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A constitucionalização dos direitos humanos

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3.    OS DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

“A priori” é preciso compreender o significado de “direitos humanos”, objeto do presente estudo, em consonância com a expressão “direitos fundamentais”. Isto porque parte da doutrina tem utilizado ambos os termos como sinônimos com o mesmo conceito e conteúdo, sem saber ao certo ao que cada um se refere. A própria Magna Carta de 1988 não é precisa no emprego dos mesmos, conforme constatação feita por Sarlet (2010, p. 27):

[...] a exemplo do que ocorre em outros textos constitucionais, há que reconhecer que também a Constituição de 1988, em que pesem os avanços alcançados, continua a se caracterizar por uma diversidade semântica, utilizando termos diversos ao referir-se aos direitos fundamentais. A título ilustrativo, encontramos em nossa Carta Magna expressões como: a) direitos humanos (art. 4º, inc. II); b) direitos e garantias fundamentais (epígrafe do Título II, e art. 5º, §1º); c) direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, inc. LXXI) e d) direitos e garantias individuais (art. 60, §4º, inc. IV).

Indaga-se se existe alguma distinção entre as expressões “direitos fundamentais” e “direitos humanos”, pois ambas tratam de valores ligados à liberdade e igualdade com vistas à proteção e promoção da dignidade da pessoa humana.

Grosso modo, em termos de conteúdo não há grandes diferenças. Contudo, não se pode olvidar que os direitos fundamentais são aqueles minimamente necessários a proporcionar uma vida digna ao seu titular, ao passo que os direitos humanos têm alcance ampliado, abrangendo, assim, os direitos positivados e os que ainda aguardam para serem positivados.

Entretanto, a maior distinção que existe entre os termos concerne ao plano de positivação, conforme ensinamento de Sarlet (2010, p. 29):

Em que pese sejam ambos os termos (“direitos humanos” e “direitos fundamentais”) comumente utilizados como sinônimos, a explicação corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distinção é que o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

Como visto os direitos humanos estão consagrados no plano internacional, ao passo que os direitos fundamentais estão positivados no plano interno, isto é, nas constituições. Dessa forma, quando os direitos humanos são consagrados na Constituição eles ganham o “status” de direitos fundamentais. Sarlet (2010, p. 32) aborda as consequências desta incorporação:

Nesse sentido, os direitos humanos (como direitos inerentes à própria condição e dignidade humana) acabam sendo transformados em direitos fundamentais pelo modelo positivista, incorporando-os ao sistema de direito positivo como elementos essenciais, visto que apenas mediante um processo de “fundamentalização” (precisamente pela incorporação às constituições), os direitos naturais e inalienáveis da pessoa adquirem a hierarquia jurídica e seu caráter vinculante em relação a todos os poderes constituídos no âmbito de um Estado Constitucional.

Concluindo a ideia apresentada, o autor (2010, p. 34) esclarece que os termos não se excluem, mas se inter-relacionam cada vez mais, respeitadas as diferentes esferas de positivação.

No Brasil, a consagração dos direitos humanos no ordenamento jurídico interno como direitos fundamentais deu-se com o advento da Carta Magna de 1988. A positivação destes direitos visa, dentre os fundamentos da República Federativa do Brasil, à dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III). A dignidade figura como “valor constitucional supremo”, o valor mais importante da Constituição. Para Piovesan (2010, p. 48):

A dignidade humana e os direitos fundamentais vêm a constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro. Na ordem de 1988, esses valores passam a ser dotados de uma especial força expansiva, eprojetando-se por todo universo constitucional e servindo como critério interpretativo de todas as normas do ordenamento jurídico nacional. 

A dignidade é, portanto, o fundamento de onde se irradiam todos os direitos fundamentais, pois é ela quem assegura o preenchimento adequado dos mesmos, como bem lembrado por Sarlet (2010, p. 109):

Neste sentido, importa salientar, de início que o princípio da dignidade da pessoa humana vem sendo considerado fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, no sentido de que estes constituem exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa humana e que com base nesta devem ser interpretados. Entre nós, sustentou-se recentemente que o princípio da dignidade da pessoa humana exerce o papel de fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais, dando-lhes unidade e coerência.

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No sentido formal de Constituição, a maioria dos direitos fundamentais está inscrita no Título II “Dos direitos e garantias fundamentais”:

Somente no art. 5º temos 77 incisos dispondo basicamente sobre direitos civis, ou seja, direitos relativos às liberdades, à não-discriminação e ao devido processo legal (garantias do Estado de Direito). Alguns dos direitos relativos às liberdades são retomados a partir do art. 170, que rege nossa ordem econômica. Do art. 6º ao art. 11, por sua vez, temos direitos sociais, que serão ainda estendidos entre os arts. 193 e 217. [...] Por fim, há, ainda, direitos ligados a comunidades e grupos vulneráveis, como a proteção especial à criança, ao idoso, ao índio (arts. 227, 230 e 231), ou, ainda, a proteção ao meio ambiente (art. 225 da CF) (VIEIRA, 2006, p.41).

Além dos direitos fundamentais inscritos no texto constitucional, incluem-se todos os outros necessários para preservar e promover a dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, não se pode olvidar que, além das normas constitucionais brasileiras, existe a possibilidade de o Brasil aderir a tratados e convenções internacionais. O disposto no parágrafo 3º do artigo 5º trata da interação entre o ordenamento jurídico pátrio e os tratados internacionais de direitos humanos, possibilitando ao Brasil a constitucionalização de direitos reconhecidos e resguardados no âmbito internacional.

A constitucionalização de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos no ordenamento jurídico pátrio, segundo Piovesan (2010, p. 49) elevou os direitos neles enunciados a “uma hierarquia especial e diferenciada, qual seja, a norma constitucional” (PIOVESAN, 2010, p. 49).

Desde o processo de democratização do País e em particular a partir da Constituição Federal de 1988, o Brasil tem adotado importantes medidas em prol da incorporação de instrumentos internacionais voltados à proteção dos direitos humanos (PIOVESAN, 2012, p. 366).

Do exposto infere-se que, os direitos humanos na Constituição Federal de 1988 são os direitos já positivados, os extraídos do regime e dos princípios constitucionais e os decorrentes de tratados internacionais.

 


CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inserção dos direitos humanos como direitos fundamentais no ordenamento pátrio é de suma importância para a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana. Nessa medida, a Constituição Federal de 1988 garantiu um extenso rol de direitos sociais na proteção dos cidadãos brasileiros, o que só foi possível por meio do fenômeno da constitucionalização dos direitos humanos.

 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BORSATO, Pollyana Rocha. Os direitos sociais no âmbito laboral: da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. 2011. 52f. Monografia (especialização) – Direitos Humanos, Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, Mato Grosso do Sul, 2011.

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COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 6. ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2008.

DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do Estado. – 25. ed. – São Paulo: Saraiva, 2005.

JORGE NETO, Nagibe de Melo. O Controle Jurisdicional das Políticas Públicas: concretizando a democracia e os direitos sociais fundamentais. Salvador: Editora JusPODIVIM, 2009.

LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia das Letras, 1988

NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL – ONU BR. Conheça a ONU. Disponível em: <http://www.onu.org.br/conheca-a-onu/a-historia-da-organizacao/>. Acesso em 18/05/2013.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional. 13. ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012.

_____. Temas de direitos humanos. 4. ed. – São Paulo: Saraiva, 2010.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. rev. atual. e ampl. 2. tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2010.

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. O direito social transcende os direitos humanos. In: LEITE,George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos Fundamentais e Estado Constitucional: Estudos em homenagem a J. J. Gomes Canotilho. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOAVENTURA, Alana Duarte Santos. A constitucionalização dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3703, 21 ago. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25152. Acesso em: 24 abr. 2024.

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