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A desaposentação e contagem recíproca entre sistemas previdenciários.

Uma análise à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ)

Leia nesta página:

A palavra final quanto à possibilidade da “desaposentação”, com o reconhecimento final da constitucionalidade da renúncia da aposentadoria recebida junto ao INSS e posterior aproveitamento do tempo de serviço no mesmo ou em outro regime previdenciário (como o regime próprio dos servidores públicos), caberá ao STF, no julgamento do RE nº 381.367/RS.

I – Considerações iniciais

Uma das questões jurídicas mais debatidas na imprensa brasileira nos últimos anos tem sido a chamada “desaposentação”, que trata da renúncia de um benefício previdenciário para obtenção de outro mais vantajoso, considerado o tempo de serviço após a aposentadoria.

Sem dúvida, a desaposentação pode ser considerada um novo instituto do Direito Previdenciário brasileiro e, doravante, com certeza estará em todos os manuais dessa matéria do Direito.

A denominada desaposentação pode ocorrer dentro do próprio Regime Geral da Previdência Social (RGPS), que é o regime a que se submetem os milhões de brasileiros segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ou entre regimes previdenciários distintos, como, por exemplo, entre o Regime Geral de Previdência Social (INSS) e o regime próprio dos servidores públicos.

A discussão da matéria tomou grande impulso com a decisão proferida no último dia 08.05.2013 pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 1.334.488/SC, relatado pelo Min. Herman Benjamin.

Esse artigo tratará especificamente dos casos de desaposentação e contagem recíproca de tempo de serviço entre sistemas previdenciários distintos, que é uma questão tem sido decidida na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) há alguns anos.

O presente trabalho tem como objetivo precípuo o de assentar, com base no que já decidiu o E. STJ, a plena possibilidade jurídica dadesaposentação, que nada mais é do que a extinção, por renúncia, ao benefício previdenciário percebido pelo servidor público já aposentado pelo INSS, e a consequente obrigação daquela aquela autarquia em expedir a certidão de tempo de serviço ou contribuição (CTC) dele no Regime Geral da Previdência Social (RGPS) para fins de averbação e contagem recíproca no regime próprio dos servidores públicos, de forma a lhe garantir, até mesmo, consideradas as circunstâncias do caso concreto, a aposentaria integral no serviço público.


II – Dos fundamentos legais e constitucionais da desaposentação eda consequente contagem recíproca entre sistemas previdenciários

Com efeito, em face das disposições legais e constitucionais atinentes à matéria, é inequívoco o direito do servidor público de renunciar ao benefício de aposentadoria percebido junto ao INSS e, consequentemente, averbar junto ao serviço público, ao qual está vinculado em razão da investidura em cargo público, o tempo de serviço originalmente aproveitado para a concessão daquele benefício previdenciário.

 Para tanto, é necessário que a autarquia (INSS) expeça, em favor do servidor,certidão específica, chamada CTC, objetivando a contagem recíproca junto ao serviço público do tempo em que contribuiu para o INSS.

A contagem recíproca é direito assegurado pela Lei nº 8.213/91 (art. 94) e pela Constituição Federal (art. 201, parágrafo 9º), segundo a qual:

“Art. 201 (...)

 § 9º Para efeito de aposentadoria é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.”

O citado artigo 94 da Lei nº 8.213/91 dispõe que:

“Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição ou do serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente.

Parágrafo Único – A compensação financeira será feita ao sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerer o benefício pelos demais sistemas, em relação aos respectivos tempos de contribuição ou serviço, conforme dispuser o Regulamento.”

Dessa forma, é inegável que o servidor público pode renunciar ao benefício previdenciário que ora percebe junto ao INSS e optar pela aposentadoria pelo serviço público com a contagem do tempo de serviço que originou aquele benefício previdenciário, dada a possibilidade que lhe é assegurada por lei de contagem recíproca do tempo de serviço e a compensação financeira prevista no parágrafo único do artigo 94 da Lei nº 8.213/91.

As normas constitucional e legal em comento trazem em seu bojo dois preceitos: i)asseguram de forma incontestável a contagem recíproca do tempo de serviço para a aposentadoria e ii) asseguram a compensação financeira entre os diferentes sistemas previdenciários.

A parte do texto constitucional que assegura a contagem recíproca é clara, tratando-se de norma constitucional de completa regulamentação. Assim, inegável que o servidor público pode somar o tempo de serviço prestado à iniciativa privada para efeitos de aposentadoria no serviço público, sendo este o atual sistema a que se encontra submetido.

Ademais, não há que se negar, deverá haver compensação financeira entre os sistemas previdenciários distintos, de acordo com o que preceitua a segunda parte da norma constitucional, devidamente regulamentada pela citada lei federal, sendo certo que os institutos se compensarão sem qualquer restrição no que diz respeito ao tempo de serviço prestado ao ente público (União, Estado, Município ou entes da Administração Pública Indireta), ficando o INSS isento do pagamento dos proventos que, futuramente, assim que o servidor público preencher os requisitos legais para a aposentadoria junto ao serviço público e requerer o gozo desse direito, serão assumidos pelo ente estatal.

Vale lembrar, ainda, que a pretensão de desaposentação, no caso, tem respaldo, também, na Lei nº 8.112/90, que no inciso V do artigo 103, dispõe:

“Art. 103. Contar-se-á apenas para efeito de aposentadoria e disponibilidade:

(...)

V – o tempo de serviço em atividade privada, vinculada à Previdência Social;”

Desta forma, é inegável que o servidor público pode contar o tempo de serviço em que contribuiu ao INSS. Acontece que, como o referido tempo de serviço já foi objeto de contagem para obtenção de benefício previdenciário do INSS (aposentadoria), a possibilidade de aproveitamento dele, para a finalidade acima colimada, depende da renúncia, pelo servidor público, do benefício previdenciário que ora percebe. Afinal, enquanto estiver recebendo a aposentadoria em causa, não poderá utilizar o tempo de contribuição que já serviu de supedâneo para a sua concessão.

E não há, na legislação federal, qualquer vedação de renúncia a proventos de aposentadoria, cujo deferimento, tem, obrigatoriamente, o condão de liberar o tempo de serviço anteriormente aproveitado para todos os fins, inclusive o de futura contagem recíproca junto à União, aos Estados e aos Municípios.

Assim, há de se reconhecer a legitimidade e a legalidade do requerimento de renúncia à aposentadoria para fins de desaposentação, uma vez que na legislação específica da Previdência Social (Lei nº 8.213/91 e Decreto nº 611/92) inexiste qualquer dispositivo legal que vede a renúncia aos direitos previdenciários.

Ressalta-se que a regra, em nosso Direito, é a renunciabilidade dos direitos subjetivos, definidos pela tradição romanística como faculdade de agir ou poder de agir. Ora, o que é faculdade do indivíduo pode ele vir a exercer ou não, logo, o direito subjetivo pode ou não ser renunciado pelo seu titular, salvo, evidentemente, exceções expressas de ordem pública.

Destarte, apesar de não haver previsão legal que autorize a renúncia à aposentadoria, também inexiste proibição expressa, sendo faculdade do beneficiário desistir da mesma. Veja-se, neste sentido, o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Federal da Quarta Região, proferido em sede de apelação sob o nº 2000.04.01079647-2, publicada em 12.09.2000 :

PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA  POR TEMPO DE SERVIÇO, COM EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO.

É perfeitamente válida a renúncia à  aposentadoria, visto que se trata de um direito patrimonial de caráter disponível, inexistindo qualquer lei que vede  o ato praticado pelo titular do direito. A instituição previdenciária não pode contrapor-se à renúncia  para compelir o segurado a continuar aposentado,  visto que carece de interesse. Apelação e remessa oficial desprovidas.”

Esse é o entendimento esposado, ademais, por Wladimir Novaes Martinez, segundo o qual:

“Motivos justificáveis para se anular o ato por vontade do titular são muitos: arrependimento, inadaptação à aposentadoria, inconformidade com o valor, surgimento de uma nova oportunidade de ganhos, transferência do pedido para outro momento, etc. O principal deles, conjunturalmente, é o descontentamento com o nível de benefício e a condição social daí decorrente.” (in “Seguridade Social na Constituição Federal, LTR, 1989, p. 69).

Ora, admitir que o servidor não pode renunciar à aposentadoria pelo INSS seria, via indireta, impedi-lo de conquistar uma aposentadoria no serviço público que lhe pagasse proventos integrais, o que corresponderia, na verdade, a admitir a existência de uma proibição ao exercício do direito constitucional de aposentadoria que não se encontra expressa no ordenamento, ou seja, chegaríamos a uma conclusão absurda e absolutamente distanciada de nosso ordenamento jurídico.


III – A desaposentação na jurisprudência do STJ e em precedentes jurisprudenciais de outros tribunais pátrios

A questão já vem sendo enfrentada há alguns anos e está sedimentada na jurisprudência do E. Superior Tribunal de Justiça, conforme se depreende dos precedentes abaixo colacionados:

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA NO REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DIREITO DE RENÚNCIA. CABIMENTO. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PARA NOVA APOSENTADORIA EM REGIME DIVERSO. EFEITOS EX NUNC. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS. DESNECESSIDADE PRECEDENTES. CONTAGEM RECÍPROCA. COMPENSAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE PREJUÍZO DA AUTARQUIA.

1. É firme a compreensão desta Corte de que a aposentadoria, direito patrimonial disponível, pode ser objeto de renúncia, revelando-se possível, nesses casos, a contagem do respectivo tempo de serviço para obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência.

2. Com efeito, havendo a renúncia da aposentadoria, inexistirá vedação legal do inciso III do art. 96 da Lei nº 8.213/1991, segundo o qual ‘não será contado por um sistema o tempo de serviço utilizado para concessão de aposentadoria pelo outro’, uma vez que o benefício anterior deixará de existir no mundo jurídico, liberando o tempo de serviço ou de contribuição para ser contado em novo benefício.

(...)

4. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o ato de renunciar ao benefício tem efeitos ‘ex nunc’ e não envolve a devolução das parcelas recebidas, pois, enquanto aposentado, o segurado fez jus aos proventos.

(...)

8. Recurso especial provido.

(STJ. Sexta Turma. REsp nº 557231/RS. Rel. Min. Paulo Gallotti. DJU de 16/06/2008)

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E, no mesmo sentido, confira-se:

“PREVIDENCIÁRIO. MUDANÇA DE REGIME PREVIDENCIÁRIO. RENÚNCIA À APOSENTADORIA ANTERIOR COM O APROVEITAMENTO DO RESPECTIVO TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. POSSIBILIDADE. DIREITO DISPONÍVEL. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. NÃO-OBRIGATORIEDADE. RECURSO IMPROVIDO.

1. Tratando-se de direito disponível, cabível a renúncia à aposentadoria sob regime geral para ingresso em outro estatutário.

2. ‘O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ‘ex nunc’ e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureeza alimentar, eram indiscutivelmente devidos.’ (REsp 692.928/DF, Rel. Min. Nilson Naves, DJ de 5/9/05).

3. Recurso especial improvido.

(STJ. Quinta Turma. REsp 663336/MG. Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima. DJ de 07/02/2008)

........................................

“Previdenciário. Aposentadoria. Direito à renúncia. Expedição de certidão de tempo de serviço. Contagem recíproca. Devolução das parcelas recebidas.

1. A aposentadoria é direito patrimonial disponível, passível de renúncia, portanto.

2. A abdicação do benefício não atinge o tempo de contribuição. Estando cancelada a aposentadoria no Regime Geral, tem a pessoa o direito de ver computado, no serviço público, o respectivo tempo de contribuição na atividade privada.

3. No caso, não se cogita a cumulação de benefícios, mas o fim de uma aposentadoria e o conseqüente início de outra.

4. O ato de renunciar a aposentadoria tem efeito ‘ex nunc’ e não gera o dever de devolver valores, pois, enquanto perdurou a aposentadoria pelo regime geral, os pagamentos, de natureza alimentar, eram indiscutivelmente devidos.

5. Recurso especial improvido.

(STJ. Sexta Turma. REsp nº 692628/DF. Rel. Min. Nilson Naves. DJU de 05/09/2005)

Cumpre também trazer precedente da lavra do Desembargador Federal Nelson Bernardes, do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em que foi concedida antecipação de tutela em ação com essa finalidade, qual seja, de extinguir o benefício previdenciário percebido pelo servidor público e determinar ao INSS a expedição de certidão de tempo de serviço para fins de averbação e contagem recíproca no regime próprio dos servidores públicos federais:

“(...) Assim, a jurisprudência vem reconhecendo que o direito à aposentadoria, dado seu caráter patrimonial, é renunciável, possibilitando ao segurado dele dispor, a fim de pleitear outro benefício que lhe seja mais vantajoso, no mesmo regime da Previdência Social ou em regime diverso, naquilo que se convencionou denominar de ‘desaposentação’. Precedentes: STJ. 6ª Turma, RESP nº 692628, Rel. Min. Nilson Naves, j. 17/05/2005, DJU 05/09/2005, P. 515; TRF3, 7ª Turma, AC nº 2000.61.83.004679-4, j. 25/02/2008, DJU 10/04/2008, p. 369.

Aliás, como bem asseverou o C. Superior Tribunal de Justiça que ‘a renúncia à aposentadoria é perfeitamente possível, por ser ela um direito patrimonial disponível. Sendo assim, se o segurado pode renunciar à aposentadoria, no caso de ser indevida a acumulação, inexiste fundamento jurídico para o indeferimento da renúncia quando ela constituir uma própria liberalidade do aposentado. Nesta hipótese, revela-se cabível a contagem do respectivo tempo de serviço para obtenção de nova aposentadoria, ainda que por outro regime de previdência. Caso contrário, o tempo trabalhado não seria computado em nenhum dos regimes, o que constituiria uma flagrante injustiça aos direitos do trabalhador.’ (6ª Turma, AGRESP nº 328101, Rel. Min. Maria Thereza Assis Moura. j. 02/10/2008, DJU 20/10/2008, DJE 20/10/2008).

Isso porque a ausência de vedação legal, em lei ou norma da Constituição Federal, no sentido de proibir a renúncia à aposentadoria, prevelece sobre o disposto no art. 181-A do Decreto nº 3.048/99, o qual, ‘de per si’, não pode estabelecer imposições que aquelas deixaram de prever, sob pena de extrapolar os limites do poder regulamentar do Executivo. Precedentes: TRF3, 8ª Turma, AI nº 2007.03.00089919-0, Rel. Des. Fed. Therezinha Cazerta, j. 17/11/2008, DJF3 27/1/2009.

Sob outro aspecto, o art. 94 da Lei nº 8.213/91 assegura o direito à ‘contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente’.

Uma vez exercido o direito à renúncia da aposentadoria, a contagem recíproca não mais resvala no óbice previsto no art. 96, III, da LBPS, pois então inexistente no mundo jurídico tal benefício. Precedentes: STJ, 6ª Turma, RESP nº 557231, Rel. Min. Paulo Galloti, j. 08/04/2008, DJU 16/06/2008.

Há que se atentar, igualmente, à Lei nº 9.796, de 05 de maio de 1999, que não exige a devolução dos proventos recebidos em razão da aposentadoria renunciada, mas tão-somente dispõe sobre a forma de compensação financeira entre o Regime Geral da Previdência Social e o regime próprio dos servidores públicos, mantendo-se o equilíbrio atuarial dos sistemas. Precedentes: TRF3, 10ª Turma, AMS nº 1999.61.00.052655-9, Rel. Des. Federal Jediael Galvão, j. 19/09/2006, DJU 17/01/2007, p. 875.

Desse modo, conquanto se trate de renúncia com eficácia ‘extunc’, ingressando o segurado no regime estatutário, não se cogita da devolução das prestações mensais percebidas antes da desaposentação, o que se dá apenas se o segurado permanecer no mesmo regime (RGPS). Precedentes: STJ, 5ª Turma, RESP nº 663336, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, j. 06/11/2007, DJU 07/02/2008, p. 001; TRF3, Turma Supl. 3ª Seção, AC nº 2001.61.83.002528-0, Rel. Juíza Fed. Conv. Louise Filgueiras, j. 30/09/2008, DJF3 13/11/2008.

(TRF/3ª Região. Agravo de Instrumento nº 2009.03.00.003463-1/SP. Rel. Des. Federal Nelson Bernardes de Souza. J. em 12/02/2009)

E, no mesmo sentido, ainda, bem fundamentada sentença proferida pelo Juiz Federal Marcus Orione Gonçalves Correia, da 1ª Vara Federal Previdenciária da Seção Judiciáriade São Paulo:

“(...) Não há qualquer possibilidade de que o conceito construído a partir da Constituição Federal, relacionado à própria fundamentalidade do direito, seja obstado por ato administrativo – como se pretendeu no art. 181-B do Decreto nº 3048/99. Se nem mesmo lei poderia impedir a renúncia da aposentadoria para obtenção de situação mais favorável – e não há qualquer disposição legal neste sentido - , mais nítida ainda a limitação de Decreto em fazê-lo.

Portanto, a desaposentação é conceito já consolidado doutrinária e jurisprudencialmente, sendo mesmo permitida de forma monocrática no Superior Tribunal de Justiça, como se verá a seguir.”

(Sentença proferida na Ação de Rito Ordinário nº 2009.61.83.014183-6, promovida por Hilosi Higa, Oswaldo Buzzo e KiyoshiMiike em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS)

O Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região também já assentou, em outros precedentes, que o ato renúncia de aposentadoria gera efeitos “ex nunc”, não impondo o dever de restituir os valores percebidos a título de aposentadoria no Regime Geral da Previdência Social, conforme se depreende da r. decisão monocrática da Excelentíssima Desembargadora Federal Marianina Galante, proferida no agravo de instrumento nº 2004.03.00.006122-3:

“(...)

Ademais, os efeitos da renúncia são ex nunc, ou seja, dão-se da manifestação formal para extinguir a relação jurídico-administrativa-previdenciária da aposentadoria. Nada vicia a concessão do benefício, que gerou conseqüências legítimas, as quais não se apagam com o ato de renúncia.”

E, no mesmo sentido, quanto à desnecessidade da devolução dos valores recebidos a título de aposentadoria aos cofres do INSS, diversos são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e também do Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região:

“Renúncia à aposentadoria. Expedição de certidão de tempo de serviço. Contagem recíproca. Desnecessidade de devolução das parcelas recebidas. Precedentes. Agravo regimental improvido.”

(STJ. AgRg no Ag 961549/GO, Rel. Min. Nilson Naves, Sexta Turma, j. 05/11/2009, Dje 17/05/2010)

“PREVIDENCIÁRIO – APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO – DIREITO À RENÚNCIA PARA POSTERIOR REQUERIMENTO DE APOSENTADORIA ESTATUTÁRIA – POSSIBILIDADE.

A renúncia é ato unilateral voluntário, incluído entre os direitos patrimoniais disponíveis. Portanto, a declaração de vontade do beneficiário independe da vontade do INSS, visto que se trata de abdicação expressa do titular, sem prejuízo próprio, com vistas à inclusão em outro regime. O INSS dentro dos limites de suas atribuições tem competência para expedir certidão de tempo de serviço desde que existentes em seus arquivos os dados sobre os vínculos empregatícios alegados. É incabível a restituição dos valores a título de aposentadoria desde a data da concessão, eis que obtida após o implemento dos requisitos legais e dado que tem caráter alimentar, porque substitui a remuneração do vínculo de trabalho. Deferida a antecipação da tutela, vez que presentes a verossimilhança da alegação e do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, determinando-se a expedição de ofício ao INSS com os documentos necessários para que, independentemente do trânsito em julgado, cesse os benefícios de aposentadoria e expeça as respectivas certidões de tempo de serviço. Remessa oficial improvida. Apelação dos autores provida.”

(TRF/3ª Região. 7ª Turma. AC 2000.61.93.003302-7. Rel. Desembargadora FederalLeide Polo. J. em 22/03/2010. DJ de 14/04/2010)

“PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DO ARTIGO 557, § 1º, DO CPC. RENÚNCIA A BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA A FIM DE UTILIZAR O TEMPO DE SERVIÇO EM REGIME DIVERSO. DEVOLUÇÃO DAS PRESTAÇÕES PREVIDENCIÁRIAS JÁ RECEBIDAS. DESNECESSIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

I – É pacífico o entendimento esposado por nossos tribunais no sentido de que o direito ao benefício de aposentadoria possui nítida natureza patrimonial e, por conseguinte, pode ser objeto de renúncia.

II – Uma vez cancelada a aposentadoria no regime geral, tem o indivíduo o direito de ver computado, no serviço público, o respectivo tempo de contribuição na atividade privada, sob pena deste tempo não ser considerado em qualquer regime, acarretando flagrante injustiça aos direitos do trabalhador.

III – A expedição da certidão de tempo de serviço da autora não pode ser condicionada à devolução imediata à Previdência Social dos proventos de aposentadoria já percebidos, ante a redação do § 9º do art. 201 da Constituição da República, norma auto-aplicável, que assegura a contagem a contagem recíproca do tempo de serviço na administração pública e na atividade privada, sem exigência alguma aos segurado, cabendo aos diversos regimes a compensação financeira, nos termos da lei.

IV – No que tange à verba honorária, o E. STJ já decidiu que se aplica às autarquias o disposto no parágrafo 4º, do art. 20, do CPC (STJ 1ª Turma, REsp 12.077-RJ, Rel. Min. Garcia Vieira, j. em 04.09.1991, negaram provimento, v.u., DJU de 21.10.1991, p. 14.732), razão pela qual ficam mantidos os honorários advocatícios em R$ 515,00 (quinhentos e quinze reais).

V – Agravos interpostos pela parte autora e pelo INSS na forma do artigo 557, § 1º, do Código de Processo Civil improvidos.”

(TRF/3ª Região. 10ª Turma) AC 2008.61.83.013154-1. Rel. Juiz Fed. Convocado David Diniz. J. em 08/02/2011. DJ de 16/02/2011)

“PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA RENÚNCIA. DIREITO DISPONÍVEL. POSSIBILIDADE – DIREITO À EXPEDIÇÃO DE CERTIDÃO DE TEMPO DE SERVIÇO. CONTAGEM RECÍPROCA – DESNCESSIDADE DE DEVOLUÇÃO DAS PARCELAS RECEBIDAS.

- Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a aposentadoria é direito patrimonial disponível, sendo possível a renúncia.

- A renúncia da aposentadoria não atinge o tempo de serviço e contribuição, de modo que viável seu aproveitamento em outro regime previdenciário.

- No caso de renúncia de aposentadoria junto ao RGPS para aproveitamento do tempo no regime estatutário, contado até a data do início da aposentadoria que se terá renunciado, não há necessidade de devolução dos valores recebidos.

- Manifesto direito da parte autora à obtenção de certidão de tempo de serviço a ser expedida pela autarquia federal no prazo assinalado.

- Apelação parcialmente provida.”

(TRF/3ª Região. 7ª Turma. AC 2004.61.05.015263-0, Rel. Desembargadora Federal Eva Regina. J. em 07/12/2009. DJ de 15/01/2010)

Destarte, tendo os valores recebidos durante a aposentadoria no Regime Geral da Previdência Social (RGPS) nítida natureza alimentar, conjugado aos efeitos ex nunc da renúncia à mesma, não há necessidade do segurado devolver os valores aos cofres do INSS.


IV – Considerações finais

À guisa de conclusão, resta evidente que a desaposentação é amplamente permitida pelo ordenamento jurídico.

A aceitação do instituto tomou grande impulso com a decisão proferida no último dia 08.05.2013 pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 1.334.488/SC, relatado pelo Min. Herman Benjamin, que consolidou o entendimento que vem há alguns anos sendo sedimento no âmbito do STJ.

Contudo, a palavra final quanto à possibilidade da “desaposentação”, com o reconhecimento final da legalidade e constitucionalidade da renúncia da aposentadoria recebida junto ao INSS e posterior aproveitamento do tempo de serviço no mesmo ou em outro regime previdenciário (como o regime próprio dos servidores públicos), caberá ao Egrégio Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 381.367/RS, que já teve voto favorável à tese do Min. Marco Aurélio e que se encontra pendente de julgamento por aquela Corte em razão de pedido de vista do Min. Dias Toffoli.

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Sobre o autor
José Alexandre Ferreira Sanches

Advogado em São Paulo (SP). Foi bolsista de graduação junto à FAPESP, tendo desenvolvido pesquisa na área de Direito Privado, com o tema “Contratos Empresariais no Novo Código Civil”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANCHES, José Alexandre Ferreira. A desaposentação e contagem recíproca entre sistemas previdenciários.: Uma análise à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3737, 24 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25387. Acesso em: 22 nov. 2024.

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