à relativa pouca idade da legislação consumerista – não foi explorado pelo legislador quando da feitura do CDC.

Ocorre, portanto, a existência de verdadeira lacuna no direito pátrio, revelando assim dúvidas sobre a aplicabilidade de institutos típicos dos contratos internacionais, como são as cláusulas eletivas de foro.

O presente estudo visa analisar a compatibilidade das Cláusulas de Estabelecimento de Foro nos Contratos de Compra e Venda envolvendo fornecedor e consumidor com repercussões internacionais. Releva-se atenção especial à cláusula de eleição de foro por esta poder se revelar um grave entrave ao acesso à justiça.

A pesquisa bibliográfica desenvolver-se-á pelo método de abordagem dedutivo, bem como o hipotético-dedutivo. O presente trabalho foi dividido sistematicamente em três capítulos: Inicialmente são expostas considerações históricas e atuais sobre os contratos; após, são tecidas considerações sobre a autonomia de vontade e os limites à liberdade de contratar em geral; para somente, por fim, tratar das cláusulas eletivas de foro especificamente.

Para uma apreensão lógica e didática do conteúdo, cuido de explorar, a cada capítulo, isoladamente tanto os contratos de consumo, como os contratos internacionais, visando assim desvendar um ponto de confluência entre ambos e encontrar aquilo que seria compatível e aplicável ao moderno amálgama destes: o contrato internacional de consumo.

Dada a estruturação do trabalho, questiona-se em especial a conciliação do conceito de contrato internacional com o de contrato de consumo, e como estes afetam o acesso à justiça, especial o acesso ao foro adequado.

A compreensão de tema tão recorrente e pouco estudado só dirige seus anseios a uma sociedade mais justa, visando adequar o Direito a novos fatos sociais cada vez mais frequentes e relevantes no cotidiano da prática forense.


1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE OS CONTRATOS INTERNACIONAIS CONSUMERISTAS

Inicialmente, será abordada a concepção de contrato em um sentido amplo no ordenamento jurídico pátrio atual, e, para isso, relevante faz-se explanar sobre todo o processo histórico passado até sua compreensão hodierna.

O instituto em si é uma das mais antigas expressões de juridicidade na humanidade. Desde o início da organização humana em células sociais, presume-se a existência de relações mutualísticas, portanto contratuais; havendo registros de um incipiente contratualismo mesmo nos primórdios das civilizações grega e egípcia[1]. Sem embargo, é cediço que o real desenvolvimento do instituto só veio a florescer em Roma.

1.1. Introdução Histórica ao Direito Contratual

No Direito Romano era usado a expressão convenção (pacto conventio) como gênero contratual, ora que o termo contractus era empregado “apenas para as convenções especialmente reconhecidas como obrigatórias e providas de ação.”[2]Foi somente com os teóricos do direito canônico durante o medievo que a noção de obrigatoriedade se fincou no estudo jurídico, traduzido-se pelo brocardo latino pacta sunt servanda – os acordos deverão ser cumpridos.

A clássica concepção de contrato, porém, foi só emoldurada em meados do século XIX, resultado da evolução do capitalismo durante da Revolução Industrial.

O contrato é o negócio jurídico por natureza, e, para os contratualistas clássicos, ele é a expressão máxima da vontade entre as partes, fazendo-se lei entre os contratantes. Definiu o célebre jurista novecentista alemão Friedrich Carl von Savigny o contrato como “(...) a união de mais de um indivíduo para uma declaração de vontade em consenso, através da qual se define a relação jurídica entre estes”.[3]

Esta teoria prioriza enormemente a autonomia de vontade das partes, vislumbrando Cláudia Lima Marques a existência de um verdadeiro dogma de liberdade contratual para a doutrina[4]. Segundo ela, a teoria pregava pela concentração do poderio estatal na concretização desta lex inter partes:

Tendo em vista o papel decisivo da vontade a doutrina, a legislação e a jurisprudência, influenciadas por esta concepção, irão concentrar seus esforços no problema da realização desta autonomia da vontade. (grifo do autor) [5]

A decadência da concepção clássica se deu pelo cenário socioeconômico surgido com o início do século XX, fruto do choque que sofreu a Europa em virtude das duas grandes guerras mundiais.[6]Foi então quando começou a se relativizar o princípio da pacta sunt servanda em favor de estabelecer o equilíbrio contratual entre os negociantes.

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Outrossim, Marques[7]e Venosa[8]ressaltam a existência de uma nova crise contratual nos dias atuais, expondo a necessidade de se considerar uma novíssima realidade na qual os contratos são feitos massivamente e por adesão, realidade na qual não poderia imperar dogmaticamente o liberalismo contratual. Leciona Cláudia Lima Marques sobre o tema:

[...] a vontade das partes não é mais a única fonte de interpretação que possuem os juízes para interpretar um instrumento contratual. A evolução doutrinária do direito dos contratos já pleiteava uma interpretação teleológica do contrato, um respeito maior pelos interesses sociais envolvidos, pelas expectativas legítimas das partes, especialmente das partes que só tiveram a liberdade de aderir ou não aos termos pré-elaborados.[9]

Feita esta breve exposição histórica, necessário é precisar juridicamente o que é um contrato. Define Paulo Nader como uma “[...] modalidade de fato jurídico, mais especificamente, de negócio jurídico bilateral ou plurilateral, pelo qual duas ou mais vontades se harmonizam a fim de produzirem resultados jurídicos obrigacionais, de acordo com o permissivo e limites da lei”.[10]

Destarte, a seguir se explanará os elementos do contrato segundo a doutrina hodierna e sua aplicabilidade no tipo contratual ora estudado, o contrato consumerista.

1.2. Elementos Contratuais Gerais e Específicos aos Contratos de Consumo

O contrato, como já dito, é um negócio jurídico, e, como tal, sua validade submete-se aos pressupostos do artigo 104 do Código Civil[11]. Estes três requisitos são tidos pela doutrina como os elementos constitutivos básicos dos contratos, são eles: a capacidade das partes; o objeto lícito, possível, determinado ou determinável; a forma não defesa em lei; dentre outros advindos da doutrina.

Logo, aplanar-se-á no presente tópico os elementos contratuais dispostos pela doutrina e sua aplicabilidade nos contratos de consumo.

Primeiramente, disporei sobre a capacidade para contratar. Ou seja, tanto a capacidade geral para os atos da vida civil, como a capacidade específica para firmar determinado contrato. Venosa chama esta última de legitimação[12], posto que é uma incapacidade circunstancial. Pela mesma razão, Caio Mário da Silva Pereira[13]e Paulo Nader[14]tratam-na de restrição. A capacidade, destarte, determina os polos da relação jurídica.

Especificamente nos contratos consumeristas os contratantes são postos em polos antagônicos com poderes díspares, nomeando-os fornecedor e consumidor.

Costumeiramente, entende-se por consumidor aquele que não-profissionalmente contrata com um profissional, o fornecedor; esta é a chamada noção subjetiva[15]. Não obstante, o Código de Defesa do Consumidor – CDC define, em seu artigo 2º, o consumidor como “ [...] toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”[16], adotando assim uma noção objetiva. A objetividade empregada, todavia, peca em não definir claramente o que se deve entender por destinatário final. Marques, admitindo que a matéria é controversa, posiciona-se no sentido de englobar no conceito de consumidor o profissional que, na relação em questão, não visa o lucro, quer seja ele pessoa física ou jurídica.[17]

Já o conceito de fornecedor, nos termos do artigo 3º do CDC, é bastante amplo: a atividade de fornecimento de produtos e serviços é basicamente vista como qualquer atividade tipicamente profissional. Observa-se, contudo, que tais conceitos não são necessariamente seguidos à risca pela doutrina ou pelo julgador, mas são teleologicamente mesurados visando somente a mitigação da vulnerabilidade do consumidor no contratualismo atual.

São elementos contratuais também a possibilidade, a licitude e a determinabilidade do seu objeto. Sílvio de Salvo Venosa inclui neste rol a economicidade ou a apreciação pecuniária do objeto[18], isto é, mesmo sendo possível a existência de contrato com obrigação de cunho moral, seu descumprimento, segundo o jurista, deverá acarretar em perdas e danos expressos monetariamente. Entendo que tal requisito é mais ligado ao disciplinamento da reparação civil do que propriamente o Direito do Consumidor.

No que diz respeito especificamente ao contrato de consumo, é essencial ressaltar que o seu objeto deve ser necessariamente determinado, por gênero, espécie quantidade e características individuais[19], sob pena de o contrato ser maculado por cláusula abusiva. Não podendo, de tal forma, serem aplicados às relações de consumo os artigos 243 a 246 do Código Civil, que dispõem sobre as obrigações de dar coisa incerta – aquela que é definida somente por gênero e quantidade.

Por fim, a forma prescrita ou não defesa em lei. Destaca-se que o sistema atual não se prioriza o formalismo contratual como antes, mesmo que a lei exija, por vezes, solenidade necessária à concreção do negócio jurídico. Desta forma, pela atenta leitura do CDC, extrai-se que os contratos de consumo possuem certos formalismos quanto a certos elementos específicos; como, verbi gratia, o artigo 46 que dispõe que todas as cláusulas contratuais devem ser redigidas a fim de facilitar a compreensão do consumidor sob pena de serem consideradas nulas. Todavia, é completamente aceitável – como também corriqueira – a relação de consumo meramente verbal, sem formalismos.

Outros elementos são listados por diversos autores, dentre eles ressaltamos aquele chamado por Colet Barro de consentimento[20] e por Nader de declaração de vontade[21], estando, para ambos os autores, tal elemento vinculado ao acordo entre as partes e o princípio da autonomia da vontade, sobre a qual exporei com profundidade mais adiante.

1.3. A Boa-fé como Princípio Geral dos Contratos e sua Aplicação no Contrato Consumerista Internacional

Principiologicamente, faz-se menção de realçar o princípio da boa-fé. Este é mencionado expressamente no Código Civil de 2002, no espaço que concerne os negócios jurídicos. O texto legal dispõe que todos “[o]s negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração[22]”, há igualmente menção em dispositivo específico quanto aos contratos: o princípio se encontra junto com o da probidade no artigo 422 do atual código.

Explicita Paulo Nader que a boa-fé significa “[...] a honestidade e justiça nas condições gerais estabelecidas”[23]. Considera-se, outrossim, que deve ser a boa-fé objetiva e não a subjetiva a amparada juridicamente. Sílvio de Salvo Venosa aclara o conceito de boa-fé subjetiva:

Na boa-fé subjetiva, o manifestante crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um negócio. Para ele há um estado de consciência ou aspecto psicológico que deve ser considerado.[24]

Porém, a boa-fé a ser considerada, a objetiva, é precisada por Colet Barro como modelo de conduta social “[...] segundo o qual, cada pessoa deve ajustar a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria um homem reto”[25], Venosa, não obstante, diz que é necessário as condições e o nível de compreensão de cada uma das partes para a interpretação de um contrato[26], sendo assim ainda cautelosamente aplicada a boa-fé objetiva.

Inobstante, a boa-fé se mostra como estrutura basilar do Direito do Consumidor, como disposto ao art. 4º do CDC, não se manifestando somente na fase de formação e execução dos contratos, mas também em momento pré-contratual, ao regular a publicidade e as práticas comerciais abusivas.

Cláudia Lima Marques[27], baseada em entendimento doutrinário alemão, expõe deveres anexos ao princípio da boa-fé contratual: O dever de informar (Informationspflicht), desdobrado em dever de esclarecimento (Aufklarungspflicht) e de aconselhamento (Beratungspflicht); o dever de cooperação (Mitwirkungspflicht) e o dever de cuidado (Schutzpflicht).

No que tange os contratos internacionais, a boa-fé, por fazer parte dos princípios gerais do direito, é fonte da lex mercatoria[28], sistema jurídico de base costumeira utilizado entre comerciantes, sobre o qual oferecerei considerações posteriores.

Por fim, importante é igualmente mencionar o princípio da obrigatoriedade dos contratos, ou pacta sunt servanda, é ele que define o contrato como lex inter partes e dá a devida segurança jurídica ao negócio. Porém, como consequência do neocontratualismo, é violado e relativizado pelo Estado, substituído pela equidade com o fim de atingir a função social do contrato.

1.4. Características Específicas do Contrato Internacional

Definia-se, historicamente, o contrato como internacional meramente por seu critério econômico, é dizer, somente aqueles que movimentam mercadorias entre países distintos eram internacionais. Foi somente em período posterior que nasceu um critério propriamente jurídico, desde então adotado pela doutrina, vindicando que a internacionalidade de uma relação contratual estava no liame entre dois sistemas jurídicos distintos. 

Nadia de Araujo leciona que o contrato internacional é aquele que tem “[...] a presença de um elemento que ligue dois ou mais ordenamentos jurídicos. Basta que uma das partes seja domiciliada em um país estrangeiro ou que um contrato seja celebrado em um país, para ser cumprido em outro.”[29]

Outrossim, Colet Barro[30]cita o emprego do Decreto-Lei n°. 857, norma que regulava a validade dos contratos estabelecidos em moeda diferente da nacional[31], como parâmetro para uma definição legislativa de contrato internacional no Brasil. Os incisos I e II apontam ao critério econômico, enquanto os incisos IV e V apontam ao critério jurídico, recorrendo, assim, o legislador a um critério eclético. [32]

Logo, em que pese um contrato ser internacional, um negócio que transita entre dois sistemas jurídicos, existirão sempre normas nacionais sob as quais o contrato se curvará. É um instituto tipicamente de direito privado, tal qual um contrato nacional, que já foi explanado anteriormente neste trabalho. Assim, são aplicáveis todos os elementos e princípios aos contratos em geral, acrescidos somente daqueles decorrentes de sua internacionalidade.

Os princípios que regem os contratos internacionais especificamente são geralmente identificados pela doutrina com a expressão latina lex mercatoria – a lei dos mercadores. Este é um corpo de regras consuetudinárias, que vem se desenvolvendo desde a idade média, aplicado por aqueles que praticam o comércio interfronteiriço, em especial, o marítimo, sem, contudo, valer-se de força impositiva de qualquer autoridade central.

Conceitua Irineu Strenger a lex mercatoria como “[...] um conjunto de procedimentos que possibilita adequadas soluções para as expectativas do comércio internacional, sem conexões necessárias com os sistemas nacionais e de forma juridicamente eficaz.”[33]

A lei mercantil não é propriamente um sistema jurídico em seu sentido estrito, mas somente regulamentos esparsos nascidos da prática e, hoje, por normas emanadas de órgãos, tais quais a Câmara Internacional de Comércio (CCI) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).

Para definir o contrato internacional, Drebes[34]enumera suas principais fontes como: Os princípios gerais do direito, como os antes mencionados pacta sunt servanda e a boa-fé objetiva; os usos e costumes no comércio internacional; os contratos-tipo, ou seja, fórmulas padronizadas de contratos; e a jurisprudência arbitral (pode ser ampliado este último conceito incluindo-se as cláusulas eletivas de foro e de lei).

Não obstante, acrescento que tais princípios, por ventura de sua própria natureza consuetudinária, são mutáveis no tempo e no espaço, sendo impossível uma objetivação prática.

Por fim, pertinentemente Nadia de Araujo diz que “a grande diferença existente entre os contratos internos e internacionais é a possibilidade das partes escolherem entre elas lei aplicável nos internacionais.”[35]Acrescento a essa afirmação igualmente a possibilidade de escolha do foro, posto que toda liberdade de escolha é proveniente do princípio da autonomia da vontade.

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Sobre o autor
Bruno Aires de Sá

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SÁ, Bruno Aires. Análise sobre a validade das cláusulas de eleição de foro nos contratos internacionais de consumo . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3557, 28 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23968. Acesso em: 2 nov. 2024.

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