Nos últimos dias, a população brasileira acompanha atentamente o julgamento da Ação Penal 470, conhecida como ação do “mensalão”, por parte dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
No momento, a discussão que se dá é entre o cabimento ou não dos Embargos Infringentes, recurso previsto no art. 333 do Regimento Interno do STF, porém olvidado na Lei nº 8.038/01, que regulamenta, dentre outros procedimentos, o que trata das Ações Penais de competência originária do STF.
O que precisa ser ressaltado, de pronto, é que o acolhimento dos embargos infringentes, muito embora postergue a resolução final, não necessariamente lhe alterará o já decidido. Não se pode associar este julgamento, de cunho processual (acolhimento), com aquele que se dará posteriormente, caso acolhidos os embargos, de cunho material (provimento).
A associação entre acolhimento dos embargos e a impunidade dos acusados é, do ponto de vista filosófico, uma falácia, posto que não há liame necessário entre a premissa (admissão do recurso) e a conclusão (provimento do mesmo – pizza).
Inobstante, eventual reforma, o que não se acredita, apenas acentuará que houve um erro. Um erro que precisou ser corrigido e uma inocência que precisou ser declarada, apesar de todos os gritos em contrário.
Não se pode coadunar com a tese de que a maioria possa condenar alguns apenas pela vontade: há de se ter um devido processo, com todas as garantias a ele inerentes, bem como provas suficientes da materialidade e da autoria do crime.
Por mais que queiramos a condenação de alguém que consideramos culpado, não se pode aceitar a condenação sem a estrita observância de todas as garantias processuais do acusado.
Na hipótese, de fato, não há outros precedentes de julgamento sobre cabimento de embargos infringentes em ações penais originárias da Corte, embora haja em matéria penal: Habeas Corpus e RO em HC.
Entretanto, o acolhimento desta via recursal, já prevista no art. 333 do RISTF, serve apenas à compatibilização com o sistema constitucional de garantia da ampla defesa e do contraditório, do devido processo legal e da recorribilidade, não prevista na Constituição Federal, entretanto no Pacto de São José da Costa Rica, ao qual o Brasil aderiu, que prevê em seu art. 8º, item 2, inciso h, que toda pessoa condenada penalmente tem direito a recorrer da sentença para tribunal superior.
Se não há tribunal acima da Corte Constitucional, uma interpretação sistemática e extensiva dos direitos humanos, em conformidade com a Constituição, impõe que haja, ao menos, recurso para a própria Corte de suas decisões em ações de competência originária, conforme previsto no dispositivo já referenciado. Principalmente se não há unanimidade[1].
A razão de tal recurso é a reanálise com fito a evitar-se que equívoco na apreciação da prova condene inocente. Por melhor preparados que sejam os juízes, e não se duvida que os juízes de primeira instância tenham a mesma competência e conhecimento dos ministros do STF, todos somos humanos falíveis e, eventualmente, estamos fadados a deixar de observar questões e pontos de vista relevantes.
Deste modo, mesmo não prevendo a lei nº 8.038/01 o recurso de Embargos Infringentes, o STF tem o dever de compatibilizá-la com a CF e as convenções de Direitos Humanos aos quais o país aderiu, da mesma forma que fez tantas outras formas em diversas ações e recursos, acolhendo os Embargos Infringentes.
Notas
[1]A respeito da unanimidade em julgamentos, a título cultural, recomendo o filme Doze Homens e uma Sentença (12 Angry Men – 1957), dirigido por Sidney Lumet.