O problema.
Recente anúncio de que o governo federal estaria discutindo subsídios aos planos de saúde suplementar acirrou os ânimos de associações de médicos, profissionais da área de saúde e da sociedade em geral, defensoras do SUS. Afinal, a política de saúde no Brasil deve adotar uma posição intervencionista ou neoliberal? Em qual medida? Compete ao governo incentivar a saúde suplementar ou basta incrementar o atendimento do SUS? Qual é o ponto de equilíbrio dos interesses da população ao atendimentoassistencial do SUS e complementar ou suplementar dos planos de saúde privados? Qual é a resposta adequada à participação dos representantes políticos em atenção aos interesses econômicos e sociais envolvidos?
O fato.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – IDEC promoveu no último dia 26 de abril de 2013, na Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, Ato Público sob a chamada “Os planos de saúde vão acabar com o SUS?”. O evento contou com a participação de importantes instituições que operam direta ou indiretamente na área da saúde no Brasil, tais como o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo - CREMESP, a Central Única dos Trabalhadores - CUT, a Associação Paulista de Saúde Pública, dentre outras renomadas instituições afins.
Na oportunidade consolidou-se a discordância das entidades participantes às negociações do governo com a iniciativa privada no sentido de subsidiar os planos de saúde suplementar em contrapartida à melhoria e ampliação das coberturas dos planos disponibilizados à população. Até mesmo a compensação dos gastos com a saúde no imposto de renda, na forma de ajuda indireta, é considerada um intervencionismo exagerado na opinião dos mais ortodoxos e deve ser banida do mundo jurídico. Dizem que o momento é de definição da política governamental e que qualquer forma de subsídio implica na desestruturação e inviabilidade do SUS.
Ao final da discussão plenária foi aprovado um Manifesto com o título “EM DEFESA DO SUS E PELA EXTINÇÃO DE SUBSÍDIOS PÚBLICOS PARA PLANOS E SEGUROS DE SAÚDE”, cujo inteiro teor pode ser conferido no sítio eletrônico do IDEC.
A discussão.
Na visão dos mais ortodoxos, dentre estes a Prof. Ligia Bahia, professora do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutora em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz, 1999, não há qualquer possibilidade de viabilidade da saúde ser administrada pelo Estado com a presença maciça e subsidiada do capital privado. Afirma a Professora que “em nem um pais pesquisado, a solução da questão da saúde passa por esta forma mista com êxito”. Argumenta que Inclusive os Estados Unidos, com sua cultura capitalista e grande incentivador da livre iniciativa, estão cedendo à estatização da Saúde. O Presidente Barack Obama pretende chamar ao Estado parte da responsabilidade pela saúde pública em detrimento da ampla liberdade dos planos e seguros privados.
Aqui no Brasil, ao criar o SUS, o Governo assumiu uma posição intervencionista. Logo em seguida o mercado se organizou para oferecer a saúde suplementar e o governo se apressou em regulamentar, mitigando a proposta inicial e, tomando, assim, uma posição mais liberal. Não totalmente neoliberal, mas admite uma participação da iniciativa privada onde o governo, constitucionalmente, já havia definido a responsabilidade estatal. Os defensores da retomada da hegemonia do SUS alertam que o Brasil está em vias de adotar uma postura radicalmente neoliberal em questões de saúde publica, quando os Estados Unidos seguem, exatamente em sentido contrário.
Em defesa de posição mais moderada quanto à coexistência do SUS e planos privados de saúde, sob a égide do lema “desigual e combinado”, a Professora Regina Parizida Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo – FSP/USPlembrou que o país precisa se voltar a questões básicas e definir, por exemplo, se a participação da iniciativa privada, que é uma realidade já estruturada no Brasil, inclusive com grande adesão da população, em especial da classe média, tem um caráter complementar (art. 4º, § 2ª, da Lei 8080/90) ou suplementar para a partir daí reorganizar o setor. Lembrou, também, que nas condições atuais o Estado vem legislando sob forte pressão dos interesses de grupos econômicos, pois não detém a hegemonia ou, sequer, a supremacia dos recursos técnicos e financeiros do setor: “o Estado não é o maior prestador de serviços e não é o maior financiador da saúde no Brasil”, afirmou.
Aqui vale o seguinte esclarecimento: saúde suplementar se refere à iniciativa privada e facultativa em complemento aos serviços prestados pelo Estado, que é mantido, dentre outras fontes de custeio, através da contribuição compulsória para a seguridade social; enquanto que a saúde complementar se refere ao sistema privado quando atua nas lacunas do sistema de saúde pública. No Brasil, a saúde suplementar, contratada por opção do usuário, poderia ser classificada de complementar, pois “supõe a existência e a limitação do sistema de saúde público – neste caso, o sistema privado complementa a cobertura de determinados serviços”. (BAHIA, LIGIA. O mercado de planos e seguros de saúde no Brasil: tendências pós–regulação. In: NEGRI, B.; DI GIOVANNI, G. Brasil: radiografia da saúde. Campinas: UNESP, 2001. p. 325–361.)
Às vistas dos ortodoxos, percebe-se uma defesa radical do SUS, com aporte de capital – propõe-se incrementar a participação do SUS de 7% para 10% do faturamento bruto do país, com alteração da Lei Complementar 141/2012, afirmou Gilson Carvalho, Doutor em saúde pública pela USP, membro do Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems). Por outro lado, os empresários da saúde manifestam-se pelo interesse do investimento privado, seja em caráter complementar ou suplementar,sem prejuízo das benesses do Governo, através de financiamentos de baixo custo, benefícios fiscais, utilização de estruturas físicas. O impacto político que envolve a questão é evidente.
De fato, a classe média emergente no Brasil quer acessar planos de saúde privados, sem se importar com a qualidade dos serviços prestados e sem se importar com o impacto econômico ou estrutural que a medida reflete e, quiçá, sem a garantia de atendimento aos serviços contratados. A nova classe média quer experimentar o acesso a uma comodidade, ou seja, acessar ao plano de saúde privado, sem se importar se o serviço ofertado está garantido e a qual custo para o contribuinte.
Em consequência, no curto prazo, os detentores dos poderes políticos ganham votos, os investidores da saúde aumentam o seu capital através da ampliação dos usuários de planos privados de baixo custo, mesclando comodidade com assistência, ou mais tecnicamente, fundindo os conceitos de caráter suplementar e complementar da saúde pública,com a movimentaçãode elevadas cifras em dinheiro.
Considerando ainda que parte dos investimentos privados vem do exterior, uma vez estruturado o sistema privado de saúde a baixo custo e de baixa qualidade, os lucros serão remetidos ao exterior em nítida afronta à Constituição Federal. A uma por que não é permitido o repasse de dinheiros públicos aos investimentos privados. A duas por que não é permitida a participação capital estrangeiro no setor de saúde, salvo noscasos previstos em lei – artigo 199, §§ 2º e 3º, CF.
Conclusão.
A ampla discussão é necessária e salutar ao desenvolvimento social, político econômico do Brasil. Pulsa o sentimento patriótico e, nesse pulsar, não nos furtamos a opinar.
Entre as posições radicais e mais flexíveis, há um ponto de partida em comum: o sistema de saúde no Brasil está em colapso e clama por uma regulamentação mais precisa de seus contornos. Para os radicais, cumpre ao Governo extirpar qualquer forma de subsídio aos planos de saúde privados; e, para os moderadoscumpre ao governo definir qual é a exata medida da participação da iniciativa privada: se suplementar (venda de comodidades) ou complementar, provendo assistência, com atuação onde o governo formalmente não atende.
Mais uma vez sustentamos nossa opinião de que o Brasil busca por uma “identidade ideológica”, conforme artigo publicado na revista “jus vigilante”, de dezembro de 2012. Em flagrante adesão à posição moderada, entendemos que antes de discutir a legitimidade de repasses de valores, subsídios, ou qualquer forma de fomento à assistência médica suplementar, o governo precisa definir o quanto se espera dos planos de saúde: se a prevalência do caráter suplementar, atuando para atender às comodidades daqueles que podem pagar ou de forma ou complementar, assistindo à população onde o governo optou por não atuar. Na primeira hipótese, o subsídio seria intolerável; na segunda, o estímulo à participação do governo poderia ser discutida na medida do interesse público.