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A acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas por integrantes dos quadros ou serviços de saúde militar.

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01/10/2013 às 14:14
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V ACUMULAÇÃO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES PÚBLICAS POR MILITARES DA ÁREA DE SAÚDE.

Aos militares em atividade é proibida a acumulação do cargo militar que ocupa com outro cargo ou emprego público permanente ou temporário, implicando a desobediência a tal vedação na sua transferência para a reserva ou agregação, nos termos da regra do artigo 142, parágrafo 3º, incisos II e III, da Constituição Federal.

A exceção constitucional de acumulação de cargos públicos constante do artigo 37, inciso XVI, alínea “c”, que compreende os profissionais de saúde, refere-se aos servidores civis, considerando que os militares subordinam-se ao regramento próprio estatuído no artigo 142, parágrafo 3º, incisos II e III, da Carta Magna?

Outrossim, a ressalva constante do artigo 17, parágrafo 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, alcança somente os médicos que estavam exercendo dois cargos públicos na data de entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, porquanto que se tratando de regra de natureza transitória, que tem como função regular situações que encontravam-se consolidadas, não pode a mesma ser transformada em norma de natureza permanente e alcançar situações posteriormente a promulgação da Carta Magna?

A interrogação é a respeito da possibilidade constitucional de serem acumulados dois cargos com atividades na área de saúde, sendo um deles exercido em lotação militar. A complexidade do tema gerou múltiplos debates nos Tribunais, os quais já expuseram entendimentos divergentes.

Em se tratando de oficiais militares médicos, que anteriormente à promulgação da Constituição de 1988, exerciam, além do cargo militar, outro privativo de médico na administração pública direta ou indireta, o artigo 17, parágrafo 1º, do ADCT, assegurou expressamente o direito de acumulação, eis o texto:

Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.

§ 1º - É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de médico que estejam sendo exercidos por médico militar na administração pública direta ou indireta.

§ 2º - É assegurado o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que estejam sendo exercidos na administração pública direta ou indireta. (BRASIL, 1988)

A redação do parágrafo segundo, acima transcrito, gerou dúvida quanto à possibilidade de manutenção de acumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, que estivessem sendo exercidos na administração pública direta ou indireta à época da promulgação da Constituição de 1988, pelos demais oficiais militares de outras áreas de saúde.

O Supremo Tribunal Federal ao analisar a questão, inicialmente entendeu pela impossibilidade, sob o fundamento de que o parágrafo 2º é referente aos civis, por conseguinte, não poderia ser estendido aos militares, vez que há norma transitória específica incidente a estes servidores.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CUMULAÇÃO, À ÉPOCA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988, DE CARGO DE AUXILIAR DE ENFERMAGEM EM ENTIDADE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA INDIRETA COM FUNÇÃO DE IDÊNTICA DENOMINAÇÃO NO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. INTELIGÊNCIA DO ART. 17, §§ 1º E 2º DO ADCT.

1. Integrante da Corporação do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal, que exercia, à época da promulgação da Constituição Federal, cumulativamente à função de auxiliar de enfermagem da referida corporação, cargo de idêntica denominação na Fundação Hospitalar do Distrito Federal. Não incidência do art. 17, § 2º da ADCT à espécie, tendo em vista que a norma aplicável aos servidores militares é a prevista no § 1º do art. 17 do ADCT, a qual prevê acumulação lícita de cargos ou empregos por médico militar, hipótese que não se estende a outros profissionais de saúde.

2. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 298189, Relatora: Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, julgado em 17/08/2004, DJ 03-09-2004 PP-00034 EMENT VOL-02162-02 PP-00317 RTJ VOL-00192-03 PP-01051 LEXSTF v. 27, n. 313, 2005, p. 310-316)

A relatora Ministra Ellen Gracie, em seu voto elucida que o entendimento de que a regra do parágrafo 2º inclui, indistintamente, militares e civis, resulta em tornar inútil a regra do parágrafo 1º e não haveria necessidade de tal dispositivo. Portanto, a melhor exegese é a de que a norma transitória, em relação aos servidores civis, não faz distinção entre médico e não médico, sendo suficiente para a lícita acumulação que, à época da promulgação da Constituição de 1988, ocupassem cargos de profissionais de saúde. Entretanto, relativo aos militares à norma distingue entre o médico militar e outros profissionais de saúde. Neste caso, ampliar o sentido da norma permissiva para nela incluir outros profissionais de saúde, é pretender a expansão do princípio da isonomia desconsiderando os próprios limites introduzidos no texto constitucional. Se há um regime permanente distinto, quanto à acumulação de cargos, é natural que as regras transitórias referentes à matéria igualmente sejam assimétricas quanto aos destinatários das normas.

Posteriormente, a Corte Suprema mudou de posição, entendo ser aplicável aos militares da área de saúde o parágrafo 2º, do artigo 17, do ADCT, da Carta Magna de 1988, sob o fundamento de que deve haver interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais. O artigo mencionado amplia o número de servidores beneficiados com a acumulação de cargos, não a restringindo aos profissionais de saúde militares ou civis, mas abrangendo-os, antecipando a alteração do artigo 37, inciso XVI, alínea “c” da Constituição Federal. Deste modo, o artigo 142, incisos II e III da Constituição deve ser interpretado em harmonia com os parágrafos 1º e 2º do artigo 17, do ADCT, para permitir que os demais oficiais militares de outras áreas de saúde exerçam, cumulativamente, dois cargos ou empregos públicos, valendo-se da mesma garantia constitucional afiançada aos médicos militares.

EMENTA: Recurso extraordinário. 2. Acumulação de cargos. Profissionais de saúde. Cargo na área militar e em outras entidades públicas. Possibilidade. Interpretação do art. 17, § 2o, do ADCT. Precedente. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 182811, Relator Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/05/2006, DJ 30-06-2006 PP-00035 EMENT VOL-02239-02 PP-00351 LEXSTF v. 28, n. 331, 2006, p. 222-227)

O relator, Ministro Gilmar Mendes, em seu voto, esclarece que dar interpretação ao parágrafo 2º, do artigo 17, do ADCT em sentido de excluir os profissionais da área da saúde das carreiras militares acarretaria, pelos mesmos fundamentos, igualmente afirmar esta conclusão a alínea “c”, do inciso XVI, do artigo 37 da Carta Magna, o que não se pensa.

Ao apreciar a questão, o Superior Tribunal de Justiça vem admitindo a acumulação cargos, empregos e funções públicas por militares da área de saúde, com o embasamento de que deve haver interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, com a adjudicação do direito de acumulação aos servidores militares que operem no campo de saúde. Mencionando que o Supremo Tribunal Federal fixou tal entendimento ao apreciar o Recurso Extraordinário supracitado, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes. Passando a admitir a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, no âmbito civil e militar, desde que o servidor público não exerça as funções típicas para a atividade castrense, e sim atribuições próprias à profissão civil.

Nesse sentido, cita-se as seguintes decisões do Superior Tribunal de Justiça:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO ESTADUAL. MILITAR. ACUMULAÇÃO DE DOIS CARGOS PÚBLICOS DE MÉDICO. ART. 37, XVI, "C", COM O ART. 42, § 1º, E ART. 142, § 3º, II, TODOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PLEITO. PRECEDENTES. DIVERGÊNCIA. MONOCRÁTICAS.

1. Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão que denegou a segurança em postulação acerca da possibilidade de acumular cargo militar privativo de médico com outro cargo civil, também de médico. A denegação fundou-se em duas razões. A primeira decorre do entendimento de que o art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal, aplicável aos Estados, pelo que dispõe o art. 42, § 1º, da Carta Política, veda o exercício de outra atividade aos servidores militares. A segunda decorre de que o art. 142, §3º, VIII, não recepcionou a isonomia de direitos dos militares com os civis e, logo, não haveria falar em direito a acumulação.

2. O Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que deve haver interpretação sistemática dos dispositivos constitucionais, nestes casos, com a adjudicação do direito de acumulação aos servidores militares que atuem na área de saúde: RE 182.811/MG, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 30.6.2006, p. 35, Ement. vol.2.239-02, p. 351, LEXSTF, vol. 28, n. 331, 2006, p. 222-227. Neste sentido, no STJ: RMS 22.765/RJ, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, DJe 23.8.2010.

3. A jurisprudência trazida como divergente - oriunda do STF e do STJ - refere-se a decisões monocráticas e a um indeferimento de liminar. Ao ponderar sobre a prevalência de entendimento na interpretação da Constituição e da legislação federal, deve-se atribuir força primária aos acórdãos.

Recurso ordinário provido. (RMS 33.357/GO, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 26/09/2011)

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. MILITAR. MÉDICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. NATUREZA CIENTÍFICA. PROFESSOR. POSSIBILIDADE.

1. Discute-se a possibilidade de acumulação dos cargos de médica oficiala da Polícia Militar do Estado de Goiás e de professora da Universidade Federal de Goiás.

2. Com base na interpretação sistemática dos arts. 37, XVI, "c", 42, § 1°, e 142, § 3°, II, da Constituição Federal, a jurisprudência do STJ passou a admitir a acumulação de dois cargos por militares que atuam na área de saúde, desde que o servidor público não desempenhe as funções tipicamente exigidas para a atividade castrense, mas sim atribuições inerentes a profissões de civis (AgRg no RMS 33.703/GO, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 2.8.2012; RMS 33.357/GO, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 26.9.2011; RMS 28.059/RO, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 16.10.2012).

3. Nessa linha, o fato de o profissional de saúde integrar os quadros de instituição militar não configura, por si só, impedimento de acumulação de cargo, o que, entretanto, somente se torna possível nas hipóteses estritamente previstas no art. 37, XVI, da Constituição Federal.

4. O art. 37, XVI, da Constituição impõe como regra a impossibilidade de acumulação de cargos. As exceções se encontram taxativamente listadas em suas alíneas e devem ser interpretadas de forma estrita, sob pena de afrontar o objetivo da norma, que é o de proibir a acumulação remunerada de cargos públicos.

5. É certo que a Constituição disciplinou a situação dos profissionais de saúde em norma específica e nela admitiu a acumulação de dois cargos ou empregos privativos, ambos nessa área (art. 37, XVI, "c").

6. Contudo, não se pode desconhecer que o cargo de médico possui natureza científica, por pressupor formação em área especializada do conhecimento, dotada de método próprio. Essa é, em breve síntese, a noção de cargo "técnico ou científico", conforme se depreende dos precedentes do STJ (RMS 32.031/AC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 24.11.2011; RMS 28.644/AP, Rel.

Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 19.12.2011; RMS 24.643/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, DJe 16.2.2009).

7. A acumulação exercida pela recorrente se amolda, portanto, à exceção inserta no art. 37, XVI, "b", da Constituição Federal. De fato, parece desarrazoado admitir a acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico e, entretanto, eliminar desse universo o cargo de médico, cuja natureza científica é indiscutível.

8. Por fim, verifica-se que é incontroversa a questão da compatibilidade de horários (40 horas semanais, sem dedicação exclusiva na Universidade Federal de Goiás, e 20 horas semanais, no exercício da atividade de médica reumatologista, no Hospital da Polícia Militar de Goiás - fls. 45-46).

9. Recurso Ordinário provido. (RMS 39.157/GO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 07/03/2013)

O Superior Tribunal de Justiça por meio da interpretação sistemática dos artigos 37, inciso XVI, alínea "c", combinado com o artigo 42, parágrafo 1º, e artigo 142, parágrafo 3º, inciso II, da Constituição de 1988, e não à luz do artigo 17 do ADCT, conclui pela legalidade na acumulação por servidor militar com outro na esfera civil, ambos na área de saúde, desde que a atividade desenvolvida não seja caracteristicamente militar, e sim com atribuições inerentes as profissões civis, ainda que a posse em cargo militar seja em período posterior à promulgação da Constituição Federal de 1988. Ou seja, a Corte através da interpretação sistêmica estende a exceção à proibição de acumulação de cargos públicos aos profissionais de saúde das carreiras militares, desde que obedecidos os requisitos constitucionais expressos no artigo 37, inciso XVI, alínea “c”, da Constituição de 1988. Isso porque, a vedação contida no texto constitucional aplica-se ao militar stricto sensu em exercício de suas funções típicas essenciais, que consistem na garantia da soberania e segurança nacional.

Em que pese o alto prestigio da Corte Superior de Justiça, ressalta-se, oportunamente, que no Recurso Extraordinário nº 182.811/MG, o Supremo Tribunal Federal analisava a possibilidade de militares da área de saúde, não médicos, (enfermeiro, dentista...), admitidos em data anterior à promulgação da Constituição de 1988, acumularem o cargo militar com outro exercido anteriormente em outras entidades públicas, uma vez que essa autorização estaria vinculada apenas ao cargo de médico militar, por força do artigo 17, parágrafo 1º, do ADCT. Ou seja, a controvérsia era sobre a aplicabilidade, indistintamente, aos civis e militares, da regra de exceção prevista no parágrafo 2º, do artigo 17, do ADCT, que assegura o exercício cumulativo de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde que estivessem sendo exercidos na administração pública direta ou indireta à época da promulgação da Carta Magna de 1988. Entendeu o Supremo Tribunal Federal que o artigo 42, parágrafo 3º, da Constituição Federal, deve ser interpretado em consonância com os parágrafos 1º e 2º do artigo 17, do ADCT para estender, aos demais militares da área de saúde a mesma garantia constitucional assegurada aos médicos militares.

Ocorre que, em junho de 2012, no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo nº 695.388/RJ, o relator Ministro Luiz Fux, em decisão monocrática, entendeu que somente aos servidores militares que, anteriormente à Constituição Federal de 1988, já ocupavam outro cargo de médico na esfera civil, foi assegurada a garantia de acumulação nos cargos na esfera civil e militar, à luz do artigo 17, parágrafo 1º, do ADCT, conforme decisão transcrita:

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO ADMINISTRATIVO. MÉDICO. ACUMULAÇÃO DE CARGOS NA ESFERA MILITAR E CIVIL POSTERIORMENTE À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. IMPOSSIBILIDADE DA ACUMULAÇÃO PRETENDIDA.

1. É firme a jurisprudência desta Suprema Corte no sentido de que a previsão constitucional de acumulação de cargos, contida no art. 37, XVI, destina-se aos servidores públicos civis. Aos militares aplica-se regramento específico no que diz respeito à acumulação de cargos, o qual estipula que o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil será transferido para a reserva (artigos 42, § 1º e 142, § 3º, II).

2. Apenas aos servidores militares que, à época da promulgação da Constituição Federal de 1988, já ocupavam outro cargo de médico na esfera civil, foi assegurada a garantia de acumulação nos cargos no âmbito civil e militar, em razão do disposto no artigo 17, § 1º, do ADCT.

3. In casu, o acórdão recorrido assentou: “ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CUMULAÇÃO DE CARGOS. PROFISSIONAL DA SAÚDE. CARGOS DE MÉDICO DO HOSPITAL DOS SERVIDORES DO ESTADO E DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ART. 37, XVI, ‘C’, DA CRFB/88. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. POSSIBILIDADE. O art. 37, XVI, ‘c’, da CF/88 admite a cumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, exigindo, todavia, a compatibilidade de horários. 2. No presente caso restou comprovada tal circunstância, indispensável para autorizar a pretendida cumulação. 3. A Administração Pública considerou ilícita a cumulação dos dois cargos de médico, em razão da condição de militar do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro. Correta a sentença, uma vez que a vedação (art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal) deve se restringir às funções militares típicas, já que a função exercida na área de saúde não tem caráter militar. Precedente do STJ (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – 22765, Processo: 200602089978). 4. Agravo retido não conhecido. Apelação da União e remessa necessária desprovidas.”

4. Agravo provido para conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, denegando a segurança.

Decisão: Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu recurso extraordinário interposto com fundamento no artigo 102, III, “a”, da Constituição Federal, em face de acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, assim ementado:

“ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CUMULAÇÃO DE CARGOS. PROFISSIONAL DA SAÚDE. CARGOS DE MÉDICO DO HOSPITAL DOS SERVIDORES DO ESTADO E DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ART. 37, XVI, ‘C’, DA CRFB/88. COMPATIBILIDADE DE HORÁRIOS. POSSIBILIDADE. 1. O art. 37, XVI, ‘c’, da CF/88 admite a cumulação de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regulamentadas, exigindo, todavia, a compatibilidade de horários. 2. No presente caso restou comprovada tal circunstância, indispensável para autorizar a pretendida cumulação. 3. A Administração Pública considerou ilícita a cumulação dos dois cargos de médico, em razão da condição de militar do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro. Correta a sentença, uma vez que a vedação (art. 142, § 3º, II, da Constituição Federal) deve se restringir às funções militares típicas, já que a função exercida na área de saúde não tem caráter militar. Precedente do STJ (Recurso Ordinário em Mandado de Segurança – 22765, Processo: 200602089978). 4. Agravo retido não conhecido. Apelação da União e remessa necessária desprovidas.” (fl. 221)

Nas razões de recurso extraordinário, a União aponta ofensa aos artigos 37, XVI, 42, e 142, § 3º, da Constituição Federal. Sustenta que O Tribunal a quo negou seguimento ao apelo extremo por entender que a preliminar de repercussão geral carece de fundamentação e o exame da controvérsia demanda o reexame do contexto fático-probatório. No agravo, alega-se que a controvérsia dispensa a análise dos fatos e provas e restou devidamente fundamentada sua repercussão geral.

É o relatório. DECIDO.

O recurso merece prosperar.

É firme a jurisprudência desta Suprema Corte no sentido de que a previsão constitucional de acumulação de cargos, contida no art. 37, XVI, destina-se aos servidores públicos civis. Aos militares aplica-se regramento específico no que diz respeito à acumulação de cargos, o qual estipula que o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil será transferido para a reserva (artigos 42, § 1º e 142, § 3º, II).

Destaco, a propósito, que apenas aos servidores militares que, à época da promulgação da Constituição Federal de 1988, já ocupavam outro cargo de médico na esfera civil, foi assegurada a garantia de acumulação nos cargos no âmbito civil e militar, em razão do disposto no artigo 17, § 1º, do ADCT. 

In casu, todavia, constata-se que a recorrida ocupa os cargos de médica no Corpo de Bombeiros Militar do Estado desde 2002 e no Hospital dos Servidores do Estado desde 2006.

Avulta-se, pois, inviável a acumulação pretendida pela autora, tendo em vista que seu ingresso nos quadros da carreira militar deu-se em período posterior à promulgação da Constituição Federal.

Nesse sentido, colaciono os seguintes precedentes: RE 387.789, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 12/12/2005; RE 298.189-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, DJ de 03/09/2004; RE 492.704, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 04/11/2008; e AI 734.060, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Dje de 15/12/2008.

Ex positis, dou provimento ao agravo para conhecer e dar provimento ao recurso extraordinário, denegando a segurança (art. 557, §1º-A, do CPC). Sem honorários (Súmula 512 do STF). Publique-se. Int.. Brasília, 29 de junho de 2012. (ARE 695388, Relator: Min. LUIZ FUX, julgado em 29/06/2012, publicado em DJe-150 DIVULG 31/07/2012 PUBLIC 01/08/2012)

Depreende-se da leitura da decisão que o Ministro não segue a corrente da interpretação sistemática que estende a possibilidade de exercício de dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde da área militar e civil. Sustentando o posicionamento que é assegurado ao médico militar o exercício cumulativo de cargos ou empregos no âmbito civil e militar, desde que, à época da promulgação da Constituição de 1988, já eram exercidos.

Pelo exposto, podemos concluir que há uma divergência na Corte Suprema sobre a (in)aplicabilidade do parágrafo 2º, do artigo 17, do ADCT, indistintamente, a profissionais da área de saúde civis e militares, já que, a norma transitória do parágrafo 1º, do mesmo artigo, que versa especificamente dos militares, compreende apenas os médicos que estavam exercendo dois cargos públicos na data de entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. É importante salientar que os precedentes do Excelso Pretório foram analisados à luz do artigo 17, do ADCT, que resguarda as situações jurídicas consolidadas à época da promulgação da Constituição Federal de 1988.

No entanto, o entendimento atualmente prevalente na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, ainda que posteriormente à promulgação da Carta Magna de 1988, é possível a acumulação de dois cargos privativos na área de saúde, na esfera civil e militar, desde que o servidor público não desempenhe na instituição militar as funções características da atividade da caserna, com base na interpretação do artigo 37, inciso XVI, conjugado com o artigo 142, parágrafo 3º, inciso II, da Constituição. Uma vez que, a restrição do artigo 142, deve se restringir às funções militares típicas.

Por fim, é importante fazer referência ao artigo 29, parágrafo 3º, da Lei nº 6.880 de 9 de dezembro de 1980 (Estatuto dos Militares). Vejamos:

Art. 29. Ao militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista, em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada.

[...]

§ 3º No intuito de desenvolver a prática profissional, é permitido aos oficiais titulares dos Quadros ou Serviços de Saúde e de Veterinária o exercício de atividade técnico-profissional no meio civil, desde que tal prática não prejudique o serviço e não infrinja o disposto neste artigo. (BRASIL, 1980)

Infere-se da leitura do dispositivo que o legislador com a intenção de desenvolver a prática profissional autoriza aos oficiais dos Quadros ou Serviços de Saúde e de Veterinária a exercer atividade técnico-profissional no meio civil, entretanto é necessário observar duas condições: que não prejudique o serviço e não infrinja o disposto no artigo, ou seja, desde que haja compatibilidade com a atividade militar e não se constitua especificamente de comercio/empresarial, nem na administração ou gerência de sociedade ou dela ser sócio ou participar, salvo como acionista ou quotista, em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada.

Aqui cabe lembrar o magistério de Marçal Justen Filho ao comentar a possibilidade de acumulação do cargo público com a atividade privada:

Se as características do cargo e da atividade privada forem compatíveis entre si, poderá admitir-se a acumulação do seu desempenho. Mas dever-se-á, sempre, dar preferência ao cargo público. Isso significa que o sujeito deverá respeitar as regras pertinentes ao desempenho do cargo, dedicando-se à atividade privada fora das repartições e dos horários próprios da função pública.

A atividade privada apenas será admitida se não acarretar prejuízo à atividade própria do cargo público. (2005, p. 599)

Trata-se aqui, de autorização para que esses militares desempenhem atividade técnico-profissional no meio civil de âmbito privado. É equívoco, portanto, concluir que este dispositivo autoriza aos oficiais dos Quadros ou Serviços de Saúde e de Veterinária a tomar posse em cargo ou emprego público permanente, uma vez que esta vedação é imperativo constitucional confirmado pelo Estatuto dos Militares.

Observa-se ainda que, nesta regra em particular, o legislador mitigou, para esses militares em especial, o caráter de dedicação exclusiva das atividades castrenses, possibilitando o exercício de atividade privada em acumulo com o cargo militar.

 

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Mainel Silva. A acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas por integrantes dos quadros ou serviços de saúde militar.. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3744, 1 out. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25439. Acesso em: 29 mar. 2024.

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