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Os princípios constitucionais como garantia da possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos

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09/07/2013 às 11:50
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2 ADOÇÃO NO BRASIL

Este capítulo abordará sobre o instituto da adoção, sua evolução histórica, o seu conceito, finalidade e requisitos legais. Discorrerá também acerca dos princípios constitucionais norteadores da adoção, destacando suas características e particularidades, conforme a Constituição Federal de 1988 e demais diplomas reguladores deste instituto.

2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICO-LEGAL DA ADOÇÃO NO BRASIL

Diversos estudos relacionados à evolução histórica das civilizações demonstram que a prática da adoção já era encontrada em quase todas as culturas desde as mais pregressas, evoluindo com o passar do tempo. Encontram-se exemplos na fase pré-romana onde a adoção estava prevista no código de Hamurabi; entre os gregos, era um direito concedido somente aos cidadãos atenienses; no Direito Germânico estava ligada à perpetuação familiar ao pater poder. Deste modo, o instituto da adoção é considerado um dos mais antigos do Direito (SILVA JÚNIOR, 2010).

Quanto à situação no Brasil, o instituto da adoção integrou o ordenamento brasileiro por meio das influências do direito português, haja vista que grande parte das leis e regimentos aplicados no período imperial foi recepcionada pelo direito brasileiro após sua independência (BANDEIRA, 2001).

Neste sentido, discorre Ferreira e Carvalho:

O filho de criação é uma instituição mais antiga que o próprio Brasil, trazida ao País pelos primeiros colonizadores. Trata-se de uma herança da família patriarcal portuguesa, cuja influência ia além dos laços sanguíneos, abarcando toda uma cadeia de agregados e dependentes.

Ao longo dos séculos, o filho de criação tem sido um misto de agregado e serviçal (2000 apud FIGUEIRÊDO, 2009, p. 29).

Após a independência, as leis portuguesas continuaram a vigorar no Brasil até o momento que foram substituídas por normas nacionais, fato que se concretizou com referência à adoção em meados de 1858 mediante a aprovação da Consolidação das Leis Civis elaborada por Teixeira de Freitas, que determinou aos juízes: “art. 227. Conceder cartas de legitimação aos filhos sacrílegos, adulterinos e incestuosos, e confirmar as adoções.”

Estas normas permaneceram no ordenamento brasileiro até a promulgação do Código Civil de 1916. Ele inseriu a adoção (arts. 368 a 378) e sobre ela firmou evidentes diferenças entre filhos naturais e adotivos. Como pressupostos, podiam adotar apenas os maiores de cinquenta anos, sem filhos legítimos ou legitimados e com diferença de no mínimo dezoito anos entre o adotante e o adotado (PEDROSO, 2010). Esta foi denominada de adoção simples e era concretizada por escritura pública.

Na opinião de Ferreira e Carvalho “O Código Civil de 1916, de certa forma, legitimou o conceito de filho de criação, pois estabeleceu diferenças claras entre filhos naturais e adotivos, especialmente no que se refere ao direito de herança” (2000, p. 142 apud FIGUEIRÊDO, 2009, p. 30).

Segundo Venosa (2005, p. 302) “A Adoção no Código Civil de 1916, lei eminentemente patrimonial, visava proeminentemente a pessoa dos adotantes, ficando o adotando em segundo plano (...)”.

Mais adiante, em 1957, foi publicado o Estatuto de Adoção (Lei 3.133/57), cujo texto preservou muitas das terminologias discriminatórias presentes nas normas anteriores. Como mérito, eliminou a determinação de que somente casais sem filhos poderiam adotar, e concedeu ao adotando o direito sobre a sucessão hereditária, porém de forma diferenciada (PEDROSO, 2010).

A lei 4.655/65 estabeleceu a chamada legitimação adotiva, forma mais ampla da adoção. Equiparou os direitos e deveres entre os filhos naturais e adotivos, exceto em casos de sucessão hereditária e dispensou o prazo de cinco anos de casamento entre os adotantes. Apesar das modificações, a discriminação ainda era evidente. Com o advento do Código Civil de 1916 e da Lei 6.697/79 (o Código de Menores), foram criadas duas modalidades de adoção, a simples e a plena, respectivamente (SILVA JÚNIOR, 2010).

Somente com a promulgação da Constituição Federal de 1988, se alcançou a total igualdade de direitos entre filhos legítimos e adotivos. Ao tratar da Ordem Social, no Título VIII, Capítulo VII, Da família, do Adolescente e do Idoso (arts. 226 a 230) determinou-se no § 6º do art. 227 que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (grifo nosso).

Seguindo esta trilha originada pela CF/88 art. 227 caput e § 6º, criou-se a lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Além de revogar expressamente o antigo Código de Menores e eliminar todas as diferenças entre filhos adotivos e biológicos, incorporou uma nova visão do instituto, no qual se definiu claramente que o objetivo da adoção é atender as reais necessidades, interesses e direitos da criança e do adolescente (ECA, art. 43).

Na visão de Santos:

Por muito o tempo o principal objetivo da adoção no Brasil foi atender aos interesses dos casais que não podiam ter filhos biológicos, deixando em segundo plano o interesse da criança. Isso fica claro quando se observa que até a lei de legitimação adotiva (1965), a legislação fazia distinção em matéria de herança, excluindo do direito de sucessão hereditária o filho adotivo (2000 apud FIGUEIRÊDO, 2009, p. 31).

As modificações posteriores vieram através da lei 12.010/2009 que buscou resolver os impasses entre as disposições do Código Civil e do ECA, alterando a redação dos arts. 1.618 e 1619 do CC/2002. Desta forma, o ECA passou a regular de modo expresso a adoção de crianças e adolescentes e seus princípios se aplicam a adoção de pessoas maiores de dezoito anos de idade, regulada pelo CC, art. 1619.

Ressalta-se que, seja com enfoque no Código Civil, seja no ECA,  a adoção cumpre a importante função social de dá um lar à uma criança e que deve ser compreendida além das interpretações preconceituosas pertinentes.

2.2 CONCEITO E FINALIDADE DA ADOÇÃO

A conceituação de adoção acompanha todo o processo de evolução social, sendo um reflexo dos valores, crenças e padrões de comportamento construídos pelas sociedades. Como bem explica Ramos (2008, p. 24):

O instituto da adoção, presente nos ordenamentos jurídicos ao longo da história da humanidade, como já dito, e sendo instituto integrante do ramo do Direito, tem como característica primordial o acompanhamento e adequação à cultura e costumes de cada povo ou sociedade.

Tendo em vista todo o desenvolvimento histórico-social brasileiro, analisaremos o atual entendimento jurídico empregado sobre a adoção a partir dos conceitos apresentados a seguir.

Segundo Venosa (2005, p. 295):

 A adoção é modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Daí ser também conhecida como filiação civil, pois não resulta de uma relação biológica, mas de manifestação de vontade [...]. A filiação natural ou biológica repousa sobre o vinculo de sangue, genético ou biológico; a adoção é uma filiação exclusivamente jurídica, que se sustenta sobre a pressuposição de uma relação não biológica, mas afetiva. A adoção moderna é, portanto, um ato ou negócio jurídico que cria relações de paternidade e filiação entre duas pessoas. O ato da adoção faz com que uma pessoa passe a gozar do estado de filho de outra pessoa, independentemente do vínculo biológico (grifo nosso).

Depreende-se, como destacado na percepção de Venosa, a importância dada aos vínculos afetivos para concretização da filiação por meio da adoção, demonstrando que o conceito de filiação adotiva não pode estar reduzido a um mero vínculo jurídico. Isto se deve à valorização jurídica do afeto, consagrado a partir da Constituição Federal de 1988 que alterou profundamente o direito de família e a perspectiva sobre o instituto da adoção.

Neste enfoque, o autor Silva Júnior (2010, p. 104)elucida:

O conceito de filiação, devido à valorização jurídica do afeto, não está somente reduzido ao liame entre o ser humano e aqueles que os geraram biologicamente. Com a ampliação constitucional de que “os filhos havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmo direitos e qualificações” (CF/88, art. 227, § 6º), ampararam modos diversos de constituição do vínculo familiar [...]. Deste modo, tal instituto se apresenta como o vínculo legal que cria, à semelhança de filiação consanguínea, um parentesco, pelo valor do afeto (grifo do autor).

Na visão de Figueirêdo(2009, p. 28):

A adoção é a inclusão em uma nova família, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio de filiação de uma criança/adolescente cujos pais morreram, aderiram expressamente ao pedido, são desconhecidos ou mesmo não podem ou não querem assumir suas funções parentais, motivando a que a Autoridade Judiciária em processo regular lhes tenha decretado a perda do pátrio poder.

Diniz (2010, p. 522) define adoção como:

Ato jurídico solene pelo qual, observado os requisitos legais, alguém estabelece, independentemente de qualquer relação de parentesco consanguíneo ou afim, um vínculo fictício de filiação, trazendo para sua família, na condição de filho, pessoa que, geralmente, lhe é estranha.

Acompanhando este entendimento, esclarece professor Wald:

A adoção é uma ficção jurídica que cria o parentesco civil. É um ato jurídico bilateral que gera laços de paternidade e filiação entre pessoas para as quais tal relação inexiste naturalmente. [...]. Mais feliz parece a definição proposta por Dusi quando apresenta a adoção com um ato jurídico solene em virtude do qual a vontade dos particulares, com a permissão da lei, cria, entre as pessoas naturalmente estranhas entre si, relações análogas à oriundas da filiação legítima (2005 apud RAMOS, 2008, p. 25).

Marmitt conceitua adoção como “ato jurídico bilateral, solene e complexo, através do qual criam-se relações análogas ou idênticas àquelas decorrentes da filiação legítima, um status semelhante ou igual entre filho biológico e adotivo.”(1993 apud FURLANETTO, 2006, p. 4).

E, por fim, Dias (2010, p. 476) afirma ser adoção: “ato jurídico em sentido estrito, cuja eficácia está condicionada à chancela judicial, criando um vínculo fictício de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação biológica”.

Analisando os conceitos supracitados, nota-se que o conjunto de definições é amplo e aberto, não existindo um posicionamento dominante. Portanto, unindo os pontos em comum entre os conceitos apresentados e o contexto social hodierno, entende-se que a adoção é um ato jurídico solene, baseado na criação de vínculos afetivos e de responsabilidade entre adotantes e adotados, gerando uma relação de filiação e paternidade/maternidade para além dos vínculos biológicos, chamada de filiação civil. Trata-se de uma manifestação de vontade, condicionada à aprovação judicial, pois há requisitos estabelecidos por lei especifica e interesses do adotado que devem ser obedecidos, tais como:“A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos” (ECA, art. 43).

Do ponto de vista da legislação vigente, este instituto é tratado pela CF/88 no artigo 227, § 5º, regulado pelos artigos 39 a 52 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e o Código Civil artigo 1.618 (Lei 10.406/2002). É importante ressaltar que a adoção no Brasil foi reformulada pela Lei de adoção 12.010/09, este dispositivo, em conjunto ao ECA, trouxe mudanças significativas para este instituto, principalmente quanto à sua finalidade social.

No tocante à finalidade da adoção, observa-se com o advento do ECA e das modificações posteriores a ele, que ela inverteu-se, antes privilegiava-se o interesse e a vontade dos adotantes, atualmente a prioridade é oferecer um ambiente familiar favorável ao desenvolvimento de uma criança (princípio do melhor interesse da criança), assegurando a ela os mesmo direitos de um filho biológico, como determina o caput do art. 41 do ECA: “A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais”.

Segundo Dias (2010, p.477) “A adoção significa muito mais a busca de uma família para uma criança. Foi abandonada a concepção tradicional, em que prevalecia sua natureza contratual e significava a busca de uma criança para uma família” (grifo do autor).

O instituto da adoção adquiriu caráter humanitário dos direitos, focado no bem-estar da criança/adolescente, que, por alguma razão, foi privada de sua família biológica, dando-lhe uma família substituta (ECA, art. 43) que possua o suporte emocional e financeiro necessários e, primordialmente, lhe ofereça um lar com amor, carinho, respeito, proteção que são condições indispensáveis para o desenvolvimento saudável de qualquer ser humano.

Torna-se, portanto, desnecessário questionar a forma de constituição da família substituta, visto que a CF/88 amparou as diversas possiblidades de vínculo familiar, sendo indiferente se esta for composta por casal heterossexual, monoparental ou homoafetiva, pois o que realmente se deseja com a adoção é inserir uma pessoa no seio familiar que apresente reais vantagens tanto para o adotante como para o adotado.

2.3 REQUISITOS LEGAIS PARA ADOÇÃO NO BRASIL

Com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90), foram estabelecidos requisitos e exigências indispensáveis para que haja deferimento do pedido de adoção. A promulgação da lei 12.010/09 tornou este processo mais rigoroso quanto a estas exigências, visando reforçar os laços na sua família natural ou extensa, como traçado no caput art. 25 do ECA e parágrafo único:

Entende-se por família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes.

Parágrafo único: Entende por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formado por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade.

Este artigo faz parte das alterações incluídas pela Lei de Adoção de 2009. A preocupação do legislador em manter a criança na sua família natural se deve por ser a adoção uma medida irrevogável, na qual se rompe os laços com a família biológica, logo, se trata de uma medida excepcional que deve ser utilizada somente quando findados todos os meios de manutenção da criança/adolescente na família natural (ECA, art. 39, § 1º).

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Antes de apresentarmos os requisitos e exigências, vale salientar que as bases delineadoras do instituto da adoção encontram-se na constituição, portanto o princípio do melhor interesse da criança deve ser sempre aplicado, por força do art. 5º, § 2º da CF/88.

Posto isto, será indispensável para o deferimento do pedido de adoção o cumprimento dos seguintes requisitos, conforme a lei 8.069/90:

a) O adotando deve contar com, no máximo, 18 anos de idade à data do pedido, salvo se já estiver sob guarda ou tutela dos adotantes (art. 40): o instituto da adoção é regido por dois diplomas, o ECA e o Código Civil, o primeiro dispositivo aplica-se a adoções de crianças e adolescentes até 18 anos de idade, sendo o pedido julgado pelo Juizado da Infância e Juventude. Enquanto aos maiores de 18 anos, prevalece a aplicação do dispositivo civil subsidiado do ECA, conforme prevê a nova redação dada ao art. 1619/CC:

A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente.

A este processo judicial cabe a Vara de Família examinar.

b) Ser o adotante maior de 18 anos, independente do seu estado civil (art. 42): em observância maioridade civil de 18 anos alterada pelo Código de Civil de 2002, fixou-se também como sendo esta a idade mínima para a pessoa figurar como adotante. Casado ou vivendo em união estável (adoção conjunta ou cumulativa, art. 42, § 2º), divorciados ou separados (art. 42, § 4º), solteiro (família monoparental), é indiferente o estado civil que se encontre o adotante.

c)Diferença mínima de 16 anos entre adotante e adotado (art. 42, § 3º): o adotante deve ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho em relação ao adotando, pois como explicita Diniz (2010, p. 529) “não se poderia conceber um filho de idade igual ou superior à do pai, ou mãe, por ser imprescindível que o adotante seja mais velho para que possa desempenhar cabalmente o exercício do poder familiar”. Caso a adoção for feita por um casal, é necessário apenas que um dos cônjuges ou conviventes seja 16 anos mais velho que o adotando.

d) Consentimento do adotante, adotado, de seus pais ou de seu representante legal (art. 45, caput e CC, art. 1.621, caput): enquanto os pais biológicos possuírem o poder familiar, é fundamental o consentimento deles. Somente é dispensado o consentimento caso os pais do adotando forem desconhecidos ou já destituídos do poder familiar (art. 45, § 1º). Consente pelo adotado seu representante legal (pai, tutor ou curador) quando este for menor de 12 anos ou maior incapaz. Na hipótese do adotando ser maior de 12 anos, será necessário também, além do consenso dos seus pais, o seu consenso (art. 45, § 2º).

Neste sentido, determina a lei 8.069/90:

Art. 28, § 1º. Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada. 

O consentimento é retratável até a data da publicação da sentença constitutiva da adoção (Lei nº 8.069/90, art. 166, § 5º, com redação da Lei nº 12.010/09).

e) Intervenção judicial na sua criação (art. 47): a adoção é um ato jurídico solene, subordinado à apreciação do juiz, por meio do processo judicial, com a mediação do Ministério público, inclusive em caso de adoção de maiores de 18 anos.

A participação do Ministério Público no processo de adoção é essencial, pois auxilia na busca do ambiente familiar mais adequado aos interesses do menor. Na visão de Figueirêdo (2009, p. 79): “Só a leitura atenta e personalizada de cada pretensão pela equipe técnica, Promotor de Justiça e Juiz da Infância é capaz de assegurar a boa aplicação da Lei ao caso concreto”.

Além dos requisitos específicos, para requerer o pedido de adoção exige-se, conforme o art. 165 da Lei 8.069/90:

I - qualificação completa do requerente e de seu eventual cônjuge, ou companheiro, com expressa anuência deste;

II - indicação de eventual parentesco do requerente e de seu cônjuge, ou companheiro, com a criança ou adolescente, especificando se tem ou não parente vivo;

III - qualificação completa da criança ou adolescente e de seus pais, se conhecidos;

IV - indicação do cartório onde foi inscrito nascimento, anexando, se possível, uma cópia da respectiva certidão;

V - declaração sobre a existência de bens, direitos ou rendimentos relativos à criança ou ao adolescente.

Parágrafo único. Em se tratando de adoção, observar-se-ão também os requisitos específicos.

Consoante ao excerto Diniz (2010, p. 537) afirma “[...] a adoção só se consuma com o assento da sentença constitutiva, que se perfaz com a sua averbação à margem do registro de nascimento do adotado (Lei n. 6.015/73, arts. 29, § 1º, e, 105), efetuada à vista da petição acompanhada da decisão judicial.”

Ademais, a lei 12.010/09 manteve o impedimento da adoção por procuração (art. 39, § 2º).

f) Irrevogabilidade (art. 39, § 1º): como já dito inicialmente, a adoção é um ato irreversível, pois insere definitivamente o adotando no seio da família substituta, isto é, cessam-se todos os vínculos com a família biológica transferindo o poder familiar para os adotantes. Desta forma, os genitores não poderão mais exigir noticias da criança ou adolescente, nem mesmo quando este alcançar a maior idade ou o adotante morrer (art. 49).

g) Estágio de convivência com adotando: é o período de convivência necessário para a aproximação afetiva entre a criança/adolescente e o adotante e também para investigação do ambiente do familiar, além da convicção pela adoção, visto ser irrevogável. Este período de convívio é fixado pelo juiz, conforme as características de cada caso: “A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.” (art. 46).

É extremamente importante este estágio bem como o seu acompanhamento pela chamada equipe interprofissional, formada por psicólogos e assistentes sociais que, por meio de laudos/pareceres, avaliam se há preparo ou despreparo para a maternidade/paternidade, como determina a redação da lei 12.010/2009, art. 197-C:

Intervirá no feito, obrigatoriamente, equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, que deverá elaborar estudo psicossocial, que conterá subsídios que permitam aferir a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício de uma paternidade ou maternidade responsável, à luz dos requisitos e princípios desta Lei.

Consoante a isso, Silva Júnior (2010, p. 117)expõe:

A verdade é que os pareceres e pontos de vista técnicos (ECA, art. 151) da equipe interprofissional são imprescindíveis no processo de adoção, pois, pelo estudo psicossocial, há a sondagem e posicionamentos, por exemplo, sobre as estruturas subjetiva e objetiva da família substituta – mono ou biparental –, que poderá acolher a criança/adolescente em caráter irrevogável(grifo do autor).

O resultado desses estudos são extremamente importantes para a formação do convencimento do magistrado sobre a escolha da melhor pessoa ou casal para exercer as funções familiares.

Apesar disso, o § 1º do art. 46 do ECA expressa  a hipótese de dispensa do estágio de convivência, “se o adotante já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a convivência da constituição do vínculo”. Vale ressaltar que, a simples guarda de fato não autoriza a dispensa da realização do estágio de convivência.

h)Acordo sobre guarda e regime de visitas (art. 42, § 4º): trata-se do acordo realizado entre ex-companheiros divorciados ou separados que pretendam adotar conjuntamente, pessoa que com eles conviveu durante a constância do casamento ou da união estável, desde que, comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com o não detentor da guarda e façam acordo sobre o regime do direito de visitas assegurando, assim, a continuidade da convivência familiar.

i) Comprovação de estabilidade familiar (art. 42, § 2º): segundo Silva Júnior (2010, p. 119), “refere-se ao conjunto de elementos objetivos e subjetivos que formam uma base afetiva sólida ou o já referido ambiente familiar adequado ao equilibrado desenvolvimento do adotando”.

A análise do ambiente familiar mais adequado é realizada pela equipe interprofissional através do estudo psicossocial dos adotantes, aplicada aos casados ou conviventes. O ECA define apenas um critério objetivo do que seja um ambiente familiar inadequado: a presença de pessoas dependentes de álcool e drogas (art.19). Porém, a avaliação é mais ampla, os outros elementos estão relacionados à estrutura emocional, comportamento moral dos adotantes, responsabilidades afetivas e materiais. “A estabilidade familiar está ligada à vários fatores, desde um ambiente equilibrado emocionalmente (...), até a verificação da possibilidade do adotante em prover o sustento e os demais deveres que lhe cabem” (MOOR, 2001, p. 148 apud SILVA JÚNIOR, 2010, p. 119).

Na constituição de uma nova família é fundamental proporcionar para as crianças/adolescentes que já sofreram uma ruptura afetiva anterior, um ambiente acolhedor e favorecedor do estabelecimento de novos vínculos amorosos.

Assim sendo, em observância ao princípio da proteção integral da criança/adolescente, só se permitirá a adoção que satisfizer os requisitos legais e oferecer ambiente familiar adequado (arts. 29 e 50, § 2º) e quando se apresentarem reais vantagens para o adotando (art.43).

Por fim, vistos todos os requisitos necessários para a adoção, é importante ressaltar, em razão do foco temático deste estudo, que nenhuma das referidas leis, ECA, Código Civil e a Lei 12.010/2009, dispõem de alguma forma de proibição ou vedação do pedido de adoção por par homossexual, ou seja, não há previsão legal. No entanto, a postura da jurisprudência já aponta um caminho no sentido da viabilidade da adoção por casais homoafetivos. Esta é uma tendência inevitável, diante deste ordenamento jurídico baseado no princípio constitucional que veda a discriminação de qualquer natureza e em razão do sexo, além dos demais princípios igualmente importantes e que abordaremos adiante.

2.4 OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM A ADOÇÃO

Antes de adentrar-se ao estudo de cada princípio constitucional, se faz necessário realizar a devida conceituação do que é princípio para o direito, explorando a visão de alguns autores e frisando a sua importância para ordenamento jurídico.

Juridicamente, compreende-se por princípio, segundo Bonavides (2006, p. 294) como, “[...] a viga-mestra do sistema, o esteio da legitimidade constitucional, o penhor da constitucionalidade das regras de uma Constituição”. Já no sentido etimológico, de acordo com a definição do Dicionário Informal, entende-se como o início, começo, aquilo que vem antes.

Para Plácido e Silva (2001, p. 639):

Princípios, no plural, significam as normas elementares ou os requisitos primordiais instituídos como base, como alicerce de alguma coisa [...] revelam o conjunto de regras ou preceitos, que se fixam para servir de norma a toda espécie e ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica [...] exprimem sentido mais relevante que o da própria norma ou regra jurídica [...] mostram-se a própria razão fundamental de ser das coisas jurídicas, convertendo-as em perfeitos axiomas [...] significam os pontos básicos, que servem de ponto de partida ou de elementos vitais do próprio Direito.

Assim sendo, depreende-se dos conceitos citados que os princípios são o alicerce de todo ordenamento jurídico, consagrados a partir da Carta Magna de 1988. Esta nova constituição adotou o modelo de supremacia da norma constitucional provocando significativa mudança na maneira de interpretar as leis, cuja eficácia e validade passaram a estar condicionadas à devida adequação da norma aos preceitos ditados pela lei maior.

Como explica Moraes:

A supremacia das Normas Constitucionais no Ordenamento Jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo Poder Público competente, exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico seja sempre concedida preferencia ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal (2000 apud FIGUEIRÊDO, 2009, p. 68).

Portanto, foi atribuído aos princípios constitucionais a função de direcionar todo o sistema jurídico, tornando-se o suporte axiológico, a regra principal a ser invocada em qualquer processo hermenêutico, isto é, são as portas de entrada para qualquer leitura interpretativa, aplicada a todos os ramos do Direito inclusive sobre as normas relacionadas ao Direito de Família. É neste ramo onde mais se sente o reflexo dos princípios e nele focar por ter como parte integrante o instituto da adoção.

Dito isto, entre princípios implícitos e explícitos, destacou-se apenas alguns por considerá-los mais importantes para o estudo deste tema.

2.4.1Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Dentre os princípios mais importantes de nossa Carta Magna aplicáveis à adoção, destaca-se, já no primeiro artigo da Constituição, como fundamento do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana (CF art. 1º, III).

Para fins de conceituação, é interessante o entendimento de Moraes (2012, p. 19):

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo o estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais [...].

Dias (2010, p. 62) leciona:

É o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito [...]. Sua essência é difícil de ser capturada em palavras, mas incide sobre uma infinidade de situações que dificilmente se podem elencar de antemão. Talvez possa ser identificado como sendo o princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções. É impossível uma compreensão exclusivamente intelectual e, como todos os outros princípios, também é sentido e experimentado no plano dos afetos.

Tendo em vista a diversidade de sentidos, conceituar dignidade humana é uma tarefa difícil. No entanto, baseando-se nos conceitos citados, pode-se dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana refere-se a valores fundamentais intrínsecos em cada ser humano, que incide tanto no seu aspecto material como no emocional, acompanhando-o durante toda a vida, pois faz parte da essência humana. Este princípio assegura a todos contra tratamentos desumanos e degradantes que possam vir a comprometer as condições mínimas para uma vida saudável. Além de promover a autodeterminação de cada pessoa, no que diz respeito ao desenvolvimento da liberdade para pensar, se expressar e tomar decisões essências a própria existência.

Desse modo, este é considerado o princípio mais universal de todos, pois através dele irradiam todos os demais, como o da liberdade, cidadania, igualdade e solidariedade, como afirma Coimbra:

A dignidade humana inscreve-se como um metavalor, um valor dos valores, do qual irradiam outros valores e princípios, inspirando e orientando a substância e o espírito não só da ordem constitucional como de todos os âmbitos do Direito e de todas as esferas da vida social (2005 apud RAMOS, 2008, p. 49).

Em relação ao direito de família, o princípio da dignidade da pessoa humana está intimamente ligado, sendo citado em diversos dispositivos constitucionais, conforme se observa em relação à criança /adolescente:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (grifo nosso).

É no seio familiar que este princípio encontra o solo apropriado para surgir e se efetivar. A constituição atribuiu à entidade familiar, especial proteção independente de como se constitui, uma vez que objetiva preservar as qualidades mais importantes entre seus membros, como o afeto, carinho, respeito, solidariedade, confiança que são a base para o desenvolvimento pessoal e social de cada componente.

Constituir núcleo familiar é um direito de todos e exercer livremente a afetividade e sexualidade é um traço subjetivo da personalidade humana, logo, a orientação sexual não pode servir como justificativa para a não concessão do pedido de adoção, pois desta forma o Estado fere profundamente a dignidade existente na união homoafetiva. Além de atentar também contra o direito do menor de ingressar em uma familiar legalmente apta e que lhe ofereça toda a estrutura emocional e material necessário ao seu pleno desenvolvimento.

Por conseguinte, não há razão para indeferir o pedido de adoção de crianças e adolescentes por casais homoafetivos, se estes atenderem aos requisitos legais e oferecerem um ambiente familiar adequado, fato que independe da orientação sexual. Assim, o Estado tem o dever de promover meios que garantam o cumprimento deste principio a todos.

2.4.2    Princípio da Igualdade

Fruto de um longo processo de redemocratização do Estado brasileiro, o princípio da igualdade representa um grande avanço perante o histórico discriminatório das leis anteriores. A Constituição Federal de 1988, já em seu preâmbulo, cita a igualdade como um de seus principais objetivos:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valoressupremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (grifo nosso).

Esta igualdade adotada pela constituição deve ser compreendida de duas formas, a igualdade de direitos na lei (igualdade material) e perante a lei (igualdade formal). A primeira consiste em oferecer aos seres, que se encontrem em uma mesma categoria, idêntico tratamento, no que diz respeito às possibilidades de concessão de oportunidades segundo a sua necessidade. Está ligada à ideia de justiça social e distributiva. Além de promover estratégias de inclusão das minorias, vulneráveis, ou seja, visa garantir a concretização real deste princípio.

Quanto à segunda, igualdade formal, refere-se a um tratamento uniforme de todos perante os textos legais. Consiste em um dever do legislador, que ao editar leis ou qualquer outro ato normativo, os faça sem impor distinções absurdas contra aqueles que se encontrem em situações idênticas. Assim disciplina a CF art. 5º:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...] (grifo nosso).

 O mencionado artigo consagrou o princípio da igualdade e vedou toda e qualquer forma de discriminação, "[...] toda distinção, exclusão, restrição ou preferência que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições [...]” (PIOVESAN; PIOVESAN L.; SATO apud SILVA, 2010, p. 17).

Proibiu a discriminação com base no sexo, raça, credo religioso, trabalho e convicções políticas, conforme afirma o art. 3º, IV, CF que dispõe dos objetivos fundamentais da República Federativa: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Além desses, a CF/88 acolhe expressamente o referido princípio em outros dispositivos e alcançou também o direito de família quando declarou a igualdade de direitos entre homens e mulheres (CF art. 5º, I), a igualdade de direitos e deveres na sociedade conjugal (CF art. 226, § 5º), a igualdade de filiação (CF art. 227, § 6º), entre outros.

Vale esclarecer que a CF/88 veda as discriminações arbitrárias, sem fundamento, como explica Moraes (2012, p. 35):

[...] o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça [...].

Deste modo, para que as diferenciações normativas possam ser aceitas em consonância com o ordenamento jurídico, torna-se imprescindível que exista uma justificativa plausível e proporcional em relação ao fim visado.

Neste sentido, voltando-se ao foco deste estudo, entende-se que a negação ao direito de adoção com base unicamente na orientação sexual dos indivíduos, não é razoável, pois se funda em um critério discriminador e incompatível com os direitos garantidos constitucionalmente, bem como viola claramente o princípio da igualdade.

2.4.3        Princípio da Proteção Integral e do Melhor Interesse da Criança

O Estado consagrou como um dos direitos fundamentais da criança/adolescente, o princípio da proteção integral, inserido pelo art. 227 da CF/88:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso).

A necessidade de proclamar a proteção especial à criança/adolescente se deve por serem considerados seres de maior vulnerabilidade e fragilidade, e ainda por se encontrarem em um estágio de desenvolvimento físico e mental. Logo, precisam de cuidados especiais e da proteção legal, consoante a isso, Mendes (2007 p. 3) afirma que:

A condição peculiar de pessoa em desenvolvimento implica, primeiramente, o reconhecimento de que a criança e o adolescente não conhecem inteiramente os seus direitos, não têm condições de defendê-los e fazê-los valer de modo pleno, não sendo ainda capazes, principalmente as crianças, de suprir, por si mesmas, as suas necessidades básicas.

Em razão disso, a carta constitucional incorporou vários dispositivos asseguradores deste princípio, delegando à família, à sociedade e ao Estado a função de respeitá-los, defendê-los e promovê-los. Em cumprimento desta obrigação, o Estado fomenta programas de assistência integral à saúde da criança/adolescente, integração social, acesso ao trabalho, à escola entre outros meios utilizados.

Ademais, no âmbito familiar, a constituição vedou as referências discriminatórias entre os filhos (CF art. 227, § 6º), assim esta deve oferecer igualmente aos filhos biológicos e adotivos, um ambiente familiar adequado, do ponto de vista material, emocional e mais do que isso:

É necessária a compreensão dos seus desejos, a possibilidade de estabelecer vínculos afetivos estáveis, o fortalecimento da autoestima e autoconfiança, o estímulo ao convivo social, à comunicação e ao dialogo aberto(PERES, 2006 apud SILVA, 2007, p. 15).

Consolidando este princípio, promulgou-se o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA. Em consonância aos preceitos constitucionais, assegurou o princípio do melhor interesse da criança/adolescente (art. 27) e da proteção integral (art. 3º), dessa feita “visando a conduzir o menor à maioridade de forma responsável, constituindo-se como sujeito da própria vida, para que possa gozar de forma plena dos seus direitos fundamentais.” (DIAS, 2010, p. 68).

Neste sentido, o princípio da proteção integral à criança/adolescente, aliado aos princípios da dignidade e igualdade, dá total respaldo jurídico à possibilidade de adoção por família homoafetiva, haja vista ser possível a ela atender às necessidades básicas da criança/adolescente. Todavia, o deferimento ou não do pedido dependerá da decisão subjetiva de cada juiz que, analisando os estudos realizados pela equipe interprofissional, definirá quem possui as condições que melhor se adéquem às características e interesses do menor.

O fato da decisão a favor ou não da adoção basear-se estritamente no convencimento de cada juiz, ocasiona um problema na prática, pois o magistrado traz suas experiências e valores éticos que muitas vezes consideram a homossexualidade um qualificador negativo.

Entretanto, o que deve prevalecer como critérios mais importantes, são as características pessoais dos adotantes, o vínculo afetivo criado com o adotando, a capacidade de prover suas necessidades materiais, emocionais, intelectuais, e dessa forma, favorecer um desenvolvimento moral, social e psíquico saudável. Assim, somados todos os aspectos citados acima, entende-se que constituir um ambiente familiar adequado é prerrogativa que pode estar presente em casais heterossexuais e homossexuais, tendo em vista que a orientação sexual em nada impede que o casal exerça satisfatoriamente a função de pai e/ou mãe. Tais fatores somente podem ser constatados através da sondagem da equipe interprofissional.

Por fim, dificultar ou impedir a adoção, com base exclusivamente na orientação sexual dos adotantes, representa uma afronta ao princípio em questão, uma vez que nega a crianças e adolescentes abandonados pelos pais, o direito fundamental de usufruir de uma vida familiar.

2.4.4        Princípio da Afetividade

As inúmeras transformações socioculturais por que passa a sociedade interferem diretamente dentro do núcleo familiar, alterando toda a dinâmica entre seus membros. Em razão disso, a família passou a ser vista como o núcleo de desenvolvimento pessoal e de realização afetiva dos indivíduos. Dessa forma, visto a crescente tendência social de criar vínculos com base predominantemente no afeto, o Estado incluiu no rol de direitos individuais e sociais o afeto. Consagrou-se assim o princípio da afetividade do direito de família (MARIANO, 2010).

Embora a CF/88 tenha inserido o afeto no âmbito de sua proteção, a palavra afeto não está expressa no texto constitucional. No entanto, este princípio encontra-se implícito em vários artigos da lei maior, sendo observado no reconhecimento jurídico das uniões estáveis (CF art. 226, § 3.º), que se constituem sem o elo matrimonial e estão baseadas na afetividade.

Igualmente, é possível identificar este princípio no direito a igualdade de todos os filhos independentemente da origem (CF art. 227, § 6º); a adoção, como escolha afetiva com igualdade de direitos (CF art. 227, §§ 5º e 6º); a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade da família (CF art. 226, § 4º); e o direito a convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (CF art. 227).

Admite-se que o afeto é um fator determinante na composição das famílias atuais, não é somente um laço que envolve seus integrantes, assim como não é uma simples escolha ou opção, não pode ser imposto, pois se trata de um traço naturalmente desenvolvido na personalidade humana, cultivado ao longo da convivência entre as pessoas envolvidas. Portanto, este princípio, visa proteger as relações afetivas, do modo que estas sejam exercidas de forma livre e que promova a felicidade do viver em comum (SILVA JÚNIOR, 2010).

A valorização do afeto transformou a concepção de família, “despontaram novos modelos de família mais igualitárias nas relações de sexo e idade, mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes, menos sujeitas a regra e mais ao desejo” (DIAS, 2010, p. 71).

 Inseridas neste processo de valorização dos vínculos baseados sobre o afeto, estão as relações homoafetivas, reconhecidas recentemente pelo STF como entidade familiar. Este ponto será melhor trabalho no próximo capítulo o que é necessário ressaltar neste momento é a presença da afetividade nessas uniões que as coloca em patamar de igualdade em relação às demais entidades, por isso não sendo menos digna de tutela jurídica.

Portanto, o indeferimento da adoção à família homoafetiva, fere claramente o princípio da afetividade, pois a livre orientação do afeto é um traço inerente da personalidade humana e um direito fundamental protegido pelos princípios constitucionais e que deve ser respeitado. Ademais, como já mencionado, a “união homossexual possui o status constitucional de família e em decorrência disto seus integrantes têm o direito de exercer a paternidade/maternidade através da adoção de crianças e adolescentes.” (SILVA, 2010, p. 23).

Encerrada a abordagem do segundo capítulo, segue-se ao estudo do foco temático desde trabalho, a adoção homoafetiva, partindo da decisão do STF e sua importância para a possiblidade de reconhecimento da adoção por pessoas do mesmo sexo.

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Sobre a autora
Rhana Pâmela Lobato Costa

Bacharel em Direito pelo Centro de Ensino Superior do Amapá - CEAP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSTA, Rhana Pâmela Lobato. Os princípios constitucionais como garantia da possibilidade jurídica de adoção por pares homoafetivos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3660, 9 jul. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24475. Acesso em: 25 abr. 2024.

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