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Controle do e-mail no ambiente de trabalho.

Análise do conflito entre os direitos da personalidade do empregado e o poder diretivo do empregador

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23/05/2013 às 15:43
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3. O PODER DE DIREÇÃO DO EMPREGADOR

Na problemática aqui apresentada acerca da possibilidade de monitoramento do e-mail do empregado por parte do empregador no âmbito laboral, foi realizada uma análise acerca do direito à intimidade do empregado. Agora, faz-se necessário o exame sobre o poder diretivo do empregado, para, em seguida, confrontar os dois valores.

Neste tópico, primeiramente debate-se o conceito legal de empregador e sua devida caracterização, uma vez que esta discussão é de importância basilar para o entendimento do fenômeno do poder dentro da empresa.

Em seguida, passa-se à análise detalhada do poder diretivo, localizando-o, doutrinariamente, enquanto espécie do poder empregatício e enquanto gênero dos poderes fiscalizatório e regulamentar. Além da apresentação dos fundamentos de tal poder, sua correlação com o instituto da subordinação e os limites ao seu exercício.

3.1. CONCEITO LEGAL E CARACTERIZAÇÃO DE EMPREGADOR

O conceito de empregador vem expressamente descrito no artigo 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviços”.[77]

O texto consolidado prossegue a conceituação e dispõe no §1° do mesmo artigo que: “Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados”.

Renato Saraiva, em crítica ao dispositivo legal, apresenta um conceito para ele mais apropriado de empregador:

O conceito do velho diploma consolidado revela-se ultrapassado e distante da melhor linguagem jurídica. Preferimos conceituar o empregador como sendo a pessoa física ou jurídica que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.[78]

Alice Monteiro de Barros [79] também apresenta um conceito diverso do apresentado legalmente, por entender mais conveniente, e que em muito se assemelha ao exposto por Saraiva.

Críticas mais severas são colocadas por Maurício Godinho Delgado, que sintetiza seu julgamento: “o enunciado do caput celetista é, tecnicamente, falho, sendo também falho o parágrafo primeiro do mesmo artigo, por traduzir-se como claramente tautológico”. [80]

Delgado prossegue sua apreciação do texto legal criticando a eleição do termo “empresa” para denominar o empregador, o que revela o caráter institucionalista que foi empregado na edição do referido diploma. Na verdade, doutrina o autor, empregador não é a empresa, mas sim a pessoa física ou jurídica ou ainda um ente despersonalizado que seja titular da empresa ou estabelecimento, que se utilize da forca de trabalho empregaticiamente contratada. [81]

Outro doutrinador, Amauri Mascaro Nascimento, arremata o debate acerca das definições legal e doutrinárias do empregador com as seguintes palavras:

Há definições doutrinarias e legais de empregador, mas não oferecem maior utilidade porque este é um conceito reflexo. Será empregador todo ente para quem uma pessoa física prestar serviços continuados, subordinados e assalariados. É por meio da figura do empregado que se chegará à do empregador, independentemente da estrutura jurídica que tiver. [82]

Dissensos à parte, a caracterização do empregador é realizada com a apreensão dos elementos fático-jurídicos definidores da relação de emprego. A partir deles, basta identificar quem tomou os serviços empregatícios e se achará o empregador. Passe-se a eles.

A primeira característica apontada pela doutrina é a despersonalização da figura do empregador, entendendo-se por tal a autorização da modificação do sujeito passivo da relação empregatícia sem que haja prejuízos ao contrato de trabalho, privilegiando-se, assim, o princípio da continuidade da relação empregatícia. Configura-se, pois, o caractere da impessoalidade. Delgado, apesar das duras críticas ao conceito legal de empregado, aponta ser uma vantagem deste ter denominado o empregador como empresa, pois assim se evidencia o caráter da impessoalidade do contratante na relação de emprego. [83]

A assunção dos riscos, também denominada de alteridade, apresenta-se como o segundo caractere identificador do empregador. Há uma responsabilização exclusiva do empregador caso advenham ônus decorrentes da atividade empresarial, bem como dos riscos decorrentes da própria existência do contrato de trabalho. O primeiro tipo de risco é previsto expressamente no art. 2º, caput, da CLT. O segundo, apesar de não previsto expressamente, é fruto da interpretação lógico-sistêmica e teleológica da ordem justrabalhista, conforme ensina Delgado. [84] Ainda sobre a alteridade, frise-se que, seguindo a doutrina de Saraiva, o empregado nunca assumirá os riscos da atividade empresarial, tendo direito às parcelas salariais mesmo sem a auferição de lucros por parte da empresa. [85]

A doutrina de delgado aponta como um terceiro caractere do empregador a denominação de empresa ou estabelecimento, institutos sobre os quais já foram tecidos comentários anteriormente.

Restam ainda outros requisitos caracterizadores, sobre os quais não se tecerá longas explanações, apresentando-os apenas para efeito de registro. O empregador é devedor da contraprestação aos serviços prestados, ou seja, deve uma remuneração ao seu empregado, restando caracterizada a onerosidade do contrato de trabalho. Os serviços deverão ser prestados continuamente, de forma duradoura, permanente, caracterizando a não eventualidade do vínculo empregatício.[86] Também há uma subordinação jurídica do empregado ao empregador. Esta última em muita interessa ao presente trabalho monográfico, pois adentra especificamente ao tema do poder diretivo do empregador, tema discutido no próximo tópico.

3.2. O PODER DIRETIVO

3.2.1. CONCEITO E DIVISÃO

O poder de direção do empregador é definido por Nascimento como a “faculdade atribuída ao empregador de determinar o modo como a atividade do empregado, em decorrência do contrato de trabalho, deve ser exercida”. [87]

Delgado levanta a problemática acerca da nomenclatura de tal poder, pois alguns doutrinadores o denominam como “poder hierárquico”, a exemplo de Octávio Bueno Magano [88].

Aquele autor considera “mais acertado referir-se ao fenômeno global do poder no âmbito da relação de emprego pela expressão genérica poder empregatício (ou se preferir, poder intraempresarial), em vez de poder hierárquico”. [89]

O posicionamento apresentado faz sentido diante do fato de a expressão “hierárquico” carregar forte conotação autoritária, o que se revela retrógado frente às bases atuais do Direito laboral, que caminha sempre rumo à elevação do valor da dignidade humana do empregado, colocado em posição de subordinação jurídica, e não fática, frente ao empregador.

Destarte, faz-se necessário um esclarecimento. O poder empregatício, expressão indicada por Delgado, é gênero do qual são espécies o poder diretivo ou organizativo, o poder regulamentar, o poder fiscalizatório ou de controle e o poder disciplinar.

Seguindo tal linha, apresenta-se a conceituação de Delgado para poder empregatício, expresso como o “conjunto de prerrogativas com respeito à direção, regulamentação, fiscalização e disciplinamento da economia interna à empresa e correspondente prestação de serviços”. [90]

Percebe-se que na própria definição o referido autor faz referência à divisão doutrinária do poder empregatício do empregador, prosseguindo com uma observação digna de registro:

[...] As duas dimensões do poder intraempresarial que têm alcançado certa amplitude, consistência e identidade próprias, a ponto de justificarem, pacificamente sua designação como modalidades específicas do poder empregatício, são os poderes diretivo e disciplinar.  No tocante aos poderes regulamentar e fiscalizatório tem-se questionado sua real identificação como modalidades específicas do poder empregatício, preferindo-se enxergá-los como manifestações conexas ou extensivas do próprio poder de direção. [91]

Assim, Delgado demonstra serem efetivamente modalidades do poder empregatício somente duas: o poder diretivo e o disciplinar. Os poderes regulamentar e fiscalizatório estão, pois, inseridos na esfera do poder disciplinar, sendo, na realidade, manifestações exteriores, meros objetos de instrumentalização do poder disciplinar. Desta forma, toma-se o poder diretivo como gênero do qual são espécies os poderes regulamentar e fiscalizatório.

Outros autores, a exemplo de Nascimento [92] e Martins [93], não fazem tal distinção. Tanto o primeiro quanto o segundo dizem serem formas do poder diretivo o poder de organização, o poder de controle e o poder disciplinar sobre o empregado.

Magano, diversamente, indica que o poder diretivo pode ser classificado em poder diretivo de organização, que é a capacidade do empresário de determinar a estrutura técnica e econômica da empresa e traçar os objetivos desta, bem como a forma de alcançá-los; poder diretivo stricto sensu, pelo qual o empregador dá conteúdo concreto à atividade do empregado, visando à realização das finalidades da empresa; e poder disciplinar, que é visto como o complemento do poder diretivo, mediante o qual se atualiza a coercibilidade de normas e ordens derivadas do exercício do último. [94]

Contudo, prefere-se seguir a doutrina de Delgado, tomando-se o poder diretivo como gênero do qual são espécies os poderes regulamentar e fiscalizatório.

O poder disciplinar diz respeito ao poder de impor sanções aos empregados face ao descumprimento de suas obrigações contratuais. [95] Este poder não será analisado, pois não interessa especificamente à presente discussão acerca do monitoramento do correio eletrônico. Quanto a este assunto interessa a análise do poder diretivo, bem como de suas manifestações, o poder regulamentar e o fiscalizatório.

O poder diretivo é definido por Delgado como “o conjunto de prerrogativas tendencialmente concentradas no empregador dirigidas à organização da estrutura e espaço empresariais internos”. [96]

Magano, ao discorrer sobre a conceituação do poder diretivo stricto sensu e outras implicações dele decorrentes, assim o faz:

É a capacidade atribuída ao empregador de dar conteúdo concreto à atividade do trabalhador, visando à realização das finalidades da empresa. Poderia parecer, à primeira vista, que sendo este poder uma espécie do poder diretivo latu sensu, [assim o doutrinador denomina o poder empregatício] melhor caracterizar-se-ia como “faculdade”. Todavia, consoante já se assinalou, esta constitui mero atributo do direito, ao passo que o poder diretivo, aqui considerado, apresenta-se como divisão de outro poder mais amplo [poder empregatício, referido pelo autor, nesta obra, como “poder hierárquico”]. À luz de tal distinção, pode-se, sem dúvida, afirmar que o empregador goza da faculdade de ordenar tal ou qual serviço ao empregado, sendo, porém, inexata a assertiva de que o empregador dá ordens e instruções em virtude de uma faculdade diretiva. [...] é mister sublinhar o aspecto funcional do poder diretivo que reside na realização das finalidades da empresa. Vale dizer que o empregador não goza do poder diretivo para a satisfação dos próprios interesses e sim dos da empresa, considerada como centro de convergência de interesses [...].[97]

O doutrinador bem ressalta na explanação acima citada que o poder diretivo não é uma prerrogativa concedida ao empregador para que este a utiliza a seu bel prazer. Deve-se ater aos interesses estritamente empresariais, pois é concedido justamente para que o empregador organize seu empreendimento. Conclui, assim, que o poder diretivo não é um direito potestativo, mas sim um direito-função. [98]

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A concentração do poder de organização nas mãos do empregador se explica pelo fato deste possuir o controle jurídico da estrutura empresarial, bem como por ser responsável pelos riscos do empreendimento, conforme prevê o artigo 2º consolidado.

O poder regulamentar é conceituado enquanto a prerrogativa dada ao empregador de fixar regras gerais a serem observadas dentro da empresa pelos empregados. Consiste, assim, em formas de comunicação, escritas ou verbais, com o público intraempresarial, a fim de se concretizar, materializar o poder diretivo. [99]

Pode-se citar como exemplos da materialização do poder regulamentar a edição de ordens de serviço, circulares e regulamentos internos (meios escritos) e as ordens diretas (meio verbal).

Insta ressaltar que tais instrumentos “não têm o condão de produzir efetivas normas jurídicas mas, sim, meras cláusulas contratuais [grifo do autor]”. [100] Isso porque, apesar de conter alguns caracteres básicos das normas jurídicas, como gerais, abstratos, impessoais e de cumprimento obrigatório, falta aos dispositivos regulamentares a qualidade da dialética, pois são fruto da vontade unilateral do empregador, sendo, assim, cláusulas obrigacionais. [101]

Como principal instrumento do poder regulamentar pode-se citar o regulamento da empresa, definido como o “conjunto sistemático de regras, escritas ou não, estabelecidas pelo empregador, com ou sem a participação dos trabalhadores, para tratar de questões de ordem técnica ou disciplinar no âmbito da empresa, organizando o trabalho e a produção”. [102]

Alice Monteiro de Barros, ao discorrer sobre o tema fontes do Direito do trabalho, diz que “o regulamento é um ato jurídico que disciplina futuras relações jurídicas. É considerado pela doutrina como fonte formal heterônoma, quando elaborado exclusivamente pelo empregador, ou fonte formal autônoma, quando o empregado participa de sua construção”. [103]

O regulamento interno de empresa possui outras denominações como regulamento de fábrica e regulamento de serviço; ou ainda nomenclaturas próprias criadas pelas empresas, como jobdescription e plano de cargos e salários. [104]

Não há previsão expressa na legislação pátria sobre o regulamento da empresa,[105] mas tão somente dispositivos genéricos, como é o caso parágrafo único do artigo 391 [106] e artigo 144 [107], ambos da CLT.

Martins, ainda versando sobre o regulamento de empresa traz estudo de Direito comparado, mostrando como tal dispositivo regulamentar é tratado em outros países que possuem previsão legal.

Em Portugal, o regulamento não é obrigatório, mas caso seja feito, deve ser aprovado pelo Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, e o conteúdo do dispositivo deve ser tornado público, para fácil acesso do empregado. Na França, empresas com mais de vinte empregados são obrigadas a possuir regulamento, que deve ser apreciado pelo Comitê de Empresa. Na Itália, a edição do regulamento não é exclusivamente realizada pelo empregador, sendo submetida à comissão interna da empresa. Por fim, traz o referido autor o caso do México, país no qual o regulamento de empresa é considerado ato legislativo, realizado por uma comissão mista de representantes dos trabalhadores e do patrão. [108]

Percebe-se que no Direito comparado há uma nítida mitigação do poder regulamentar do empregador quanto à edição do regulamento de empresa, que é tarefa compartilhada com os empregados.

Passa-se agora à análise do poder fiscalizatório, chamado também de poder de controle, ressaltando-se ser este a mais importante vertente do poder de direção do empregador para a discussão que ora se tece.

O poder fiscalizatório é definido por Martins como o direito que o empregador tem de fiscalizar e controlar as atividades de seus empregados. [109]

Já Delgado conceitua o referido poder como sendo a “prerrogativa dirigida a propiciar o acompanhamento contínuo da prestação de trabalho e a própria vigilância efetivada ao longo do espaço empresarial interno”. [110]

“O poder de controle dá ao empregador o direito de fiscalizar o trabalho do empregado. A atividade deste, sendo subordinada e mediante direção do empregador, não é exercitada do modo que o empregado pretende, mas daquele que é imposto pelo empregador”. Estas são as palavras conceituadoras de poder fiscalizatório proferidas por Nascimento, que conclui os ensinamentos dizendo que “a fiscalização inerente ao poder diretivo estende-se não só ao modo como o trabalho é prestado, mas também ao comportamento do trabalhador”. [111]

Algumas formas de fiscalização são apontadas como práticas usuais e permitidas, sob o fundamento do poder de controle, segundo informa Delgado:

Medidas como o controle de portaria, as revistas, o circuito interno de televisão, o controle de horário e frequência, a prestação de contas (em certas funções e profissões) e outras providências correlatas é que seriam manifestação do poder de controle. [112]

Emerge a importância da discussão de tal direito a partir do instante em que ele é apontado, de forma uníssona, pela doutrina trabalhista, como fundamento para que o empregador proceda a fiscalizações no ambiente laboral, estando aí incluso o monitoramento do correio eletrônico do empregado, como ressalta Martins:

Poderá o empregador monitorar a atividade do empregado no computador. Isso de certa forma já é feito, como no controle de produção por toques no teclado; verificação de entrada e saída de dados por registros feitos pelo próprio computador, que inclusive indicam horário; da Intranet etc.[113]

Equiparado a um instrumento de trabalho, o uso do computador pode ser fiscalizado pelo empregador, inclusa nesta fiscalização também a utilização do e-mail, uma vez que este é acessado através daquela máquina. Assim, demonstrada a relevância do poder fiscalizatório, enquanto componente do poder diretivo, para justificar o monitoramento do correio eletrônico do empregado, passa-se à análise dos fundamentos de tal prerrogativa do empregador.

3.2.2. FUNDAMENTOS DO PODER DIRETIVO

Introduz-se o tema explicando que os fundamentos do poder diretivo podem ser analisados sob duas vertentes: a legal e a doutrinária.

Quanto ao fundamento legal, assevera Godinho que não há no ordenamento jurídico pátrio nenhum dispositivo que se refira expressamente ao poder empregatício (cumpre lembrar que esta é a expressão utilizada pelo referido autor como gênero do poder diretivo, conforme se explanou em oportunidade anterior). [114]

Contudo, ainda que a menção ao poder diretivo seja indireta, legalmente aponta-se como fundamento do direito de organização e controle do empregador sob seu empreendimento o artigo 2º, da CLT, in verbis: “Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”.

Ao tempo em que conceitua a figura do empregador, o citado dispositivo também indica que é dele o papel de dirigir a prestação do serviço, ou seja, organizar a atividade do empregado.

Outros dispositivos da lei trabalhista consolidada também são tidos como fundamento do poder empregatício, por mencioná-lo indiretamente, como é o caso dos artigos 469 [115], 468 parágrafo único [116] e 474 [117], todos da CLT.

Os dois primeiros dispositivos supra, são reflexos do denominado jus variandi do empregador, que é uma decorrência do poder diretivo e consiste na possibilidade dada ao empresário de “ajustar a prestação obrigacional do empregado ás alterações estruturais e conjunturais da empresa. [...] é o poder a este conferido de amoldar a atividade do empregado às mutações ocorridas no âmbito da empresa”. [118]

O terceiro artigo mencionado versa sobre a capacidade que o empregador tem de suspender o empregado do trabalho, configurando-se enquanto clara decorrência do poder empregatício, na modalidade poder disciplinar.

Do ponto de vista doutrinário, variadas são as teorias que buscam justificar o poder diretivo do empregador.

A primeira e mais antiga delas é a corrente privatística, que coloca a propriedade privada como fundamento do poder empresarial. Critica-se este pensamento por remeter a “uma estrutura e dinâmica rigidamente unilaterais e assimétricas”, fortes no começo do industrialismo capitalista, mas que hoje já não refletem tanto a realidade laboral. Com a adoção desta vertente, corre-se o risco de cair em um “reducionismo, concentrando na propriedade e seus efeitos todo o fenômeno do poder no estabelecimento e na empresa”. [119]

A corrente institucionalista, que data da primeira metade do século XX, considera a empresa como instituição que tem interesses, finalidades. Só o fato de o empregado fazer parte da sua organização já seria suficiente para que se submetesse aos efeitos do poder diretivo do empregador, atendendo ao interesse social da empresa. As críticas dessa corrente recaem sobre o argumento de que ela “dissimula a presença da liberdade na relação empregatícia [...] nega o caráter dialético do poder nessa relação, reduzindo-o a um instrumento de direção e manipulação uniformes”. [120]

A concepção publicística refere-se ao poder diretivo como uma prerrogativa delegada ao empregador pelo poder público. Assemelha-se à anterior por também negar a existência de espaço para qualquer manifestação de vontade por parte do obreiro. A corrente em comento ainda recebe críticas por propagar a visão “autoritária e historicamente errônea” de que o poder pertence exclusivamente ao Estado. [121]

Por fim, a doutrina clássica apresenta como última vertente explicativa aquela que diz ser o contrato o fundamento do poder diretivo. Delgado aponta ser esta a “concepção absolutamente hegemônica”, pois apresenta a relação empregatícia como algo dinâmico, o que de fato é, com a democratização do espaço interno do estabelecimento da empresa. [122] O referido autor ainda completa o raciocínio com a seguinte conclusão:

O fundamento jurídico desse poder (título jurídico) reside no contrato, pois sem este sequer existiria a própria relação entre empregado e empregador. Mas, o fundamento jurídico de tal poder não se encontra apenas no plano da relação interpessoal entre obreiro e empresário, plasmando-se também no centro coletivo de poder que consubstancia a realidade da empresa, da negociação coletiva, da organização coletiva obreira e de todos os instrumentos inerentes a este processo. [123]

Refere-se o doutrinador a uma corrente moderna que credita à autonomia o fundamento jurídico do poder diretivo, pois sem ela não existiria relação de trabalho, visto que esta é uma relação contratual, na qual a autonomia privada é o núcleo, a base. Fala-se, na verdade, em autonomia privada coletiva, evidenciando-se a vontade de grupos de trabalhadores e de grupos de empresários, negociando coletivamente e fazendo evoluir o Direito laboral.

3.2.3. PODER DIRETIVO E SUBORDINAÇÃO

Configuram-se enquanto elementos fático-jurídicos da relação de trabalho, apontados de forma uníssona pela doutrina trabalhista, a prestação de trabalho por pessoa física a um tomador qualquer; prestação efetuada com pessoalidade pelo trabalhador; também efetuada com não eventualidade; efetuada ainda sob subordinação ao tomador dos serviços; e, por fim, a prestação de trabalho efetuada com onerosidade. [124]

São assim denominados porque “ocorrem no mundo dos fatos, existindo independentemente do Direito. [...] Em face de sua relevância, são eles captados pelo Direito, que lhes confere efeitos compatíveis”. Portanto, elementos fático-jurídicos.

O caminho percorrido para o encontro de tais elementos é a conjugação de dois dispositivos consolidados: os artigos 2º e 3º, que definem, respectivamente, empregador e empregado.

Já se discorreu acerca do conceito de empregador anteriormente. Desta feita, impende tecer-se comentários acerca do conceito de empregado, eis que de suma importância para a definição de subordinação, ponto ao qual se pretende chegar.

Preleciona o artigo 3º, da CLT, in verbis: “considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

Da definição legal, depreende-se cinco requisitos para ser considerado empregado, conforme doutrina Martins: a) pessoa física; b) não eventualidade na prestação de serviços; c) dependência; d) pagamento de salário; e) prestação pessoal de serviços. [125]

Destes, interessa especificamente a análise do requisito da dependência ou subordinação, que ao mesmo tempo em que é tido como elemento fático-jurídico do contrato de trabalho, nas palavras de Barros “o trabalho subordinado é o objeto do contrato regulado pelo Direito do Trabalho” [126], também é requisito para a caracterização do empregado, expressamente previsto no texto legal através da expressão “sob dependência”.

A subordinação é o elemento que “ganha maior proeminência na conformação do tipo legal da relação empregatícia” [127], ou seja, é o que assume maior importância para caracterizar e diferenciar a relação de emprego de outras relações de produção, a exemplo do trabalho autônomo, que não tem a característica da subordinação em seu bojo. A este respeito, vale ainda apresentar as palavras de Delgado:

Efetivamente, a importância da subordinação é tamanha na caracterização da relação de emprego que já houve juristas, como o italiano Renato Corrado, que insistiram que não importava à conceituação do contrato empregatício o conteúdo mesmo da prestação de serviços, mas, sim, a forma pela qual tais serviços eram prestados, isto é, se o eram subordinadamente ou não. [128]

A origem etimológica do termo subordinação também é válida para a compreensão deste instituto. Segundo Cassar, subordinação vem do latim subordinare, significando sub – baixo e ordinare – ordenar, ou seja, imposição de ordem, submissão, dependência, subalternidade hierárquica. [129]

Martins ainda acrescenta a origem vinda da palavra subordinatione ou subordinatio, onis, também significando sujeição. E discorre sobre a impropriedade da denominação “dependência”, inscrita no art. 3º, da CLT, pois um filho, por exemplo, é dependente de seu pai. Para a relação trabalhista, a designação mais adequada e aceita pela jurisprudência e doutrina é o termo subordinação.

Magano define subordinação como a sujeição ao poder diretivo do empregador, a “situação especial de dependência jurídica do trabalhador em confronto com o empregador”. [130]

Várias são as qualificações de subordinação apontadas pela doutrina, destacando-se a técnica, a econômica, a social e a jurídica, sobre as quais serão tecidos breves comentários.

Subordinação técnica é tida como o fato de o empregador, em virtude de sua atividade, possuir o comando técnico do trabalho dos que se acham sob suas ordens. Já a dependência econômica, que possui origens na doutrina alemã,diz que o empregado tem a condição de hipossuficiência no plano econômico, necessitando do trabalho e do correspondente salário para sobreviver. Por subordinação social entende-se que o empregado depende do trabalho para viver, não assumindo os riscos da atividade econômica, que são exclusivos do empregador, mas obedecendo às ordens do patrão.[131]

No entanto, a subordinação jurídica é a que está presente na relação de emprego e tida como a mais adequada para a doutrina e jurisprudência, conforme se vê no seguinte julgado:

FALSO REPRESENTANTE COMERCIAL. Comprovado que havia subordinação jurídica, com a reclamada controlando os serviços do reclamante, está caracterizado o vínculo empregatício. TRT, 1ª Reg. 8ª T., Rel. Vólia Bomfim Cassar, Proc. 02256-1999-046-01-00-7 (RO), sessão do dia 31/08/05.[132]

O conceito de subordinação jurídica encontra-se intimamente ligado com o de poder diretivo. “[...] O traço, de fato, caracterizador do contrato de trabalho é a subordinação jurídica. [...] O traço característico da subordinação é a observância a diretivas constantes e analíticas sobre o modo e o tempo em que deverá ser executada a prestação de serviços”. [133]

Barros define subordinação com os mesmos elementos do poder empregatício, utilizando-se, inclusive, das variantes deste poder ao conceituar subordinação jurídica.

Subordinação jurídica é o estado de dependência real criado pelo direito de o empregador comandar, dar ordens, donde nasce a obrigação correspondente para o empregado de se submeter a essas ordens. [...] o importante é que haja a possibilidade de o empregador dar ordens, comandar, dirigir e fiscalizar a atividade do empregado.[134]

Como a dependência jurídica significa sujeição ao poder diretivo, conclui-se que poder diretivo e subordinação são dois polos de uma mesma realidade. [135] Utilizando-se a metáfora trazida por Martins, se fosse o contrato de trabalho uma moeda, de um lado estaria a subordinação do empregado e do outro o poder de direção do empregador. [136]

Desta forma, pode-se concluir, seguindo-se os ensinamentos de Saraiva, que:

O empregado é subordinado ao empregador. No entanto, essa subordinação não é econômica, pois o empregado pode, muitas vezes, possuir situação financeira superior a do seu empregador (como acontece com alguns profissionais do futebol). Também não se trata de subordinação técnica, considerando que o obreiro, por vezes, detém a técnica de trabalho que seu empregador não possui. A subordinação apontada é a subordinação jurídica, que advém da relação jurídica estabelecida entre empregado e empregador. Em função do contrato de emprego celebrado, passa o obreiro a ser subordinado juridicamente ao patrão, devendo o trabalhador acatar as ordens e determinações emanadas, nascendo para o empregador, inclusive, a possibilidade de aplicar penalidades ao empregado (advertência, suspensão disciplinar e dispensa por justa causa), em caso de cometimento de falta ou descumprimento das ordens emitidas [poder disciplinar]. [137]

Também existem limites para a subordinação, os quais se encontram nas fontes formais do contrato, como a Constituição Federal de 1988, Consolidação das Leis Trabalhistas, outras leis ordinárias, sentenças normativas, convenções coletivas, acordos coletivos, dentre outras. Barros cita o artigo 483, alíneas “a”, “b” e “c”, da CLT como exemplo de limite da subordinação. [138]

Frente ao poder disciplinar e à subordinação, faz-se necessária uma menção ao jus resistentiae, que consiste na resistência do trabalhador a ordens do empregador que se mostrem ilícitas ou atentatórias à dignidade do obreiro. [139]

É certo que o poder diretivo acarreta em subordinação jurídica do empregado ao empregador, mas este não pode servir de escopo para atos manifestamente ilegais. Alerta Delgado que a situação jurídica oriunda do contrato não cria um estado de sujeição do obreiro ao empresário, e isto é admitido, inclusive, pelos doutrinadores que ainda têm uma visão unilateral do poder empregatício. [140]

Na realidade, o direito de resistência é reflexo do caráter dialético da relação de emprego, segundo o qual há direitos e deveres recíprocos para os sujeitos da situação laboral.

Quanto à natureza jurídica do jus resistentiae, há divergência doutrinária verificada entre os posicionamentos de Delgado e Magano.

Para este, não há que se falar no reconhecimento do instituto da resistência como um direito, pelos seguintes argumentos:

[...] Como não pode este [o empregado] ser o juiz da legalidade da ordem recebida, resistindo-a, arrisca-se a ser tido como insubordinado, ficando, em consequência, sujeito a sanções. Não estando a resistência do empregado protegida em relação ao apontado risco, não vemos como possa ser tida como direito, a despeito do largo curso da expressão latina [jus resistentiae significa direito de resistência]. Entendimento contrário só se justificaria se não julgássemos passível de controle judiciário as punições ilegais e abusivas impostas pelo empregador. Então sim haveríamos de propugnar no sentido de que a resistência a ordens dessa natureza fosse reconhecida como direito. [141]

Contudo, Delgado segue outra linha de raciocínio, e aponta a correspondência do jus resistentiae como exercício regular de um direito, regulado pelos artigos 187 e 188, I, do Código Civil, deixando claro, portanto, que a resistência do obreiro é sim um direito. [142]

Aponta ainda este último autor que a CLT apresenta poucos dispositivos que materializam o direito de resistência, mas traz como exemplo o artigo 659, incisos IX e X. A legislação processual civil também pode ser utilizada subsidiariamente, conforme autoriza o artigo 8º [143] da CLT. Assim, apresenta-se como mais um mecanismo de exercício do jus resistentiae o artigo 461, § 3°, do Código de Processo Civil, quando houver evidência da irregularidade e receio justificado de prejuízo irreparável do empregado causado por conta da ordem do empregador. [144]

Com a evolução do direito laboral e das relações trabalhistas, emerge a figura da democracia dentro da empresa, com uma distribuição de poder entre os empregados e os empresários, com uma participação intensa dos organismos coletivos obreiros. Fala-se em “democratização do sistema de poder no âmbito laboral”. A aparição deste fenômeno no Brasil ainda é tímida, mas o seu desenvolvimento, juntamente com a concretização dos mecanismos sugeridos pelo art. 7°, I, da Constituição Federal, são previstos pelos doutrinadores como uma solução à melhora das relações de emprego e, por consequência, de uma maior utilização do direito de resistência do empregado. [145]

3.2.4. LIMITES DO PODER DIRETIVO

O fato de o poder diretivo ser um direito já impõe a ele limites, como são impostos para qualquer outro direito. Não existem direitos absolutos. O poder de direção, portanto, não é absoluto. [146]

Contudo, resta saber quais são esses limites. “Existem dúvidas a respeito das efetivas e exatas fronteiras aplicáveis às prerrogativas de controle empresarial”. [147]

Segundo Delgado, o ordenamento jurídico pátrio não possui preceitos claros para orientar os operadores do Direito quanto aos limites do poder diretivo. Tais limites devem ser extraídos, na verdade, de regras e princípios gerais.

É inquestionável que a Carta constitucional de 1988 rejeitou condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que agridam à liberdade e dignidade básicas da pessoa física do trabalhador. [...] A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito (art. 1º, III, CF/88), que tem por alguns de seus objetivos fundamentais “construir uma sociedade justa e solidária”, além de “promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, I e IV, CF/88). [...] Ao lado de todos esses princípios (que, na verdade, atuam como princípios normativos), existem, na Constituição, regras impositivas enfáticas, que afastam a viabilidade jurídica de condutas fiscalizatórias e de controle da prestação de serviços que agridam a liberdade e dignidade básicas da pessoa natural do trabalhador.[148]

Ao lado da dignidade da pessoa humana, valor constitucional supremo da ordem jurídica brasileira, são colocadas outras normas constitucionais enquanto limites ao poder de direção, a exemplo do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, esculpidos no caput do artigo 5º; bem como o direito à privacidade, disposto no art. 5º, X, já amplamente tratado anteriormente.

De forma mais sucinta, Martins apresenta como limites externos ao poder de direção a Constituição, leis, norma coletiva e contrato; e como limites internos a boa-fé objetiva e exercício regular de direito. [149]

Magano traz uma série de critérios propostos para a identificação dos limites ao poder diretivo, dos quais merece destaque a classificação que identifica autolimitações e heterolimitações. As primeiras dizem respeito aos limites impostos pelo próprio empregador ao seu poder empregatício, como é o caso da edição de um regulamento de empresa, no qual o empresário diz com pretende exercer o seu poder de controle, como a empresa funcionará. Já as segundas, correspondem às limitações provenientes da lei, convenção coletiva ou atuação de órgãos representativos no âmbito da empresa. [150]

Assim, encerra-se a explanação acerca do poder diretivo do empregador. Com as devidas discussões acerca do direito fundamental do empregado à privacidade, passa-se agora à análise do confronto entre os dois valores apresentados, tendo-se em vista o monitoramento do correio eletrônico do obreiro.

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Sobre a autora
Pollyana Oliveira Melo

Advogada, especializada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina - CEUT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Pollyana Oliveira. Controle do e-mail no ambiente de trabalho.: Análise do conflito entre os direitos da personalidade do empregado e o poder diretivo do empregador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3613, 23 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24509. Acesso em: 27 abr. 2024.

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