I) INTRODUÇÃO
Para além das muitas considerações possíveis de fazer acerca da prisão preventiva, tais como: ofensa ao princípio da presunção de inocência e devido processo legal; uma chama muita atenção pois diversos julgadores vêm negando a aplicação do princípio da proporcionalidade aos presos preventivamente por tráfico de drogas. Negam a liberdade, como regra, sob o fundamento da garantia da ordem pública, o que caracteriza um castigo (uma forma de retaliação) pois como veremos nem mesmo pode ser considerada uma forma da (inconstitucional) antecipação de pena.
Com efeito, a aplicação do princípio da proporcionalidade se faz obrigatória devido ao artigo 33, § 4º, da Lei 11.343/06, o qual prevê causa de diminuição de pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) àqueles criminosos de “primeira viagem” (especialmente aquelas pessoas presas sem arma de fogo, com pouca quantidade de droga[1], sem balança de precisão, sozinhas ou que tem histórico de uso de drogas) os quais são primários, com bons antecedentes e que não se dedicam à atividade criminosa.
Devido à aplicação da minorante, a pena destes acusados será (acaso sejam condenados, após um devido processo), necessariamente, fixada em regime inicial aberto (em alguns poucos casos semi-aberto), razão pela qual sua prisão preventiva é (ao menos, deveria ser) proibida por ofender o princípio da proporcionalidade.
É notório que nenhuma medida de natureza cautelar pode ser mais gravosa do que a pena em si. Aquela deve guardar congruência com a futura solução de mérito, a fim de impedir um indevido processo legal, uma prisão cautelar como forma de castigo.
Destarte, faz-se necessário uma breve abordagem pelos institutos previstos na Lei de Drogas, bem como pelas recentes decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal no intuito de demonstrar a necessária aplicação do princípio.
II) A APLICAÇÃO DA MINORANTE
Uma primeira constatação necessária diz respeito à aplicação da minorante prevista no §4º do artigo 33 da lei 11.343. Seria a aplicação da mesma uma mera faculdade do julgador ou seria um direito subjetivo do acusado?
Temos que, muito embora o dispositivo indique que a sanção aplicada “poderá” ser reduzida, o entendimento majoritário é de que, preenchidas as condições exigidas por lei, o juiz fica obrigado a aplicar a redução da pena.
Isto porque, em casos de tráfico privilegiado é comum que na primeira fase de aplicação da pena, qual seja, a aplicação da pena-base prevista no artigo 59 do Código Penal, a mesma tenha sido fixada em seu mínimo legal. O mesmo ocorre na segunda fase de dosimetria, em que (em regra) não há agravantes. Ou seja, reconhece-se que o acusado não é merecedor de uma maior reprimenda penal.
Portanto, preenchendo todos os requisitos do artigo 33,§ 4º da Lei de Drogas é direito subjetivo do acusado que tenha a pena minorada. Não é razoável tratar o traficante ocasional com a mesma carga punitiva a ser aplicada aos traficantes habituais e vinculados a organizações criminosas.
Consoante lição de Vicente Silva:
Ao prever este benefício, o legislador deixou expresso que as penas poderão ser reduzidas, e, pela interpretação literal da norma, tem-se a impressão de ser uma faculdade do juiz aplicá-lo ou não.
Não é isso que ocorre, porquanto já está assentado que, nas hipóteses em que o legislador utilizou esta forma de previsão (CP, arts. 71, parágrafo único –“poderá”; 155, §2º; 171, §1º - “pode” etc.), para regular a aplicação de algum benefício ao acusado, deve ser interpretada a norma como tendo conferido um direito público subjetivo ao agente, devendo o julgador, dentro do seu livre arbítrio motivado, fundamentar a negativa de sua aplicação, sob pena de nulidade do julgado.(2007, p.72)
Neste sentido, há jurisprudência consolidada por nossos tribunais:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. CAUSA ESPECIAL DE DIMINUIÇÃO PREVISTA NO § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. PRETENDIDA APLICAÇÃO. REQUISITOS SUBJETIVOS. DEDICAÇÃO A ATIVIDADE CRIMINOSA.
NEGATIVA INJUSTIFICADA. ILEGALIDADE DEMONSTRADA.
1. Revela-se ilegal a não aplicação da causa especial de diminuição prevista no § 4º do art. 33 da Lei 11.343/06 ao condenado primário e sem antecedentes criminais quando a Corte a quo, com base na conduta criminosa que lhe foi atribuída e pela qual findou condenado, concluiu que fizesse da traficância sua profissão, sob pena de considerar toda e qualquer ação descrita no núcleo do tipo do art. 33 da Lei 11.343/06 uma situação incompatível com a aplicação da minorante em questão.
(...)
(HC 238.707/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 02/08/2012, DJe 15/08/2012)
Percebe-se, portanto, que com a aplicação da minorante, a pena de quem for condenado por tráfico privilegiado será necessariamente fixada abaixo de 4 (quatro) anos.
III) A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO DE CONVERSÃO EM RESTRITIVA DE DIREITOS
A lei 11.343 previu em seus artigos 33,§ 4º e 44 que seria vedada a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. Desta forma, não se ateve o legislador (como de costume) aos objetivos da pena.
A fixação das penas deve se guiar por critérios de proporcionalidade. Ainda, a pena deve pretender reintegrar o autor de um delito à comunidade, não pode ser uma mera retribuição. Esta fere o princípio da dignidade humana.
Certo é que o tráfico ilícito de entorpecentes, como regra não é praticado com violência ou grave ameaça, bem como a concessão de penas restritivas de direitos é um direito subjetivo dos condenados. Portanto, a insensibilidade do legislador tem de ser temperada com a sensibilidade do julgador[2], pois somente este está em contato diário com as vítimas de crimes e seus autores, sendo inconstitucional o legislador criar uma impossibilidade de o juiz aplicar a reprimenda que melhor se amoldaria ao caso concreto.
O Estado não pode (a não ser que se trate de um Estado totalitário) invadir a esfera dos direitos individuais do cidadão, mesmo em face de delito praticado. A função da pena é a prevenção geral positiva; a ressocialização e a retribuição pelo fato são instrumentos de realização do fim geral da pena; deste modo, aquela se torna inócua quando a retribuição penal for o único objetivo almejado pela pena.
Discorrendo sobre o princípio da individualização da pena, o e. Ministro Gilmar Mendes, assim ensina:
Não é difícil perceber que a fixação in abstracto de semelhante modelo sem permitir que se levem em conta as particularidades de cada indivíduo, a sua capacidade de reintegração social e os esforços envidados com vistas à ressocialização, retira qualquer caráter substancial da garantia da individualização da pena. Ela passa a ser uma delegação em branco oferecida ao legislador, que tudo poderá fazer. Se assim se entender, tem-se a completa descaracterização de uma garantia fundamental. (2010, p. 714)
No mesmo sentido, encontramos na doutrina de Queiroz:
Portanto, não parece conforme os princípios de proporcionalidade, individualização da pena e isonomia, que o juiz, ao condenar o réu por crime de tráfico à pena não superior a quatro anos, não possa substituí-la em virtude da só vedação legal, mesmo porque a missão do juiz já não é mais, como no velho paradigma positivista, sujeição à letra da lei, qualquer que seja o seu significado, mas sujeição à lei enquanto válida, isto é, coerente com a Constituição. (2012, p. 513)
Ante o inegável excesso do legislador, o Supremo Tribunal Federal veio a declarar a inconstitucionalidade da vedação contida na lei, em decisão proferida no HC 97256 (01/09/2010), cuja ementa (apesar de longa) é imprescindível a leitura:
EMENTA: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material. 2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória. 3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero. 4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes. 5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.(HC 97256, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2010, DJe-247 DIVULG 15-12-2010 PUBLIC 16-12-2010 EMENT VOL-02452-01 PP-00113 RT v. 100, n. 909, 2011, p. 279-333)
Ainda, o Senado Federal, através da resolução nº 5 de 2012, suspendeu a execução da vedação contida no artigo 33, §4º da lei de Drogas, vindo a homenagear o entendimento de nossa Suprema Corte, bem como pacificar o tema.
IV) DA DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 2º, §1º DA LEI DE CRIMES HEDIONDOS
O Supremo Tribunal Federal declarou, recentemente, no Habeas Corpus 111840 (julgado em 27/06/2012) a inconstitucionalidade da imposição de regime inicial fechado de cumprimento de pena para os condenados por crimes previstos na lei de crimes hediondos. O acórdão, ainda, não foi disponibilizado, porém encontra-se no acompanhamento processual o seguinte:
Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, deferiu a ordem e declarou incidenter tantum a inconstitucionalidade do § 1º do artigo 2º da Lei nº 8.072/90 com a redação dada pela Lei nº 11.464/2007, vencidos os Senhores Ministros Luiz Fux, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa, que a indeferiam. Votou o Presidente, Ministro Ayres Britto. Plenário, 27.06.2012.
Com efeito, novamente o nossa corte máxima teve de agir, ante a insensibilidade do legislador que, como já dito não conhece as nuances do Direito Penal. Julgado inconstitucional por ferir especificamente os princípios da individualização da pena (art. 5, XLVI) e da razoabilidade na aplicação da sanção penal, tem-se como inválida a imposição do regime inicial fechado, somente com fulcro na lei, cabendo ao Magistrado, fixá-lo observando os critérios do artigo 33, §2º e 3º, do Código Penal.
Acompanhando e convalidando o entendimento do pleno do Supremo Tribunal Federal, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu recentemente:
DIREITO PENAL. REGIME INICIAL PARA CUMPRIMENTO DE PENA. TRÁFICO DE DROGAS.
É possível a fixação de regime prisional diferente do fechado para o início do cumprimento de pena imposta ao condenado por tráfico de drogas. O STF declarou a inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990, com redação dada pela Lei n. 11.464/2007, afastando a obrigatoriedade do regime inicial fechado para os condenados por crimes hediondos e por aqueles a eles equiparados, como é o caso do tráfico de drogas. Precedentes citados do STF: HC 111.247-MG, DJe 12/4/2012; HC 111.840-ES, DJe 2/2/2012 ; do STJ: HC 118.776-RS, DJe 23/8/2010, e HC 196.199-RS, DJe 14/4/2011. (EREsp 1.285.631-SP, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, julgado em 24/10/2012.)
É notório que as penas de curta duração não tem a capacidade de reintegrar qualquer pessoa à sociedade se impostas, unicamente, como uma forma de castigar. Bittencourt, ao tratar do tema, faz alusão à doutrina estrangeira:
Beccaria já havia antecipado que é a celeridade e a certeza da pena, mais que a sua severidade, que produz a efetiva intimidação. Reconhece-se que a prisão não é lugar idôneo para empreender qualquer tentativa de reeducação ou tratamento terapêutico de problemas estruturais de personalidade. Segundo Gimbernat, “é um abuso de direito a imposição de qualquer pena desnecessária ou a execução desnecessariamente rigorosa de uma pena”. (2003, p.451)(negritou-se)
Ressalte-se, por oportuno, que “é público e notório que o sistema carcerário brasileiro ainda não se ajustou à programação visada pela LEP. Não há, reconhecidamente, presídio adequado ao idealismo programático da LEP. É verdade que, em face da carência absoluta nos presídios, notadamente no Brasil, os apenados recolhidos sempre reclamam mal-estar nas acomodações, constrangimento ilegal e impossibilidade de readaptação à vida social”[3]. O cárcere embrutece, desumaniza, e impossibilita o individuo de retornar para a sociedade.
Não teria qualquer lógica jurídica que um condenado pudesse ter sua pena substituída por restritiva de direitos, mas não pudesse tê-la fixada no regime inicial aberto ou semi-aberto somente por conta da redação do art. 2º da lei 8.072/90. Artigo já declarado inconstitucional pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal.
O Tribunal de Justiça paranaense tem inúmeros precedentes neste sentido, verba gratia::
PENAL E PROCESSO PENAL. CONDENAÇÃO POR TRÁFICO DE DROGAS. ARTIGO 33, CAPUT DA LEI 11.343/06. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSO DA DEFESA. 1. PROGRESSÃO DE REGIME. NÃO CONHECIMENTO. MATÉRIA AFETA AO JUÍZO DA EXECUÇÃO. ARTIGO 66, III, `B', DA LEI 7.210/84. EVENTUAL ANÁLISE EM SEDE RECURSAL, SEM O ATENDIMENTO DO REQUISITO SUCUMBÊNCIA, VERDADEIRA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. 2. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE PROVAS DA MERCANCIA DA DROGA. IRRELEVÂNCIA. RÉU PRESO EM FLAGRANTE DELITO COM 32 (TRINTA E DUAS) PEDRAS DE `CRACK', TODAS ACONDICIONADAS EM INVÓLUCROS PLÁSTICOS INDIVIDUAIS. QUANTIDADE E FORMA DE ACONDICIONAMENTO QUE DEMONSTRAM O DESTINO COMERCIAL. VALIDADE DOS DEPOIMENTOS DOS POLICIAIS QUE VISUALIZARAM O RÉU, E SOMENTE ESTE, DENTRO DA RESIDÊNCIA, E QUE INCLUSIVE O DETIVERAM NO MOMENTO EM QUE REALIZAVA O EMBRULHO DE UMA PEDRA DE `CRACK'. CONDENAÇÃO FUNDADA NA QUANTIDADE DE DROGA APREENDIDA, BEM COMO NAS DEMAIS CIRCUNSTÂNCIAS FÁTICAS. PRISÃO OCORRIDA EM LOCAL PREVIAMENTE APONTADO POR POPULAR COMO PONTO DE VENDA DE ENTORPECENTE. MANUTENÇÃO DA CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. PLEITO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA O CRIME DE USO DE DROGAS PREJUDICADO. 3. REGIME PRISIONAL. REGIME INICIALMENTE FECHADO IMPOSTO AO APELANTE. PLEITO PARA A CONCESSÃO DE REGIME PRISIONAL MAIS BRANDO. RÉU QUE NÃO OSTENTA CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS OU REINCIDÊNCIA. PENA DEFINITIVA DE 01 ANO E 08 MESES DE RECLUSÃO. TESE ACOLHIDA. RÉU COM DIREITO AO CUMPRIMENTO DA PENA EM REGIME ABERTO. HC 111.840/ES. PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DECLARAÇÃO INCIDENTER TANTUM DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 2º, §1º DA LEI 8.072/90 (NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI 11.464/07). "Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, durante sessão extraordinária realizada na manhã desta quarta- feira (27), o Habeas Corpus (HC) 111840 e declarou incidentalmente* a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90, com redação dada pela Lei 11.464/07, o qual prevê que a pena por crime de tráfico será cumprida, inicialmente, em regime fechado. [...] Na sessão de hoje (27), em que foi concluído o julgamento, os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ayres Britto acompanharam o voto do relator, ministro Dias Toffoli, pela concessão do HC e para declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 1º do artigo 2º da Lei 8.072/90. De acordo com o entendimento do relator, o dispositivo contraria a Constituição Federal, especificamente no ponto que trata do princípio da individualização da pena (artigo 5º, inciso XLVI)". 4. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR DUAS RESTRITIVAS DE DIREITO. RÉU QUE PREENCHE OS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS. SUBSTITUIÇÃO CONCEDIDA, `EX OFFICIO'. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA `AD REFERENDUM' DA CÂMARA JULGADORA. O plenário do Supremo Tribunal Federal, ao qual compete o controle de constitucionalidade das normas também pela via incidental (art. 97, da CF e art. 176 e 177, do RISTF), ao julgar o Habeas Corpus nº 97256/RS, declarou por maioria de votos a inconstitucionalidade das expressões "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" e, da expressão "vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos", contidas, respectivamente, nos artigos 33, § 4º e 44 ambos da Lei de Tóxicos. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO, E NESTA PARTE PARCIALMENTE PROVIDO, COM MEDIDA EX OFFICIO.
(TJPR - 3ª C.Criminal - AC 892101-3 - Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba - Rel.: Sônia Regina de Castro - Unânime - J. 13.09.2012)
Destarte, é proibido fixar o regime mais gravoso ao acusado por conta da suposta “gravidade” do crime de tráfico, sem que haja qualquer elemento nos autos que ensejem uma reprimenda mais severa (nestes termos, as súmulas 718 e 719 do STF e 440 do STJ).
IV.I) DA INAPLICABILIDADE DO ARTIGO DECLARADO INCONSTITUCIONAL MESMO EM SEDE DE DECISÃO TOMADA EM CONTROLE DIFUSO
Mesmo tendo o plenário do Supremo Tribunal Federal declarado a inconstitucionalidade do artigo 2º da lei 8.072/90, existe forte resistência por parte de alguns julgadores em reconhecer a força do precedente, utilizando-se (via de regra) do argumento de que a decisão foi tomada por controle difuso, o que não vincularia as instâncias inferiores.
Todavia tal argumento não pode ser convalidado, pois de alguns casos concretos e submetidos ao controle difuso de constitucionalidade deverão emanar eficácia erga omnes e vinculante. Conforme a doutrina tem denominando de fenômeno de abstrativização ou objetivação do controle difuso, tudo em razão da transcendência dos motivos determinantes da sentença (ratio decidendi), uma vez que a lei "em tese" acabou sendo debatida.
Como exemplo, podemos citar o HC 82.959/SP, o qual cuidou da progressão do regime proibida na lei dos crimes hediondos, afastando a (nunca existente) constitucionalidade do cumprimento integral da pena privativa de liberdade no regime fechado.
Ao tratar da repercussão da declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre as decisões de outros tribunais, Mendes afirma:
Esse entendimento marca a evolução no sistema de controle de constitucionalidade brasileiro, que passa a equiparar, praticamente, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto. A decisão do Supremo Tribunal Federal, tal como colocada, antecipa o efeito vinculante de seus julgados em matéria de controle de constitucionalidade incidental, permitindo que o órgão fracionário se desvincule do dever de observância da decisão do Pleno ou do órgão Especial do Tribunal a que se encontra vinculado. Decide-se autonomamente, com fundamento na declaração de inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade) do Supremo Tribunal Federal, proferida incidenter tantum, (2010, p. 1246)
Na obra citada, Mendes explica que houve uma mutação constitucional, sem modificação de texto, do artigo 52, X da Constituição Federal. De modo que não se faz mais necessário que o Senado Federal interfira quando haja uma decisão tomada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.
Soma-se a estes argumentos, o fato de que não reconhecer a inconstitucionalidade do artigo acabaria por ferir o princípio da isonomia, pois somente alguns poucos acusados (via de regra, os que têm condições de constituir bons advogados) poderiam levar seus casos ao Supremo Tribunal Federal para ter seus direitos reconhecidos. Neste sentido, Queiroz afirma, ao tratar da irretroatividade da lei 11.464, o seguinte:
(...) Segundo, porque não seria justo nem conforme o princípio da isonomia que somente uns poucos réus que tivessem acesso ao STF por meio de habeas corpus ou recurso extraordinário pudessem se valer dos efeitos da decisão. Terceiro, porque, não obstante o caráter incidental da decisão, a posição do Supremo a respeito da matéria foi- e vem sendo- claramente manifestada, motivo pelo qual não seria razoável ignorá-la, se mais. (2012, p. 475)
Portanto, mesmo tendo a decisão sido proferida em sede de controle difuso, seus efeitos vinculam as instâncias inferiores.