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Controle do e-mail no ambiente de trabalho.

Análise do conflito entre os direitos da personalidade do empregado e o poder diretivo do empregador

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23/05/2013 às 15:43
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4. A UTILIZAÇÃO DO E-MAIL NO AMBIENTE DE TRABALHO

Feitas as devidas apresentações acerca do direito fundamental à privacidade do obreiro e o poder diretivo do empregador, passa-se à análise desses valores mediante o monitoramento do correio eletrônico no ambiente laboral.

A título de introdução, apresenta-se uma breve explanação sobre a importância da internet para a sociedade, para o Direito e, por consequência, para o ambiente de trabalho, a fim de situar a utilização do e-mail enquanto ferramenta do obreiro.

Posteriormente, faz-se breves considerações diferenciadoras acerca do e-mail privado e do corporativo para adentrar-se à análise dos argumentos contrários e favoráveis à fiscalização do e-mail nestas circunstâncias, apresentando-se os mais recorrentes segundo a literatura pertinente.

Finaliza-se o estudo monográfico com a seleção de alguns posicionamentos jurisprudenciais referentes ao poder de fiscalização do empregador e o monitoramento do correio eletrônico.

4.1. NOÇÃO SOBRE A IMPORTÂNCIA DA INTERNET NO ÂMBITO LABORAL

Tudo aquilo que é importante, que interfere nas relações sociais, reflete também no mundo do Direito, segundo as lições de Paulo Nader. [151] Com a internet não é diferente. Tem-se, hoje, mais de dois bilhões de usuários conectados à rede mundial de computadores, segundo levantamento realizado pela União Internacional de Telecomunicações (UIT),[152] em 2011. [153]

Assim, a internet e as relações decorrentes dela têm se tornado objeto de vários estudos jurídicos, conforme explicita Maria Helena Diniz:

Com o advento da informática, no alvorecer do novo milênio, surge o Direito da Internet como um grande desafio para a ciência jurídica, por descortinar, como diz Huxley, “um admirável mundo novo”, diante do enorme clamor ao levantar questões polêmicas de difícil solução. [...] Essa problemática gerada pelo Direito na Internet tem grande relevância na atualidade, não só pela sua complexidade, como também pela riqueza de seu conteúdo técnico-científico e pelo fato de não estar, normativa, jurisprudencial e doutrinariamente bem estruturada. [154]

Historicamente, a internet surgiu em 1969, por motivações militares. A Arpa (AdvancedResearchProjectsAgency), setor de inteligência do Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América,desenvolveu um projeto com o objetivo de conectar diversos computadores de quatro instituições americanas, as universidades da Califórnia, Santa Bárbara, Stanford e Utah, lotadas em diferentes áreas, sem que houvesse um computador principal realizando a respectiva ligação. O projeto logrou êxito e só cresceu, expandido a rede de computadores para nível mundial. [155]

Até meados da década de 90, no Brasil, o acesso à internet era restrito a professores, estudantes e funcionários de universidades e instituições de pesquisa. Em adição, instituições governamentais e privadas também obtiveram acesso devido a colaborações acadêmicas e atividades não comerciais. Somente a partir de 1995, usuários fora das instituições acadêmicas também puderam ter acesso à Internet, abrindo-se também a possibilidade do fornecimento de serviçospela iniciativa privada viesse a fornecer esse serviço.[156]

Dentre as comodidades trazidas pela internet pode-se citar a facilitação da comunicação entre as pessoas e o acesso a informações de variados interesses em poucos segundos. Desta forma, não demorou para que a internet adentrasse ao ambiente laboral, proporcionando uma melhoria nos instrumentos e no próprio ambiente de trabalho, como narram Érica Cristina Paiva Cavalcante Moreira e Sérgio Cabral dos Reis:

A internet vem sendo implementada, vastamente, pelas pequenas,médias e grandes empresas buscando efetivar os canais de ligações decorrentes do mundoglobalizado, fazendo com que em poucos segundos possa o empregador receber informações deseus fornecedores, de seus concorrentes, efetuar vendas, comprar insumos etc. [157]

O instrumento da internet mais utilizado pela maioria dos usuários e também no ambiente de trabalho é o eletronicmail, em português, correio eletrônico, ou simplesmente e-mail. Esta ferramenta constitui-se no processo de enviar uma mensagem diretamente de umcomputador a outro, onde ela é armazenada até que o destinatário resolva recebê-la, ou seja, abri-la.

Mauro César Martins de Sousa explica em maiores detalhes, inclusive técnicos, o que é e como funciona o e-mail:

O e-mail (eletronic mail), correspondência eletrônica, é um dos mais utilizados recursos proporcionados pela Net, pois é através dele que os usuários poderão se comunicar, enviando e recebendo mensagens, anexando documentos em formato de textos, incluindo-se aí sons e imagens, gerados em outros programas. É a forma básica de interação entre pessoas na Internet (e também nas intranets e extranets), possibilitando que uma pessoa possa enviar e receber mensagens eletrônicas a partir de um software cliente de correio eletrônico instalado no computador (ou no celular, televisão, etc) e interligado a uma rede de telecomunicação (telefone, ondas, cabo..,). A mensagem, com ou sem anexos, sai do computador (pela porta 25 do protocolo TCP/IP, que fica em listening), vai até o servidor provedor de acesso (daeman) e daquele local é enviado de forma instantânea para o servidor do destinatário, que as armazena em um queue, sendo que quando o usuário abre seu programa específico de correio eletrônico, o navegador, dito servidor envia-lhe ao seu micro as mensagens recebidas (pela mesma porta de envio, efetuando-se uma conexão inboundentre os dois servidores). A recepção de e-mails pelo usuário é realizada com o POP3 que também é um servidor que deixa a porta 110 em listen, É a porta utilizada para se autenticar e receber as mensagens correspondentes. Pode haver comunicação entre o vizinho da mesa ao lado, até com alguém de qualquer parte do mundo, sem sair da frente do computador.[158]

Como bem explicou Sousa, o e-mail funciona principalmente como ferramenta de troca rápida de mensagens, sem que estas precisem ser seladas e colocadas numa caixa de Correios para que cheguem aos seus destinatários. Tamanha facilidade foi colocada à disposição das empresas, que utilizam os emails institucionais ou corporativos, como são chamados os correios eletrônicos dos empregadores, para se inserirem no mercado globalizado, obtendo, assim, um melhor desempenho de suas atividades.

Observa-se que a inserção dos computadores nas relações de trabalho esta cada vez mais rotineira, não se vislumbrando mais a ideia de ser um mecanismo desnecessário e de alto custo. Uma empresaque busca sua expansão no mercado deve utilizar todas as vantagens trazidas pelas novastecnologias, pois caso não esteja a frente dos seus concorrentes se tornara obsoleta e não poderá competir em igualdade com as demais empresas.[159]

Nesta seara, emerge o questionamento acerca da possibilidade de monitoramento ou não do e-mail do empregado pelo empregador, assunto que remete ao conflito entre o direito do obreiro à privacidade e o poder diretivo do empregador, assunto que se passa a discutir adiante.

4.2. E-MAIL PRIVADO E E-MAIL CORPORATIVO

Brevemente, pretende-se tecer algumas considerações a fim de se diferenciar as circunstâncias de monitoramento doe-mail privado e do corporativo.

Acerca na natureza jurídica do e-mail já se discutiu em momento anterior, chegando-se à conclusão de que, controvérsias à parte, a violação de correio eletrônico fere o direito fundamental do cidadão à privacidade, e que tal direito não deixa de existir na seara laboral, ou seja, o direito à privacidade tem como destinatário também o empregado, uma vez que este não perde a qualidade de cidadão ao ingressar na relação de trabalho.

Contudo, o direito esculpido no art. 5º, X, da Constituição Federal só é observado caso se trate de e-mail particular, pois somente nesta circunstância a violação ferirá a esfera íntima do empregado, bem como o direito de ver resguardados seus segredos.

Não integra a alçada do empregador o devassamento da vida privada do empregado, aqui se encontrando óbice ao exercício do poder diretivo, na modalidade fiscalizatória.

Para corroborar com o dito acima, traz-se as ideias de Vânia Siciliano Aieta:

Os e-mails pessoais devem ser considerados como as missivas de outrora. Nestes casos, ainda que acessado louvando-se do terminal do computador do empregador, ninguém poderá exercer qualquer tipo de controle sobre o conteúdo das mensagens, pois a Constituição da Republica de 1988 assegura não apenas o direito à privacidade e à intimidade como também o sigilo de correspondência, alcançando quaisquer formas de comunicação pessoal, ainda que no universo pessoal. Assim configura-se como consagrada e inviolável a comunicação de dados em e-mail particular.[160]

Aqui, faz-se importante a menção do regulamento de empresa, já conceituado neste trabalho como um conjunto de normas internas da empresa ou estabelecimento, que são expressão do poder diretivo do empregador, na espécie poder regulamentar.

Explica-se a referida menção porque cabe ao empregador, através do regulamento, estabelecer as normas de funcionamento e organização do trabalho, incluindo-se a forma como será feito o uso do e-mail dentro da empresa, nos computadores disponibilizados pelo empregador.

Assim, depreende-se da conjugação das palavras de Aieta com os conceitos de regulamento de empresa e poder diretivo, que caso o empresário disponha ser possível o acesso de conta pessoal de e-mail através dos computadores da empresa, assim mesmo não lhe assistirá o direito de violar a correspondência eletrônica, eis que dotada de caráter privado.

Uma ressalva é apresentada por Moreira e Reis quanto ao fato de que a não violação do e-mail particular não pode ser tido como um direito absoluto, pois pode, por exemplo, servir de guarita para a prática de ilícitos por parte do empregado. Por concordar com tal posicionamento, expõe-se os exatos termos do argumento:

Uma vez sendo tipificado o crime cometido pelo obreiro, entendemos ser possível a quebra do sigilo de seu e-mail particular, através de ordem judicial, desde que seja para prova em investigação criminal e em instrução processual penal [conforme autoriza o artigo, 5º, XII, da CF/88], a fim de trazer subsídios ao processo que demonstrem o ilícito praticado. Não seria justo entender que o correio eletrônico particular é inviolável, sem qualquer exceção, pois se adotássemos tal entendimento estaríamos apoiando a impunidade e o total descumprimento das normas legais. [161]

Martins também compartilha deste entendimento ao dispor que “o sigilo de comunicação de dados, como o e-mail, é inviolável. Entretanto, essa regra não pode ser entendida de forma absoluta, principalmente diante da má-fé do empregado”. [162]

Já no caso de e-mail institucional ou corporativo o empregador pode exercer plenamente o seu poder fiscalizatório, pois aqui o correio eletrônico se configura como um instrumento de trabalho, devendo ser utilizado exclusivamente com tal finalidade. A este respeito, leia-se o seguinte julgado:

1. Os sacrossantos direitos do cidadão à privacidade e ao sigilo de correspondência, constitucionalmente assegurados, concernem à comunicação estritamente pessoal, ainda que virtual ("e-mail" particular). Assim,apenas o e-mail pessoal ou particular doempregado, socorrendo-se de provedor próprio, desfruta da proteção constitucional e legal de inviolabilidade.2. Solução diversa impõe-se em se tratando do chamado "e-mail" corporativo, instrumento de comunicação virtual mediante o qual o empregado louva-se de terminal de computador e de provedor da empresa, bem assim do próprio endereço eletrônico que lhe édisponibilizado igualmente pela empresa. Destina-se este a que nele trafeguem mensagens de cunho estritamente profissional. Em princípio, é de uso corporativo, salvo consentimento do empregador. Ostenta, pois, natureza jurídica equivalente à de umaferramenta de trabalho proporcionada pelo empregador ao empregado para a consecução do serviço.[163]

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Desta forma, impõe-se soluções diversas em se tratando de e-mail privado e de corporativo. Quanto ao primeiro, não há que se falar em direito a monitoramento por parte do empregador, com a ressalva trazida pelo próprio dispositivo constitucional que tutela a inviolabilidade das comunicações (art. 5º, XII); já quanto ao segundo, aplica-se plenamente o poder fiscalizatório.

Alguns argumentos que embasam a discussão acerca do direito ao monitoramento ou não foram apresentados neste tópico, ainda que superficialmente.

Segue-se, então, para a análise mais aprofundada dos argumentos contrários e favoráveis à monitoração do correio eletrônico do obreiro pelo empresário.

4.3. A OCORRÊNCIA DE CONFLITOS ENVOLVENDO A UTILIZAÇÃO DO E-MAIL NO AMBIENTE DE TRABALHO E O MONITORAMENTO

A possibilidade de monitoramento do correio eletrônico do empregado pelo empregador não é assunto fácil nos manuais de Direito do trabalho, apesar de ser um tema bastante discutido em outros tipos de literatura, como é o caso daquelas disponibilizadas na internet. Por este motivo, recorre-se, na edição deste tópico, principalmente, a artigos científicos e decisões judiciais que se atêm à análise desta problemática.

Inicialmente, apresenta-se os argumentos defensores da não possibilidade de monitoramento do e-mail, ou seja, aqueles pro empregado.

Destarte, a defesa da não fiscalização gira em torno de apenas um argumento, qual seja, o direito à intimidade do empregado.

Desdobra-se tal argumento conforme a divisão realizada no tópico 1 do presente trabalho monográfico: fala-se na defesa da dignidade da pessoa humana, dos direitos fundamentais do empregado, dos direitos da personalidade e da inviolabilidade das comunicações. Ou seja, fala-se, sempre, na defesa do direito à intimidade.

Defende Robson Zanetti este posicionamento nos seguintes termos:

O patrão não pode tomar conhecimento das mensagens privadas emitidas e recebidas pelo trabalhador assalariado em virtude do computador colocado a sua disposição para realização ou não de seu trabalho. O empregado tem o direito de ver sua vida privada respeitada e inclusive no seu local de trabalho. Não somente o escrito sobre um suporte baseado em um papel deve ser respeitado, mas também o escrito eletrônico.[164]

Na mesma linha segue o pensamento de Souza, que diz “embora o fator segurança seja de vital importância na utilização da Internet/emails[e este seria o motivo ensejador da fiscalização], não se pode ignorar o princípio constitucional da privacidade”. [165]

A inviolabilidade de comunicação também é levantada como argumento, contudo, não caberá no caso de e-mail funcional.

Evidencia-se que o direito ao sigilo das correspondências, das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas e passível de quebra e possui previsão própria e independente na Carta Constitucional. Apesar de ainda não existirem normas positivadas sobre os casos em que podem existir mitigações de direitos fundamentais, doutrina e jurisprudência vem construindo parâmetros norteadores sobre a possibilidade de quebra de sigilo das correspondências, da quebra da comunicação de dados etc. Destarte, ainda que tais direitos também sejam fundamentais, quando entram em colisão com os demais direitos fundamentais, pode haver a restrição de sua aplicabilidade diante de um caso concreto.[166]

Assim, conforme explanou-se no tópico anterior, o direito à privacidade, bem como o sigilo das comunicações, somente faz sentido caso tutele um e-mail particular. E, mesmo neste, poderá haver a violação da comunicação em caso de ilícito praticado pelo empregado.

Apesar de pouco citada em manuais, a questão do monitoramento do correio eletrônico do empregado foi objeto de reflexões de Martins, que assim concluiu: “em casos de interesses relevantes, que podem, posteriormente, ser examinados pela Justiça, o empregador poderá monitorar os e-mails do empregado, desde que digam respeito ao serviço”. [167]

Corrobora a citação retro com o entendimento majoritário da literatura e da jurisprudência, que reconhece a possibilidade de monitoramento de e-mail corporativo, uma vez que este é instrumento de trabalho e só ao serviço deve se voltar. Dessa forma, não há motivos para que o poder diretivo do empregador seja barrado.

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA - E-MAIL CORPORATIVO - ACESSO PELO EMPREGADOR SEM A ANUÊNCIA DO EMPREGADO - PROVA ILÍCITA NÃO CARACTERIZADA. Consoante entendimento consolidado neste Tribunal, o e-mail corporativo ostenta anatureza jurídica de ferramenta de trabalho, fornecida pelo empregador ao seu empregado, motivo pelo qual deve o obreiro utilizá-lo de maneira adequada, visando à obtenção da maior eficiência nos serviços que desempenha. Dessa forma, não viola os arts. 5º, X e XII, da Carta Magna a utilização, pelo empregador, do conteúdo do mencionado instrumento de trabalho, uma vez que cabe àquele que suporta os riscos da atividade produtiva zelar pelo correto uso dos meios que proporciona aos seus subordinados para o desempenho de suas funções. Não se há de cogitar, pois, em ofensa ao direito de intimidade do reclamante. (AIRR - 2562-81.2010.5.01.0000 Ministro Relator: Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/10/2010). [168][grifo nosso].

Martins ainda aponta seis argumentos para que essa fiscalização se envolva de legitimidade, quais sejam: 1) não há violação da privacidade quando a fiscalização recai sobre equipamentos de computador que são de propriedade da empresa; 2) o correio eletrônico utilizado para o trabalho, na maioria das vezes, é da empresa; 3) a linha telefônica que possibilita o acesso à internet pertence ao empregador; 4) o empregado, durante o horário de trabalho, encontra-se à disposição do empregador; 5) é o empregador responsável pelos atos que seus empregados pratiquem contra terceiros; 6) a proteção ao direito à intimidade não pode servir como fundamento para a prática de atos ilícitos ou imorais. [169]

Passa-se a discorrer sobre os argumentos do referido autor conjugando-os com outros parecidos citados pela literatura e recorrentes na jurisprudência.

Os três primeiros apresentados têm base no direito de propriedade. Sobre a propriedade da estrutura da empresa como fundamento para o poder diretivo já se explanou anteriormente. Uma vez que o poder fiscalizatório decorre do poder diretivo, o mesmo embasamento pode ser aqui utilizado para explicar a autorização de monitoramento do e-mail pelo empregador.

“[...] trata-se o direito de propriedade de fundamento do poder hierárquico do patrão na relação de emprego, eis que por deter os fatores de produção e por suportar os riscos da atividade econômica, pode e deve administrar a atividade dos seus funcionários”[170], assim esclarece Souza a afirmação alhures.

Pertence ao empresário o computador, a linha telefônica que dá acesso à internet, o provedor, o próprio e-mail corporativo, tudo entendido como instrumento de trabalho. Souza arremata dizendo que “o correio eletrônico é uma ferramenta de trabalho dada pelo empregador ao empregado para realização do trabalho, portanto sobre ele incide o poder de direção do empregador e consequentemente o direito do mesmo fiscalizar seu uso pelo funcionário”. [171]

O acórdão do TST que se apresenta logo abaixo, cuida de reconhecer o direito de propriedade do empregado:

Ademais, se se cuida de "e-mail" corporativo, está em xeque também, e talvez principalmente, o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar à INTERNET e sobre o próprio provedor, direito esse igualmente merecedor de tutela constitucional.[172]

Sobre o provedor ser de propriedade da empresa, Sérgio Ricardo Marques Gonçalves aponta que isso já descaracteriza a privacidade do empregado.

É importante que tanto o nome de usuário quanto a senha de um empregado na rede da empresa sejam atribuídos por ela, e não pelo funcionário. Esta providência simples já é um início na descaracterização de privacidade do usuário, pois tudo o que estava ali, perante a empresa, é aberto, já que ela lhe deu nome e senha para uso, não havendo nada de secreto ou privado nesta relação entre ambos, mesmo porque uma chefia poderá querer saber como andam as negociações ou atividades do empregado, através do computador, tal como ocorre nos meios tradicionais. A privacidade do que está contido ali no equipamento, porém, vale entre ele e os demais membros da empresa, já que estes não integram esta relação de empregador-empregado. A motivação disso é simples, pois o funcionário pode ficar doente, faltar, pedir demissão ou mesmo ser despedido sem que o serviço que este prestava tenha de sofrer qualquer atraso ou interrupção. Se a senha de uma estação é privada, tal se torna mais difícil, o que não ocorrerá se a senha puder ser suprida pelos técnicos da empresa, para que outro possa exercer as atividades daquele que, temporária ou definitivamente, não está ali para trabalhar.[173]

O e-mail funcional com provedor do empregador não só destaca a característica da propriedade como fundamentadora do poder diretivo, mas também o lado institucional, pois por ser uma ferramenta de trabalho e não propriedade do empregado, possui um caráter impessoal. Além disso, existe para propiciar o bom andamento das atividades laborais, por possuir a qualidade da eficiência. Assim, não faria sentido que outros funcionários não pudessem utilizá-lo quando o empregado faltasse, por exemplo. Isso comprometeria o funcionamento correto da empresa. E é justamente para evitar tais situações que o poder diretivo existe.

Se se cuida de "e-mail" corporativo, declaradamente destinado somente para assuntos e matérias afetas ao serviço, o que está em jogo, antes de tudo, é o exercício do direito de propriedade do empregador sobre o computador capaz de acessar à INTERNET e sobre o próprio provedor. Insta ter presente também a responsabilidade do empregador, perante terceiros, pelos atos de seus empregados em serviço (Código Civil, art. 932, inc. III), bem como que está em xeque o direito à imagem do empregador, igualmente merecedor de tutela constitucional. Sobretudo, imperative considerar que o empregado, ao receber uma caixa de "e-mail" de seu empregador para uso corporativo, mediante ciência prévia de que nele somente podem transitar mensagens profissionais, não tem razoável expectativa de privacidade quanto a esta, como se vem entendendo no Direito Comparado (EUA e Reino Unido). (RR - 613/2000-013-10-00, Ministro Relator: João OresteDalazen, Data de publicação: 10/6/2005).

O poder fiscalizatório recai sobre outras ferramentas laborais de forma ordinária, como é o caso do controle dos carros da empresa. Desta feita, emergem questionamentos, como os elaborados por Gonçalves:

Mas, se o empregador pode normatizar o uso, pelos seus funcionários, dos veículos que possui, pode regular o uso do telefone e dos demais equipamentos, como não poderia fazê-lo sobre o tráfego na rede ou de seus e-mails? Não entendo ser possível argumentar que as peculiaridades do e-mail ou da navegação na rede impeçam este direito por parte do empregador. [...] Pura e simplesmente, o ambiente e o material de trabalho não são santuários de privacidade. É só lembrar que um empregador pode, a qualquer momento e sem que isso fira a privacidade ou a dignidade de seu funcionário, retirar sua estação de trabalho (para restringir nosso pensamento às questões digitais) para auditá-lo, fazer manutenção, trocar de setor ou simplesmente vendê-lo. Poderia o empregado se opor dizendo que ali tem arquivos particulares? Se o sistema está ao dispor do funcionário para o trabalho e ele não é um na empresa, mas parte de um grupo, qual o problema de um superior verificar a caixa postal para ver o andamento das mensagens? Não podem as empresas fazer isso com os papéis e livros em poder de seus contratados sem que se levantem vozes dizendo que isso fere a sua privacidade? Então porque isso acontece com os e-mails? [...] Um funcionário normalmente não usa o carro da empresa (em geral com seu logotipo e marca) para compromissos particulares pois sabe que, se fizer isso, será punido. Ora, mas este mesmo empregado não vê mal em usar um veículo (em sentido amplo) da empresa (e-mail), com seu nome e marca (ao menos no endereço) para fins particulares, sem aceitar ser punido por isso. Não é uma contradição?[174]

Realmente, não faz sentido o e-mail ser excluído do rol da fiscalização, uma vez que não há violação de privacidade em se tratando de correio eletrônico institucional.

Uma ressalva a respeito do regulamento de empresa merece ser feita, pois o conhecimento prévio do empregado a respeito das normas que estatuem a fiscalização deve acontecer. Sobre o assunto, dispôs o TRT da 2ª região:

Correio eletrônico. Monitoramento. Legalidade. Não fere norma constitucional a quebra de sigilo de e-mail corporativo, sobretudo quando o empregador dá a seus empregados ciência prévia das normas de utilização do sistema e da possibilidade de rastreamento e monitoramento de seu correio eletrônico. (RO 1130200404702004 SP 01130-2004-047-02-00-4, Relator: WILSON FERNANDES, Data de Julgamento: 09/11/2006, 1ª TURMA, Data de Publicação: 28/11/2006).[175]

Argumenta-se também que o empregado, durante o horário de trabalho, encontra-se à disposição do empregador. Gonçalves diz que “durante o horário de trabalho este [o empregado] não deve ter sua atenção voltada para outra coisa senão aos afazeres de seu ofício”. Por conta disso, o referido autor prossegue afirmando que caso o empregado se atenha a coisas alheias ao trabalho, especificamente navegando na internet por locais que em nada se relacionam com sua atividade laboral, pode-se configurar a desídia do obreiro, prevista no artigo 482, “e”, da CLT, o que enseja dispensa por justa causa.[176]

A revista Veja publicou há algum tempo uma pesquisa feita nos Estados Unidos a respeito da utilização da Internet no ambiente de trabalho. Os resultados são, por um lado, preocupantes para os empregadores e, por outro, fundamentam com muita força a fiscalização empresarial do obreiro. O estudo concluiu que “enquanto o chefe está distraído, 21% das pessoas divertem-se com jogos, 16% planejam viagens, 10% procuram outro emprego, 3% namoram em chats, 2% visitam sites pornográficos”. Observe-se que ainda não se computou nesta estatística os e-mails pessoais ou sem vinculação com a atividade laboral. [177]

A desídia, portanto, restaria bastante comprovada para os empregados que participaram do estudo.

Além da desídia, que gera consequências ruins para a empresa como a perda da produtividade, por exemplo, muitas das alíneas do art. 482, da CLT podem se enquadrar em caso de mau uso do computador. Traz-se julgado do TRT da 16ª região, no qual se verificou a rescisão do contrato de trabalho por justa causa, com fundamento nas alíneas “b” (incontinência de conduta ou mau procedimento) e “h” (ato de indisciplina ou de insubordinação):

DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA. CABIMENTO. ART. 482, b e h.É legítima a despedida por justa causa, nos termos do artigo 482, alíneas b e h da CLT, uma vez que ficou devidamente provada a conduta indisciplinada e incontinente do empregado, quando, descumprindo orientações expressas do empregador as quais tinha ciência, enviava e recebia correspondências eletrônicas de cunho pornográfico através do provedor do empregador e por meio de seu e-mail corporativo, ocasionando, assim, a quebra de fidúcia justificadora da resilição contratual. Recurso ordinário conhecido e improvido. (1226200701616000 MA 01226-2007-016-16-00-0, Relator: AMÉRICO BEDÊ FREIRE, Data de Julgamento: 28/09/2010, data de publicação: 04/10/2010). [178]

Este outro também evidencia a justa causa por conta do mau uso do e-mail corporativo e foi proferido pelo TRT da 4ª região:

DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA. MAU PROCEDIMENTO. USO INDEVIDO DE CORREIO ELETRÔNICO. QUANDO SE CARACTERIZA. Prova que evidencia a utilização do email funcional, pelo empregado, para difundir informações tendentes a denegrir a imagem da empregadora. Constitui justa causa para a despedida o uso indevido do correio eletrônico fornecido pelo empregador, não se podendo cogitar de infração ao disposto no artigo 5º, inciso XII da CF, já que o serviço de "e-mail" é ferramenta fornecida para uso estritamente profissional. Sentença mantida. (Relator: FLAVIO PORTINHO SIRANGELO. Origem: 3ª Vara do Trabalho de Canoas. Acórdão - Processo 0016800-02.2007.5.04.0203. RO. Data: 03/09/2008). [179]

Riscos outros são latentes em se tratando de não monitoramento da utilização da internet e do correio eletrônico. Gonçalves aponta como alguns deles a entrada de vírus nas máquinas e o vazamento de informações sigilosas da empresa, que podem, inclusive, levar à quebra do negócio.

Sousa, em complemento, acrescenta outros riscos próprios da internet e que muito fazem os empresários temerem.

A adesão à rede mundial, a interligação de redes internas com a pública, vêm gerando enorme preocupação às empresas com os fatores segurança e privacidade, já que manipulam informações sensíveis e vitais, que podem ser exteriorizadas indevidamente, seja por fraudes de funcionários, seja por ataques de hackers. [180]

O monitoramento, certamente, evita ou ao menos diminui que tais riscos ocorram nas empresas que exercitam o seu poder de fiscalização.

Além dos riscos próprios da rede, o empregador ainda é responsável pelos atos que seus empregados praticam contra terceiros, conforme previsão do artigo 932, III, do Código Civil. Gonçalves traz um exemplo para melhor visualização do caso:

Se um funcionário, através do e-mail da empresa onde trabalha, remete uma mensagem com vírus para terceiros e causa prejuízos, sua empregadora poderá ser obrigada a ressarcir os danos, materiais e morais da mesma maneira, sem contar a questão relativa a publicidade negativa que isso trará para seu nome.[181]

O TRT da 10ª região também reconheceu a responsabilidade do empregador pelos atos do empregado, além de classificar o mau uso da internet como ato atentatório à moral e aos bons costumes.

JUSTA CAUSA. E-MAIL. PROVA PRODUZIDA POR MEIO ILÍCITO. NÃO-OCORRÊNCIA. Quando o empregado comete um ato de improbidade ou mesmo um delito utilizando-se do e-mail da empresa, esta em regra, responde solidariamente pelo ato praticado por aquele. Sob este prisma, podemos então constatar o quão grave e delicada é esta questão, que demanda a apreciação jurídica dos profissionais do Direito. Enquadrando tal situação à Consolidação das Leis do Trabalho, verifica-se que tal conduta é absolutamente imprópria, podendo configurar justa causa para a rescisão contratual, dependendo do caso e da gravidade do ato praticado. Considerando que os equipamentos de informática são disponibilizados pelas empresas aos seus funcionários com a finalidade única de atender às suas atividades laborativas, o controle do e-mail apresenta-se como a forma mais eficaz, não somente de proteção ao sigilo profissional, como de evitar o mau uso do sistema internet que atenta contra a moral e os bons costumes, podendo causar à empresa prejuízos de larga monta. (proc n° 00613-2000-013-10-00-7 RO relatora: Desembargadora Márcia MazoniCúrcio Ribeiro. Julgado em 26/06/2002. Publicado em 19/07/2002. TRT 10).[182]

Enfim, muitos são os argumentos favoráveis ao monitoramento do e-mail pelo empregador, que perpassam desde a questão da segurança para a empresa, a fim de se evitar vírus, hackers e vazamento de informações sigilosas, e vão até à fiscalização, propriamente dita, das atividades do empregado, de forma que a produtividade seja garantida.

É evidente a diferença argumentativa entre a proteção ao direito à intimidade e exercício do poder fiscalizatório. No entanto, a problemática não pode ser dada por resolvida a favor do monitoramento, pois não há previsão legislativa no ordenamento pátrio que discipline a matéria, ficando os operadores do Direito à mercê das conjecturas.

Deve-se ter em mente que se trata de dois valores importantes, mas não absolutos. A intimidade do empregador é direito fundamental, constitucionalmente assegurado, além de ser corolário do princípio da dignidade humana. O poder diretivo, por sua vez, é intimamente ligado ao instituto da subordinação jurídica do obreiro e representa uma forte característica da relação de emprego; sem ele, a própria relação entre empregado e empregados restaria descaracterizada.

A literatura traz, portanto, a solução clássica apresentada em caso de conflito de direitos: a ponderação, aliada ao princípio da proporcionalidade, como se aduz das palavras de Moreira e Reis:

Atrelado ao juízo de ponderação está o principio da proporcionalidade. Embora não esteja previsto explicitamente na Carta Magna, tal princípio busca conciliar dois (ou mais) direitos tidos como fundamentais sem que haja a total anulação de um em relação ao outro tomando como parâmetro um caso concreto. Deve ser ressaltado que mesmo havendo a ponderação dos direitos tidos como fundamentais isso não significa que aquele que foi sopezado não mantenha seu núcleo essencial. Na prática, o dever de respeitar, proteger e promover determinado direito fundamental poderá resultar em eventual violação a outro direito fundamental. O que se busca é a máxima otimização da norma. Desta forma, o agente concretizador deve efetivá-la até onde for possível atingir ao máximo a vontade constitucional, buscando não sacrificar outros direitos da mesma formaprotegidos.[183]

Desta forma, até que o legislador regule concretamente a matéria, o sopesamento dos valores deve ser feito, caso a caso, a fim de que os direitos sejam minimamente comprimidos, dada a relevância que cada um apresenta e também o caráter não absoluto de ambos.

Além do princípio da proporcionalidade, as decisões judiciais também são de grande valia para ajudar a orientar a matéria, e cumprem o papel de “legisladores”, na omissão destes.

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Sobre a autora
Pollyana Oliveira Melo

Advogada, especializada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo Centro de Ensino Unificado de Teresina - CEUT.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MELO, Pollyana Oliveira. Controle do e-mail no ambiente de trabalho.: Análise do conflito entre os direitos da personalidade do empregado e o poder diretivo do empregador. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3613, 23 mai. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24509. Acesso em: 22 nov. 2024.

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