4 .O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES REGIONAIS
A Constituição Federal promulgada em 05 de Outubro de 1988 inseriu na nova ordem constitucional a preocupação de realizar a redução das desigualdades regionais, até então, inexistente nas constituições anteriores de nosso país. Essa realidade é ilustrada pelo Art. 3°, III da Lei Maior.
De fato, a preocupação do legislador constituinte foi consagrada na nossa Constituição Federal na forma de um objetivo fundamental a ser alcançado pela República Federativa do Brasil e isso denota a importância atribuída ao tema. Outro aspecto que aviva essa importância é o fato desse objetivo encontrar-se enxerto no título I de nossa Constituição Federal, ou seja, aquele que elenca os princípios fundamentais do país.
Decerto, essa preocupação é válida ao se vislumbrar uma acentuada desigualdade entre regiões do país. Para ilustrar essa realidade, pode-se realizar um comparativo de participação no produto interno bruto do Brasil das regiões, justamente, para confirmar a existente da desigualdade e a necessidade de diminui-la.
A região Sudeste tem uma participação no PIB de 55,4%, seguido da região Sul com 16,5% e do Nordeste com 13,5%. Atrás delas vem a região Centro – Oeste com 9,3% e, em último lugar, o Norte com uma fatia de 5,3% do PIB do país.Esses dados são os mais recentes e foram divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no ano de 2012, após consolidar os dados fornecidos pela pesquisa “contas regionais do Brasil 2010”.
Os dados revelam, indubitavelmente, uma grande disparidade entre as regiões do país e que mereceu atenção do legislador para mitigá-la, mediante a delimitação de um norteador nas politicas públicas que possam atender o objetivo fundamento inserido no Art. 3°, III da Constituição Federal.
Nessa seara, objetivo fundamental funciona como uma espécie de princípio norteador das políticas públicas e da intervenção do Estado na ordem econômica, pois, verifica que ele está, intrinsecamente, ligado as atividades econômicas, já que é através delas que se alcançam os objetivos fundamentais descritos na nossa Constituição. Decerto, a vinculação entre o referido objetivo fundamental e a atividade econômica está na necessidade de se interpretar a Constituição Federal como um sistema harmônico e perfeito, de maneira a não se permitir conflito de normas.
À luz dessa realidade, os princípios gerais da atividade econômica sofreram forte influência dos objetivos fundamentais da República nesse aspecto, porque tutelou, também, a necessidade da ordem financeira ser pautada na redução das desigualdades regionais e sociais de nosso país. Esta realidade implica dizer que não resta ao Estado e seus agentes políticos qualquerespaço para agir fora destes parâmetros e regramentos, pois no exercício de suas competências normativas e reguladoras, não podem, sob pena de inconstitucionalidade, editar regras que não sesubmetam e se orientem pelos pressupostos fundamentais mencionados.
O pensamento acima ilustrado, entretanto, deve ser aplicado de forma mais ampla para conseguir alcançar a finalidade da norma constitucional, porque se vislumbra que, também, nas regiões mais desenvolvidas do país existem desigualdades dignas de serem tratadas para redução e de sofrerem uma intervenção do Estado destinada a combatê-las.
A verificação dessa amplitude na interpretação do princípio da redução das desigualdades regionais foi realizada pelo Ministro Cezar Peluso no julgamento do Agravo de Instrumento n° 515.168-1/MG no Supremo Tribunal Federal, onde se analisava a amplitude do termo “regiões” na aplicação do Art. 151, I da Constituição Federal, que, insta salientar, é reflexo do objetivo fundamental destinado a reduzir as desigualdades regionais na seara tributária.
O que alega o ministro é que as regiões do Brasil não podem ser apenas a Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul, porque dentro dessas regiões existem desigualdades que precisam ser tratadas e equilibradas, então não há inconstitucionalidade criada entre os Estados do Espírito Santo e do Rio de Janeiro em relação aos demais Estados da Região Sudeste. Então o termo “regiões” contigo no Art. 151, I da Lei Maior não pode ser interpretado de modo tão estrito.
Dessa maneira, percebe-se que o princípio da redução das desigualdades regionais pode ser ampliado além das zonas geográficas criadas em nosso País, de modo que a finalidade do texto constitucional possa ter mais amplitude e ser utilizado com mais efetividade por parte dos agentes públicos, já que o conceito de desigualdade pode ocorrer de forma setorial.
O princípio da redução das desigualdades social não encontra limitado apenas num objetivo fundamental descrito na nossa Constituição Federal, porque o texto maior revela mecanismos para dar efetividade a essa realidade, sendo um desses mecanismos pautados na seara tributária.
Esses mecanismos inseridos no texto constitucional para viabilizar o princípio da redução das desigualdades encontram-se a uniformidade na fixação das alíquotas dos tributos pela União dentro do território nacional, de modo a não permitir a distinção entre as regiões, exceto quando for para realizar a redução das desigualdades entre elas. Esse preceito encontra-se regulado no Art. 151, I da Constituição Federal e apresenta-se como elemento para ratificar o pensamento de uma distorção trazida no sistema de isenção tributária conferida ao Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante.
Com efeito, a incidência da referida norma sobre a sistemática tributária do AFRMM incute uma percepção de que o legislador não observou a redução das desigualdades regionais, quando delimitou uma alíquota diferenciada para a região Norte e Nordeste superior as demais regiões.
Para tanto, passa-se analisá-la para averiguar essa violação ao princípio da redução das desigualdades regionais, mediante o estudo do principio da isonomia tributária inserida no Art. 151, I da Constituição que se apresenta como um limite do poder de tributar da União.
5 .O PRINCÍPIO DA UNIFORMIDADE TRIBUTÁRIA E A ALÍQUOTA DO AFRMM FIXADA NO ART. 6, III DA LEI N° 10.893/2004
Como visto anteriormente, o princípio da uniformidade tributária está ilustrado no Art. 151, I da Constituição Federal de 1988 e apresenta-se como um elemento formal para limitar o poder daUnião em tributar, quando estabelece a vedação de instituir tributos diferenciados entre os membros da federação, exceto quando for, justamente, para atender os objetivos da república na diminuição das desigualdades entre as regiões do país.
A análise do Art. 151, I da Constituição Federal, de fato, não permite a União realizar uma distinção entre quaisquer membros da federação, pois, essa vedação revela um reflexo do pacto federativo por ocasião da instituição de tributos federais no conteúdo da referida norma constitucional.
O sistema tributário delimitado pela União incidente sobre a navegação, seja ela de longo curso, de cabotagem, fluvial ou lacustre, observa a limitação do poder tributar estatuída no Art. 151, I de nossa Constituição Federal, porque os tributos fixados nessa sistemática possuem uma uniformidade de todos os aspectos constitutivos da obrigação tributária em todo o território nacional, não importando se a operação seja de comércio exterior ou não.
A única exceção à referida sistemática encontra-se no Adicional sobre Frete para Renovação da Marinha Mercante ao se verificar que os aspectos da formação da obrigação tributária não são aplicados de forma uniforme no território nacional, quando se delimitou uma alíquota diferenciada para a região Norte e Nordeste incidentes sobre o transporte de granéis líquidos realizado por meio da navegação fluvial ou lacustre.
O percentual fixado para essa obrigação tributária é superior às demais alíquotas delimitadas na Lei n° 10.893/2004 e dentro da sistemática do tributo apresenta-se como uma hipótese de exceção a não incidência do tributo concedido em favor da navegação fluvial e lacustre na região Norte e Nordeste, uma vez que ele não incide sobre as demais espécies de mercadorias transportadas nessas regiões, mas tão somente sobre aquelas consideradas como granéis líquidos.
A alíquota de 40% (quarenta por cento) fixada para a navegação fluvial e lacustre para o transporte de granéis líquidos na região Norte e Nordeste é um elemento encarecedor na região, porque, se comparada com a navegação de cabotagem, que, também, só é realizada dentro do país, ela é quatro vezes maior do que a que é prevista para esta, tendo-se em vista que a alíquota é de apenas 10% (dez por cento).
A leitura do Art. 6°, III da Lei n° 10.983/2004 revela que, de fato, o legislador não observou a vedação constitucional de instituir tributos diferenciados entre as regiões do país, pois, a alíquota de 40% (quarenta por cento) estipulada para a navegação fluvial ou lacustre somente incidente na região Norte e Nordeste, ou seja, realizando uma distinção desfavorável perante as demais regiões do país.
Neste diapasão, a alíquota de 40% (quarenta por cento) somente seria válida se a carga tributária do Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante fosse superior nas demais espécies de navegação, pois, nesta hipótese, a verificação dessa disparidade se justificaria, em razão do permissivo do Art. 151, I da Constituição Federal destinado para promover o equilíbrio no desenvolvimento sócio – econômico entre as diferentes regiões do país.
Observa-se, perfeitamente, que o referido permissivo legal está, intrinsecamente, com o princípio da redução das desigualdades regionais e, por consequente, a disparidade contida no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2004 somente seria possível se o seu resultado coadunassecom tal realidade e viesse, desse modo, promover um desenvolvimento nas regiões Norte e Nordeste no âmbito da navegação fluvial e lacustre.
Com efeito, a problemática de realizar uma distinção entre as regiões do país na incidência do AFRMM não pode ser enfrentada como uma questão de âmbito ambiental, porque o modal marítimo fluvial e lacustre não é uma exclusividade das regiões Norte e Nordeste, de modo que tal pensamento não pode ser aplicado restritivamente as mencionadas localidades.
O pensamento de realizar uma política protetiva ambiental por meio de uma alíquota maior incidente sobre o frete de mercadorias transportadas pelas vias internas do país não poderia ser fundamentada sob este aspecto ao se perceber que a eventualidade de um dano ambiental pode trazer consequências graves em toda e qualquer região do Brasil que ocorra. Um dano ambiental é um dano ambiental, independentemente, onde ele ocorra.
Dessa maneira, também, sob o enfoque ambiental, a prática de uma distinção de incidência do AFRMM para região Norte e Nordeste com uma alíquota maior incidente sobre a navegação fluvial ou lacustre não encontra guarida, porque ela não atenderia ao princípio da uniformidade tributária, ao pacto federativo ou, tampouco, ao objetivo republicano de diminuição das desigualdades entre as regiões do país.
O referido raciocínio fica mais evidente com uma análise das bacias hidrográficas existentes no país e da respectiva malha aquaviária, porque se percebe que existe uma grande extensão situada dentro da região Norte e Nordeste do país, ou seja, justamente, nas regiões em que o AFRMM incide sobre o transporte de granéis líquidos.
Os estudos desenvolvidos pela Agência Nacional de Transportes Aquaviáriosindicam uma dimensão da malha que pode alcançar uma extensão de 63.000 KM, após a realização de obras de infraestruturas nos rios e bacias hidrográficas, sendo grande parte dessa extensão situada dentro das regiões Norte e Nordeste, conforme dito alhures. Infelizmente, a referida extensão não chega a metade do referida extensão.
Entrementes, o cenário atual revela que as referidas regiões detém, pelo menos, 20.000 KM de vias navegáveis e comparado com as demais regiões, essa extensão representa quase o quádruplo da soma de suas respectivas vias navegáveis, de modo que podemos concluir acerca da grande potencialidade daquelas em relação a estas.
Ilustra-se a referida assertiva com a demonstração dos principais rios e complexos fluviais navegáveis no Brasil. Veja:
Tabela 1HIDROGRAFIA NAVEGÁVEL DO BRASIL
Fonte: Disponível em: http://hidroviasinteriores.blogspot.com.br/2010/11/transporte-fluvial-e-o-transporte.html. Acesso em 10.03.2013
A análise dos dados da malha das vias marítima interna do nosso país revela um grande potencial para navegação fluvial e lacustre nas regiões Norte e Nordeste no transporte de mercadoria de todas as espécies e apresenta-se como um modal com a aptidão de gerar um desenvolvimento sócio – econômico às mesmas, já que, como é cediço, ele representa como meio de transporte mais barato e com menos impacto ambiental em relação aos demais.
Os dados ratificam a ideia de que o legislador incorreu num vício de inconstitucionalidade na delimitação de uma alíquota diferenciada, porque a fixação de uma alíquota maior não encontra uma justificativa para realizar essa distinção para regiões Norte e Nordeste, de modo que o resultado dessa realização não enseja uma diminuição das desigualdades entre as regiões, mas um elemento impeditivo para o desenvolvimento dessa espécie de navegação no transporte de granéis líquidos no Norte e Nordeste do país.
Com efeito, a problemática criada pelo legislador infraconstitucional viola o objetivo fundamental da república e a limitação tributária da União, pois, a hipótese inserida não se constitui como um fator de desenvolvimento para a região Norte e Nordeste no âmbito da navegação fluvial e lacustre para o transporte de graneis líquidos, de maneira que o substrato de constitucionalidade da norma fica comprometido perante seus destinatários.
A alíquota fixada no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2004 produz um resultado negativo no desenvolvimento do setor, porque, em relação as demais regiões do país, onde se transporta granéis líquidos, o contribuinte terá uma desvantagem financeira de 40% (quarenta por cento) com o acrescimento no pagamento de um tributo sobre o frete ou valor declarado.
Nesse sentido, poder-se-ia argumentar um favorecimento das demais regiões do país para validar o resultado da referida norma e viesse a se compatibilizar com os preceitos constitucionais acima citados, no sentido de que,indiretamente, haveria a diminuição das desigualdades, em razão do incentivo a espécie de navegação numa malha aquaviária menor.
No entanto, tal assertiva, de longe, não se harmonizaria com o ideal defendido pelo texto constitucional de mitigar as desigualdades entre as regiões, porque as que são beneficiadas com essa disparidade nas alíquotas são as mais desenvolvidas no país em todos os aspectos sociais, econômicos e logísticos.
A implementação de uma alíquota diferenciada do AFRMM para determinadas regiões somente seria plausível se, através dela, houvesse um desenvolvimento do setor de transporte aquaviário, de maneira a acarretar um impacto positivo no desenvolvimento dos Estados que as compõem e viesse, diretamente, resultar numa diminuição das desigualdades perante as demais.
Tal diminuição seria vislumbrada com o aumento da movimentação de cargas de granéis líquidos, porque refletiria no aumento da geração de renda, emprego e divisas em favor da região beneficiada. Dessa maneira, essa realidade não poderia ser deferida em favor de regiões mais desenvolvidas, pois ela seria pautada em detrimento das outras de forma expressa na lei.
Desse modo, o impacto da sistemática formulada no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2004 acarreta os efeitos contrários almejados pelo texto constitucional, porque beneficia regiões mais desenvolvidas de nosso país com a não incidência do AFRMM no transporte granéis líquidos dentro de sua malha fluvial e lacustre, acentuando, ainda mais, as desigualdades entre regiões mais pobres do país com a taxação exacerbada do referido tributo que inviabiliza qualquer iniciativa de desenvolvimento nessas regiões.
A constatação dessa sistemática tributária estabelecida para o Adicional ao Frete para a Renovação da Marinha Mercante revela, então, uma hipótese de inversão dos objetivos contidos no Art. 3°, III da Constituição Federal, pois as regiões beneficiadas com a alíquota de 40% (quarenta por cento) são aquelas mais desenvolvidas e com melhor malha aquaviária, de maneira a acentuar mais, ainda, as diferenças regionais como já anteriormente mencionado.
Não obstante isso, há uma inobservância clara a exceção trazida no Art. 151, I da Constituição Federal com a implementação de uma alíquota regionalizada, onde a sua aplicação não acarreta um desenvolvimento das regiões onde ela incide, em razão de onerar o valor final da operação, de maneira a não satisfazer a condição exigida na Lei Maior para sua validade, qual seja, a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País.
Portanto, a alíquota de 40% (quarenta por cento) fixada no Art. 6°, III da Lei n° 10.893/2004 para a região Norte e Nordeste não traz consigo os referidos elementos necessários para sua validade no plano concreto, contaminando-a com um vício insanável de inconstitucionalidade.
Assim, denota-se, claramente, a inconstitucionalidade da alíquota de 40% (quarenta por cento) incidente sobre o frete ou do valor declarado das mercadorias transportadas pelas vias fluviais ou lacustres no âmbito das regiões Norte e Nordeste do Brasil, já que é um fator contrário aos preceitos constitucionais consagrados no Art. 3°, III e Art. 151, I, ambos da Constituição Federal.