7. Princípio da Ampla defesa:
Corolário indissociável do princípio do contraditório é o princípio da ampla defesa. Já se disse que a ampla defesa é a vida do contraditório. Observa-se, todavia, que não há qualquer relação de predominância entre uma e outra dessas realidades. Pode-se afirmar, porém, que ambas decorrem do princípio do devido processo legal, entendido este como o processo que se desenvolve em contraditório pleno e efetivo, a ampla defesa com os meios e recursos, assegurando a participação das partes em igualdade de situação.
Visualizada pelo lado oposto ao direito de ação, tem-se que a defesa é uma decorrência daquele direito. Porquanto através da ação garante-se o acesso à justiça ao demandante. De outra banda, tem o demandado o seu direito assegurado a medida em que tomando conhecimento da imputação se faz sentir a necessidade do contraditório efetivo. Assim pode-se afirmar que a ampla defesa não decorre do contraditório ou este daquela. Mas as duas realidades são garantidas pelo direito de ação que confere o acesso à justiça.
Numa perspectiva histórica, pode-se afirmar que a defesa esteve sempre garantida, desde a Constituição imperial de 1824 até a atual Constituição de 1988. Observa-se que em alguns textos esteve ligada à nota de culpa. Em outros, porém, associada à instrução. Daí que se chegou a pensar que a defesa só era obrigatória no processo penal. No texto de 05.10.88 não há como subsistir qualquer dúvida, haja vista ser consignado em contornos claros que: “aos litigantes em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Assim sendo, tem-se que como decorrência do direito de ação franqueou-se ao demandado o direito de defesa, por sinal portador da mesma natureza jurídica daquele, em qualquer modalidade de processo judicial ou administrativo.
Sobre os meios inerentes à ampla defesa vaticina o Prof. Vicente Greco Filho que: “Consideram-se meios inerentes à ampla defesa: a) ter conhecimento claro da imputação; b) poder apresentar alegações contra a acusação; c) poder acompanhar a prova produzida e fazer contra-prova; d) ter defesa técnica por advogado, cuja função, aliás, agora é essencial à Administração da Justiça e e) poder recorrer da decisão desfavorável”[19].
Rogério Lauria Tucci entende que a ampla defesa, da forma contemplada na Constituição, compreende: a) o direito à informação; b) a bilateralidade da audiência; e c) o direito a prova legitimamente obtida ou produzida[20].
A ampla defesa corporifica-se através da defesa técnica e autodefesa. Esta complementa aquela. Ambas convergem ao pleno exercício do direito de defesa.
A defesa técnica é portadora dos seguintes predicativos: a) é necessária; b) indeclinável; c) plena; e d) efetiva. Diz-se que a defesa técnica é necessária porque não se pode admitir ampla defesa sem que seja patrocinada por advogado que é função essencial a atividade jurisdicional do Estado, a teor do art.133 da Constituição Federal, garantindo-lhe a paridade de armas. É indeclinável porque não se permite sua renúncia. O direito de defesa, numa perspectiva publicista, representa tanto garantia para o acusado como garantia à legitimidade da função jurisdicional do Estado. Exige-se seja plena porque deve se manifestar durante todo o curso do procedimento. Não só com a possibilidade inicial de resistência, mas através da garantia do direito à prova, ao duplo grau de jurisdição, aperfeiçoando-se o máximo possível o contraditório. A defesa técnica deve ser efetiva, não se permitido a atuação puramente formal, descompromissada, onde o defensor técnico exerça atividade meramente contemplativa. Impõe-se que a defesa técnica desincumba-se do seu mister assistindo ao acusado, em todos os atos e termos, com postura ativa frente aos fatos imputados.
Por sua vez, a autodefesa é aquela exercida pelo próprio acusado. Observa-se, porém, que o acusado não pode ser compelido a exercer a autodefesa. Por essa razão, tem-se que não pode o acusado ser chamado coercitivamente para comparecer ao interrogatório nem a qualquer outro ato do procedimento. Diz-se, portanto, que a autodefesa é renunciável.
A autodefesa compreende as seguintes garantias: a)direito de audiência; b) direito de presença; e c) direito de postulação. O direito de audiência consiste no direito que tem o acusado de pessoalmente apresentar ao juiz sua defesa. Seu ambiente próprio é o interrogatório. É nele que o acusado presta ao juiz sua versão acerca do fato que lhe é imputado. No entanto, pode o réu comparecer ao interrogatório e exercer o seu direito ao silêncio, daí não decorrendo qualquer interpretação em seu desfavor. Tocante a garantia do direito de presença é assegurada ao acusado a participação em todos os atos do procedimento, auxiliando ao defensor em sua defesa. Quanto a garantia do direito de postulação, reserva-se ao acusado ou ao condenado, em algumas hipóteses, o direito de postular pessoalmente, impetrando habeas corpus, interpondo recurso ou requerendo progressão de regime.
8. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA:
A Constituição Federal inovou em inúmeros aspectos, e, substancialmente, elevou o Direito Processual ao seu devido lugar de guardião da liberdade individual. Nunca um texto constitucional, na história brasileira, preocupou-se tão profundamente em dotar o processo de meios e instrumentos indispensáveis ao direito de defesa, para que da contradição entre esta e a ação pudesse surgir a verdadeira justiça.
O princípio da presunção de inocência apareceu pela vez primeira em um texto em 1791, na França, através da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão. Em seguida, no ano de 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU também logrou positiva-lo. A partir daí, o princípio foi sendo introduzido em diversas legislações, só aportando no Brasil em 1988, com a vigente Constituição, que proclama no art. 5º, inc. LVII, “ Ninguém será considerado culpado até o transito em julgado de sentença penal condenatória”. Por força da presunção de inocência, assim, cabe ao acusador demonstrar dentro do devido processo legal a vinculação indissociável do acusado com o fato objeto do processo. Por sua adoção, importa frisar, que o autor só será considerado culpável (censurável) na medida em que podia agir de maneira diferente, conforme ao direito.
Dúvida não há de sua relevância tanto para o processo penal como para o direito penal. No que pertine aquele vale destacar duas regras fundamentais que emergem da presunção: a) a regra probatória; b) regra de tratamento. Tocante à regra probatória, Magalhães Gomes Filho, citado por Luiz Flávio Gomes, elencou como suas emanações: a) a incumbência do acusador demonstrar a culpabilidade do acusado; b) a necessidade de comprovar a existência dos fatos imputados, não demonstrar a inconsistência das desculpas do acusado; c) tal comprovação deve ser feita legalmente (conforme o devido processo legal); e d) a impossibilidade de se obrigar o acusado a colaborar na apuração dos fatos, daí decorrendo seu direito ao silêncio. Por outro lado, pode-se asseverar que em razão da regra de tratamento a presunção de inocência impede qualquer antecipação de juízo condenatório ou de culpabilidade, seja por situações, práticas, palavras, gestos etc.
Assim temos que no processo penal a presunção de inocência possui dupla função: como regra probatória, também chamada regra de juízo, exige que toda condenação tenha por base prova incriminatória e que as dúvidas sejam resolvidas em favor do réu (“in dubio pro reo”). Como regra de tratamento revela a proibição de que as medidas cautelares e, em especial, a prisão preventiva, sejam utilizadas para aplicação antecipada de pena.
De outra banda, no que se refere ao direito penal, além de projetar sua eficácia para a interpretação das leis penais (em igualdade de condições deve-se preferir o sentido mais favorável ao acusado). Afora isso, a presunção de inocência representa um limite frente ao legislador. Em virtude desse limite e da natureza constitucional do mesmo, serão nulos os preceitos penais que estabeleçam a responsabilidade baseada em fatos presumidos ou em presunções de culpabilidade.
9. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE:
Ainda como reflexo da influência do regime democrático no processo penal, a Constituição Federal talhou no art. 5º, XL, o princípio da publicidade dos atos processuais nos seguintes termos: “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem”. Adiante, no art. 93, estabelece, em complementação, que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei, se o interesse público o exigir, limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes”.
Percebe-se que, ao estabelecer a garantia da publicidade reforça a ideia de democratização do processo, à medida que confere à comunidade mecanismos de participação no controle dos atos do Poder Judiciário, dotando o cidadão de poderoso instrumento contra o arbítrio das autoridades judiciárias e lhe possibilitando a fiscalização da distribuição da Justiça.
No passado, porém, os processos eram secretos. Nem mesmo o próprio réu tinha conhecimento da acusação. A partir da implementação das ideias liberais com a revolução francesa, e mais recentemente com a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de 1966, passou-se a exigir publicidades nos julgados como meio de credibilidade na Justiça.
A publicidade pode ser plena ou restrita. É plena quando o acesso aos atos do processo é franqueado ao público em geral. É restrita quando a defesa da intimidade ou o interesse social reclamar que o acesso aos atos processuais seja limitado aos sujeitos da relação processual. Como se observa, a regra é a publicidade plena. Somente em situações excepcionais, ditadas por interesses superiores, afigura-se possível a restrição da publicidade dos atos do processo.
Vale destacar que a publicidade aqui tratada limita-se aos atos do Processo, não projetando influência nos atos do inquérito policial. Porquanto, durante a investigação deve a autoridade policial assegurar o sigilo necessário à elucidação do fato, a teor do art. 20 do Código de Processo Penal.
Logo que Constitucionalizado pela vez primeira através da Carta Política brasileira de 05.10.88, o princípio da publicidade despertou a indagação de estudiosos acerca do julgamento em sala secreta nos processo da competência do Tribunal do Júri. Não obstante alguns julgados precipitados e sem maior reflexão terem enveredado pela não recepção da sala secreta, o fato é que grassou nos Tribunais o entendimento segundo o qual o procedimento em sala secreta estabelece garantia para os jurados, de sorte a proporcionar-lhe maior imparcialidade no julgamento popular. Diferente não podia ser o entendimento dos pretórios. Isso porque a própria Constituição de um lado estabelece a publicidade dos atos processuais e, do outro bordo, garante a instituição do Júri e o sigilo de suas votações. Daí que não se vislumbra qualquer incompatibilidade no plano vertical entre o princípio da publicidade e o julgamento em sala secreta do Tribunal Popular.
10. PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO:
Tem sido preocupação constante da processualística moderna compatibilizar os princípios da justiça e segurança jurídica. Pelo primeiro, observa-se que quanto mais examinada a decisão maior o grau de acerto na distribuição da justiça como ato humano. Através do segundo, busca-se garantir que a decisão definitiva seja prolatada com maior brevidade possível, visando evitar procrastinações desnecessárias e inúteis.
Dúvida não há quanto a pertinência da preocupação. Até porque, como se disse linhas pretéritas, sendo o processo meio de pacificação da sociedade, não lhe é conveniente perdurar por tempo indefinido causando incredulidade quanto à administração da Justiça.
A preocupação em conciliar os princípios da justiça e segurança, faz-se sentir porque em meio a um e outro aflora como garantia constitucional implícita o princípio do duplo grau de jurisdição.
Malgrado não esteja positivado expressamente na Constituição Federal, sua hospedagem na Norma Ápice se afigura incontroversa. Isso porque intimamente ligado aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do acesso à justiça, bem como decorrente da própria estruturação dos órgãos da Jurisdição superior feito pela Constituição. Bem verdade que merecia ter recebido do constituinte melhor atenção, haja vista que foi incansável ao elencar as garantias constitucionais. Assim pode-se afirmar que o duplo grau de jurisdição é garantia constitucional implicitamente contemplada.
Os fundamentos do duplo grau de Jurisdição são de ordem jurídica e política. Quanto aos fundamentos de natureza jurídica repousam em razões históricas, visto que sempre contemplado nas legislações de todos os povos o direito ao recurso. Por outro lado, necessidades psicológicas autorizam a adoção do princípio, haja vista que natural ao homem não se submeter voluntariamente à vontade de uma decisão primeira que lhe fora desfavorável. Afora isso, o julgamento sempre traz a marca da falibilidade humana, desde que prolatado por um homem. Não fosse bastante, concorre para a adoção do princípio o fundamento político, consistente em que nenhum ato estatal pode alforriar-se de controle.
Em oposição a sua adoção, alguns argumentos são levantados no sentido de que nada garante que a decisão de segundo grau possa ser mais acertada, correndo-se o risco da decisão primitiva justa ser reformada. Até porque o magistrado de primeiro grau é quem tem, em regra, maior contato com as partes e com as provas produzidas, enquanto o tribunal, em regra, julga apenas com base nos documentos colacionados aos autos.
Por isso, conforme anota Ada Pellegrini Grinover,[21] uma forte tendência do processo contemporâneo preconiza que o duplo grau de jurisdição seja reservado à apreciação das questões de direito, enquanto as questões de fato não deveriam ser revistas pelo tribunal, a menos que toda a prova fosse reproduzida em segundo grau.
Agrega-se aos argumentos, o fato de que caso mantida a decisão de primeiro grau, apenas houve retardamento na entrega da prestação jurisdicional, ofendendo o princípio da economia processual. Doutra parte, a reforma da decisão de primeiro grau pelo Órgão colegiado revela incerteza na aplicação do direito, causando certo desprestígio ao Poder Judiciário.
Não obstante os argumentos contra a adoção do princípio sub examine, tenho que nos Estados de aspirações democráticas sua adoção é uma imposição própria da necessidade de se controlar os atos dos agentes estatais. Com isso não se defende que o órgão colegiado possa ou deva julgar melhor, mas, o que é necessário é permitir que aquele cidadão que não se conformou com uma decisão que lhe foi desfavorável possa manejar o recurso idôneo para ver reexaminada aquela decisão.
Nessa perspectiva vale frisar que o princípio resta saciado já com o julgamento pelo órgão colegiado que reexamina a decisão de primeiro grau por uma única vez, de sorte que não se enquadra em suas hipóteses as decisões dos colegiados de terceiro grau, pois outros são seus fundamentos.