V) O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE[4]
Reconhecido como o princípio dos princípios, pode ser aplicado em diversos ramos do direito, sobretudo na aplicação das cautelares. Por ele pode-se entender, de acordo com Nicolas Serrano:
El principio de proporcionalidad es um principio general Del Derecho que, em sentido muy amplio, obliga al operador jurídico a tratar de alcanzar el justo equilíbrio entre los intereses em conflito... Exige, utilizando expresiones reiteradamente empleadas por el Tribunal Europeu de Derechos Humanos, que las restricciones de los derechos fundamentales se encuentrem previstas por la ley, sean adecuadas a los fines legitimos a los que se dirijan, y constituyan medidas necesarias em uma sociedad democratica para alcanzarlos. (apud, Castanho de Carvalho. 2009, p. 36).
O princípio não está expressamente previsto na Constituição Federal, todavia tem-se enfatizado que o fundamento do princípio da proporcionalidade se situa no âmbito dos direitos fundamentais. Neste sentido, Badaró acentua:
Ao mais, o princípio da proporcionalidade é um princípio constitucional, que rege todo e qualquer ato estatal de restrição de direito fundamental do indivíduo. Assim, mesmo sem uma previsão expressa de tal princípio na normatização infraconstitucional da prisão preventiva, sua aplicação decorre da proteção constitucional do direito à liberdade e da própria natureza das medidas cautelares.
Segundo Lopes Jr. é a proporcionalidade que deve nortear a conduta do juiz frente ao caso concreto, ponderando a gravidade da medida a ser imposta com a finalidade pretendida no processo.
Em vista do princípio da proporcionalidade só se admite a prisão cautelar se a pena prevista for igualmente a de prisão. Destarte, mesmo não sendo a prisão preventiva uma pena em si, deve guardar consonância com o princípio da proporcionalidade. Badaró faz interessante anotação sobre o princípio em face da pena:
E, embora a prisão preventiva, do ponto de vista teleológico, não seja uma “pena antecipada”, como adverte Maurach, o mal real causado pela prisão preventiva deve ser parecido, quanto aos efeitos realmente produzidos, aos da pena. Na prisão preventiva, o acusado não deve pagar um preço que ele provavelmente não será chamado a pagar nem mesmo depois da condenação.
Neste sentido, a lei 12.403/11 positivou, no artigo 282 do Código de Processo Penal, que as medidas cautelares devem observar a necessidade e adequação. Segundo Zanoide de Moraes, pode-se afirmar por este ultimo que “para que o meio seja considerado adequado basta que se possa estabelecer um relação de causalidade entre ele e o fim.”(2010, p. 323); já quanto à necessidade afirma o autor que “só será necessária uma medida que antes se mostrou idônea. Diante dos meios declarados idôneos procede-se a um exame comparativo entre eles para se determinar qual é o necessário” (2010, p. 326).
Com efeito, não há como justificar a prisão preventiva se o acusado não será submetido à pena privativa de liberdade. Destarte, assiste razão a Castanho de Carvalho quando, fazendo um paralelo com o Direito Penal, afirma:
Com efeito, se o objetivo do Direito Penal é exercer o controle estatal sobre a violência, punindo os infratores e evitando que a justiça seja feita pelas próprias mãos das vítimas, não seria justificável o emprego, justamente, de um desmedido arbítrio para conter a violência. (2009, p. 37)
Em suma, o princípio da proporcionalidade impõe que o juiz faça uma prognose da pena a ser aplicada; e, somente se justifica a prisão de um acusado se houver previsão razoável de que, proferida uma sentença condenatória, será obrigado a se sujeitar ao regime inicial fechado.
Segundo a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o princípio deve limitar a prisão cautelar. No caso Barreto Leiva vs. Venezuela ficou consignado que:
122. La prisión preventiva se halla limitada, asimismo, por el principio de proporcionalidad, en virtud del cual una persona considerada inocente no debe recibir igual o peor trato que uma persona condenada. El Estado debe evitar que la medida de coerción procesal sea igual o más gravosa para el imputado que la pena que se espera en caso de condena. Esto quiere decir que no se debe autorizar la privación cautelar de la libertad, en supuestos en los que no sería posible aplicar pena de prisión, y que aquélla debe césar cuando se há excedido la duración razonable entre la medida cautelar y el fin perseguido, de tal forma que el sacrifício inherente a la restricción del derecho a la libertad no resulte exagerado o desmedido frente a las ventajes que se obtienen mediante tal restricción.
VI) A DÚVIDA
Como é notório, as decisões acerca das cautelares devem ser mais acuradamente motivadas, pois (em regra) não se amparam em provas, mas somente elementos probatórios (prova com eficácia interina ou provisória, portanto dúcteis).
Destarte, quando houver dúvida quanto à futura aplicação ou não da minorante prevista no §4º, art. 33 da lei 11.343, a mesma prevalece em favor do réu, conforme ensina Zanoide de Moraes:
Como se percebe, o ‘in dubio pro reo’ não incide apenas na decisão de mérito da causa, ou seja, quando se decida pela culpa ou pela inocência do imputado. Ele integra a norma de juízo em cada e em todas as decisões judiciais penais que impliquem restrições a esfera de direitos do cidadão decorrentes da persecução penal. Assim, p. ex., o ‘in dúbio pro reo’ deve ser aplicado no instante do juiz decidir sobre a decretação ou não de prisão provisória ou de qualquer outra medida coativa, inclusive de cunho patrimonial, ou, ainda, ao decidir pela continuidade da persecução penal em cada uma de suas fases( da investigação à revisional).(2010, p. 406)
VII) CONCLUSÃO
Conforme exposto, os presos nas condições do artigo 33, §4º da Lei de Drogas, quando condenados devem ter suas penas reduzidas por força da minorante, não havendo qualquer óbice para que suas penas sejam fixadas em regime aberto.
Portanto, eventual prisão cautelar destes, quando fundamentada para garantia da ordem pública, será sempre desproporcional com o resultado final do processo, será uma forma de retaliação.
O princípio da proporcionalidade estabelece limites que devem ser respeitados. Nada autoriza que o Estado possa determinar, em sede de tutela cautelar, regime mais gravoso do que aquele em que provavelmente o acusado será condenado. Ao judiciário cabe ser garante dos direitos fundamentais, impondo o mínimo mal-estar necessário aos acusados.
O reconhecimento do princípio é imprescindível para aplicação da prisão preventiva. Sua violação não serve a um processo penal democrático. Por força da eficácia do princípio, a tutela deve ser realizada de modo que não ofenda a eventual sanção projetada, o que não ocorre quando se depara com a figura do tráfico privilegiado.
BIBLIOGRAFIA
BADARÓ, Gustavo Henrique Richi Ivahy. A prisão preventiva e o princípio da proporcionalidade. Disponível em: http://www.badaroadvogados.com.br/?p=315. Acesso em 04 de dezembro de 2012.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1, 8ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003.
CASTANHO DE CARVALHO, Luis Gustavo Grandinetti. Processo penal e Constituição. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2009.
MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
QUEIROZ, PAULO. Curso de Direito penal, volume 1, 8ª edição. Salvador: Juspodivm, 2012.
VICENTE SILVA, JORGE. Comentários a nova lei antidrogas, manual prático. 1ª edição. Curitiba: Juruá, 2007.
ZANOIDE DE MORAES, Maurício. Presunção de inocência no processo penal brasileiro: análise de sua estrutura normativa para elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro, Lúmen Júris: 2010.
Notas
[1] Muito embora não haja um critério para delimitar o que seja pouca quantidade de drogas, entendo razoável que seja averiguado o valor do varejo da quantidade de drogas apreendida, sendo que aquelas quantias inferiores a um salário mínimo se adequariam nessa hipótese. Tal critério satisfaria o requisito do art. 42 (natureza e quantidade) pois é notório, como exemplo, que 10 gramas de gramas de crack não tem o mesmo valor que 10 gramas de maconha.
[2] Tratando dos excessos do legislador, Cezar R. Bitencourt faz a seguinte crítica: que “o excesso de legislação extravagante, sem qualquer cientificidade, destruiu o que restava de harmonia e coerência no sistema criminal brasileiro, ignorou os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e da lesividade do bem jurídico e abandonou todo e qualquer critério que pudesse orientar a primeira fase da individualização da pena, a legislativa, renunciando, inclusive, o dever constitucional de adotar uma política criminal adequada aos postulados de um Estado Social e Democrático de Direito”
[3] RT, 736/685.
[4] O presente artigo não se aprofundará no exame do princípio da proporcionalidade pois este demanda um estudo exaustivo, o qual não caberia em tão curto espaço.