5. Divergência jurisprudencial.
Embora no plano teórico poder-se chegar à conclusão de que as atividades dos agentes comunitários de saúde não se enquadram nas hipóteses contidas no Anexo 14, da NR 15, Portaria 3.214/78 do Ministério da Saúde, na seara prática, discutida nos Tribunais trabalhistas pátrios, não há um posicionamento unânime da jurisprudência quanto à não caracterização da atividade insalubre dos referidos profissionais.
Não raras vezes os empregadores (gestores do Sistema Único de Saúde) são condenados ao pagamento do adicional de insalubridade em grau médio ao empregado agente comunitário de saúde.
As condenações têm como espeque as perícias realizadas por Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, nos termos do art. 195 da CLT, as quais aferem a existência da natureza insalubre do ambiente do trabalho, no caso concreto.
Decidindo pela existência do labor em atividade insalubre, podem-se verificar os seguintes arestos dos Tribunais Regionais do Trabalho:
INSALUBRIDADE. CARACTERIZAÇÃO. ADICIONAL DEVIDO. Constatado, por meio de perícia realizada em outro processo, cujo laudo foi adotado pelas partes como prova emprestada, que a reclamante, no desempenho da função de Agente Comunitário de Saúde, exerceu suas atividades expostas à ação deletéria de agentes insalutíferos, é devido o pagamento do adicional de insalubridade. Recurso ordinário do Município de Ponta Grossa conhecido e desprovido. (TRT-PR-02346-2011-024-09-00-4-ACO-49537-2011 - 3A. TURMA. Relator: ALTINO PEDROZO DOS SANTOS. Publicado no DEJT em 02-12-2011).
MUNICÍPIO DE SÃO FRANCISCO. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. Agente comunitário de saúde que visita doentes, de forma habitual, periódica e em locais sem isolamento, faz jus a adicional de insalubridade em grau médio, nos termos do Anexo 14 da NR-15. Recurso do reclamado desprovido." (TRT da 4ª Região, 8a. Turma, 0041600-82.2009.5.04.0831 RO, Relator Desembargador Denis Marcelo de Lima Molarinho. Participaram do julgamento: Juiz Convocado Wilson Carvalho Dias, Juíza Convocada Maria Madalena Telesca. Publicado no DEJT em 31/03/2011).
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. LAUDO PERICIAL. Constatado, por meio de laudo pericial, que a função desempenhada pelo agente comunitário de saúde o expõe a riscos de contaminação por doenças infectocontagiosas, na forma do anexo 14 da Norma Regulamentadora 15 do Ministério do trabalho e Emprego, reputa-se cabível o adicional de insalubridade em grau médio. (TRT da 14ª Região, 1ª Turma, 0000204-14.2010.5.14.0411, Relatora: DESEMBARGADORA MARIA CESARINEIDE DE SOUZA LIMA. Revisora: DESEMBARGADORA ELANA CARDOSO LOPES, Publicado no DEJT em 10/11/2011).
Divergindo desse posicionamento estão às decisões turmárias dos Tribunais que adotam a interpretação literal (ou gramatical), trazendo ao debate o confronto direto entre as atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde e o anexo 14 da NR 15.
Entendendo pela não caracterização da atividade insalubre dos agentes comunitários de saúde constatam-se os seguintes julgados dos Tribunais pátrios:
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. A literalidade do anexo 14, da NR 15, classifica como insalubre o trabalho em contato permanente com pacientes em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, ou seja, o contato com pacientes deve ser permanente e deve ocorrer em estabelecimentos de saúde, no que não se enquadra a atividade da autora. Recurso do réu a que se dá provimento. (TRT-PR-06706-2011-024-09-00-7-ACO-26544-2012 - 7A. TURMA Relator: BENEDITO XAVIER DA SILVA Publicado no DEJT em 19-06-2012).
AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. DESCABIMENTO. O significado do vocábulo "contato", utilizado no Anexo 14 da NR-15 (Portaria nº 3.214/78 do MTE) relaciona-se diretamente com o labor daqueles empregados que diagnosticam, ministram cuidados e tratam de pessoas com enfermidades infectocontagiosas ou manuseiam objetos de uso destes pacientes, não previamente esterilizados, fatos que ocasionam a exposição a agentes biológicos insalubres. O agente comunitário de saúde (ACS), que apenas entrevista, orienta, registra dados e encaminha pacientes à Unidade Básica de Saúde, não faz jus ao adicional de insalubridade pelo simples contato social com a comunidade aonde atua. (TRT da 3ª Região, 3ª Turma, 0000898-77.2010.5.03.0026, Relatora convocada: Camilla G. Pereira Zeidler. Revisora: Emilia Facchini. Publicado no DEJT em 27/08/2012).
AGENTE COMUNITÁRIO DE SAÚDE – ADICIONAL DE INSALUBRIDADE – INDEFERIMENTO – Considerando o teor do laudo pericial, que, ao descrever as atribuições relativas à função de agente comunitário de saúde, assinalou que as atividades desenvolvidas eram preponderantemente preventivas e de orientação, nem sempre havendo contato com pessoas infectadas, mostra-se indevido o adicional de insalubridade. O contato eventual com portadores de doenças infecto-contagiosas não assegura ao empregado o benefício postulado, sendo necessário que ele ocorra de forma permanente ou ao menos intermitente. (TRT 18ª R. – RO 01383-2007-005-18-00-1 – Rel. Des. Platon Teixeira de Azevedo Filho – J. Publicado no DEJT em 18.06.2008).
Assim, constata-se através dos arestos que há o entendimento de que as atividades dos referidos empregados não se amoldam às atividades descritas na Norma Regulamentadora, o que impede o reconhecimento da atividade como sendo insalubre.
5.1 Interposição de recurso junto ao Tribunal Superior do Trabalho.
Na tentativa de abordar de maneira mais ampla a divergência jurisprudencial que cerca o presente tema, não há como deixar de verificar o entendimento externado pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho quanto à matéria.
Por oportuno, é necessário expender que em se tratando de recursos manejados junto ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), sejam eles de revista ou embargos, a parte recorrente deve ter a devida cautela para que sejam lançados em suas razões recursais os estritos fundamentos elencados nos artigos 896 e 894 da CLT, haja vista que, em muitas vezes, a parte recorrente se aprofunda apenas no debate da prova pericial, esquecendo-se de que é incabível a utilização do recurso de revista ou de embargos para reexame de fatos e provas, conforme entendimento da Súmula 126, TST[1] (BRASIL, 2012).
Para tanto, servindo o laudo pericial como fundamento da decisão sobre a existência da natureza insalubre, na atividade desenvolvida pelo agente comunitário de saúde, a parte recorrente (de maneira específica o empregador) deve observar que o TST possui a Orientação Jurisprudencial n° 04 da Seção de Dissídios Individuais – 1 (BRASIL, 2012), que assim vaticina:
OJ-SDI1-4 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. LIXO URBANO (nova redação em decorrência da incorporação da Orientação Jurisprudencial nº 170 da SB-DI-1) - DJ 20.04.2005
I - Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho.
II - A limpeza em residências e escritórios e a respectiva coleta de lixo não podem ser consideradas atividades insalubres, ainda que constatadas por laudo pericial, porque não se encontram dentre as classificadas como lixo urbano na Portaria do Ministério do Trabalho. (ex-OJ nº 170 da SBDI-1 - inserida em 08.11.2000)
O inciso I da OJ n° 04 da SDI1 vem demonstrar o entendimento atual do TST quanto à maneira pela qual se deve proceder a interpretação do art. 190 da CLT, reforçando a competência exclusiva do Ministério do Trabalho para classificar uma atividade como insalubre, deixando claro, pois, que não basta a simples constatação por meio de laudo pericial.
Deveras, toda a decisão de Tribunal Regional que se baseia em perícia técnica para enquadrar as atividades pedagógicas e de coletas de dados ou burocráticas, desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde, como sendo insalubre é passível de enfrentamento mediante Recurso de Revista, diante da divergência na interpretação do art. 190, CLT, externando-se, pois, entendimento diverso daquele contido na OJ n° 04 da SDI1, TST (art. 896, alínea “a”da CLT).
Neste sentido observa-se o aresto extraído dos autos de Recurso de Revista n° 66500-77.2009.5.09.0092 (BRASIL, 2011):
ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. CLASSIFICAÇÃO DA ATIVIDADE INSALUBRE. NECESSIDADE. A atual jurisprudência desta Corte é no sentido de que, para a percepção do adicional de insalubridade, há necessidade de classificação da atividade insalubre na relação oficial pelo Ministério do Trabalho, não bastando a constatação por laudo pericial (Orientação Jurisprudencial nº 4 da SBDI-1). Como bem asseverado pelo TRT, o laudo pericial é o único meio de prova constante dos autos, pois nenhuma outra prova documental ou oral foi produzida. Embora nele se reconheça que os Reclamantes ficavam expostos aos agentes biológicos insalubres constantes da NR 15, em seu anexo 14, da Portaria nº 3214/73, o perito é claro ao dizer que a atividade exercida não se enquadra na referida norma, pois não ficou caracterizado o contato permanente com tais agentes, sendo que o local de contato com os doentes era na residência dos mesmos, o que não é previsto pela citada Portaria. Sendo esse caso retratado nos autos, é improcedente o pedido de percepção do adicional de insalubridade. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 66500-77.2009.5.09.0092, Relator Ministro: Emmanoel Pereira, Data de Julgamento: 11/05/2011, 5ª Turma, Data de Publicação: 20/05/2011)
Para fins de registro, deve-se aduzir que a OJ n° 04 da SDI1 está em consonância o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, abalizado pela Súmula 460[2], onde os assuntos são tratados de maneira idêntica.
Destarte, tendo a parte recorrente o cuidado de não tentar discutir, exclusivamente, o resultado da prova pericial em sede de recurso junto ao TST, é plausível o êxito no recurso que enfrentar a divergência de aplicação do art. 190 da CLT, nos termos da OJ n° 04 da SDI1, do TST, pois, é o entendimento atual desse Colendo Tribunal que somente o Ministério do Trabalho tem a competência para classificar/enquadrar uma atividade como insalubre, não tendo uma perícia judicial tal condão.
6. Projetos de Lei existentes no Senado e na Câmara dos Deputados.
Tentando pacificar toda essa discussão que envolve o assunto, nos últimos anos, três foram os projetos de lei propostos com o fim de alterar a Lei Federal nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, para caracterizar como insalubre o exercício das atividades de agente comunitário de saúde.
O primeiro projeto de lei teve origem no Senado Federal sob o número n° 477, protocolado em data 15/08/2007, onde obteve a aprovação dos senadores, sendo, para tanto, remetido à Câmara dos Deputados para votação[3].
Chegando à Câmara passou a tramitar sob o n° 4.568/2008.
Durante seu trâmite na Câmara outros dois projetos de lei foram propostos sob os números 4.907/2009 e 6.460/2009[4]. Versando sobre o mesmo assunto, os dois últimos foram apensados ao primeiro que teve origem no Senado.
Entrementes, diferente do que ocorrera no Senado Federal, na Câmara dos Deputados os três projetos foram arquivados nos termos do § 4° do art. 58 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, sob o argumento de inadequação financeira e orçamentária (BRASIL, 2011).
Destarte, uma possível caracterização como de natureza insalubre, as atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde, ficou somente na intenção, não se concretizando.
Porquanto, permanece a interpretação de que no plano teórico as atividades desempenhadas por esses empregados não se enquadram nas hipóteses contidas no Anexo 14, da NR 15, Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho.
7. Conclusão.
Buscou-se, com o presente trabalho, trazer à discussão o não enquadramento das atividades laborais desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde, como atividades insalubres.
Para tanto, foi apresentada a definição legal das atividades insalubres e como elas surgem para mundo jurídico.
Partindo deste ponto, foram confrontadas as atividades desempenhadas pelos agentes comunitários de saúde, descritas no art. 3° da Lei Federal n° 11.350/2006, com o Anexo 14 da NR 15, da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho, interpretando-se que as atividades desenvolvidas pelos referidos trabalhadores não são insalubres, pois, no plano teórico-jurídico, estão ausentes as duas condições qualificadoras da atividade insalubre, quais sejam, o local de trabalho e o contato permanente com agentes biológicos.
O presente estudo trouxe, ainda, a verificação de que na seara prática, levada à solução pela prestação jurisdicional do Estado, existe certa divergência jurisprudencial junto aos Tribunais Regionais do Trabalho, quando em algumas vezes são consideradas a existência da atividade insalubre através de perícia.
Entrementes, o Tribunal Superior do Trabalho possui o atual entendimento, externado através da OJ n° 04 da SDI1, que a insalubridade constatada mediante laudo pericial não é o bastante para o deferimento do competente adicional, pois é indispensável que a atividade esteja no rol daquelas atividades insalubres fixadas pelo Ministério do Trabalho, sendo esta interpretação colhida do art. 190 da CLT.
Deveras, ao se debruçar sobre os textos do art. 190 da CLT e da OJ n° 04 da SDI1 deve ser extraída a conclusão de que não foi dado ao Poder Judiciário, em sua prestação jurisdicional, ampliar a vontade do legislador, elastecendo o rol das atividades e operações insalubres, pois, o Poder Legiferante reservou exclusivamente ao Ministério do Trabalho a atribuição de elaborar e aprovar o quadro de atividades e operações insalubres, devendo, pois, permanecer firme a interpretação teórico-jurídica acima aventada, a qual se apura que as atividades desenvolvidas pelos agentes comunitários de saúde não são insalubres.
Por fim, a discussão do tema nas veredas dos Tribunais será sempre atual até o Congresso Nacional de maneira definitiva aprove uma lei regulando o assunto, haja vista que, até agora existiram apenas tentativas e estas foram todas frustradas.